Aumentando a ambição na segunda rodada de NDCs

1 Mitigação e NDCs

Resumo executivo

Os países signatários da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) adotaram, em 2015, o Acordo de Paris, que tem como meta de longo prazo “manter o aumento da temperatura média mundial bem abaixo dos 2°C em relação aos níveis pré-industriais e envidar esforços para limitar este aumento a 1,5°C”. Para atingir essa meta os países que aderiram ao acordo submeteram à UNFCCC suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) com metas e medidas concretas para combater a mudança do clima, buscando assim reduzir impactos e riscos esperados para os sistemas natural e humano. Cada NDC considera as circunstâncias e capacidades de cada país de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. O progresso na implementação das ações nas NDCs é comunicado publicamente a cada dois anos e os países devem rever suas ambições a cada cinco anos. O Brasil definiu metas de redução de emissões para 2025 e 2030, que foram atualizadas em 2023. Até fevereiro de 2025, o Brasil submeterá uma nova NDC à UNFCCC, referente a 2035, que, consistente com o Acordo de Paris, deverá refletir uma progressão da sua NDC atual. O país já enfrenta desafios para atingir a sua meta de 2025 considerando a dificuldade de reduzir o desmatamento nos biomas Amazônia e Cerrado, além dos impactos que as mudanças do clima vêm provocando em todas as regiões do país. Afora isso, o Brasil continua expandindo suas atividades agropecuárias e antecipa uma crescente produção e uso de energia no país. Para países em desenvolvimento, o financiamento climático torna-se uma peça essencial para assegurar a implementação das ações de mitigação, além daquelas de adaptação que passaram a ser emergenciais para o enfrentamento das ameaças da mudança do clima e crescentes impactos meteorológicos e climáticos. Na visão de diferentes atores, é importante que o Brasil sinalize o aumento de sua ambição de redução de emissões, mas que considere as complexidades de implementá-la.

Introdução

A mudança do clima por ação antrópica, incluindo eventos extremos mais frequentes e intensos, já causou impactos generalizados e perdas e danos para a natureza e pessoas, que vão além da variabilidade natural do clima. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima,[1] o aquecimento global, alcançando 1,5oC no curto prazo (2021-2040), causará aumentos inevitáveis em múltiplas ameaças climáticas e apresentará múltiplos riscos para os ecossistemas e humanos. Ações de curto prazo que limitem o aquecimento a aproximadamente 1,5oC reduziriam substancialmente as perdas e danos projetados para os sistemas natural e humano relacionados à mudança do clima, quando comparados a níveis mais elevados de aquecimento, embora não possa eliminá-los por completo.

Para enfrentar a mudança do clima e seus impactos negativos, os líderes mundiais na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima em 2015 adotaram o histórico Acordo de Paris, que estabelece metas de temperatura de longo prazo para orientar todas as nações a reduzir, substancialmente, as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) para manter o aumento da temperatura global bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais e buscar esforços para limitá-lo a 1,5°C acima desses níveis, reconhecendo que isso reduziria significativamente os riscos e impactos da mudança do clima [2].

Vale ressaltar que o Acordo de Paris reconhece, no seu artigo 4, que levará mais tempo para os países em desenvolvimento atingirem o pico de suas emissões de GEE e realizar rápidas reduções subsequentemente, em relação aos países desenvolvidos. Esse reconhecimento baseia-se no melhor conhecimento científico disponível, de modo a alcançar um equilíbrio entre as emissões antrópicas por fontes e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa na segunda metade deste século, com base na equidade e no contexto do desenvolvimento sustentável e dos esforços para erradicar a pobreza.

O referido artigo ressalta também que cada ‘Parte’ deverá preparar, comunicar e manter sucessivas ‘contribuições nacionalmente determinadas’ (NDCs) que pretendam alcançar. As ‘Partes’ devem buscar medidas domésticas de mitigação, visando alcançar os objetivos de tais contribuições. Cada NDC sucessiva das ‘Partes’ representará uma progressão além da então vigente NDC da ‘Parte’ e reflete a sua maior ambição possível, demonstrando suas responsabilidades comuns porém diferenciadas e respectivas capacidades, tendo em vista as diferentes circunstâncias nacionais. O artigo 4 destaca a importância de fornecer apoio aos países em desenvolvimento, reconhecendo que esse suporte aprimorado permitirá que eles adotem ações mais ambiciosas.

