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Interesse Nacional
06 abril 2023

Como celebrar, legitimamente, o bicentenário da independência do Brasil?

Após 200 anos da independência, o país ainda é percebido como um “jovem” em busca de seu lugar no mundo. Para pesquisadora, é preciso investir em núcleos acadêmicos multidisciplinares para pesquisas cientificas, apoiar a disseminação do processo político-histórico além da sala de aula com experiências temáticas em museus, contribuir com a preparação de materiais educativos de alcance mundial e criar enredos para divulgação midiática e cinematográfica

Após 200 anos da independência, o país ainda é percebido como um “jovem” em busca de seu lugar no mundo. Para pesquisadora, é preciso investir em núcleos acadêmicos multidisciplinares para pesquisas científicas, apoiar a disseminação do processo político-histórico além da sala de aula com experiências temáticas em museus, contribuir com a preparação de materiais educativos de alcance mundial e criar enredos para divulgação midiática e cinematográfica

Congresso Nacional iluminado de verde e amarelo em comemoração ao bicentenário da Independência (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Por Fabiana Gondim Mariutti*

Internacionalmente, o Brasil é percebido como um país “jovem”, recentemente independente em busca de seu lugar no mundo.

Entre vários assuntos nacionais de relevância histórica abordados nos relatórios no período de um ano do Índice de Interesse Nacional (iii-Brasil), encontra-se discretamente a celebração do bicentenário da nação. No entanto, contextos alegóricos e narrações partidárias – no âmbito de campanha eleitoral do governo anterior rumo à reeleição – foram destaques recorrentes na imprensa brasileira na época festiva em setembro de 2022.

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Trata-se de uma data nacional simbólica para comemoração da terra independente de Portugal, cuja abrangência jurídica-institucional demanda proeminência geopolítica e perspicácia diplomática perante o mundo.

Historicamente, o Brasil vivenciou uma independência processual, morosa politicamente e estratégica institucionalmente. Uma atual e real narrativa histórica sobre fatos antecedentes à conhecida independência do Brasil se faz necessária em 2023.

No ano de 2022, de acordo com relatórios do iii-Brasil, a imprensa internacional publicou poucos textos sobre o bicentenário da independência do Brasil.

No dia 16 de agosto de 2022, intitulado iii-Brasil: “Ameaças à democracia e mobilização em defesa do estado de direito elevam visibilidade e pioram imagem do país”, uma crônica no jornal português Público aborda a homenagem do bicentenário como sendo um silêncio onipresente no Brasil reconhecida como a independência abafada, perante os fatos pré-eleitorais ao redor da data comemorativa no Brasil. 

No dia 6 de setembro de 2022, o relatório iii-Brasil: “Cresce a cobertura internacional sobre as eleições presidenciais no país” aponta um texto reflexivo do jornal argentino Clarín sobre como a independência brasileira, datada de 7 de setembro de 1822, “foi mais complexa do que uma simples transferência de poder de pai para filho, e levar isso em conta é fundamental para compreender não só a história, mas também a cultura política do Brasil”.

Tanto no dia como na semana seguinte ao sete de setembro, vários textos são evidenciados no relatório do dia 13 de setembro de 2022, intitulado iii-Brasil: “Início de setembro registra menor proporção de notícias positivas sobre o país no exterior”. Referente ao dia da independência comemorado no dia 7 de setembro, a visível campanha política do atual presidente prevaleceu nas pautas editoriais da semana no seus jornais: no ClarínEl PaísLe Monde, New York Times, o Público e The Guardian.

O jornal inglês The Guardian destacou a turbulência do Brasil quanto aos comícios do Dia da Independência, liderada por Bolsonaro, em que a alegria da direita com direito à festa na praia do Rio de Janeiro contrasta com a raiva progressiva de que a celebração do bicentenário foi utilizada com propósito de campanha eleitoral. Já o Público teve foco nos festejos dos 200 anos do grito do Ipiranga foram ofuscados pela campanha eleitoral; também, outro texto no jornal português reporta sobre a coincidência do calendário com a data do bicentenário da independência do Brasil e a época pré-eleitoral provavelmente entre as eleições mais determinantes da história recente do Brasil.

