16 janeiro 2025

O Brasil é um país ‘bom’ para o mundo?

A percepção internacional sobre o Brasil é marcada por uma complexa dicotomia, coexistindo elementos que projetam uma imagem positiva e atrativa com outros que evidenciam desafios sérios e urgentes. A abundância de atributos contrastantes gera uma imagem ambígua e instável, que pode gerar confusão e insegurança entre os públicos internacionais

Ilustração criada com uso de inteligência artificial (Foto: Dall-E)

Com a crescente competitividade internacional, a imagem de um país transcendeu a esfera econômica, tornando-se um ativo estratégico fundamental na geopolítica mundial. A construção e gestão da reputação nacional, iniciada na década de 1960 com estudos sobre a percepção dos produtos de um país, evoluiu para o conceito de marca-país, que engloba aspectos culturais, políticos e sociais. 

Diversas lentes teóricas, desde então, buscam sua solidez conceitual-prática na conhecida marca-país que pode ou não remeter à uma favorável ou desfavorável reputação nacional. Num cenário internacional competitivo, estratégico e dinâmico, países são cada vez mais vistos e agem como marcas, afinal, os lugares cada vez mais entendem que suas marcas não são apenas uma função de desempenho econômico ou apelo turístico, mas também de influência cultural, relações diplomáticas e reputação global.

‘A imagem do país faz parte de um processo perceptivo a curto prazo, aparente e instintivo, enquanto a reputação atua em um processo perceptivo a médio e longo curto prazo, evidenciado e consciente — ambas dependem da identidade do lugar’ 

A imagem do país faz parte de um processo perceptivo a curto prazo, aparente e instintivo, enquanto a reputação atua em um processo perceptivo a médio e longo curto prazo, evidenciado e consciente — ambas dependem da identidade do lugar (país, região, cidade ou bairro) para comunicação da marca do lugar. Enfim, países buscam transmitir sua identidade para projeção de sua imagem e consolidação de sua reputação com ações tanto de place branding (gestão de marca de lugar) como de public diplomacy (diplomacia pública). 

Um dos desenvolvimentos mais significativos nas últimas duas décadas foi a crescente convergência de marca de lugar e diplomacia pública — marca de lugar focada na promoção de destinos, criação de imagem e diplomacia pública centrada no relacionamento entre governos e públicos estrangeiros — evoluiu para uma abordagem muito mais integrada (Florek & Pamment, 2024). 

‘Imagem, reputação e marca de país são temas recentes na literatura científica, mas que a partir de 2000 cresceram exponencialmente pelo mundo afora’

Cada país tem uma imagem, seja ela positiva ou negativa, que pode ser avaliada qualitativamente ou quantitativamente, com dados públicos ou não (pesquisas cientificas de percepção de imagem ou reputação de país). Imagem, reputação e marca de país são temas recentes na literatura científica, mas que a partir de 2000 cresceram exponencialmente pelo mundo afora (Mariutti, 2017). 

Branding para lugar parte da infelicidade que grande parte da animosidade demonstrada em relação ao conceito de marca de lugar surge diretamente do entendimento popular ou simplesmente da palavra ‘marca’, levando a uma suposição de que os praticantes e apoiadores da disciplina desejam marcar nações como gado — em outras palavras, colocar um logotipo atraente e um slogan cativante e comercializar a coisa como se fosse nada mais do que um produto no supermercado. Quando, por outro lado, as melhores lições, técnicas e observações de branding avançado são aplicadas de forma inteligente, responsável e imaginativa a lugares, as consequências são fascinantes, de longo alcance e potencialmente transformadoras do mundo, como já abordado por Anholt (2005).

Também, diversos índices, como o Good Country Index e o Nation Brands Index, avaliam a reputação do Brasil e apontam tanto para seus pontos fortes quanto para suas fragilidades. 

