Maiara Folly: Política externa ativa, altiva e sustentável – O caminho até a COP30 em Belém pode consolidar o Brasil enquanto potência ambiental e climática
Governo Lula está atuando para recuperar a credibilidade do Brasil após anos de debilidade sob Bolsonaro. Para diretora da Plataforma CIPÓ, políticas domésticas eficazes e uma diplomacia consistente podem fazer o país se tornar um protagonista global na proteção do meio ambiente
Governo Lula está atuando para recuperar a credibilidade do Brasil após anos de debilidade sob Bolsonaro. Para diretora da Plataforma CIPÓ, políticas domésticas eficazes e uma diplomacia consistente podem fazer o país se tornar um protagonista global na proteção do meio ambiente
Por Maiara Folly*
O Grupo dos Estados da América Latina e do Caribe endossou a candidatura do Brasil para sediar a 30ª edição da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, evento anual que reúne as principais lideranças de quase todos os países do mundo para negociar compromissos e estratégias para enfrentar os desafios impostos pela crise climática. Embora a medida ainda precise ser chancelada pela ONU, o apoio dos países da região e a escolha do governo federal de sediar o evento na cidade amazônica de Belém do Pará já vêm ajudando a retomada do protagonismo internacional brasileiro nas agendas de clima e meio ambiente.
Uma política externa ativa e criativa será fundamental para recuperar a credibilidade e o capital político e diplomático que o Brasil acumulou durante décadas, mas que foi severamente enfraquecido em função do avanço dos crimes ambientais e do desmantelamento dos órgãos e legislações ambientais brasileiros durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Essa não será uma tarefa fácil diante de uma série de desafios domésticos, como restrições fiscais e orçamentárias, bem como a postura hostil do Congresso Nacional em relação à causa ambiental, que ficou evidente com a aprovação de medidas que esvaziaram o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o Ministério dos Povos Indígenas.
O contexto global também é complexo. Disputas geopolíticas entre grandes potências se acirram, ao passo que a guerra da Ucrânia, que em fevereiro completou um ano, segue sem indícios de que chegará ao fim. Soma-se a isso, um aumento da inflação e do custo de vida em diversas partes do mundo, tornando pouco animadoras as expectativas de crescimento econômico global no pós pandemia de Covid-19. O resultado tem sido um aumento das desigualdades dentro e entre países, o que pode impor obstáculos consideráveis à ambição brasileira de fortalecer a luta global contra as mudanças climáticas.
Apesar dos desafios domésticos e internacionais, o novo governo já tem dado sinais de que se empenhará para reposicionar o Brasil no mundo. Desde que assumiu a Presidência pela terceira vez, Lula já se reuniu com dezenas de chefes de Estado e visitou 12 países, passando por nações vizinhas, países desenvolvidos, como a França, o Reino Unido e o Japão, e também pelas duas maiores potências globais: os Estados Unidos e a China.
Em Pequim foi lançada uma declaração bilateral que busca fortalecer e dar institucionalidade aos arranjos de cooperação Brasil-China no combate à mudança do clima. Já a visita a Washington abriu caminho para o anúncio da intenção dos EUA de alocar US$500 milhões para o Fundo Amazônia nos próximos cinco anos. Durante visita a Brasília, a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, afirmou que o bloco também pretende repassar recursos ao fundo.
Em discurso durante a Cúpula do G7, em Hiroshima, Lula relembrou que em 1992, no Rio de Janeiro, o Brasil sediou a conferência que deu origem a três relevantes convenções da ONU legalmente vinculantes: sobre clima, biodiversidade e desertificação. Em seguida, pediu que esses compromissos sejam honrados e que os países desenvolvidos cumpram a promessa de alocarem os já muito insuficientes US$ 100 bilhões ao ano à ação climática.
Em Paris, durante cúpula dedicada a discutir um pacto para ampliar o financiamento climático global, Lula enfatizou que, sem maiores investimentos dos países ricos e na ausência de uma reforma profunda do sistema financeiro internacional, não será possível combater a pobreza e as desigualdades sociais, econômicas, raciais e de gênero ao redor do mundo – condições centrais para a promoção de uma transição ecológica verdadeiramente justa.
