20 fevereiro 2025

Simon Anholt – Brasil precisa cuidar da sua imagem de ‘superpotência’

Para consultor britânico pioneiro em estudos sobre percepções internacionais de países, o Brasil é visto com ‘boa vontade’ pelo resto do mundo por conta da questão ambiental, mas precisa atuar de forma consistente para manter marca positiva

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva visita as obras do Parque da Cidade, espaço que sediará a programação da COP30, no Parque da Cidade. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Apesar de o Brasil não ter muita força global, um número muito grande de pessoas ao redor do mundo têm visões muito consistentes e positivas sobre o país, avalia o consultor britânico Simon Anholt. Pioneiro em pesquisas sobre imagens internacionais de nações, ele diz que o Brasil “é um país em desenvolvimento com uma imagem de superpotência”. 

Em entrevista à Bloomberg Línea, Anholt explicou que essa reputação excede a influência geopolítica real do Brasil e está fortemente ligada à sua biodiversidade e à Amazônia, ainda considerada por muitos “o pulmão do planeta”. 

“O conceito do Brasil (ou melhor, sua parcela da Amazônia) como “o pulmão do planeta” está profundamente enraizado na psique global. Isso confere enorme poder e enorme responsabilidade ao Brasil para que ele meça, entenda, use sabiamente e cuide de sua imagem”, disse. 

‘Apesar dessa percepção positiva e da boa vontade global, essa imagem valiosa não está garantida para sempre e deve ser gerida com estratégia e coerência’

Apesar dessa percepção positiva e da boa vontade global, essa imagem valiosa não está garantida para sempre e deve ser gerida com estratégia e coerência. Para ele, mais do que a maioria dos países, sempre que um novo governo brasileiro assume o poder, ele herda uma pesada responsabilidade de cuidar desse ativo nacional e global, cujo valor é muito superior a qualquer outra coisa que ele possui. 

O consultor destaca que a reputação de um país não pode ser manipulada apenas por discursos, mas é o reflexo de suas ações e do impacto que gera no mundo. “Qualquer governo brasileiro que trate a imagem do país como uma questão de mera comunicação está falhando não apenas com os brasileiros, mas com todos no planeta”, disse. 

‘Para preservar e fortalecer sua imagem, segundo ele, o Brasil deve focar em políticas consistentes, sustentabilidade e diplomacia’

Para preservar e fortalecer sua imagem, segundo ele, o Brasil deve focar em políticas consistentes, sustentabilidade e diplomacia, garantindo que sua posição como potência ambiental e cultural seja reconhecida globalmente não apenas pela percepção, mas pela realidade de suas ações.

Anholt foi o primeiro pesquisador a propor a ideia de que as imagens de países podem ser estudadas como se fossem marcas comerciais, criando o conceito de nation branding há mais de duas décadas. Desde então, ele se tornou um crítico de empresas e governos que confundem o conceito e querem aplicar estratégias de marketing comercial para promover países no mundo, o que ele diz que não funciona.

Uma das principais aplicações do seu trabalho é o Anholt Nation Brands Index (NBI), pesquisa que avalia a reputação de 70 países com base em percepções globais sobre diversos aspectos, como governança, cultura, turismo e responsabilidade ambiental. Ao longo dos anos, o Brasil manteve uma posição relativamente forte nesse índice, em torno da 20ª colocação, impulsionado por sua cultura, seus recursos naturais e a simpatia global por sua população.

‘O governo Bolsonaro afetou essa dinâmica, pois promoveu políticas vistas como hostis à preservação ambiental, gerando reações negativas no cenário internacional’

Entretanto, crises políticas e ambientais impactam diretamente essa imagem. O período do governo de Jair Bolsonaro ilustrou bem essa dinâmica: enquanto governos anteriores reforçaram o compromisso com o desenvolvimento sustentável, naquele momento o governo promoveu políticas vistas como hostis à preservação ambiental, gerando reações negativas no cenário internacional. Como destaca Anholt, a imagem de um país não é construída por slogans ou campanhas publicitárias, mas sim pelo comportamento do governo e da sociedade no longo prazo.

Para consolidar uma imagem internacional positiva, o Brasil precisa adotar políticas consistentes e demonstrar compromisso real com questões globais, como sustentabilidade e direitos humanos, segundo ele. 

Isso inclui manter uma política ambiental sólida, pois o Brasil possui um ativo inestimável na Amazônia. Proteger a floresta e promover práticas sustentáveis reforçaria sua posição de líder global na agenda ambiental.

‘O fortalecimento da economia com base em tecnologia, ciência e energias renováveis pode reforçar a imagem do Brasil como um país moderno e sustentável’

Além disso, a participação em fóruns internacionais e a busca por parcerias estratégicas são essenciais para manter o país relevante e confiável. E o fortalecimento da economia com base em tecnologia, ciência e energias renováveis pode reforçar a imagem do Brasil como um país moderno e sustentável.

A cultura brasileira continua sendo um dos principais vetores de sua reputação global. O incentivo ao turismo sustentável pode gerar ganhos econômicos e reputacionais.

Um dos pontos mais importantes, entretanto, é a manutenção de uma coerência e de consistência nas decisões políticas. Mudanças bruscas de posicionamento entre governos fragilizam a confiança internacional. Um consenso básico sobre temas sensíveis, como meio ambiente e direitos humanos, ajudaria a evitar perdas de imagem.

Além de tratar do Brasil, Anholt comentou na entrevista também sobre o novo governo de Donald Trump nos EUA. Segundo ele, trata-se de um exemplo claro das consequências da má administração da reputação internacional,  e a política “America First” tem o potencial de destruir a marca global do país.

O portal Interesse Nacional é uma publicação que busca juntar o aprofundamento acadêmico com uma linguagem acessível mais próxima do jornalismo. Ele tem direção editorial do embaixador Rubens Barbosa e coordenação acadêmica do jornalista e pesquisador Daniel Buarque. Um dos focos da publicação é levantar discussões sobre as relações do Brasil com o resto do mundo e o posicionamento do país nas relações internacionais.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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