Edição 44

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Os artigos desta edição versam sobre as perspectivas para a esquerda e a direita, no País, após as eleições de 2018. Pela primeira vez, os brasileiros passam a conviver com um governo declaradamente de direita, com todas as implicações dessa tendência nos campos econômico, social, político, educacional e cultural, nas áreas de política externa e de meio ambiente, entre outras.

Ainda é cedo para se detectar os resultados internos e externos da aplicação do novo pensamento, liberal na economia e conservador nos costumes. Por enquanto, resta-nos entender essa nova matriz ideológica.

O recém-eleito deputado federal pelo PSL, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, diz: “A direita que surge carrega consigo os novos discursos dos conservadores e liberais, que são opostos integralmente à realidade progressista existente. Ambos prezam uma economia de mercado como força motriz do desenvolvimento, pouca intervenção do Estado em aspectos sociais e um governo local, não global, descentralizado, e próximo à realidade das famílias e das comunidades. Não há nada na organização política do Brasil de hoje em linha com essa propositura”.

O economista Gustavo Franco, um dos criadores do Plano Real e filiado ao partido Novo, explica o que chama de “Primavera Liberal”, título do artigo que abre a edição. “Em tempos recentes, o liberalismo era insistentemente dado como morto, especialmente durante o apogeu da era petista, mas, nesta eleição, alguma coisa mudou. Siglas como MBL, VPR, RAPS e Renova, cuja origem tinha que ver com as mobilizações associadas ao impeachment e o anseio por uma ‘nova política’, adquiriram musculatura ao eleger filiados seus para o Legislativo, através de diversas agremiações partidárias, incluindo o Novo, Rede, Democratas, PPS, entre outros. Muitos dos eleitos são assumidamente comprometidos com pautas liberais na economia, coisa que não se via desde que Roberto Campos deixou o parlamento no começo de 1994”, escreve Franco.

O cientista político Denis Lerrer Rosenfield destaca que “valores conservadores e liberais passaram a ser representados eleitoralmente, expondo um cenário diante do qual tanto os tucanos quanto os petistas ficaram desorientados. A novidade, segundo o autor do artigo “Conservadores e Liberais”, é que “a direita mostrou uma diversidade própria, seja em relação aos costumes e aos valores morais e religiosos, seja em relação à economia”. Ao lutar contra a criminalidade generalizada e pelo direito à autodefesa e à segurança pública, Bolsonaro resgatou valores e princípios que fazem parte, conforme ensinava Hobbes, da própria constituição do Estado, diz o articulista.

O embaixador Rubens Barbosa, editor responsável desta Revista, faz uma análise dos desafios internos (econômicos, políticos e sociais) e externos (como buscar um lugar adequado para o Brasil, uma das dez maiores economias do mundo). “O governo que se iniciou em 1o de janeiro enfrentará desafios internos e externos e não terá muito tempo para tomar medidas que permitam ao Brasil voltar a crescer, aumentar a geração de emprego e reduzir as desigualdades regionais e individuais. Não terá muito tempo igualmente para, na política externa, reinserir o Brasil nos fluxos dinâmicos da economia e do comércio exterior e para fortalecer a voz do Brasil no cenário internacional”.

Artigos de André Singer, Fernando Rugitsky, Lincoln Secco e Renato Janine Ribeiro refletem sobre as perspectivas da esquerda e da formação de uma frente democrática, como resposta à eleição do direitista Jair Bolsonaro.

Para Singer e Rugitsky, respectivamente professores de Ciência Política e de Economia da USP, apesar da urgência da constituição de uma frente democrática, há dois obstáculos a serem enfrentados: “o primeiro relaciona-se à dinâmica das organizações partidárias, que dificulta até mesmo a unidade entre setores da esquerda com maior convergência programática. O segundo refere-se a divergências profundas sobre o lugar do Estado na promoção do crescimento econômico, que inviabilizam a ação conjunta de setores ‘democráticos’ vinculados a diferentes posições do espectro político”.

Os autores concluem: “a extrema-direita neoliberal brasileira, em contraste com o populismo de direita que está em alta no mundo, abre um espaço para a resistência democrática aliar defesa da democracia com recusa do neoliberalismo. Uma conjunção, aliás, que parece ser a condição para formação da ampla frente social, construída desde baixo”.

Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia na USP e ex-ministro da Educação na gestão de Dilma Rousseff, diz: “quando no Brasil, pela primeira vez na história, elege-se um presidente cujo plano de governo apresenta a educação não como promessa, mas como ameaça, não como algo em que ter esperança, mas como algo de quem ele tem medo, torna-se importante lembrar que, nos tempos em que o fascismo se aprestava a triunfar, não havia nada dessa atividade otimista, promissora de um mundo melhor, que hoje enxergamos entre os jovens, entre os educadores, os sanitaristas, os defensores da inclusão social, empenhados em promover uma sociedade melhor. É nisso que a esquerda deve, mesmo sem ter o monopólio destas pautas, apostar”.

Para Lincoln Secco, professor livre docente de História Contemporânea na USP, “traçar cenários diante de tanta incerteza é muito difícil. Até um acontecimento inesperado pode mudar tudo. Mas, independentemente disso, caberá à esquerda construir políticas que apontem para rumos seguros em meio à tormenta. Reagrupar-se em torno de questões capazes de produzir amplos consensos. Parte dos dirigentes está surpreendentemente convencida dessa necessidade e realisticamente atada à diversidade de interesses que atravessam os partidos. Não haverá unidade, mas pode haver união em torno de lutas concretas”.

O diplomata de carreira Sergio Abreu e Lima Florencio é autor do artigo “O Brasil da Transição Civilizada (2003) à Eleição Polarizada (2018). O Papel das Instituições nos Avanços e Retrocessos”. Ele analisa o papel das instituições brasileiras no processo político e econômico durante os últimos 15 anos. “As instituições contribuíram para profundas transformações no país – de perfil inclusivo e extrativo – a partir da década de 1930. Durante a segunda metade da década de 1990 e os primeiros anos 2000, com o saneamento da economia e a modernização do Estado, ganharam força as instituições inclusivas. Entretanto, a partir de 2008 e, mais claramente na década de 2010, com o governo Dilma, o extrativismo prevalece em nossas instituições. O corolário dessa involução é que, hoje, o país volta a viver uma conjuntura política, econômica e social que, embora guardando semelhanças com seu início (2002), se apresenta visivelmente mais sombria”.

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