Comentário de Paulo Wrobel – (IRI/PUC-Rio)
De todas as áreas onde as iniciativas recentes do presidente norte-americano Donald Trump parecem apontar na direção de alterações radicais em relação ao seu antecessor Barack Obama, talvez seja na área política-estratégica onde os riscos e os custos seriam maiores. Com excessões como Israel, Japão, Arábia Saudita e alguns poucos outros, as relações dos Estados Unidos com o resto do mundo vem se deteriorando sensivelmente durante os dez primeiros meses da administração Trump. Medidas unilaterais como, entre outras, nas áreas ambiental, energética, comercial, no tocante ao multilateralismo e as organizações internacionais bem como nas alianças com parceiros tradicionais alteraram significativamente o quadro das relações no ano corrente.
Dada a seriedade e os riscos associados às medidas tomadas ou em vias de serem tomadas em questões político-estratégicas, creio que a postura americana diante da República Democrática Popular da Coréia (Coréia do Norte) e do Irã seriam os casos potencialmente mais graves no tocante a assegurar a confiança na liderança de Washington.
Recentemente, o presidente Trump anunciou que estaria enviando ao Congresso a não certificação do JCPOA (Joint Comprehensive Plan of Action). Recordo que este acordo foi concluído, após intensas negociações entre o Irã e o grupo P5+1 (os cinco membros do Conselho de Segurança mais a Alemanha) em julho de 2015. Em vigor por um período de entre dez e quinze anos, o acordo sofre, agora, o risco de ir a pique se o Congresso autorizar o reestabelecimento de sanções comerciais à Teerã.
Os meses que antecederam a conclusão do acordo foram de intenso debate, polêmicas e pressões no Congresso e na opinião pública americanas. A grande maioria do Partido Republicano, e alguns membros do Partido Democrata, se opunham tenazmente ao acordo, sob diversos argumentos, mas que poderiam ser sintetizados na visão de que a teocracia iraniana não seria confiável. Argumentava-se de que o fim das sanções comerciais e o desbloqueio dos recursos iranianos advindos da exportação de petróleo e gás natural iriam injetar recursos expressivos na economia iraniana que seriam usados para aumentar a influência de Teerã no complicadíssimo quadro político regional do Oriente Médio, ampliando o apoio de Teerã a uma agenda radical xiita, profundamente hostil a Israel e aos estados sunitas da região.
De lá para cá, o Irã certamente viu sua influência regional se expandir e possivelmente seria, hoje, o ator mais influente no Oriente Médio. Além disso, a atuação decisiva do Irã na defesa do governo de Al Assad na Guerra Civil Síria e o fortalecimento do Hizbolá no Líbano apontariam para a relevância das políticas xiitas na deterioração do quadro político-militar daquela conturbada região. Lembro, ainda, a atuação destacada da Guarda Republicana iraniana, verdadeiras forças armadas independentes super bem equipadas e treinadas, responsáveis pelo programa missilístico iIraniano.
Diante de profunda polêmica, a solução de compromisso inventada pelo Senado americano para aceitar o JCPOA – o Iran Nuclear Agreement Review Act (INARA) – foi a de que a cada três meses o Presidente deveria certificar que acordo estaria sendo cumprido por Teerã. Durante o último ano do Governo Obama isto não foi um problema. Apesar de suas críticas contundentes (“o pior acordo”) o mesmo ocorreu nas duas ocasiões em que Trump deveria certificar o acordo em março e junho passados. Recentemente, porém, Trump decidiu por não certificá-lo e enviá-lo ao Congresso para que este tome a decisão de mantê-lo, reformá-lo ou anulá-lo.
Pode-se entender que haveria, no mínimo, dois objetivos cruciais para o Governo de Trump: o primeiro seria acabar com anecessidade de certificá-lo a cada três meses, o segundo o de reformar, não necessariamente abolir, o acordo. Para a segunda meta, Washington teria que contar com a aquiescência dos outros signataários além, é claro, de Teerã, o que parece, neste momento, impossível.
As reforma almejadas pela administração Trump incluiriam a alteração dos prazos acordados para a vigência do acordo e ainclusão de outros componentes ademais do nuclear quanto as atitudes de Teerã a respeito da segurança regional e internacionalnuclear. O JCPOA é um acordo de contenção do programa militar nuclear do Irã e não um acordo que incluiria outras questões referentes à segurança regional e internacional. Assim, dificilmente Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha vão concordar em convocar Teerã para novas rodadas de negociação visando alterar o comportamento iraniano de agressivo para mais moderado. Resta, então, aguardar os sessenta dias de prazo para que o Congresso se manifeste a respeito da manuteção, alteração, que deve ser negociadaentre as partes, ou a suspensão do acordo.