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Durante o ano de 2022, uma programação mensal organizada pelo Governo Federal com diversificados eventos, como seminários, simpósios, encontros literários, demonstrações aéreas e exposições. A celebração do bicentenário da independência do Brasil contou com a restauração e modernização do Novo Museu do Ipiranga, em São Paulo. Uma exposição itinerária, localizada em uma ala anexada ao museu, exibiu obras e artefatos históricos, como também, em uma linha do tempo, acontecimentos antes, durante e depois da independência foram retratados.

Como artefatos comemorativos, duas moedas e um selo foram lançados nacionalmente.

As duas moedas em tributo ao bicentenário da Proclamação da Independência foram apresentadas pelo Banco Central em julho de 2022, sendo uma de prata e outra de cuproníquel, uma liga metálica de cobre e com até 30% de níquel. “Enquanto a moeda de cuproníquel retrata o “Grito da Independência”, dado por D. Pedro I às margens do Rio Ipiranga, já a moeda de prata, no valor de face de R$ 5,00, traz uma composição de imagens, com o busto de D. Pedro I no primeiro plano, e ao fundo retrata uma cena do quadro Sessão do Conselho de Estado, de Georgina de Albuquerque, 1922, em que são retratados a Imperatriz D. Leopoldina e o Ministro José Bonifácio”. 

Por ora, um artefato filatélico lançado pelos Correios, com 1,8 milhão de tiragem para notoriedade nacional coordenado pelo governo anterior. Trata-se do selo Bicentenário que marcou os 200 anos da independência do Brasil; tal ilustração traz o detalhe do punho de Dom Pedro I erguendo sua espada durante o “Grito do Ipiranga”. Apesar de outros três selos comemorativos do centenário da travessia do Atlântico Sul foram lançados em campanha comemorativa pelos Correios, esse principal denota visualmente uma síntese histórica oficial encomendada na época (1822), retratada na tela do quadro pintado a óleo por Pedro Américo, apresentada publicamente anos depois.

Imagem: Agência Brasil

Nesses artefatos nacionais em homenagem ao bicentenário, nota-se a falta da representatividade histórica do processo da independência, em que se resume a independência do Brasil em um ato particular, protagonizado pelo príncipe Dom Pedro com data e hora marcadas. Para a professora do Departamento de Antropologia Social da Universidade de São Paulo (USP), Lilia Schwarcz: “A pintura narra a lenda do Sete de Setembro, a lenda de uma independência muito pacífica, de um grande acordo de todos os setores da população. Essa lenda, muito masculina, muito europeia, muito principesca, reduz o complexo processo da independência a um fato isolado. E desconsidera outros movimentos, que foram violentos, como na Bahia, no Maranhão, no Piauí, em Porto Alegre”.

Imagem: Agência Brasil

Aqui no portal do Interesse Nacional, encontram-se alguns textos publicados na ocasião da simplória e falaz celebração do bicentenário da independência no Brasil no ano passado; dois deles são relembrados.

O professor Carlos Cardim nos presenteia com o texto “Reflexões sobre a Independência” com evidencias bibliográficas na semana do bicentenário em 2022. Cardim revisita o ano de 1822 e anteriormente, com apontamentos sobre os aspectos históricos do processo de independência. Ao relembrar a carta do Marquês de Pombal enviada ao seu irmão governador do Maranhão: “tão importante e ignorada, que mostra a faceta de hábil e sábio político, que contrasta com a dura imagem difundida de um cruel déspota, mesmo tido como “esclarecido”. Ainda, resumidamente, o texto identifica três pontos fundamentais sobre a independência do Brasil: (i) o processo foi definido, “politicamente, em senso estrito, num Parlamento”, a emancipação aconteceu no Poder Legislativo; (ii) o processo da independência do Brasil se estabelece como pouco violento, quando comparado com a de outras nações; e (iii) o processo foi caracterizado como de “notável habilidade política e diplomática”. O texto reforça que “Temos que ter sempre presente o mapa do Brasil, num contexto mundial. É um ponto óbvio, mas que constantemente é esquecido”. Fundamentalmente, uma linha do tempo digna de potenciais interpretações para perguntas de pesquisa acadêmicas, por vir.