Finalmente, ressalta-se aqui a menção de que os países desenvolvidos deverão continuar assumindo a liderança por meio da realização de metas de redução de emissão absoluta na economia, de modo abrangente. Os países em desenvolvimento devem continuar a revigorar seus esforços de mitigação, e são encorajados a ter como guia ao longo do tempo as metas de redução de emissões ou metas de limitação de toda a economia à luz de diferentes circunstâncias nacionais.

Então, pelo exposto acima, fica evidenciada a diferenciação entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento na evolução de suas NDCs. O Brasil, já na sua NDC ‘pretendida’ (iNDC) de 2016 assumiu, diferentemente da maior parte dos países em desenvolvimento, uma meta absoluta líquida de gases de efeito estufa envolvendo todos os setores da economia (economy wide) baseada nas emissões de 2005 conforme o Inventário Nacional de GEE mais atual submetido à UNFCCC. Nesta direção o Brasil foi ambicioso no sentido de já adotar uma meta líquida absoluta ao invés de basear-se em reduções de emissões seguindo um cenário business-as-usual, e que hoje é caracterizada por uma meta consistente com uma redução de 48,4%, ou 1,32 GtCO2e em 2025, de 53,1%, ou 1,2 GtCO2e e em 2030, quando comparadas às emissões de 2005, de acordo com dados do último inventário nacional.[3]

Neste policy paper será apresentada uma análise sobre a factibilidade do Brasil atingir a meta de redução de emissões proposta para 2025, conforme NDC atualizada de 2023 e os desafios a serem enfrentados pelo país para atingir uma meta mais ambiciosa de redução de emissões na segunda NDC, para 2035. Há complexidades relacionadas à transição energética em um cenário de crescimento, de desenvolvimento econômico e social do país, considerando que a indústria e transportes representam hoje dois terços do consumo energético do Brasil, e que enfrentam enormes desafios e custos para descarbonizar seu uso energético. Aborda-se também aspectos relacionados ao sistema de financiamento e o papel do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no apoio à construção das NDCs de países em desenvolvimento e na elaboração dos inventários nacionais de GEE, como no caso do Brasil.

Finalmente, este paper ressalta os esforços envidados pelo Brasil, por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) no desenvolvimento de uma estratégia crível e implementável para a ambição do Brasil, assim como as medidas desenvolvidas para suporte à tomada de decisão e monitoramento das políticas climáticas. Em conclusão, aborda-se a visão empresarial sobre a importância de uma maior ambição na segunda NDC do Brasil, consistente com o artigo 4 do Acordo de Paris e sinalização para um maior engajamento do setor privado.

Definição e histórico do problema

Até o presente, o Brasil submeteu à UNFCCC três versões da sua NDC: em 2015, submeteu a ‘contribuição nacionalmente determinada pretendida’ que tornou-se a primeira NDC do país, com o compromisso de uma redução de 37% das emissões de GEE em 2025 relativo às emissões correspondentes em 2005, conforme estimativas no 2º Inventário Nacional de Gases de Efeito Estufa. Uma meta de redução de 43% foi estabelecida para 2030 nos mesmos moldes. Essas reduções percentuais seriam consistentes com emissões líquidas absolutas de 1,3 GtCO2e e 1,2 GtCO2e em 2025 e 2030, respectivamente.

Esta primeira NDC foi atualizada durante o governo de Bolsonaro, tendo sido alvo de inúmeras críticas por causa da mudança da forma de cálculo utilizada para revisar as metas do Brasil. Em setembro de 2023 o Brasil propôs uma correção de sua NDC definindo como metas para 2025 e 2030 emissões líquidas de 1,32 e 1,20 GtCO2e, respectivamente, o que consiste em reduções de emissão de 48,4% e 53,1% , em relação às emissões de 2005, estimadas no Inventário Nacional de Gases de Efeito Estufa apresentado na Quarta Comunicação Nacional do Brasil à UNFCCC.[3]

O Brasil indica na sua NDC revisada que de acordo com os Artigos 4 e 14 do Acordo de Paris e a decisão 6/CMA.3,[4] o país apresentará sua segunda NDC até fevereiro de 2025, informada pelo primeiro Balanço Global de Paris (Global Stocktake ou GST) de 2023.[5] O GST concluiu que apesar do Acordo de Paris estar impulsionando uma ação climática quase universal, são necessárias maiores ambições em todas as frentes e por todos os atores. Metas de mitigação mais ambiciosas, objetivos de adaptação e esforços para evitar, minimizar e lidar com perdas e danos são urgentemente necessárias. Conclui-se também que a comunidade global não está seguindo uma trajetória de redução de emissões consistente para limitar o aumento da temperatura global abaixo de 1,5ºC e que a comunidade global deve desbloquear e redistribuir trilhões de dólares em financiamento climático para permitir ações climáticas, sobretudo em países em desenvolvimento.