‘Desde 2014, o Índice do Bom País (The Good Country Index – GCI) idealizado por Simon Anholt na Inglaterra, avalia as contribuições e impactos de cada nação no bem comum global, desconsiderando suas ações internas’

Desde 2014, o Índice do Bom País (The Good Country Index – GCI) idealizado por Simon Anholt na Inglaterra, avalia as contribuições e impactos de cada nação no bem comum global, desconsiderando suas ações internas. O GCI visa medir como os países influenciam o mundo que compartilhamos, em vez de suas políticas domésticas. Finlândia lidera em primeiro lugar, seguido da Suécia e Alemanha.  

O Brasil, de acordo com o relatório de 2024 do The Good Country Index, em sua versão 1.6, desempenha um papel significativo e multifacetado no cenário global, entre 163 países, ocupa o 75º lugar no ranking geral. Na categoria Ciência e Tecnologia, o país se posiciona em 103º lugar, contribuindo de forma quase equilibrada por meio de exportações de periódicos, publicações internacionais, prêmios Nobel e patentes. No entanto, enfrenta desafios na promoção da Cultura, com contribuições abaixo da média em eventos internacionais, ocupando o 113º lugar. Na Paz e Segurança Internacional, o Brasil ocupa o 142º lugar, categoria referente à contribuição com tropas de manutenção da paz e se destaca na segurança da internet, mas enfrenta desafios devido a dívidas em atraso para os orçamentos da ONU e exportações de armas abaixo da média. 

‘No âmbito da Ordem Mundial, o Brasil mantém uma posição média, com destaque na recepção de refugiados e assinatura de tratados da ONU, mas ocupando o 46º lugar devido a dívidas em atraso para os orçamentos da ONU’

No âmbito da Ordem Mundial, o Brasil mantém uma posição média, com destaque na recepção de refugiados e assinatura de tratados da ONU, mas ocupando o 46º lugar devido a dívidas em atraso para os orçamentos da ONU. Em relação ao Planeta e Clima, o país demonstra uma abordagem mista, com forte compromisso com o cumprimento dos acordos ambientais e energia renovável, embora enfrente desafios na proteção do ozônio, ocupando o 39º lugar. 

Na Prosperidade e Igualdade, o Brasil contribui melhor do que a média para a Prosperidade e Igualdade através da lavagem de dinheiro, alçando o 66º e contribui melhor do que a média para a Saúde e Bem-Estar por meio da ajuda alimentar, se posicionando em 87º lugar em qualidade de vida (The Good Country, 2024). 

Simon Anholt, reconhecido como o pioneiro do Anholt Nation Brands Index, tem sido fundamental na evolução dos conceitos de nation brand (marca de nação), city brand (marca de cidade) e place brand (marca de lugar ou localidade) alinhadas ao espectro da diplomacia pública ao longo de três décadas. Sua abordagem revolucionária destacou a importância crucial da formulação da imagem de nações, cidades e localidades. 

‘Anholt propõe uma mudança paradigmática significativa, introduzindo o conceito de Identidade Competitiva. que vai além da construção de imagens por meio de estratégias de marketing e relações-públicas, enfatizando a necessidade de os governos redefinirem fundamentalmente seu comportamento intrínseco’

No entanto, Anholt (2010) propõe uma mudança paradigmática significativa, introduzindo o conceito de Competitive Identity (Identidade Competitiva). Essa nova abordagem vai além da construção de imagens por meio de estratégias de marketing e relações-públicas, enfatizando a necessidade de os governos redefinirem fundamentalmente seu comportamento intrínseco. Isso implica não apenas em comunicar uma mensagem, mas em agir conforme com ela. 

Essa mudança paradigmática sugere uma nova abordagem na administração da reputação nacional e local, destacando a importância da congruência entre as declarações políticas e as práticas governamentais (Mariutti & Tench, 2016). 

Os dados apresentados no Nation Brand Index 2023, em parceria Anholt-Ipsos, indicam que o Brasil manteve sua posição estável, permanecendo em vigésimo sétimo lugar, o que reflete a importância crescente de uma abordagem de competividade internacional para a gestão da reputação de marca. 

‘No Ranking de Notícias dos Melhores Países (2023), conduzido nos Estados Unidos, o Brasil foi avaliado em 28º lugar’

Já no Ranking de Notícias dos Melhores Países (2023), conduzido nos Estados Unidos, o Brasil foi avaliado em 28º lugar. Suíça, Japão e Estados Unidos lideram o ranking mundial. Este estudo fornece uma visão sobre a percepção internacional do Brasil em diferentes áreas-chave. 