Rubens Barbosa inicia seu texto de 9 de setembro de 2022, “Muito se discute e se critica a ausência de um projeto para o Brasil. Na campanha eleitoral, nenhuma palavra sobre as perspectivas do país quer interna, quer externamente”.  O texto compara possíveis razões da celebração das independências do Brasil e da Índia, celebrada em 15 de agosto. Os 75 anos de independência ao povo indiano do Reino Unido demonstrou “determinação e decisão na busca de um futuro melhor, apresentou seu plano para tornar a Índia um país desenvolvido em 25 anos, quando em 2047 completar o primeiro centenário da Independência”. Enquanto no Brasil, no 7 de setembro, vivenciamos “a apresentação de um projeto de país para o futuro e o ato eleitoral na celebração do bicentenário da Independência do Brasil em que o pais foi ignorado e a comemoração cívica foi sequestrada para promoção de uma candidatura”. Certamente que, a oportunidade única da aparição no palanque em plena Avenida Paulista se desfez em falas de cunho político e, também, sobre a privacidade do casal.

Também, notou-se incentivos à pesquisa por instituições de fomento, no Brasil.

Na Revista Ciência & Cultura, a publicação de divulgação científica da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cem páginas foram dedicadas com artigos e reportagens sobre os povos e lutas envolvidos (nem sempre reconhecidos) no processo da independência do Brasil.  Sendo assim, entende-se que a ênfase editorial científica pretende rever o esquecimento da heterogeneidade dos povos residentes na Terra Brasilis na época e seus plausíveis legados.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) também reconhece essa necessidade científica em termos históricos (também diplomáticos e geopolíticos). Uma iniciativa editorial pode ser vista na edição dedicada de agosto de 2022 (ano 23, número 319) com 14 matérias específicas sob o título da capa Outras Faces da Independência – cuja obra aborda os “Duzentos anos depois, estudos revelam novos aspectos do processo de separação de Portugal, como a participação indígena e o papel da escravidão e da ciência na construção do Brasil”.

Uma pesquisa financiada pela instituição intitulada “Gerações de pesquisadores ampliam a narrativa da Independência”, analisa o desenvolvimento dos estudos sobre os eventos de 1822. Entre os resultados dessa pesquisa, há a publicação do Dicionário da Independência: História, memória e historiografia, editado pelos historiadores da Universidade de São Paulo (USP) João Paulo Pimenta e Cecilia Helena de Salles Oliveira. Ainda, encontrou-se a consolidação da “tendência a uma historiografia mais diversa, que não olha apenas para os eventos políticos e econômicos na corte dos Bragança e nas elites agrárias. Os jovens pesquisadores demonstram grande interesse pelo papel de minorias, como as mulheres, os povos indígenas e a população negra, além dos episódios ocorridos nas antigas províncias de norte a sul do país”.

No início de fevereiro de 2023, a FAPESP contribuiu com um evento acadêmico-cientifico da Universidade de São Paulo (USP) para avanços sobre os processos sociais, históricos e diplomáticos da independência, sediados nas dependências do recém-inaugurado Museu do Ipiranga e no prédio de Ciências Sociais e Filosofia da Cidade Universitária. Com participação de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, a Escola São Paulo de Ciência Avançada Bicentenário da Independência[1] foi organizada pelo docente responsável pelo evento professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Amâncio Jorge de Oliveira. Com mais de 350 inscrições, 85 foram contemplados, entre acadêmicos e pesquisadores nacionais (de várias regiões do Brasil) e internacionais. Durante essa summer school, oportunidades de debater em profundidade o processo em diferentes perspectivas, como as relações internacionais, com atenção especial para o processo de reconhecimento da independência no exterior, paralelamente dedicada para questões domésticas e políticas da independência dentro das diferentes regiões do Brasil.

