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O Itamaraty de Lula

A exemplo do governo anterior, a política externa do governo Lula terá forte influência presidencial. Simbolicamente, a primeira ação no exterior começou domingo na Argentina com o encontro do presidente Lula com o presidente Alvarez em Buenos Aires e com a volta do Brasil à Comunidade de Estados da América Latina e Caribe (CELAC). Com esse gesto, retoma-se à uma relação normalizada com a Argentina e retoma-se o estreito contato com a região, corrigindo dois equívocos da era Bolsonaro na política externa.

As linhas principais da política exterior, definidas pelo presidente Lula, e detalhadas pelo ministro Vieira, indicam o marco no qual o Brasil volta ao mundo com o protagonismo que se espera de um país da nossa dimensão e com interesses nacionais próprios. 

Haverá um “enorme trabalho de reconstrução depois de um retrocesso sem precedentes em nossa política externa pela visão ideológica limitante”.  Nesse sentido, o Itamaraty retomou as relações com a Venezuela com a designação de um embaixador em Caracas e a reabertura dos Consulados para voltar a oferecer assistência aos brasileiros naquele país. Está também enviando missão ao exterior para avaliar a reabertura de algumas embaixadas na África e no Caribe; retornou à política tradicional de apoio a criação de dois Estado na disputa entre Israel e Palestina, com crítica à visita de Ministro da extrema direita de Israel a Esplanada das Mesquitas em Jerusalém. Na área ambiental, foi criada uma secretaria sobre meio ambiente e mudança de clima, foi reativado o Fundo Amazônico, com a participação da Noruega e da Alemanha, reforçou o compromisso de cumprir o Acordo de Paris; voltou ao Pacto Global de Migrações; retificou alguns votos nas Nações Unidas recuperando as tradicionais posições da diplomacia nacional; promoveu mudanças nas principais embaixadas, efetuou mudanças na estrutura da Chancelaria e pela primeira vez uma mulher assumiu o segundo posto mais importante do ministério e outra embaixadora irá chefiar a embaixada em Washington.

Os acontecimentos de 8 de janeiro em Brasília mudaram a agenda inicial do governo Lula e o Itamaraty deve ter de focalizar também sobre os prejuízos causados à percepção externa pelo impacto das imagens da destruição nos prédios púbicos sobre a instabilidade política e a força da democracia e das instituições no Brasil. O rápido controle da situação com as medidas tomadas restabeleceu, embora precariamente, o clima de tranquilidade, devidamente apreciada no exterior, com o apoio ao governo brasileiro e a condenação aos atos antidemocráticos.

A crítica aos desmandos na política externa nos primeiros dois anos do governo anterior poderia ter sido mais dura e direta em vista dos prejuízos para a projeção externa do Brasil, bem como poderia ter sido reconhecida a força da Instituição, apesar das dificuldades derivadas das limitações impostas pelas restrições ideológicas presidenciais. Foram reconstruídas pontes com a China e a Argentina, e modificadas algumas posições nas discussões em fóruns internacionais, em especial, no tocante ao meio ambiente e mudança de clima.

O Itamaraty vai ter de enfrentar o desafio de buscar recuperar seu papel central de coordenação de temas que tenham repercussão externa. Ao longo dos últimos quatro anos, o Itamaraty perdeu espaço em temas como comércio exterior (mesmo no Mercosul), meio ambiente e mudança de clima, agenda de costumes, direitos humanos, entre outros. No novo governo, o Itamaraty começa perdendo a APEX e enfrenta o desafio de tentar coordenar as ações externas das pastas de Meio Ambiente, da Autoridade Ambiental, Direitos Humanos, Mulheres, Igualdade Racial e povos indígenas. O ministro Vieira disse ser “reconfortante saber que poderá contar com Celso Amorim no Palácio para ajudar na reconstrução do patrimônio diplomático”. Como a nova administração vai lidar com a questão do esvaziamento do papel do Itamaraty como principal formulador e executor da política externa?

Falta ainda uma referência mais clara à geopolítica global. Qual a posição em relação ao BRICS. As tensões EUA-China e a guerra na Ucrânia, estão trazendo impactos na política externa, de defesa e comercial de todos os países. Apesar da declaração de Biden de que não vai pedir que os países escolham um lado na divisão global, não será surpresa se lealdades começarem a ser cobradas, sobretudo se houver uma escalada bélica e o conflito se ampliar além da Ucrânia. O Brasil tem de defender seus valores ocidentais e preservar seus interesses asiáticos. Ao contrário dos que acham que o Brasil terá de escolher um lado, será importante evitar alinhamentos automáticos, como assinalado em relação aos EUA, livre de influências ideológicas e geopolíticas. A maioria dos países em desenvolvimento da África, América Latina e Asia tem-se manifestado contra a divisão do mundo, apresentada como um fato consumado. Em entrevista recente, o ministro Vieira declarou, acertadamente, que o Brasil vai seguir o interesse nacional (político, econômico e comercial), mantendo uma posição de independência em relação aos dois lados. A política externa é uma política de Estado, devendo afirmar-se acima de ideologias ou preferências partidárias.

Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington e presidente do IRICE

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