Notavelmente, o país se destacou em três categorias principais: Aventura, ocupando o 1º lugar, o que sugere uma forte associação com atributos como amizade interpessoal, aspectos recreativos, atratividade turística, beleza natural, clima favorável e uma atração geral para os visitantes. Além disso, na categoria de Motores, o Brasil alcançou a 9ª posição, indicando a presença de elementos distintivos, dinamismo e singularidade em sua identidade nacional. 

A Influência Cultural do Brasil também foi reconhecida, posicionando-o em 11º lugar, o que ressalta a relevância das tendências, contemporaneidade e o impacto das marcas de consumo brasileiras no cenário global. 

Entretanto, é importante notar que o Brasil experimentou uma leve queda em sua posição em comparação com o ano anterior, com pontuações inferiores, particularmente em aspectos relacionados a negócios e qualidade de vida. Isso sugere uma percepção mista sobre o ambiente empresarial e as condições de vida no país, refletindo possíveis desafios enfrentados em termos de estabilidade econômica e bem-estar social. Essa avaliação, embora revele áreas de destaque, também aponta para áreas de oportunidade para melhorias, tanto em termos de política pública quanto reputação internacional.

‘O Brasil, como muitas nações, busca consolidar sua marca-país, mas enfrenta desafios complexos e frequentes’

O Brasil, como muitas nações, busca consolidar sua marca-país, mas enfrenta desafios complexos e frequentes. Embora tenha avanços em áreas como acordos ambientais e ordem mundial, a percepção internacional do país é marcada por uma imagem ambígua e desconfiada, com atributos positivos como a diversidade cultural, a beleza natural e ser o celeiro alimentício, contrapondo-se a desafios como a violência, impunidade e a desigualdade social. 

A percepção internacional do Brasil é marcada por uma complexa dicotomia, coexistindo elementos que projetam uma imagem positiva e atrativa com outros que evidenciam desafios sérios e urgentes. A abundância de atributos contrastantes, como a rica diversidade cultural e a beleza natural, por um lado, e a violência, a desigualdade social e os problemas ambientais, por outro, gera uma imagem ambígua e instável do país. Essa heterogeneidade, ao invés de fortalecer a marca Brasil, pode gerar confusão e insegurança entre os públicos internacionais. Para superar essa dicotomia e construir uma narrativa mais coerente e positiva, é fundamental que as ações de place branding e public diplomacy sejam coordenadas de forma estratégica, transmitindo mensagens claras, autênticas e abrangentes sobre a realidade brasileira. Além disso, é essencial envolver diversos atores sociais e políticos nesse processo, buscando um maior alinhamento entre as políticas públicas e a imagem projetada internacionalmente.

Por fim, a imagem de um país é um recurso diligente reputacional, moldado por diversos fatores internos e externos. Para construir uma reputação sólida e duradoura, o Brasil precisa adotar uma abordagem estratégica e integrada, que combine esforços de marketing, diplomacia e políticas públicas. 

A marca de um país ou cidade em sua forma avançada é principalmente sobre pessoas, propósito e reputação — embora alguns reduzem em lugar, dinheiro e interesses. Portanto, a construção de uma imagem de país eficaz exige mais do que campanhas de marketing. É fundamental que as ações governamentais sejam coerentes com a imagem desejada, promovendo uma identidade competitiva, após estudos robustos, que transcenda a retórica e se manifeste em políticas públicas concretas.

Fabiana Gondim Mariutti atua como pesquisadora, professora universitária e consultora; obteve pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração e bacharel em Comunicação Social. Estuda a imagem, reputação e marca Brasil desde 2010. Interesse nas áreas de Place Branding e Public Diplomacy. Nomeada Place Brand Expert pelo The Place Brand Observer, na Suíça. Autora do recente artigo: “When place brand and place logo matches: VRIO applied to Place Branding”, de dois livros e sete capítulos de livros

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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