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Por que uma nova revista, por que chamá-la Interesse Nacional, por que lançá-la agora, com que objetivos?
Sendo necessariamente genérica, a noção de interesse nacional não tem uma definição precisa. De um lado, porque, sobre o que seja concreta e especificamente o interesse nacional, haverá sempre visões não coincidentes, apoia- das em valores e/ou interesses diferentes. De outro, porque a definição do interesse nacional requer um juízo informado, mas sempre político e não estritamente técnico, sobre riscos e oportunidades que se apresentam à realização dos valores e interesses de um país em cenários estratégicos de longo prazo. E estes serão, sempre, objeto de incerteza e controvérsia.


O interesse nacional é, pois, uma construção política. Para nós, é uma meta, sempre fugidia, a ser constantemente perseguida pelo exercício do debate público e da deliberação democrática, que se especifica concretamente nas diversas áreas da ação política. Mas a partir de alguns pressupostos.


A democracia e a inserção internacional são parte do interesse nacional brasileiro, aquela como valor, esta como objetivo. Se a democracia é um valor que queremos preservar, e se a inserção internacional é hoje, mais do que nunca, uma condição do desenvolvimento, resta perguntar como se inserir no mundo para fortalecer a democracia e promover o desenvolvimento. Para responder a essa pergunta, pelo debate e pela controvérsia, é que esta revista foi
criada. Ao chamá-la Interesse Nacional, queremos ressaltar que, diante desse desafio, estamos todos no mesmo barco. E que essa noção aparentemente abstrata deve servir de referência na definição dos rumos que o país deve seguir.
A hora nos parece oportuna porque o Brasil está hoje em condições de se perguntar, seriamente, sobre quais sejam os seus interesses nacionais e projetá-los num horizonte que vai além da conjuntura imediata. E se propor, não menos seriamente, a atingi-los. Não apenas está em condições, senão que está obrigado a fazê-lo. De um lado, porque ganhou maior liberdade de ação ao libertar-se, primeiro, do jugo da inflação e, depois, do espectro da crise iminente do balanço de pagamentos. De outro, porque, no acúmulo dessas conquistas, por trás das quais há um amadurecimento institucional significativo, embora não uniforme, o país ampliou a sua presença no mundo e a presença do mundo ampliou-se entre nós. Um mundo em mutação, que nos desafia a identificar e tomar posições em variados temas e cenários, do meio ambiente às finanças, passando pelo comércio, pelos investimentos, no âmbito do sistema das Nações Unidas, da OMC, de acordos bilaterais, de acordos regionais.


No passado foi mais fácil tomar posições. O mundo e o Brasil eram mais simples e a interação entre ambos, menor. Industrializar-se era condição do desenvolvimento. Por necessidade ou por ideologia, o Estado tomou a dianteira do processo. Definiu os papéis dos jogadores,

distribuiu incentivos e proteção a cada um e administrou o jogo. Um jogo que se fechou em torno de poucos jogadores, no período do regi- me autoritário. O setor privado, nacional e estrangeiro, sentou-se à mesa, mas quem mandava no jogo era o Estado. E, dentro do Estado, uma elite burocrática, civil e militar. Isso no quadro de uma sociedade que conservava uma declinante, mas ainda significativa população rural, em que as comunicações se faziam por cabos e telégrafos, só depois por satélites, sem bytes nem bits, conexões on line ou coisas do gênero.


No regime autoritário, as posições se definiam em variações em torno do mesmo tema, a industrialização: mais ou menos participação do capital privado, mais ou menos interferência do Estado, na margem, dentro de um modelo consolidado e compatível com uma economia mundial que ainda se organizava em mercados nacionais, uns no centro do sistema, os países mais desenvolvidos, já industrializados, outros na periferia, em busca de, mas com relações transnacionais ainda incipientes. O meio ambiente era assunto marginal e assim foi por muito tempo. Os direitos humanos idem. Os fluxos de capital eram minguados. Nos fóruns internacionais, participávamos com algum destaque apenas do GATT, cuja jurisdição, no entanto, tinha alcance restrito sobre as nossas decisões internas. Na lógica binária da guerra fria, não sendo o Brasil do bloco comunista, as opções variavam entre uma aproximação maior ou menor aos Eua.


É radicalmente distinto o contexto em que a questão do interesse nacional se coloca hoje no Brasil. Pela ótica dos atores, vêem se mais jogadores e uma redistribuição de poder entre eles: o Estado perde força para em tudo influir de maneira determinante, as corporações multinacionais ganham cacife no jogo, mas, assim como as empresas brasileiras, algumas delas também multinacionais, não atuam em bloco, o mesmo podendo ser dito da sociedade, que se diversificou, urbanizou-se quase por completo, expressa-se por meio de um eleitorado de massa, e pressiona através de grupos de interesse para sentar-se à mesa e ser ouvida nas suas várias vozes. Pela ótica dos processos, vê-se um número maior de arenas relevantes – não apenas o Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário – para não falar nesse meio di- fuso que é a opinião pública, a qual não decide diretamente, mas influencia as decisões e lhes dá ou retira legitimidade. Pela ótica da agenda, vê-se que os temas se multiplicaram e imbricaram a agenda nacionial com uma agenda global em formação, bastando lembrar a propósito as negociações em torno da mudança climática. Ou seja, considere-se o assunto pela ótica que se quiser e a conclusão será a mesma: a definição dos interesses nacionais é hoje um pro- cesso muito mais complexo e difícil do que foi no passado. Mas não menos necessário. Talvez ainda mais necessário.