Com a demonstração do cumprimento da meta de 2025 na NDC ocorrida no Primeiro Relatório Bienal de Transparência (BTR1) do Brasil à UNFCCC, submetido dia 12 de dezembro de 2024, foram identificados alguns desafios que poderão comprometer o atingimento do compromisso assumido pelo Brasil. Ao contrário da tendência mundial das NDCs, cujo calcanhar de Aquiles se encontra na dependência de combustíveis fósseis, o principal desafio da NDC brasileira refere-se aos padrões de mudança do uso da terra. É bem conhecida a complexidade de reduzir os desmatamentos anuais nos biomas Amazônia e Cerrado que tem uma contribuição relevante para as emissões totais do país. No bioma Amazônia, o desmatamento foi reduzido nos anos 2022 e 2023 após sucessivos aumentos de 2017 a 2021, mas no bioma Cerrado o desmatamento continua aumentando sistematicamente desde 2016.[6]

No caso da Amazônia, o Observatório do Clima (2023)[7] estimou que para atingir a meta de 2025, as emissões do desmatamento na Amazônia não poderiam ultrapassar 470 MtCO2e, uma redução de 46% a partir das emissões de 2021, o que significaria limitar o desmatamento na Amazônia a uma taxa de cerca de 6.000 km2 em 2025.

Considerando que a meta do país envolve todos os setores da economia e não só a mudança do uso da terra, outros setores também apresentarão desafios para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Por exemplo, em 2022, o rebanho bovino brasileiro alcançou novo recorde de 234,4 milhões de animais, uma alta de 4,3% em relação ao ano anterior, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O setor de energia também apresenta desafios para reduzir a produção e uso energético. A partir desses fatos, fica claro o quão desafiador é a tarefa do Brasil para atingir a meta de 2025 da sua NDC atual.

A avaliação do aumento da meta de redução de emissões de GEE para 2035, a ser proposta na segunda NDC em 2025, impõe uma análise sobre a capacidade de implementação das medidas, ações e políticas necessárias para a consecução da meta proposta. Por exemplo, o Brasil pode enfrentar grandes desafios para reduzir ou descarbonizar o uso energético da indústria e transportes, que hoje representam dois terços do consumo energético do Brasil. Além disso, constata-se que o Brasil vai precisar de mais energia para sustentar seu desenvolvimento, pois está em uma trajetória crescente de emissões absolutas, apesar das transformações que já estão em curso. De fato, projeções elaboradas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), sob coordenação do Ministério de Minas e Energia (MME), mostram que o consumo de energia no Brasil deverá crescer em média 2,1% ao ano até 2034. E ao falar-se de aumentar a ambição do Brasil na sua próxima NDC, é importante ponderar esses elementos.

O Ministério de Minas e Energia, responsável por oferecer o lastro para a ambição 2035, vem desenvolvendo estratégias como, por exemplo, acelerar as soluções que já são competitivas e tecnologicamente maduras. Como exemplo, cita-se o ritmo de contratação de infraestrutura de transmissão voltada à integração de energias renováveis na nossa matriz nos últimos dois anos e que será fundamental para manter a trajetória de crescimento da demanda de energia. Entretanto, é necessário que o país busque semear novas soluções de baixo carbono que ainda estão longe de estar maduras, ou estão em processo de amadurecimento e redução de custo. Segundo Thiago Barral, Secretário Nacional de Transição Energética e Planejamento do MME, o Brasil já está criando um lastro para a NDC de 2040, por meio de novas políticas públicas como o Programa Nacional de Hidrogênio e o Programa Combustível do Futuro que são dois marcos legais recentemente aprovados. Além disso, trabalha-se para avançar em eólica offshore e impulsionar maior velocidade em eficiência energética nas edificações e na indústria. Em paralelo, trabalha na implementação da Política Nacional de Transição Energética, recentemente criada.

