30 janeiro 2025

Trump e a guerra em Gaza

Apesar de acordo para cessar-fogo e tentar dar fim ao conflito, novo governo americano mantém incertezas no Oriente Médio e continua havendo a perspectiva de uma escalada na guerra na região

Famílias palestinas tentam voltar à Faixa de Gaza após anúncio do cessar-fogo (Foto: Unicef/Eyad El Baba)

O acordo de cessar-fogo na guerra em Gaza entre Israel e o Hamas foi proposto em maio passado por Joe Biden, mas só foi aprovado pelo dois envolvidos no conflito em meados de janeiro, após intervenção direta do enviado especial de Donald Trump, pouco antes da posse em 20 de janeiro. O acordo tem três fases ao final das quais se encerraria o conflito de forma definitiva. 

A primeira fase – em andamento – prevê a suspensão das hostilidades, a troca de prisioneiros, a entrada de ajuda humanitária, a volta dos palestinos ao norte de Gaza e, na semana que vem, o início das discussões para a segunda fase. 

Na segunda fase, continuaria a suspensão das hostilidade, haveria nova troca de prisioneiros e começaria a discussão sobre as condições para a retirada das tropas israelenses de Gaza e sobre como seria o controle do território de Gaza. Se houver avanço nessa fase, no período final, seria concluída a troca de prisioneiros, se discutiriam as condições para o final do conflito, a abertura das passagens fronteiriças e as formas de reconstrução de Gaza.

‘Declarações públicas de Netanyahu e de Trump indicam grandes dificuldades para avançar e concluir satisfatoriamente a segunda fase em função da oposição do governo de Tel Aviv de deixar militarmente a Faixa de Gaza’

Tem sido pouco noticiado e comentado, mas as declarações públicas de Netanyahu e de Trump indicam grandes dificuldades para avançar e concluir satisfatoriamente a segunda fase, sobretudo em função da oposição do governo de Tel Aviv de deixar militarmente a Faixa de Gaza e da narrativa de que o objetivo de Israel continua sendo a eliminação completa do Hamas. 

Em linha com a política dos representantes ortodoxos radicais do governo israelense, Trump anulou as condenações de Biden contra colonos judeus que expulsaram palestinos da Cisjordânia e aprovou a operação militar Iron Dome em Jenin de duração indeterminada e, por isso, voltou-se a especular sobre eventual anexação por Israel do West Bank. 

O novo presidente dos EUA autorizou ainda o envio de bombas especiais a Israel (proibidas por Biden) e também reiterou que seu plano para Gaza seria retirar todos os palestinos e mandá-los para os países vizinhos (o que foi prontamente rejeitado pela Jordânia e Egito). A nova embaixadora americana na ONU disse que Israel tinha “direito bíblico” sobre a Cisjordânia.

‘Thomas Friedman, colunista do New York Times, chamou a atenção para a possibilidade de Trump entrar para a história e ganhar o Prêmio Nobel da Paz, se ele atuasse no sentido de garantir o cumprimento das três fases do acordo, com uma Autoridade Palestina reformada e atualizada’’

Em vista disso, será muito difícil dar seguimento às negociações e passar para as fases dois e três. Thomas Friedman, colunista do New York Times, escreveu pela segunda vez, chamando a atenção para a possibilidade de Trump entrar para a história e ganhar o Prêmio Nobel da Paz, se ele atuasse no sentido de garantir o cumprimento das três fases do acordo, com uma Autoridade Palestina reformada e atualizada. 

Os acordos de Abraão entre a Arábia Saudita e outros países árabes com Israel e a contenção do Irã, poderiam levar à constituição do Estado Palestino e a segurança de Israel com entendimentos para a governança de Gaza sem o Hamas e a reconstrução de Gaza com o apoio da comunidade internacional. 

Com as declarações públicas de Trump até aqui, poderá haver uma mudança importante na politica norte-americana de apoio à criação de um Estado Palestino, na verdade, mais teórica, do que efetiva.

‘A situação no Oriente Médio se alterou muito no último ano com a evidência do poderio militar israelense’

A situação no Oriente Médio se alterou muito no último ano com a evidência do poderio militar israelense, solidamente apoiado pelos EUA, com o enfraquecimento do Irã pelos ataques de Israel a sua infraestrutura militar, do Hamas e do Hezbollah, além do contínuo interesse dos países árabes do Golfo em pôr fim ao conflito para poder expandir seus interesses econômicos comerciais e tecnológicos, inclusive com Israel.

As incertezas, porém, continuam e a perspectiva de uma escalada na guerra na região segue presente. Caso Trump, em uma dramática mudança da política externa norte-americana, venha a apoiar um ataque de Netanyahu contra o Irã, para eliminar a ameaça de um avanço nuclear iraniano – hipótese que Tel Aviv nunca descartou – a ameaça de um conflito mais amplo pode reaparecer com força.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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