A ausência de uma efetiva política governamental de combate aos ilícitos na Amazônia nas áreas de desmatamento, queimadas e garimpo, inclusive nas terras indígenas, é o principal fator para a percepção negativa do Brasil no exterior e para a baixa credibilidade do país.
O Instituto Escolhas publicou recentemente relatório – Raio X do Ouro: mais de 200 toneladas podem ser ilegais, em seguimento a outro trabalho sobre o comércio de ouro publicado em junho de 2021. O estudo fez o cruzamento de dezenas de bases de dados, com os 40 mil registros de comercialização, com imagens de satélites do MapBiomas, e com processos de mineração abertos na Agência Nacional de Mineração (ANM).
Os indícios de ilegalidade apresentados na exploração e na exportação do ouro podem ser resumidos em:
-títulos de extração que avançam sobre Terras Indígenas (TI) ou Unidades de Conservação (UC), onde a mineração não é permitida;
– “títulos fantasmas”, onde não há indícios de extração ocorrendo, mostrando que podem estar sendo usados para a “lavagem de ouro”;
– títulos onde há indícios de que a extração ocorre para além dos limites geográficos autorizados;
– sem a informação sobre os títulos de origem, que é obrigatória e, na sua ausência, torna a origem do ouro duvidosa;
– na exportação, sem os registros correspondentes nos dados da produção oficial.
Em 2020, foram produzidos 92 mil quilos de ouro e desse montante, há indícios de ilegalidade em 46% da produção. Metade do ouro vem da Amazonia, principalmente do Mato Grosso e do Pará. 85 territórios indígenas e 64 unidades de conservação estão afetados pelos pedidos de pesquisa para o ouro
Chama a atenção a informação sobre a redução do volume de ouro extraído de terras indígenas a partir de 2018 – o que contrasta com os sucessivos flagrantes de invasão de garimpeiros feitos pelos próprios indígenas, por instituições de pesquisas, e pela própria Polícia Federal. Esta redução coincide com o aumento de registro de títulos fantasmas. Tudo indica que o minério extraído pelo garimpo ilegal em terras indígenas passa por um processo de lavagem de ouro, aparecendo como se tivesse sido fruto de mineração em áreas onde não se constata qualquer atividade.
Todo o ouro que sai dos garimpos precisa ser vendido para empresas autorizadas pelo Banco Central. Como inexistem controles das autoridades do governo federal, o ouro ilegal pode ser declarado como vindo de áreas aprovadas. Basta indicar nos registros o número de um título de extração válido. Assim, o ouro é “lavado” e entra no mercado como se fosse legal.
O estudo mostra que, entre 2015 e 2020, quatro empresas movimentaram 79 toneladas, um terço de todo o volume com indícios de ilegalidade apontado no trabalho. Segundo o estudo, as quatro empresas comercializaram um total de 90 toneladas de ouro entre 2015 e 2020 – neste montante, há 50 toneladas sem informações sobre os títulos de origem; 13,5 toneladas que vieram de 352 títulos sem indícios de atividade de extração, ou seja, títulos que podem ser considerados fantasmas; 14 toneladas compradas de 167 títulos com indícios de extração para além dos limites autorizados; e 1,5 tonelada de 4 títulos sobrepostos a Unidades de Conservação onde a mineração é proibida.
Na discussão e regulamentação efetiva dessa matéria, o Congresso Nacional desempenha um papel central. Está em tramitação projeto de lei (PL 836/2021) de autoria do senador Fabiano Contarato que cria as bases para um sistema de rastreabilidade do ouro extraído no Brasil, a ser feito pelo Ministério de Minas e Energia, a Agência Nacional de Mineração e o Banco Central.
Recentemente o governo federal deu prioridade ao exame pelo Congresso do Projeto de Lei 191/20 que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas e prevê permissão para lavra garimpeira em terras indígenas em áreas definidas pela ANM, desde que haja consentimento das comunidades indígenas afetadas. A agência concederá o prazo de 180 dias para que as comunidades indígenas afetadas manifestem interesse em realizar a garimpagem diretamente ou em parceria com não indígenas. Em reação à perspectiva de aprovação desse projeto, o IBRAM (Instituto Brasileiro de Mineração) manifestou-se publicamente contra o projeto por não ser adequado para os fins a que se destina – regulamentar o dispositivo constitucional que prevê a possibilidade de implantação de atividades econômicas em terras indígenas como geração de energia, produção de óleo, gás e mineração.
O garimpo ilegal talvez seja hoje o problema mais sério para evitar o aumento do desmatamento na Amazônia e para sustar a evasão de divisas pelo contrabando e exportação ilegal do minério. A ação de grandes companhias, sem fiscalização adequada, e o aparecimento de organizações vinculadas ao crime organizado, como o PCC e o Comando Vermelho, tornam hoje difícil coibir a ilegalidade, no garimpo, na grilagem, no corte de madeira, mas também a repressão nas rotas do tráfico de drogas para a Europa.
Nos últimos 4 anos, foram aprovados 50 requerimentos para exploração mineral em territórios proibidos. A Amazônia está se transformando no El Dorado da ilegalidade pela inércia do Poder Público.
Rubens Barbosa, presidente do IRICE e ex-embaixador em Londres e Washington