O Rambo do Pará
Desenvolvimento de infraestrutura em fronteiras florestais pode criar oportunidades para a economia, mas cria riscos para a proteção ambiental da região
Em uma das demonstrações mais icônicas de violência no cinema moderno, um homem sem camisa, com um físico fortão e cabelo até os ombros preso por uma bandana, está na porta aberta de um helicóptero que paira logo acima de um campo de prisioneiros de guerra norte-vietnamita. O tempo para negociações civilizadas já passou, como é evidente pelo seu olhar maníaco e pelas metralhadoras que ele segura no braço. Com um grito, ele abre fogo, disparando de um lado para o outro ao som ensurdecedor de um contra-ataque vigoroso, do qual o helicóptero milagrosamente escapa, pousando nosso herói no chão da selva, de onde ele continua a lutar contra o inimigo que o supera em número por centenas. Ele vence, é claro, resgatando prisioneiros de guerra americanos que os escalões superiores do governo dos EUA queriam esquecer.
Você pode ou não reconhecer essa figura de ação, criada pela mente febril de Sylvester Stallone, como o formidável Rambo, vingador por excelência que reabilitou a autoestima dos veteranos do Vietnã, que muitas vezes foram recebidos friamente ao retornar dos EUA do sudeste asiático.
Por um tempo, a imagem foi bastante famosa em todo o mundo, pelo menos entre os adolescentes com fantasias de guerra. Eventualmente, o nome do herói de ficção Rambo entrou na língua inglesa como uma forma de descrever um indivíduo disposto a recorrer a extremos para fins geralmente nefastos.
“Ele é um verdadeiro Rambo” não era um elogio. Esse foi o caso com o “Rambo do Pará.” Sim, o Brasil, em particular o estado do Pará, teve seu próprio Rambo, ou pelo menos um indivíduo que foi referido pela mídia dessa forma, e pelo paraense médio que lia as notícias no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Refiro-me a Márcio Martins da Costa.
O que Rambo tem a ver com isso?
Então, como isso é relevante, você pode estar se perguntando. Como alguém que a imprensa apelidou de “Rambo do Pará” tem alguma relevância para os dias de hoje? Afinal, Márcio já se foi há muito tempo, tendo morrido em um confronto com a polícia militar décadas atrás, em 1992. Seja como for, a febre que o transformou em uma máquina de matar continua altamente relevante, dado que ela ganha vida sempre que ouro, diamantes e outros minerais valiosos são descobertos. Isso normalmente acontece quando o investimento em infraestrutura torna áreas antes inacessíveis de repente acessíveis.
Márcio alcançou sua fama e apelido em Castelo de Sonhos, uma das várias pequenas cidades paraenses que surgiram com a construção da BR-163, uma rodovia federal que vai de Cuiabá, em Mato Grosso, até Santarém, no Pará. Concluída em 1976, dois anos após a Transamazônica (BR-230) chegar a Lábrea, às margens do rio Purus, a BR-163 agiu como um acelerador na imigração para a Amazônia. Ela abriu as comportas para madeireiros, grileiros e, mais importante para a história aqui, garimpeiros.
Embora o ouro tenha sido descoberto no Vale do Tapajós em 1958, a BR-163 tornou esse metal precioso acessível para a multidão. E com a multidão veio Márcio em 1983. Ele começou fornecendo serviços de transporte para garimpeiros, mas logo quis o ouro para si.
Ao longo da BR-163, a demarcação de reivindicações não era um processo amigável, e Márcio logo se tornou notório nesse aspecto, disposto a recorrer à violência sem hesitação. Quando a polícia militar o abateu, suas vítimas eram muitas. Alguns colocam a contagem em 300, comparável aos números que caíram para os pistoleiros de Pablo Escobar na Colômbia. Evidentemente, Márcio desfilava por Castelo dos Sonhos com algumas metralhadoras penduradas nos ombros, e assim surgiu o apelido.
Castelo dos Sonhos fica diretamente na rota da BR-163, por muito tempo uma estrada empoeirada que languideceu por décadas sem pavimentação. Mas o interesse pela estrada, ou pelo menos pelo seu direito de passagem, surgiu recentemente, dado que os planejadores a veem como um caminho ideal para a ferrovia Ferrogrão, um projeto de infraestrutura pelo qual os ruralistas parecem dispostos a morrer, dados os lucros que ele gerará com a economia de custos de transporte.
Desde que a BR-163 abriu a região para pessoas como o Rambo do Pará e legiões de indivíduos de mentalidade semelhante, devemos nos perguntar se outra onda migratória será desencadeada na região, com as mesmas consequências destrutivas. Até agora, só considerei a violência nos garimpos. Mas aqueles que vieram para o corredor da BR-163 em busca de ouro no Vale do Tapajós desencadearam um processo de degradação ambiental e trouxeram dificuldades para os habitantes indígenas de longa data.
