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O FIM DA “REGRA MUNDIAL DE MORDAÇA” COMO UM PONTO DE DISTANCIAMENTO ENTRE O BRASIL E OS EUA

Renato Whitaker *

Na manhã de 21 de janeiro de 2021, um dia após o início da nova administração de Joseph R. Biden Junior, o czar da saúde pública estadunidense, Dr. Anthony Stephen Fauci, anunciou que o recém-assumido governo planeja permanecer um membro da Organização Mundial de Saúde e que participaria da iniciativa internacional Covax, que ajudaria na distribuição de vacinas de Sars-Cov-2 para países necessitados. Uma saída da OMS pela parte do antigo governo de Donald Trump estava planejada para julho deste ano[1]. Como parte desse anúncio, Fauci também declarou que Biden planejava revogar a Política da Cidade de México, assinalando um apoio aberto do seu governo para os direitos e acesso à saúde reprodutiva. 

A Política da Cidade de México, também conhecido como a Regra Mundial da Mordaça por seus críticos (Global Gag Rule no inglês original), é uma política instalada no governo conservador de Ronald Reagan em 1984. Seguindo a última Conferência de Internacional sobre População e Desenvolvimento na Cidade do México, a política restringia o apoio financeiro a qualquer instituição estrangeira de planejamento familiar que praticava, aconselhava ou mesmo defendesse a interrupção da gravidez como parte do espectro do planejamento familiar[2].

Elaborado em prol da diminuição do aborto, a política afetou a abrangência de serviços de saúde reprodutiva e planejamento familiar, particularmente em países subdesenvolvidos. Organizações governamentais ou do terceiro setor precisam se censurar nas suas ações e advocacia para receber o, às vezes crucial, auxílio financeiro estadunidense (e carregar o fardo do compliance interno para provar a sua adesão à Política), ou se divorciar desse apoio e tentar operar independentemente. Na prática, isso restringiu não somente o acesso ao aborto mundial, mas também de inúmeros outros serviços paralelos ao planejamento familiar, como o monitoramento e tratamento de doenças como câncer de mama, câncer uterino e HIV/Aids. Ironicamente, a Política da Cidade de México também pode causar um aumento de ocorrências de abortos (inseguros e ocultos) ao restringir a malha de serviços de saúde e justiça reprodutiva como o provisionamento de contraceptivos[3]. Desde sua criação, governos americanos sob a liderança do Partido Republicano mantenham a Política em vigor, enquanto os do Partido Democrata a anulam.

O governo republicano de Donald Trump aderiu à tradição, mas também expandiu o seu escopo e abrangência da Política (e seu tornando impacto ainda mais restritivo) – em 2017 reinstalou a Regra da Mordaça, e ditou que qualquer organização estrangeira de saúde (mesmo não sendo focado em planejamento familiar) não seria apta para auxílio financeiro estadunidense se advogasse pelo aborto legal. Essa nova estipulação aumentou a quantia de apoio afetada de USD 600 milhões para USD 12 bilhões[4], dificultando projetos em áreas como saneamento básico, programas de nutrição e o combate às doenças como malária e tuberculose. Em 2019, esta política foi estendida ao seu ápice de cobertura: restringia o apoio de Washington a qualquer organização que mantivessem laços ou cooperação a outras organizações que ousavam não se abster do apoio ao aborto.

Há duas razões para sublinhar essa mudança de postura do governo de Biden. Primeiro, e em geral, como demonstrado anteriormente o afrouxamento dos ditames da Política da Cidade de México afetará uma linha de financiamento bilionário dos Estados Unidos para numerosos países. O efeito desse financiamento auxiliará, principalmente, um setor crucial para a causa da saúde e emancipação das mulheres. Adicionalmente, ao aumentar o acesso à educação e saúde reprodutiva, afeta-se diretamente as demografias desses países e, portanto, a demografia geral-mundial; contribui, ao longo prazo, à transição demográfica e para a conquista de níveis populacionais sustentáveis[5].

Em segundo lugar, num aspecto mais próximo a nós, a retração da Política da Cidade de México assinala mais um distanciamento do eixo do governo estadunidense ao do governo de Jair Messias Bolsonaro. Embora questões de saúde e direitos femininos tende a tomar um lugar secundário no âmbito da realpolitik nas relações interestaduais, a postura de um governo perante assuntos como esses assinala o privilégio de certos valores ao outros, que conduz ao melhor entendimento entre Estados ou, no caso de divergência, dificultam laços mais próximos.  Como elaborado pelo colunista Jamil Chade[6], o novo governo americano apresenta uma ruptura de valores não somente com o Brasil, mas com um bloco de aproximadamente 30 países governados majoritariamente por países da extrema-direita populista que negariam qualquer política interna ou externa que possibilitasse o aborto. No caso das relações Brasil-EUA, a extinção da Regra da Mordaça é um termômetro demonstrando (ao lado de outros fatos políticos como a volta do governo Biden ao Acordo de Paris, a sua elaboração de políticas públicas baseadas na ciência e a sua atitude mais branda à migração) o crescente distanciamento entre os dois estadistas, dentro do âmbito de uma infrutífera política externa brasileira recente de alinhamento automático com o governo Trump.

Pesquisador de Risco Político, Relações Internacionais e Demografia

 

[1] “Biden’s US revives support for WHO, reversing Trump retreat”, AP, 21 janeiro 2021

[2] “What is the Global Gag Rule?”, Planned Parenthood Action Fund.

[3] “The devastating impact of Trump’s global gag rule”, The Lancet, 15 julho 2019

[4] ” The Unprecedented Expansion of the Global Gag Rule: Trampling Rights, Health and Free Speech”, Guttmacher Institute, 28 abril 2020

[5] “Soluções”, The Overpopulation Project

[6] “Biden sinaliza fim de aliança antiaborto com Brasil”, UOL, 21 janeiro 2021

 

 

 

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