Segundo Barral, o Brasil tem que ter a capacidade de acompanhar a ambição de sua NDC com condições para barganhar, demonstrando que o país tem a capacidade de fazer cada vez mais. Entretanto, pondera que o custo de implementação da ambição brasileira não pode ser repassado para a sociedade, como já está sendo o caso da adaptação.

A Empresa de Pesquisa Energética vem desenvolvendo modelos e estudos para avaliar os potenciais riscos futuros da mudança do clima. Por exemplo, em 2017 já modelava sensibilidades sobre o impacto de uma redução significativa na disponibilidade hídrica na bacia do São Francisco, persistindo em níveis historicamente baixos, e o respectivo efeito no aumento de custos e do despacho termelétrico.

Voltando ao tema de mitigação, estudo realizado no âmbito da Agência Internacional de Energia (IEA) comparou o custo de capital para investimento na transição energética em diversos países e o que se depara é que investir na mesma infraestrutura aqui no Brasil ou em alguns países em desenvolvimento custa muito mais caro no nosso país. Barral comenta que seria necessário aumentar pelo menos seis vezes o ritmo de investimento em transição energética nos países em desenvolvimento para equiparar esse montante de investimentos compatível com os cenários de transição energética.

No tocante aos investimentos e na necessidade de financiamento, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) vêm apoiando o desenvolvimento e implementação das ações nas NDCs de países em desenvolvimento, tendo sustentado 85% das NDCs de 2019 a 2021 por meio de financiamento e capacitação técnica. Claudio Providas, do PNUD identifica ambição e implementação como elementos interligados e únicos no contexto de cada país. Entende que o financiamento é fundamental e foi enfático ao mencionar que o Brasil precisa de apoio para o portfolio de medidas de mitigação voltadas para a descarbonização da economia. Mencionou que o Ministério da Fazenda já se articula com o setor privado para parcerias, visto que as mudanças necessárias não poderão ser financiadas apenas com dinheiro público ou grandes doações. Iniciativas como REDD+[8] estão evoluindo no país de forma a permitir que os estados amazônicos construam seus sistemas de monitoramento e de salvaguardas respeitando também as salvaguardas socioambientais. Finalmente, entende que a NDC se sustenta em três pilares: aceleração, ambição e inclusão e reforça a importância de se continuar a construir juntos, entendendo que o Brasil tem o potencial para começar a atacar a economia política. Acredita ser fundamental despolitizar todo o debate sobre mudança do clima.

O Acordo de Paris menciona em vários parágrafos a importância de avanços baseados na “melhor ciência disponível”. O Brasil, hoje, tem dado uma ênfase essencial ao avanço do conhecimento científico para assegurar uma tomada de decisão informada, e tem buscado disseminar e divulgar para a sociedade os impactos e riscos futuros da mudança do clima.

Hoje o país, por meio do MCTI, vem desenvolvendo várias iniciativas relacionadas ao clima, como o AdaptaBrasil, uma plataforma que apresenta dados de vulnerabilidade dos distintos municípios do país e que fornece subsídios para ações de adaptação. Outra iniciativa é o projeto Opções de Mitigação que foca na construção de cenários e de modelagem do impacto da entrada de tecnologias de baixo carbono no PIB brasileiro e nas emissões de GEE. Outra iniciativa visou avaliar as necessidades tecnológicas do Brasil, tendo sido identificadas 12 tecnologias para as quais planos de ação tecnológica foram desenvolvidos, além de um guia de financiamento eletrônico que permite identificar possibilidades de financiamento e suporte para a implementação dos planos. Uma outra ferramenta importante de apoio à tomada de decisão é o Simulador Nacional de Políticas Setoriais de Emissão (Sinapse). Mas paralelo ao desenvolvimento de ferramentas, há uma questão mais complexa que é a capacidade de implementação e de monitoramento das políticas públicas, inclusive para os propósitos do Acordo de Paris. Ricardo Araújo, do MCTI compartilhou sua visão de que perseguir apenas a neutralidade climática quando se antecipa a cada dois a três anos situações climáticas e meteorológicas extremas, além de milhões de brasileiros em uma situação de insegurança alimentar, não é suficiente. Ressaltou, entretanto, a necessidade de se garantir, de forma irrestrita e total, a integridade dos biomas brasileiros, que asseguram uma estabilidade meteorológica mínima nos padrões de chuva, que sustentam serviços ecossistêmicos que são a base para setores econômicos essenciais, como a agricultura brasileira. Esta é a única maneira de se afirmar as remoções de carbono necessárias para a neutralidade climática, assim como segurança hídrica, alimentar e energética.

