02 abril 2016

PT: O Tratamento Errado Do Erro

I

Não é a primeira vez na história da esquerda que a origem e o crescimento da crise de seus partidos estão no tratamento errado do erro. Quem não reconhece o erro não vive a dificuldade moral da sua atitude e se condena a repeti-la. Porque erro não se melhora. Erro, para que a vida não seja desperdiçada, deve ser abolido. Especialmente em países como o nosso, onde a democracia ainda não exige dos agentes públicos um piso institucional básico impossível de ser ultrapassado. Talvez por isso a honestidade continue entre nós uma coisa própria da índole pessoal de cada um, uma vez que a igualdade perante a lei não impõe nenhuma exigência ao comportamento. Quando for capaz de aceitar que a cada um só cabe o que lhe é devido, talvez a política aceite inscrever a justiça no catálogo das virtudes. E dormir o sono tranquilo de Whitman: “não aceite nada que não possa devolver aos demais nos mesmos termos”.
O PT original se reconhecia a si mesmo como objeto cultural e moral, um universo próprio que o protegia de se entregar indefeso ao entorno que criticava. Tinha noção de arte na política, encobria-se de mentalidade social e não aceitava lentidão na defesa das teses comportamentais que o distinguiam.  Embora iludido com a ideia de que as regras do jogo poderiam ser infringidas e mudadas pela sociedade, mobilizada pela polarização constante entre povo e elite, evitava ações que ameaçassem o universo cultural dos seus apoiadores. Sua procura por igualdade social, econômica e política fluía, principalmente, das ideias socialistas, cristãs, comunitárias e de todo o mundo sindical, operário ou não. Sua visão de funcionamento interno vinha das organizações da esquerda não soviética, da crítica ao monoteísmo trabalhista que estatizou os sindicatos. O novo sindicalismo, de onde surgiu, prometia enterrar a era Vargas e, como quem quebra os elos da cadeia que fundiu a aristocracia sindical à burocracia estatal, libertar, pela livre negociação e a livre concorrência, o controle da vida econômica e os trabalhadores da proibição de enriquecerem. Era o fim do ciclo “imposto-autoritarismo-obediência-massa-favor-dissidência” que não deixa a economia prosperar. Sua crítica ao Estado de privilegiados, identificados como usurpadores; sua luta para transformar os sindicatos em organismos de defesa dos trabalhadores e não em cidadela de uma aristocracia trabalhista; seu desgosto diante do viciado jogo de pseudoproblemas presentes na intermediação política partidária; e seu compromisso de considerar a ambição uma droga facilitaram a curiosidade sobre ele, aumentando sua visibilidade social. O Brasil clamava por um delírio novo e queria ver a esperança como uma categoria política.  E, por isso, sua aceitação por todos os segmentos sociais esclarecidos – todo mundo admirava pelo menos um petista – o fez credenciado, pelas regras eleitorais, a pleitear e assumir a gestão do Estado, para modernizá-lo e dar vez e voz ao povo.
Protegido pela ideia de que o Brasil é um país experimental e onde tudo está um grau acima ou abaixo do bom senso, avesso à exigência e à dificuldade, o PT, para um observador de costumes, é também um produto do microfone e do autofalante. Só falava do que lhe faltava. Foi uma escola de oradores radicais, impulsionada pela ideologia da pura liberdade de expressão, em que a loquacidade verbal e a gesticulação teatral, um trabalho de demolição e de exaltação simultâneas, escondiam, muitas vezes, a precariedade emocional e a limitada percepção da realidade. O portador do modo petista de falar, um método ritmado de fazer o orador um especialista em discorrer sobre tudo e todos, tinha a missão recrutadora de arrastar multidões na busca incansável pela justiça, recusando e condenando as condições gerais impostas ao país pelo patronato político e os donos do poder.
O PT nos anos 1980
O PT do poder, distraído em relação a esse impulso e a essa natureza, converteu-se, como fator de transformação de costumes políticos, em inválido educador. Não se importa com a erosão da sua base social, provocada por alianças reacionárias e abandono de princípios e programas, mantendo-se indiferente ao perigo de que uma clara divisão no interior da nação pode levar o povo a ser conquistado numa perspectiva antagônica às ideias progressistas. Defensor de políticas que correspondem às necessidades do sistema financeiro e dos grandes construtores predadores do Estado, só não pode ser considerado parte de um governo análogo aos governos conservadores por causa de seu enraizamento social e da presença de quadros de esquerda na sua direção. Ao reforçar a ilusão da sociedade de esperar tudo do Estado, estimulou a perda da liberdade do indivíduo ao oferecer-se como um laço da ligação entre a autoridade pública e o mando político. E, nesse ócio que é viver o pensamento e o interesse do outro, não alcançou a capacidade de entender a realidade da violência, da desigualdade, a partir das suas conexões com a economia ultrarregulada e o protecionismo, que impedem a inserção elevada do país ao sistema econômico mundial. Sem se dar conta de que incluir-se na desigualdade não é inclusão e que nível de renda não é o mesmo que classe social, ainda que tenha impulsionado a ideia da justiça para os carentes, em um país constituído pela falta, pela incapacidade de sustentar a estabilidade que prometeu, viu-se enredado na mesma ilegitimidade estrutural em que sempre viveu a elite do país.

