14 outubro 2024

Organização japonesa que milita contra armas nucleares ganha Nobel da Paz

Fundada por sobreviventes dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, a Nihon Hidankyo tem como principal objetivo alcançar um acordo internacional que promova a proibição total e a eliminação das bombas atômicas. Integrantes do grupo buscam preservar memória dos ataques por meio de seus testemunhos, como forma de conscientizar governos e a sociedade civil sobre as devastadoras consequências do uso dessa tecnologia

Logo da Nihon Hidankyo, ilustração de um origami de tsuru, ou ave grou, importante símbolo da cultura japonesa, que representa boa sorte, saúde, felicidade e longevidade (Foto: Niklas Elmehed/Nobel Prize Outreach)

Por Malena Stariolo

Na manhã desta sexta-feira (11) o Comitê Norueguês do Nobel anunciou que a Láurea da Paz de 2024 seria entregue para a organização japonesa Nihon Hidankyo, composta por sobreviventes das bombas atômicas lançadas contra o Japão em 1945. Segundo o Comitê, a decisão foi feita como reconhecimento “por seus esforços para alcançar um mundo livre de armas nucleares e por demonstrar, através de testemunhos de sobreviventes, que armas nucleares nunca devem ser usadas novamente”.

O prêmio vem um ano antes da marca de 80 anos dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, e em um contexto de crescente preocupação global com novas ameaças nucleares. Desde a década de 1950, a Nihon Hidankyo luta pela abolição das armas atômicas. Sua atuação foi importante para a criação do “tabu das bombas nucleares”, um consenso internacional que estigmatiza o uso desse tipo de arma. O desenvolvimento deste consenso envolveu a coleta de testemunhos dos Hibakusha, termo que significa “pessoas afetadas pela bomba”.

“Os Hibakusha nos ajudam a descrever o indescritível, pensar o impensável e entender a incompreensível dor e sofrimento causada por armas nucleares”, afirmou Jørgen Watne Frydnes, presidente do Comitê Norueguês do Nobel, durante o anúncio da premiação. Apesar de destacar que nenhuma arma nuclear foi utilizada em quase 80 anos, o comitê considera que o tabu está sob ameaça diante de guerras no Oriente Médio, na Ucrânia, no Líbano e na Coreia do Norte, entre outras regiões.

“As forças nucleares estão se modernizando e atualizando, novos países estão se preparando para adquirir armas nucleares e novas ameaças de sua utilização estão sendo feitas. Neste momento na história humana é importante lembrar o que as armas nucleares são: o poder mais destrutivo que o mundo já viu”, reiterou Frydnes. Segundo a Federação dos Cientistas Americanos, atualmente nove países contam com armamento atômico: Rússia, EUA, China, França, Reino Unido, Paquistão, Índia, Israel e Coreia do Norte.

Um clamor contra a força atômica

No dia 6 de agosto de 1945, o Enola Gay, um avião bombardeiro do exército norte-americano, lançou a bomba Little Boy sobre Hiroshima. Três dias depois outro avião lançaria a bomba Fat Man na cidade de Nagasaki. Os ataques, que tiveram a intensidade de 15 e 21 quilotons de TNT, respectivamente, foram responsáveis por matar instantaneamente 120 mil pessoas. Estimativas apontam, que um número equivalente morreu nos meses e anos seguintes, em decorrência das queimaduras e da radiação.

Esse foi o primeiro e único momento na história em que armas nucleares foram usadas em guerra e contra alvos civis. Apesar da destruição massiva, muitas pessoas sobreviveram, lidando com as consequências físicas e emocionais do ataque. O governo japonês chegou a reconhecer a existência de 650 mil sobreviventes. Com o passar das décadas, esses números se reduziram cada vez mais. Segundo a Nihon Hidankyo, atualmente restam aproximadamente 114 mil sobreviventes, muitos já na faixa dos 80 anos. Grande parte dedicou a vida a manter viva a memória dos ataques, com o propósito de disseminar o conhecimento sobre os horrores desse poder destrutivo, na esperança de que a humanidade jamais volte a vivenciar algo semelhante.

A organização japonesa foi fundada em 10 de agosto de 1956, 11 anos após os ataques, durante a 2ª Conferência Mundial contra as Bombas A e H. O grupo surgiu como resposta à censura imposta pelo governo norte-americano que, durante a década seguinte aos bombardeios, proibiu o povo japonês de falar sobre o bombardeio e o mal que ele inflingiu, mesmo após o Japão recuperar sua soberania nacional em 1952. Em 1951, o governo japonês renunciou ao direito de reivindicar indenizações pelos bombardeios, ao assinar o Tratado de Paz de São Francisco, para oficializar o fim da Segunda Guerra Mundial.

A impossibilidade de falar sobre sua realidade, aliado ao sentimento de marginalização e estigma que recaiu sobre os afetados pelas bombas, levou a uma ascensão do movimento antinuclear no país, que culminou na organização formal da Nihon Hidankyo. Desde então, a Confederação envia representantes para participar de eventos e conferências internacionais, com o objetivo de manter viva a memória do ataque e compartilhar as experiências dos sobreviventes. “Os testemunhos e discursos dos Hibakusha nessas ocasiões contribuíram grandemente para informar o mundo sobre o horror das armas nucleares e a atrocidade dos danos causados às pessoas, que permaneceram ocultos do público por mais de 10 anos após seu uso”, informa a organização em sua página oficial.

No último depoimento publicado, em 27 de maio de 2024, a organização se posiciona contra o início dos testes de armas nucleares na Rússia, ação que foi divulgada pelo Ministério de Defesa do país em 21 de maio. “Os bombardeios atômicos no Japão tiraram muitas vidas e continuam a afetar nossos corpos, vidas e mentes de várias maneiras. A tragédia do uso de armas nucleares, que resultou em consequências desumanas, nunca deve se repetir”, afirmam na carta.

O Comitê do Nobel destaca a importância de reconhecer essas ações especialmente em um cenário no qual o desenvolvimento do poderio atômico levou a criação de armas com um poder de destruição muito maior daquele vivenciado em Hiroshima e Nagasaki. Segundo a Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares (ICAN), organização vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2017, as bombas de 1945 são consideradas de baixa potência nos dias atuais. A ICAN afirma que muitas das armas nucleares modernas na Rússia e nos EUA são do tipo termonuclear e apresentam uma potência para destruição equivalente a, pelo menos, 100 quilotons de dinamite – um poder de destruição aproximadamente 7 vezes maior do que a bomba usada em Hiroshima. Mas, em seus testes nucleares, as superpotências já liberaram energias na ordem dos megatons, sendo que um megaton equivale a mil megatons. “As armas nucleares de hoje têm um poder destrutivo muito maior. Elas podem matar milhões e impactariam o clima de forma catastrófica. Uma guerra nuclear poderia destruir nossa civilização”, afirmou o Comitê do Nobel durante o anúncio.

“Um dia, os Hibakusha não estarão mais entre nós como testemunhas da história. Mas, com uma forte cultura de memória e compromisso contínuo, novas gerações no Japão estão levando adiante a experiência e a mensagem dessas testemunhas. Elas estão inspirando e educando pessoas ao redor do mundo. Dessa forma, estão ajudando a manter o tabu nuclear – uma condição essencial para um futuro pacífico da humanidade”, anunciou Frydnes no fim de sua fala.

Este texto é uma reprodução livre de artigo publicado pelo Jornal da Unesp - https://jornal.unesp.br/

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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