Palestrantes convidados, entre pesquisadores e professores de áreas inter-relacionadas e diplomatas brasileiros contribuíram com dias de aprendizado teórico-prático, tangenciando questões onto-epistemológicas em torno do processo histórico, cultural, social e político da independência do Brasil.

O professor e ministro Rubens Ricupero relembrou acontecimentos históricos do século XVIII e a necessidade de um novo entendimento do processo de independência do Brasil. Seu livro “Balanço e Desafios no Bicentenário da Independência”, uma coletânea de artigos, sobre o resgate histórico possibilitados pelo bicentenário da independência, “dedicado a um balanço e à identificação dos desafios para o Brasil no contexto do bicentenário de sua independência”.

A professora Lilia Schwarcz ao palestrar sobre o tema “O Sequestro da Independência: uma história da construção do mito do Sete de Setembro”, nome de seu livro com o mesmo título, escrito com Carlos Lima Jr. e Lúcia Stumpf, publicado pela editora Companhia das Letras. Lilia Schwarcz, que afirma que o “Brasil tem pouco a comemorar”, Lilia defende a ressignificação das efemérides, como um momento para além da celebração, como uma reflexão sobre “o passado, presente e sonho de futuro”. Continua, “Hoje nós sabemos que existiram várias independências…” A historiadora sintetiza que o “Sete de Setembro foi uma construção artificial”.

Por fim, volta-se a pergunta do título desse ensaio: Como celebrar, legitimamente, o bicentenário da independência do Brasil? Ainda, como a jovialidade da nação pode se fortalecer com uma imagem de país baseada em uma “estória bem contada”?

Uma resposta passível de muitos projetos de pesquisas. Resumidamente, celebrar o bicentenário como um processo da independência do Brasil, investir em núcleos acadêmicos multidisciplinares para pesquisas cientificas, apoiar a disseminação do processo político-histórico além da sala de aula com experiências temáticas em museus nacionais (e internacionais), contribuir com a preparação de materiais educativos de alcance mundial e criar enredos para divulgação midiática e cinematográfica.

Como urgência diplomática, contentamento histórico e reanimo da cidadania – tal tripé patriota requer em propagar narrativas históricas além do grito do Ipiranga, em investigar a factual imagem do país ante as celebrações do bicentenário da independência, e em projetar programas estratégicos de âmbito nacional e internacional para anos vindouros.

Para tanto, espera-se que pesquisadores brasileiros empenhados e políticos comprometidos, atuais e futuros, com a democracia nacional – nos próximos cem anos – se inspirem nas palavras de Juscelino Kubitscheck (1956): “Deste Planalto, desta solidão, que em breve se transformará em cérebro de altas decisões nacionais, lanço os olhos, mais uma vez, sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada, com fé inquebrantável e uma confiança sem limites, no seu grande destino”[2]. Que nosso Brasil celebre suas independências vivenciadas em mais de dois séculos com história política reconhecida e nobre herança cultural para além da proclamada às margens do riacho do Ipiranga no dia 7 de setembro de 1822.


*Fabiana Gondim Mariutti atua como pesquisadora, professora universitária e consultora; obteve pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração e bacharel em Comunicação Social. Estuda a imagem, reputação e marca Brasil desde 2010. Autora dos livros: “Country Reputation: The Case of Brazil in the United Kingdom: Four Stakeholders’ Perspectives on Brazil’s Brand Image” (2017) e Country Brand Identity: Communication of the Brazil Brand in the United States of America (2013).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional


[1] Fabiana Mariutti foi uma das pesquisadoras participantes da Escola Avançada da FAPESP.

[2] Citação também registrada no texto do Professor Cardim.

Fabiana Gondim Mariutti atua como pesquisadora, professora universitária e consultora; obteve pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração e bacharel em Comunicação Social. Estuda a imagem, reputação e marca Brasil desde 2010. Interesse nas áreas de Place Branding e Public Diplomacy. Nomeada Place Brand Expert pelo The Place Brand Observer, na Suíça. Autora do recente artigo: “When place brand and place logo matches: VRIO applied to Place Branding”, de dois livros e sete capítulos de livros

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