I

 O PT, nos anos 1980, se organizou com duas características muito fortes. A primeira: um partido de massas, amplo, aberto, dissolvendo a ideia de que havia um operariado homogêneo, uma classe social dirigente. Foi a superação do discurso da esquerda clássica que o fez crescer. Poderia ter sido um partido de classe, um PO, operário, esquerdista e isolado. Poderia ter sido um PA, partido dos assalariados, classe média, intelectual, mas, ainda assim, estaria aquém das necessidades do Brasil. Decidiu, corretamente, que seria um partido de base, dos trabalhadores, de arregimentação livre e universal. A dificuldade pública inicial na projeção de sua imagem foi com a semântica do próprio nome e se refletiu no slogan restritivo da primeira eleição – “Trabalhador Vota em Trabalhador”.  Não compreendeu, plenamente, pressionado pelo senso de dever com os oprimidos, compromisso das Comunidades Eclesiais de Base da Igreja, e a vigilância arrogante da esquerda organizada, que trabalhador é todo aquele que vive do seu trabalho, podendo o empresário também ser PT.
Em segundo lugar, uma forte noção de hierarquia, base ativa e disciplina interna. Tornou-se, em 25 anos, um grande partido de massa, amplo, com fidelidade partidária, mais de 800 mil filiados com carteira, contribuição financeira regular, endereço conhecido e sede própria. Coisa rara em um partido brasileiro. Não havia filiação que não fosse resultado de militância e ativismo político, o que dava uma turbulência interna permanente, um politeísmo relatado com orgulho e batizado de direito de tendência, que não comprometia a unidade de ação.  Até a chegada ao governo, que para muitos foi pouca coisa, pois não significava o poder, na retórica do esquerdismo! O certo é que essa liberdade de formação de tendência e frações, um princípio caro aos partidos não stalinistas, impulsionou fortemente o crescimento partidário quando na oposição, pois se converteu em expediente usado para aumentar o alcance social e político da legenda na captura de filiados. Mas, no governo tornou-se um fator de esterilização da imaginação política, já que, funcionando como direito à facção, virou um dispositivo de poder que bloqueou a ascensão dos independentes: “intelectuais orgânicos” da causa geral, mas quadros inorgânicos em relação aos interesses do aparelho partidário. Sem ser de tendência, a inteligência na esquerda não serve para nada. A virtude programática que fundamentava a democracia interna se revelou, então, disfuncional para o exercício do poder de governar para toda sociedade. O expurgo dos dissidentes, além de sinalizar para uma decisão sombria da direção, não acalmou a natureza conflitiva original. A tradução institucional do fenômeno materializou-se na forma bizarra de lidar com os diversos segmentos internos que se consolidaram como força política. O mar de ministérios que o governo foi obrigado a inaugurar para acomodar todos os aliados – internos e externos – levou ao extremo o expediente de usar o tamanho da máquina pública permanente para servir à composição política transitória.
Por não ter se reconhecido no Estado que combateu evitando alianças políticas mais amplas (a fim de conquistar pelo voto o sentimento de mudança total), o PT caiu no ardil do eleitoralismo oposicionista que o projetou. E governa como se estivesse em campanha permanente, experiência que adquiriu com as “Caravanas da Cidadania”. E hoje, ainda que precise de estabilidade e continuidade para governar, não se sente confortável como partido da ordem, destino de todo partido com responsabilidade de governo.
De sua origem até hoje, predomina no PT uma característica meio espanhola, meio italiana, contrista, do contra. Esta tradição o fez adversário do esforço, feito nos anos 1990, para modernizar o Estado através do Plano Real, das privatizações, da Lei de Responsabilidade Fiscal, etc. É a conquista desse patamar de intervenção pública de interesse geral, alcançado contra a opinião do partido, que permite um freio positivo nessa crise, conduzida em crispação constante e, felizmente, ainda nas regras democráticas. Crise que é predominantemente política e partidária, e que se agrava desde o segundo governo de Dilma, quando contaminou definitivamente a economia e a vida social. Uma crise política prolongada, que está se tornando crônica ao alterar o desempenho econômico do país, ao bloquear a modernização do Estado capitalista e ao ameaçar o futuro das pessoas.
