Por Renato Whitaker
Na madrugada de 3 de janeiro, um ataque aéreo lançado por um “drone” não tripulado dos Estados Unidos (EUA) matou pelo menos duas pessoas no Aeroporto Internacional de Bagdá. Uma das baixas foi o major-general iraniano Qasem Soleimani – e desde que seu assassinato fora confirmado, analistas de ramos desde a política e segurança internacional aos adivinhos dos mercados estão na alerta máxima para a ampliação do conflito e instabilidade no Oriente-Médio.
Qasem Soleimani era o comandante-mor da Força Quds – a brigada do Exército dos Guardiães da Revolução Islâmica responsável pela guerra clandestina, não convencional e do apoio a militâncias islâmicas aliadas ao Irão no entorno geográfico do país (de fato, a outra baixa confirmada na noite do ataque foi o chefe subalterno de um grupo militante iraquiano apoiado por Teerã). O Exército dos Guardiões é um poder militar paralelo na República Islâmica e, crescentemente, um poder político considerável. Soleimani era sublinhado como sendo a segunda pessoa mais importante no aparato governamental iraniano; seu assassinato já foi apresentado como sendo o equivalente à morte de o chefe da câmara ou até a um vice-presidente em um sistema governamental presidencialista.
Os EUA e Irão estão num embate por décadas pela controle e influência geopolítica no Oriente Médio, particularmente nos moldes da competição milenar entre poderes políticos dos mulçumanos sunitas e xiitas. Em anos mais recentes, esse impasse tem-se gravitado em torno das pretensões de Irã de construir uma indústria nuclear local, que Washington acusa de ser um plano visando ao armamento nuclear. O ataque contra Soleimani é o fato mais recente e mais exacerbante de um conflito de atritos entre o Irão e os EUA que historicamente tem incluído assassinatos, ataques cibernéticos, terrorismo, e, em dias anteriores, o apoio a uma invasão e depredação de iraquianos na embaixada estadunidense em Bagdá[1].
Não é claro o quanto Irão vai aumentar a sua agressividade em resposta ao último desafio estadunidense. Embora Teerã tem se preparado militarmente para resistir uma invasão estadunidense, parece pouco provável que o governo islâmico e suas instituições sobreviveriam uma guerra convencional contra Washington. O que seria mais provável é que Teerã aumenta a agressividade e frequência de seus ataques assimétricos (contra forças estadunidenses ou de países aliados e suas infraestruturas), através de grupos aliados como Hamas na Gaza, Hezbollah no Líbano e os rebeldes Houthis no Iêmen. Um exemplo de sua capacidade ocorreu em setembro do ano passado, quando um ataque houthi de “drones” danificou duas das principais refinarias de petróleo da Arábia Saudita. Adicionalmente, Irão sempre possui uma “opção estratégica última” de interromper, ou fechar por completo, o fluxo de embarcações pelo Estreito de Ormuz, uma das passagens navais mais travessas do mundo, atrapalhando os mercados globais de petróleo e comércio.
Para o Brasil, no curto prazo, duas consequências possíveis se apresentam:
Primeiramente, o preço de petróleo aumentará precipitadamente com a erupção de um conflito, ou de vários conflitos menores, no Oriente-Médio. Desde a madrugada do 3 de janeiro, o preço de um barril de petróleo “Brent” subiu três dólares, para mais de 69 dólares por barril[2], e o preço médio do barril de petróleo aumentou por volta de dois dólares. Embora Brasil é, teoricamente, autossuficiente na sua produção de petróleo, na prática as refinarias brasileiras largamente não são adequadas para trabalharem o tipo e qualidade de petróleo que o país produza[3]. Com isso, Brasil exporta muito de sua produção petrolífera (algo que traria mais receitas a Petrobras e à tributação pública), mas importa uma grande quantidade de derivados de petróleo, particularmente combustível de aviação e gás liquefeito de petróleo[4]. Embora as receitas com a exportação de petróleo bruto podem continuar a serem mais altas do que os custos das importações de derivados, é provável que um agravamento dos conflitos no Oriente-Médio implicaria um encarecimento dos preços de vários combustíveis para o brasileiro comum.
Em segundo lugar, é possível que o Brasil seja pressionado a tomar um papel mais ativo, pela ingerência dos Estados Unidos, que crescentemente tenham se afastados de sua posição tutelar da segurança internacional ocidental para incitar aliados, ou semialiados, nos níveis mais locais a tomarem conta de suas próprias seguranças; uma estratégia de “buck-passing” (transferir o ônus) de acordo com a linha de teoria do internacionalista John Mearsheimer[5]. No caso brasileiro, a presença de ativos e atividades financeiras (contrabando e lavagem de dinheiro, principalmente) de Hezbollah na Tríplice Fronteira são, de longa data, uma preocupação da comunidade securitária estadunidense[6]. O governo brasileiro, que tem alinhado a sua política externa mais ao apoio dos Estados Unidos e Israel desde 2016, prendeu um dos principais administradores de Hezbollah em Foz de Iguaçu em setembro de 2018[7] e cogita declara Hezbollah como uma organização terrorista[8]. É possível que o governo Trump aproveita o momento político no Brasil para cobrar mais ação contra Hezbollah, potencialmente expondo Brasil a um ataque revanchista da organização.
À parte do nível estratégico, é altamente provável que um aumento dos conflitos e embates acerca de Irão (seja com uma invasão convencional, seja com o conflito indireto de partidos aliados) acarretará um custo lamentável de perda de vida civis, dentro do Oriente Médio e, talvez, além dessa região.
[1] “Photos reveal damage to U.S. Embassy in Baghdad following attack by supporters of Iran-backed militia”, 2 janeiro, Military Times.
https://www.militarytimes.com/flashpoints/2020/01/02/photos-reveal-damage-to-us-embassy-in-baghdad-following-attack-by-supporters-of-iran-backed-militia/
[2] ” Brent jumps almost $3 after U.S. kills Iran’s Soleimani”, 3 janeiro 2019, Reuters
https://www.reuters.com/article/us-global-oil/brent-jumps-almost-3-after-u-s-kills-irans-soleimani-idUSKBN1Z2030?il=0
[3] ” Se o Brasil é autossuficiente em petróleo, por que ainda importa o recurso?”, 6 novembro 2019, BBC.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50316414
[4] Fonte: Dados da ANP.
[5] “The Tragedy of Great Power Politics”, 2001, John J. Mearsheimer.
[6] “Terrorists and Organized Crime Groups in the Tri-Border Area (TBA) of South America” , julho 2003, Library of Congress Research Division.
https://www.loc.gov/rr/frd/pdf-files/TerrOrgCrime_TBA.pdf
[7] “Suspeito de ser o principal operador do Hezbollah na Tríplice Fronteira é preso em Foz do Iguaçu”, 21 Setembro 2018, El País.
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/21/politica/1537545678_857023.html
[8] ” Bolsonaro confirma que pretende classificar Hezbollah como organização terrorista”, 20 agosto 2019, O Globo.
https://oglobo.globo.com/mundo/bolsonaro-confirma-que-pretende-classificar-hezbollah-como-organizacao-terrorista-23889371
* A multilingual International Relations expert with robust experience in Latin America and Africa monitoring and analysis, as well as in global research for the defense sector.