Se é verdade que a “globalização”, para bem ou para mal, restringe o leque de escolhas viáveis, não menos verdade é que ela não elimina-la por completo a liberdade de escolha, assim como não suprime o espaço onde as escolhas são feitas, o espaço das soberanias nacionais. Em outras palavras, o lugar de um país no mundo global e a sua capacidade de gerar bem-estar às suas populações dependem, em última instância, das escolhas que ele internamente souber fazer, corrigir ou sustentar, ao longo do tempo, a partir de uma determinada interpretação de seus interesses e valores comuns e de uma certa leitura das oportunidades e riscos que o ambiente externo oferece à sua realização. A experiência histórica mostra que os países que foram capazes de gerar maior bem-estar para as suas populações foram aqueles que compatibilizaram a disputa e a alternância democráticas com a construção de políticas de Estado.
Claro que, em termos genéricos, sabemos o que queremos. Queremos democracia, que- remos crescimento econômico, queremos distribuição melhor da renda, queremos maior integração com o mundo, queremos a Paz, em especial em nosso entorno geográfico.

A concordância genérica em torno desses objetivos, embora importante, é porém insuficiente. Insuficiente porque inespecífica. Um país não precisa definir o seu interesse nacional em torno de todas as questões da agenda pública, mas em torno de algumas é crucial que o faça. Algumas são óbvias, outras nem tanto. A revista buscará identificar essa questões, as mais óbvias e as menos óbvias, assumindo que estará explorando um terreno cujos limites ainda cabe definir melhor.


Em países mais ativos na definição de estratégias de inserção no mundo global, a noção de interesse nacional permeia os embates parlamentares, as disputas eleitorais, o debate público em geral. Nesses países, ao redor do sistema político, há todo um conjunto plural de instituições e publicações especializadas em oferecer informação, análise e interpretação sobre riscos e oportunidades que o mundo apresenta, da perspectiva das necessidades e aspirações nacionais, o que supõe discutir estas também. Se é verdade que, em última instância, as de- cisões se dão dentro do sistema político, elas ocorrem sob a influência de um entorno social onde têm presença think tanks e revistas capazes de identificar, decodificar e interpretar questões percebidas como relevantes para a definição do tipo de inserção do país no mundo.


No Brasil, esse ambiente ainda é muito rarefeito. Continuamos com os olhos voltados quase inteiramente para dentro, muitas vezes sem nos dar conta das implicações de longo prazo das decisões que tomamos ou deixamos de tomar em face de decisões que outros tomam. É mais do que hora de analisar e debater em profundidade as janelas que se abrem e as janelas que se fecham às nossas melhores oportunidades em um mundo onde os equilíbrios de poder econômico e político estão em transformação, onde uma nova divisão internacional do trabalho está sendo desenhada, onde as bases energéticas do crescimento econômico estão em xeque, onde as instituições de governança multilateral nas áreas financeira, comercial, de segurança se mostram aquém dos desafios colocados pela nova realidade política e econômica mundial.


A revista buscará mobilizar os recursos intelectuais disponíveis no país – nos governos, nos partidos, no setor privado, nas univesidades, nos sindicatos etc. – para destrinchar e esmiuçar, normalmente pelo contraste de pontos de vista diferentes, as questões concretas em que se desdobra a agenda de desafios para o desenvolvimento do Brasil. Do meio ambiente à defesa nacional, da economia à política social, da educação à política industrial. De tal forma que o leitor possa entender, em relação a cada uma das questões em pauta, o que está em jogo e quais as posições mais relevantes sobre o que fazer e como fazer para beneficiar o país numa perspectiva de longo prazo.


A revista não defenderá essa ou aquela visão. Não promoverá convergências de opiniões. Seu único compromisso é com o debate qualificado de idéias e com a relevância das questões levantadas, na interseção crescente entre os assuntos domésticos e os assuntos internacionais.


Neste primeiro número, são cinco os temas abordados, por oito autores que conhecem por dentro os assuntos de que tratam. Com visões contrastantes, o embaixador Rubens Barbosa, que chefiou várias embaixadas e missões diplomáticas importantes do Brasil no exterior, e Marco Aurélio Garcia, assessor especial do presidente Lula para assuntos de política ex- terna, escrevem sobre a política externa do atual governo para a América do Sul, em geral, e para a Venezuela, em particular. Os economistas Gustavo Franco, um dos pais do Real e ex-presidente do BC no governo FHC, e Luiz Gonzaga Belluzzo, que integrou a equipe do Cruzado e é interlocutor freqüente do presidente Lula, debatem se o “consenso econômico” reinante tem ou não bons fundamentos e quão longe pode nos levar no caminho do desenvolvimento. O embaixador Everton Vargas, que chefiou a delegação brasileira na última conferência da convenção sobre o clima, em Bali, em dezembro de 2007, faz a defesa da posição

adotada pelo Brasil nas negociações em andamento. Estas já buscam definir os novos termos de um acordo global para enfrentar a mudança climática e seus efeitos, após o término da primeira fase de implementação do Protocolo de Quioto, em 2012. Joaquim Falcão, professor de Teoria do Direito da FGV-RJ e membro do Conselho Nacional de Justiça, põe em discussão os usos patológicos do Judiciário pelo Executivo, para concluir que a reforma do Judiciário requer reforma mais ampla dos usos e costumes do Executivo. Eugenio Bucci, ex-presidente da Radiobrás no atual governo, expõe sua crítica às razões alegadas para a criação da TV Brasil e reflete sobre o papel que uma emissora pública de televisão deve desempenhar numa democracia. Por fim, Cláudio Moura Castro, um dos nossos mais conhecidos especialistas em políticas de educação, diagnostica as tendências reais e analisa as vantagens e desvantagens de uma suposta internacionalização do ensino superior no Brasil.

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