Mas qual o papel do setor privado na demonstração de uma maior ambição do Brasil na segunda NDC? Para Tiago Ricci, da Systemica, o setor privado tem se preocupado em modelar cenários futuros para entender onde vão investir e qual será o resultado desse investimento. No caso de o Brasil não atingir sua meta em 2025, não haverá possibilidade de se comercializar transferências internacionais de emissões em 2024, conforme o Artigo 6 de Paris. Ricci comentou, ainda, sobre o valor do cumprimento das metas pelo país para dar a segurança necessária para investimentos do setor privado.

Nota-se a importância de se trabalhar com cenários, modelagem econômica, política regulatória, que são complexas já que interferem na economia, ciência e questões socioambientais, por exemplo. Integrar em uma regulação todos esses aspectos não é fácil e isso mostra a complexidade de se formular uma NDC.

Para o setor privado, a grande perspectiva seria ter-se uma NDC que seja cumprida, pois caso contrário, não haverá um mercado de transações de carbono. “Para quem vender? Que país compraria um ativo de outro que não cumpre sua NDC? Contudo, entende a necessidade da NDC ser ambiciosa por uma questão de compliance com o Acordo de Paris. O que fazer para alcançá-la? De onde vem os recursos necessários para atingi-la, lembrando que não se trata só dos setores energia e indústria, mas particularmente do setor de mudança do uso da terra. Ressalta que para recuperar e manter 20 milhões de hectares degradados na Amazônia, o montante de recursos está em torno de R$ 200 bilhões, a depender do método e estratégia utilizados. Transformar e recuperar de 30 a 40 milhões de áreas de pastagem tem um custo aproximado de USD 18 bilhões. De onde virão esses recursos? Quem irá operacionalizar a implementação?”, afirmou Ricci.

Portanto, atingir as metas definidas nas NDCs não é tarefa fácil para nenhum país, mas no caso do Brasil o desafio é maior, por causa da dimensão continental do país. Falar-se de investimentos para a geração de créditos de carbono ou qualquer outro ativo ambiental, impõe uma transformação de territórios, incluindo capacitação profissional, educação, infraestrutura, água, eletricidade. Sem o cumprimento das NDCs, haverá dificuldades de mercado e dificuldade de atração de recursos. Tiago Ricci ressalta que o setor privado está disponível para ajudar e consegue operacionalizar e alcançar muitos lugares onde o setor público e as políticas de comando e controle muitas vezes não alcançam. E isso precisa ser levado em consideração nas futuras NDCs do Brasil.

Recomendações / Propostas

Atingir a meta estabelecida pelo Brasil para 2025 implicará significativa redução do desmatamento, principalmente nos biomas Amazônia e Cerrado, visto que se espera um aumento nas emissões dos setores de energia, agricultura, indústria e resíduos, em virtude do crescimento da economia. Reduzir o desmatamento é uma tarefa complexa mas é essencial para preservar o papel da floresta na moderação do clima, dos ciclos hidrológicos e preservação da biodiversidade. Entretanto, exige altos investimentos e, neste sentido, seria oportuno o país refletir sobre a possibilidade de condicionar parte da redução do desmatamento à obtenção de recursos de fontes alternativas como, por exemplo, advinda de robusta cooperação internacional. Esta recomendação está alinhada com o Acordo de Paris que reconhece que um maior apoio para os países em desenvolvimento permitirá maior ambição em suas ações.

É importante que o país, ao propor sua ambição na segunda NDC, considere o risco de emissões à luz da ocorrência de extremos meteorológicos ou climáticos (perdas e danos), que já são mais frequentes e intensos que em 2005, ano de referência das metas da NDC brasileira. Assim, é imperioso que qualquer ambição de redução de emissões na NDC do Brasil considere cenários futuros que incluam os riscos de impactos nas emissões de GEE decorrentes de eventos extremos, como secas, ondas de calor, fortes chuvas, entre outros. No cenário provável de crescentes impactos da mudança do clima nos sistemas naturais, em particular crescentes incêndios florestais e secas, países com grandes áreas de floresta manejadas são esperados a informar emissões de GEE mais altas nos seus inventários nacionais de gases de efeito estufa. Caso as emissões desses distúrbios naturais não sejam desagregadas, as metas propostas na NDC podem não ser alcançadas.

