Depois de mais de vinte anos do início da negociação, o Brasil, em 2019, assinou com os EUA, o acordo de salvaguarda tecnológica, aprovado em novembro de 2022 pelo Congresso, o que viabilizou comercialmente o Centro de Lançamento de Alcantara (CLA). Sua abertura para mercado começou em 2020, quando a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Aeronáutica celebram acordo para permitir a utilização por entidades privadas.
No cenário internacional, coincidentemente surgiu uma nova era no espaço com uma forte participação do setor privado nas atividades espaciais. Com foco na criação e exploração de negócios, a iniciativa privada passou a lançar mão de diversos avanços tecnológicos (entre eles a miniaturização de componentes), da incorporação de produtos qualificados em outros segmentos (como os provindos do setor automotivo e de comunicações), de formas mais ágeis de produção, entre outros fatores que lhes conferem maior rapidez de desenvolvimento, menores custos e flexibilidade para composição de arranjos de negócios.
O mercado registrou assim um crescimento exponencial para satélites de porte reduzido (pequenos, micro e nanossatélites). Com isso, cresceu a demanda por lançadores de satélites de pequeno porte. Surgiu, assim, uma janela de oportunidades para o CLA, cujo agenda de lançamentos estava praticamente vazia, devido à falta de operador nacional. Ao final de 2022, das quatro empresas estrangeiras inicialmente qualificadas pela AEB para negociação com a Aeronáutica, duas já estavam com contratos assinados: a C6 (canadense) e a Innospace (sul-coreana).
Antes mesmo de celebrar o contrato para exploração de atividades comerciais, a Innospace, empresa sul coreana, negociou uma cooperação em Pesquisa e Desenvolvimento com o Departamento de Ciência e Tecnologia Aerospacial e estabeleceu-se a Operação Astrolábio. Com ela, a Innospace obteve a oportunidade de testar em voo o motor a propulsão híbrida que, até então, só havia sido testado em solo. A Innospace desenvolveu um veículo de apenas um estágio, que levaria a bordo uma carga útil de interesse brasileiro. Essa carga útil foi o sistema de navegação inercial (SISNAV), desenvolvido no IAE com recursos providos pela AEB. Tal sistema aguardava, há anos, a oportunidade de voar e ser testado em condições reais de voo. Embora não se tratando de uma operação de lançamento de satélite, e sim um voo suborbital, tinha o mérito de exercitar praticamente todo o conjunto de meios e procedimentos necessários a uma operação complexa de transporte espacial. A Operação Astrolábio iniciou-se no quadrimestre final de 2022, envolvendo atividades novas no cenário brasileiro, tais como a logística de transporte multimodal e respectivos desembaraços alfandegários; a definição de critérios para estabelecimento de seguro contra acidentes; a logística de fornecimento de gases não disponíveis na região; o desenvolvimento de procedimentos do CLA adaptados à operação com entidade privada, entre outros.
Superadas dificuldades técnicas, no último 19 de março, o veículo sul-coreano foi lançado. Esse lançamento – o de número 500 do CLA – marcou a história do Centro por ter sido o primeiro voo de testes com uma entidade privada, dentro do esforço de abertura do Espaçoporto de Alcântara para o mercado de transporte espacial. O Espaçoporto de Alcântara, além do lançamento de satélites, pode ser utilizado para outras atividades, entre as quais as de testes de motores e de outros subsistemas.
O CLA está tecnicamente capacitado a prover os meios de preparação, lançamento e rastreio. O conjunto de procedimentos logísticos e regulatórios brasileiros, elaborado na parceria da AEB com a Aeronáutica, provê as condições mínimas para a operação com entidades privadas.
Existem, porém, alguns desafios a serem superados, como a definição de uma entidade que possa realizar, de forma continuada e com capacidade de reinvestimento, a promoção comercial e a condução dos serviços de apoio às atividades espaciais, em cooperação com a Aeronáutica (p. ex., empresa pública ou com participação pública de forma a ter direitos estratégicos). Além disso, será necessário concluir instalações básicas do CLA para permitir a plenitude de sua operação e dar início efetivo à implantação de programa, estabelecido, em dezembro de 2022, entre o governo federal e entidades locais, para melhorar as condições de transporte, comunicações e saneamento em Alcântara. Com isso, ficará viabilizado um polo tecnológico e turístico e o desenvolvimento de uma região de grande potencial ainda não plenamente aproveitado. Para a eventual ampliação do Centro, negociações com quilombolas deverão ser levadas a efeito. No Congresso Nacional terá de ser discutida e aprovada uma lei de atividades espaciais que forneça segurança jurídica para operadores nacionais e estrangeiros.
O Brasil poderá, finalmente, valer-se da utilização efetiva do Centro para desenvolver todo potencial estratégico que o local mais apropriado no mundo para lançamentos espaciais pode oferecer. Nessa nova fase, recursos para o programa espacial brasileiro, com o veículo lançador de satélites, colocado de lado durante tantos anos, precisa ganhar nova prioridade.
Rubens Barbosa, presidente do Centro de Estudos de Defesa e Segurança Nacional (CEDESEN)