Evidentemente, instituições sólidas podem ser construídas a partir de crises como essa, desde que estabeleçam princípios para governabilidade social, jurídica e econômica, como ocorreu com o caso irrepreensível de Mandela, levando ao fim do apartheid na África do Sul (de cujo exemplo o PT pensou ser possível derivar indenização abusiva de perseguidos políticos e separar verdade de reconciliação). Além dos casos da operação “Mãos Limpas”, na Itália, hoje enterrada pela força do conservadorismo, e do Pacto de Moncloa, na Espanha, que o PT não se interessou em saber detalhes.
O partido do “contrismo”
sse contrismo, um fascínio pelo oposicionismo triunfante, já havia levado o PT a não conseguir compreender o que foi a transição pelo Colégio Eleitoral. Ainda assim, era aceitável o argumento de que se tratava de ampliar as bases da abertura democrática acordada. Foi isso que deu fôlego para o vigor da decisão de não comparecer, enfrentar o isolamento, além de se distanciar de outras correntes de esquerda e punir deputados que aderiram à lógica da eleição congressual. O partido queria ser somente sua própria história, e não o interessava compreender os limites da transição que impôs a eleição indireta. Usou, com certa malícia, a decisão da sociedade em não o obrigar a ceder e se misturar à geleia geral partidária do país. Aceitou as justificadas esperanças que despertou de ser um projeto de esquerda alguns decibéis acima do costume histórico conciliador. E, como não era um partido comunista e pensava competir com o brizolismo junto à Internacional Socialista, a correlação de forças, ainda que desfavorável no momento, bem que poderia se resolver a favor do PT. Como de fato ocorreu graças à longa transição política, que se revelou uma das mais estáveis da América Latina, derivando daí o que já é o maior período democrático brasileiro – início da Quinta República (o presidencialismo de coalizão e partilha do Estado, idealizado por Tancredo e iniciado no governo Sarney) que o PT condenou na origem e, contraditoriamente, usou e aprofundou quando chegou ao governo.
Cada filiado ao PT, quando o partido saiu vitorioso da eleição presidencial de 2002, era uma fração equivalente a 1/826 mil avos do pensamento do partido. Partido de tendências permanentes desde a sua fundação, tirou dessa natureza conflitiva original o ímpeto do Deus furioso do Velho Testamento, a água quente que batiza a oposição em nosso país, quando visa ao poder. Agora, por ironia, sente-se o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo. Essa ideia de que não merece o benefício da dúvida, pois não o concedeu a ninguém, é para mim uma das marcas iniciais dessa crise que se prolonga. Tem a ver com o estilo, essa natureza de guardião da virtude alheia, pilhado em erro. “Os deuses quando morrem voltam como doença.”
E aquilo que a autocrítica, ou o temor do castigo, poderia ter corrigido como erro involuntário, por atribuí-lo aos costumes políticos, terminou na justiça como crime. A história de crítica a tudo quando se é oposição, considerando qualquer conduta dos outros má-fé ou crime, acabou seu ciclo sem conceder ao PT e aos seus líderes o benefício da dúvida. Hoje, como sempre, só a verdade salva, porque fica em pé por si só, permite preservar a realidade dos fatos. Em política, é essencial saber reconhecer a opinião de quem o vê e aceitar pedir desculpas. Porque a honra é a visão que o outro tem de você.
O grande problema é que a honra pessoal não afeta mais a atmosfera que a política respira. E os desvios gostam mais da liberdade. Como no império do marketing e das redes sociais, o que importa é o resultado final, a glória ou o esquecimento, partidos políticos, de uma maneira geral, não veem mais a política como uma atividade pública, mas um expediente comercial, pulsão que explode como negócio e animosidade. Se der errado, basta um advogado e algum imbecil cibernético para tudo perder seu aspecto transgressivo, ilegal ou imoral. E o lugar de encontro dessa tolice, que está destruindo a arte na política, é a manipulação da internet, essa rede de controle privado da vida privada, em que a injúria é o segredo do êxito, no site em que triunfam o detrator e a asneira. Se quer continuar a se situar no lugar político que pretende, o PT precisa voltar a falar “por si só” e começar a formular uma razão compreensível do porquê não se indispôs com o habitat que condenava. E atentar também ao princípio, esquecido na última campanha eleitoral, de que a divergência política deve significar o direito de as opiniões se enfrentarem, sem as pessoas se aniquilarem. Afinal, o veneno que se usa contra adversários e que Dilma e Lula usaram contra Marina e Aécio, da mesma fórmula que Collor usou contra Lula, está baseado no desconhecimento de que, em tudo e por tudo na vida, a vingança sempre foi má conselheira: quem a executa se torna inferior à sua vítima.