A transição energética, muito embora represente uma extraordinária oportunidade de crescimento econômico e social, requer também altíssimos investimentos, de forma que a alocação dessa conta precisa ser adequadamente pactuada, sem comprometer a competitividade da indústria e da agricultura do país, e sem penalizar os consumidores residenciais e comerciais.

Recomenda-se que o Brasil, antes de propor a meta líquida absoluta na segunda NDC, para 2035, busque também avaliar os esforços individuais dos países desenvolvidos e a consistência desses esforços com os objetivos de longo prazo de temperatura do Acordo de Paris. Por exemplo, o Climate Action Tracker (CAT), um projeto independente que acompanha as ações governamentais sobre clima de 39 países e da EU e avalia essas ações contra o objetivo global de longo prazo de temperatura do Acordo de Paris de “manter o aquecimento bem abaixo de 2°C, e perseguindo esforços para limitá-lo a 1,5°C” apresenta as seguintes avaliações, atualizadas em outubro 2024. Nota-se, portanto que Austrália, Canadá, União Europeia, /Alemanha, Japão, Suíça, Estados Unidos e Reino Unido são qualificados como insuficientes em suas NDCs para atingir os objetivos do Acordo de Paris. Notar também que o Acordo de Paris reafirma a obrigação dos países desenvolvidos em assistir os países em desenvolvimento.  

Referências bibliográficas

[1] PORTNER, H. O.; ROBERTS, D.C.; POLOCZANSKA, E. S.; MINTENBECK, K.; TIGNOR, M.; ALEGRÍA, A.; CRAIG, M.; LANGSDORF, S.; LOSCHKE, V.; MOLLER, A.; OKEM, B. (ed). Climate change 2022: impacts, adaptation, and vulnerability. Contribution of working group II to the sixth assessment report of the intergovernmental panel on climate change. Cambridge, UK; New York, NY, USA. Cambridge University Press; 3056 pp., doi:10.1017/9781009325844.

[2] Texto do Acordo de Paris em português foi publicado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/acordo-de-paris-e-ndc/acordo-de-paris.

[3] FOURTH NATIONAL COMMUNICATION OF BRAZIL TO THE UNITED NATIONS. Convention on climate
change. Brasília: Ministry of Science, Technology and Innovations, 2021. p. 96. Table 2.3.

[4] A decisão 6/CMA.3 incentiva as Partes a comunicar em 2025 uma contribuição nacionalmente determinada com uma data final de 2035, em 2030 uma contribuição nacionalmente determinada com uma data final de 2040, e assim por diante a cada cinco anos a partir de então. Disponível em: https://unfccc.int/sites/default/files/resource/CMA2021_10_Add3_E.pdf?download

[5] O balanço global é um ponto de virada crítico quando se trata de esforços para lidar com a mudança do clima – é um momento para avaliar o estado do nosso planeta e traçar um curso melhor para o futuro. De acordo com o Acordo de Paris, as Partes devem fazer um balanço periódico de sua implementação para avaliar o progresso coletivo em direção ao cumprimento do propósito do Acordo e suas metas de longo prazo. Ele permite que países e outras partes interessadas façam um inventário, para ver onde estão progredindo coletivamente em direção ao cumprimento das metas do Acordo de Paris – e onde não estão. Envolve olhar para tudo relacionado a onde o mundo está em ação e apoio climático, identificar as lacunas e trabalhar juntos para concordar com os caminhos de soluções para salvaguardar nosso futuro.

[6] https://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/deforestation/biomes/legal_amazon/rates

[7] Observatório do Clima. Nota Técnica: o Brasil conseguirá cumprir sua “nova velha” NDC em 2025? https://storage.epbr.com.br/2023/11/Nota-Te%CC%81cnica_-O-Brasil-conseguira%CC%81-cumprir-sua-nova-velha-NDC-em-2025.pdf

[8] REDD+(Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation).  Incentivo para a redução de emissões por desmatamento; redução de emissões por degradação florestal; conservação de estoques de carbono florestal; manejo sustentável de florestas; e aumento do estoque de carbono florestal.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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