Dez anos atrás, enquanto realizava pesquisa de campo, voei com dois colegas brasileiros de Novo Progresso, ao norte de Castelo dos Sonhos, para São Félix do Xingu, sobre uma região conhecida como Terra do Meio. O voo atravessou aproximadamente 400 km, e o que me surpreendeu foi a rede de estradas de mineração observável a leste da BR-163. Ela se estendia por quase 100 km da rodovia, abrindo vastas extensões da floresta para motosserras, fogo e transformação ambiental.
Tão perturbador quanto, as estradas de mineração penetraram na terra natal dos Kayapó, tornando-a acessível a qualquer um que desejasse tomar suas terras. Se tivéssemos voado para o oeste, estou confiante de que teríamos visto o mesmo padrão, se não mais pronunciado, dado ainda mais ouro no Vale do Tapajós. Essa rede para o oeste certamente teria violado a integridade territorial da Nação Munduruku.
O problema do desenvolvimento de infraestrutura em fronteiras florestais
Os defensores da Ferrogrão afirmam que ela não penetrará em áreas indígenas. Isso é pouco conforto para os povos indígenas da região, que experimentaram invasões de terras não tanto do corredor da BR-163, mas de quem a usava como trampolim para obter recursos onde quer que pudessem encontrá-los, mesmo que isso significasse abrir estradas de terra de 100 km na floresta.
Os defensores da Ferrogrão afirmam que ela não é um instrumento de colonização, como foi a BR-163 e suas outras companheiras federais (por exemplo, BR-230, BR-364, BR-319, etc.). Isso pode muito bem ser verdade, mas quem pode dizer? De qualquer forma, nem os povos Kayapó nem Munduruku dão muito crédito a essas afirmações. Eles pediram a Lula que não construísse a ferrovia.
Na verdade, a Ferrogrão, embora preocupante por si só, não é a principal preocupação. Em vez disso, é o “elefante na sala”, o plano maior de terraformar todo o Vale do Tapajós com barragens, hidrovias, portos e ferrovias. Sim, duas ferrovias, sendo uma a Ferrogrão. Não há dúvida de que, se esse plano for implementado, cada grama de ouro na região do Tapajós será extraído, juntamente com uma riqueza de Croesus em minerais industriais que os geólogos sabem que estão lá.
É possível que o governo consiga controlar a maré humana que lavaria no centro do Pará concedendo concessões ao setor corporativo. Isso não agradaria aos pobres, no entanto, o que seria politicamente problemático para Lula. Infelizmente, os frenesis minerais amazônicos frequentemente cobram um preço tanto das pessoas quanto do meio ambiente. O poço boschiano em Serra Pelada atraiu cerca de 100 mil garimpeiros, a grande maioria dos quais fracassou, mudou-se para a floresta e sustentou suas famílias desmatando-a.
Preparando-se para a COP30 em Belém
Serra Pelada e o Vale do Tapajós estão ambos no estado do Pará. Assim como os povos Kayapó e Munduruku. Claro, o Pará é muito grande, e sua capital, Belém, pode parecer distante das fronteiras de desmatamento da Amazônia e dos conflitos de recursos. Isso faz dela um bom local para sediar a reunião da COP30 em 2025.
Você pode estar “na” Amazônia, mas também distante de suas realidades desconfortáveis, incluindo indivíduos como o Rambo do Pará, que ainda estão por aí, infelizmente. É fácil acreditar que a Amazônia virou a esquina rumo à sustentabilidade enquanto se toma caipirinhas em Belém.
Nesse sentido, fica a pergunta sobre qual será o discurso de Lula para sua audiência global cativa quando finalmente se reunir. Ele pode certamente apontar para o sucesso legítimo na redução da taxa de desmatamento amazônico. Mas o que ele dirá sobre o Marco Temporal? O que ele dirá sobre não ter demarcado novos Territórios Indígenas, mas apenas homologado os antigos? O que ele dirá sobre a inclinação do Brasil para a produção de petróleo e a Opep? O que ele dirá sobre a Ferrogrão e a oposição pública de Raoni a ela? Lula tem um ano para preparar seu ato de equilíbrio. As contradições emergentes em sua agenda política serão resolvidas até lá? Fique ligado para o que promete ser um verdadeiro espetáculo.
Atualização sobre o desmatamento amazônico
A tendência de queda das taxas de desmatamento amazônico continua no segundo ano da administração atual. Nos primeiros cinco meses de 2024, 822 km² de floresta foram perdidos, o que representa uma queda de 47% em relação aos primeiros cinco meses de 2023, quando 1.542 km² foram convertidos. Se a mesma queda na magnitude do desmatamento ocorrer de janeiro a maio (750 km²) do próximo ano, então o desmatamento para os primeiros cinco meses de 2025 estará se aproximando de 0 km², o que é uma boa notícia tanto para a floresta quanto para a meta de Lula de zero desmatamento até 2030.
Robert Toovey Walker é colunista da Interesse Nacional, geógrafo, tem doutorado em ciência regional pela University of Pennsylvania e é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida
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