Tanto em Hiroshima quanto em Paris, Lula deu ênfase ao fato de que o Brasil possui uma matriz energética entre as mais limpas do mundo. “87% da matriz energética brasileira é limpa e renovável, contra 27% da média mundial; e 50% da energia consumida no Brasil é renovável, contra 15% no mundo”, declarou o Presidente brasileiro sob aplausos dos parisienses.
Contudo, nem todas as ações da política externa brasileira têm dado motivo para aplausos. É preocupante a notícia de que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estaria disposto a financiar um gasoduto na Argentina que transportaria gás produzido com fraturamento hidráulico (fracking) – técnica de exploração não convencional proibida em vários países pelo seus graves impactos ambientais e riscos à saúde humana. No caso argentino, o projeto também sofre resistência pelos riscos que impõem ao povo indígena Mapuche, que teme ter seus modos de vida descaracterizados e demanda respeito ao direito à consulta livre, prévia e informada previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Para se consolidar como um ator responsável perante o mundo, decisões como essas precisam ser revistas. Embora discursos diplomáticos comprometidos com a proteção do planeta sejam importantes, é fundamental que todas as medidas de cooperação internacional do país, inclusive do ponto de vista bilateral, também estejam alinhadas com compromissos que incluem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o Acordo de Paris e o Marco Global Kunming-Montreal da Biodiversidade.
No plano doméstico, alguns avanços já vêm sido observados, como a queda nos índices de desmatamento na Amazônia, o combate firme ao garimpo ilegal em terras indígenas e a decisão do órgão ambiental brasileiro de exigir estudos técnicos mais robustos antes de conceder licença para a extração de petróleo na região ambientalmente sensível da Bacia da foz do rio Amazonas.
Se conquistas internas como essa forem mantidas e ampliadas, e se vierem acompanhadas de uma estratégia de política externa que tenha a sustentabilidade no centro de sua atuação multilateral e bilateral, o Brasil não apenas se consolidará como ator central em questões climáticas e ambientais, como também estará melhor credenciado para assumir protagonismo em outras áreas prioritárias para sua inserção internacional.
E não faltarão oportunidades para alcançar esse objetivo. Em agosto o Brasil sediará a Cúpula da Amazônia, que reunirá os chefes de Estado dos países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) para discutir estratégias para promover o desenvolvimento sustentável e a preservação da maior floresta tropical do mundo. Além disso, o Brasil assumirá, em dezembro de 2023, a presidência do G20, fórum internacional composto pelos países que acumulam 80% do PIB global e 60% da população mundial. Em 2025, a COP 30 será um momento definidor das capacidades dos países de manterem vivo o espírito da Rio-92 e efetivamente cumprirem o Acordo de Paris, que estará completando dez anos da sua assinatura.
Com políticas domésticas eficazes e uma diplomacia ativa, altiva e consistente na busca pelo desenvolvimento sustentável em suas três vertentes: econômico, social e ambiental, o Brasil poderá alcançar a condição de potência climática e ambiental quando o mundo aterrissar em Belém para a COP 30.
*Maiara Folly é colunista da Interesse Nacional, diretora executiva da Plataforma CIPÓ, um instituto de pesquisa dedicado a temas de clima, governança e relações internacionais. Folly lidera projetos de pesquisa e iniciativas de advocacy nas áreas de clima, crimes ambientais, paz e segurança, governança global e política externa. Obteve o mestrado pelo Departamento de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Oxford e formou-se em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Maiara Folly é diretora executiva da Plataforma CIPÓ, um instituto de pesquisa dedicado a temas de clima, governança e relações internacionais. Lidera projetos de pesquisa e iniciativas de advocacy nas áreas de clima, crimes ambientais, paz e segurança, governança global e política externa. Obteve o mestrado pelo Departamento de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Oxford e formou-se em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro.
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