O mundo com Trump
Novo presidente dos Estados Unidos tomou posse e começou a determinar medidas que podem mudar a posição do país no contexto global. Decisões do governo republicano podem ter efeitos também sobre a situação do Brasil
A posse de Donald Trump como o 47º presidente dos Estados Unidos está causando fortes reações. As ações e medidas já anunciadas despertaram observações de como caracterizar o que pode acontecer nos próximos quatro anos. Presidência imperial, nova ordem internacional, isolacionismo, paz através da força, populismo nacionalista, conservador de direita, anos dourados para os EUA (“golden age for USA”), fim da velha ordem, pax sino-americana, governo das oligarquias, fim da velha ordem, era da incerteza.
O discurso de posse foi dirigido basicamente para o público interno, com a confirmação das medidas prometidas na campanha. As primeiras medidas reafirmam políticas colocando os EUA em primeiro lugar e inaugurando uma era de ouro, para tornar o país maior, mais forte, mais excepcional.
Nacionalista, populista e conservador com toda a agenda da extrema-direita. Emergência nacional na fronteira com o México e mobilização das Forças Armadas para sua aplicação. Medidas para reduzir a inflação, sobretudo com a redução do preço da energia com o aumento da produção de petróleo e gás. Medidas protecionistas para apoiar uma forte política industrial com tarifas sobre importações, atração de investimentos e contra países com superávit em relação aos EUA, o que inclui a China e o México. Decisões para reduzir a máquina burocrática de Washington e para encerrar políticas de apoio à diversidade. A anistia aos presos pela invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro foi concedida no primeiro dia. As medidas sobre saúde e políticas públicas, economia e comércio exterior, defesa e relações internacionais, administração pública e justiça e direitos civis constituem uma verdadeira revolução na sociedade norte-americana.
Fortalecido (tem o controle da Câmara e do Senado) e mais experiente (conhece melhor como funciona a máquina administrativa e está cercado de leais seguidores nas pastas ministeriais), Trump emitiu cerca de cem decretos mudando radicalmente as políticas do governo Biden.
A reação da oposição a Trump não se fez esperar: logo no primeiro dia, muitas ações foram impetradas junto a cortes de justiça estaduais contestando medidas contra a imigração, a aquisição de nacionalidade de filhos de imigrantes ilegais e outros.
Canais de comunicação, como jornais e TV, passaram a criticar fortemente as medidas iniciais, sobretudo a anistia aos que foram presos e condenados pelo ataque ao Congresso. Instituições civis organizam marchas em diversas cidades. A agenda conservadora interna está sendo aplicada sem nenhuma cautela, mas a resistência vai ser muito forte e ativa. Resta saber como Trump e seus ministros vão reagir.
O aparecimento de um complexo industrial tecnológico ficou claro desde a cerimônia de posse com os líderes das Big Techs sentados ao lado dos integrantes do gabinete de Trump. O princípio de freios e contrapesos da democracia norte-americana vai ser testado de forma dramática. As instituições, no final, deverão prevalecer, mas parece claro que as divisões e radicalizações internas vão crescer. Os anos dourados prometidos serão marcados pelo nacionalismo populista, pelo isolacionismo, pela acentuada tendência de extrema direita.
Apesar de dizer que em seu legado gostaria de ser visto como alguém que buscou a paz (peace maker) nas relações internacionais, as primeiras medidas vão na direção oposta. Retomar o Canal do Panamá, renomear o Golfo do México para Golfo da América, anexar o Canadá e a Groenlândia foram as primeiras afirmações de Trump.
Houve poucas referências (indiretas) às guerras que podem ser interpretadas como pressão sobre Putin (sanções, se não fizer concessões para acabar com a guerra) e Zelensky (suspensão do apoio financeiro e militar) para pôr fim ao conflito armado na Ucrânia e como desinteresse no cumprimento das fases 2 e 3 do acordo de suspensão temporária do conflito na faixa de Gaza – com o apoio a ataques contra os palestinos na Cisjordânia (Operation Iron Dome), declaração de que Israel tem direitos bíblicos a toda a Cisjordânia (isto é, anexação do West Bank), suspensão das sanções que Biden havia colocado sobre os colonos de extrema direita que atacaram palestinos na Cisjordânia).
A visita de Trump à China logo no início do governo pode justificar a ausência de medidas (tarifas) contra Pequim e o esforço para resolver a questão da venda da TikTok para impedir seu banimento dos EUA. Depois da visita, ficará claro se foi negociada uma Pax Sino-Americana que passaria a marcar o cenário internacional.
No tocante às relações do Brasil com os EUA, a exemplo do que ocorre com outros países, as medidas e políticas adotadas internamente por Trump poderão ter impacto diretos ou indiretos sobre a economia e a política. As medidas que podem afetar o Brasil se referem a imigração, ao meio ambiente, a imposição de tarifas e a liberdade de expressão.
A imposição de tarifas poderá afetar produtos industriais e a economia nacional pelo aumento da inflação nos EUA, o aumento da taxa de juros do Fed e a valorização do dólar.
A saída do Acordo de Paris e o negacionismo ambiental vão afetar as negociações da COP 30 em novembro no Brasil. Dentro da nova linha política, o Congresso norte-americano deverá negar os US$ 500 milhões prometidos por Biden para ajudar a preservar a Amazônia. Além disso, 250 mil imigrantes brasileiro vivendo ilegalmente nos EUA estarão sujeitos à deportação.
A disputa entre o STF e Elon Musk poderá ter novos desdobramentos. Além dessas questões, a reunião do Brics em julho certamente trará ruídos com os EUA tendo em vista o protagonismo da China. Medidas restritivas em relação à Venezuela e a Cuba e no tocante ao canal do Panamá poderão suscitar reações do governo brasileiro, com consequências em Washington.
A política em relação à América Latina e a América do Sul vai ser comandada pelo Departamento de Estado com a supervisão do novo secretário Marco Rubio. Crítico feroz da esquerda latino-americano, Rubio deverá tomar medidas restritivas aos países de esquerda da região, utilizando a Organização dos Estados Americanos (OEA), cuja chefia vai mudar em março.
Será por meio do Departamento de Estado que a oposição bolsonarista ao governo Lula continuará a fazer pressão para a tomada de medidas contra o Brasil. Algumas já foram solicitadas pela Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes.
Apesar da atividade da oposição bolsonarista junto aos assessores de Trump e junto a Marco Rubio, não se sabe de ações do governo brasileiro para estabelecer canais de comunicação diretos com a equipe de Trump, nem com os principais ministros de interesse brasileiro (Relações Exteriores, Agricultura, Meio Ambiente, Comércio, USTR), desde novembro passado, até agora.
As relações bilaterais econômico-comerciais deverão continuar normalmente, mas o relacionamento político pode sofrer abalos inesperados em função das incertezas geradas pelas iniciativas de Trump e pela ausência de contatos diretos de nível alto entre os dois países.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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