II

A luta interna, o despreparo endógeno do país para enfrentar a competição internacional e a visão negativa do vaivém da disputa democrática na sociedade criaram entre os petistas certo protestantismo político. Viam como virtude a contestação do monopólio dos políticos tradicionais, do capitalismo como o fim do mundo e, de resto, de toda nossa história pregressa. O equivalente político da revolta religiosa contra o monopólio dos clérigos. Esse imobilismo dogmático fez com que o partido ficasse aquém da grandeza teórica da sua origem, nos anos 1980, e não o permitiu participar de forma mais criativa e organizada do processo de consolidação da democracia brasileira nos anos 1990. Assim, se na primeira década o PT foi um partido de construtores, ajudando a arquitetar e tencionar a democracia brasileira, ampliando-a e levando à regressão da ditadura, nos anos de 1990 foi um partido de usuários, seu principal beneficiário. O sentimento de não pertencimento à vida política normal do país e o desejo permanente de ruptura e de diferenciação foram as grandes marcas do PT sempre. O “tudo ou nada” congelava o Brasil no seu nível de compreensão culturalista tradicional e mantinha a ideia de “dois Brasis”, a redução da história a imagens, como principal vertente crítica de costumes tão ao gosto do marqueteiro. Apesar de o moderno se afirmar, atestado pela história comum com militantes de esquerda, que enfrentaram todas as ditaduras, e viam claros avanços institucionais na atualidade da época, como Apolônio de Carvalho, políticos progressistas, religiosos revolucionários, social-democratas, rigorosos intelectuais, como Florestan Fernandes, sindicalistas combativos e milhares de jovens politizados, a conotação insultante na interpretação da abertura política prevalecia. Parecia, aos outros partidos, ser uma contradição o fato de que dos socialistas, comunistas, democratas e trabalhistas, que foram a origem da maioria dos quadros dirigentes do partido, o PT só querer ser crítico e predador.
Com a ascensão ao governo, o partido passou a enfrentar o desafio de formular e administrar a dimensão progressista de uma utopia oposicionista. E se deparou com uma fragilidade doutrinária e teórica que exigiu vigiar e punir qualquer crítica, interna e externa, que recebesse. Abalados os paradigmas originais, o partido passou, ao mesmo tempo, a não se importar mais com a qualidade de quem dele saía e nem com a solicitude de quem a ele se oferecia. Isto contribuiu para agravar a qualidade da sua prática. A esquerda mundial tem um limite na capacidade de gestão que é quase uma tradição. E seus governos são conhecidos mais pela tomada de decisão do que implementação de programas e projetos estratégicos. Assim, o governo do PT imaginou que a personalidade forte de seu líder, formado no horizonte curto da luta sindical, seria mais poderosa do que a característica longa e geral da política do Brasil. E, para quem alertava o partido de que a política é mais do que ter habilidade, não foi uma surpresa ver Lula dar a quem o queria derrotado o bem que o acusavam de pedir.

III

Pois no governo, logo que assumiu, sem maioria parlamentar e avesso à discussão de mecanismos mais democráticos e negociados de resolução de crises no presidencialismo, o PT percebeu suas insuficiências como partido no poder. Muito do que fez, e que foi considerado certo, era assim entendido pelo eleitorado mais pelo vigor da formulação do que pelo próprio conteúdo. E, por não ter se interessado em aprender a fazer diferente, aprofundou de tal forma a coalizão parlamentar que vinha desde os anos 1980, que dali surgiu outra coisa, a coabitação, levando-o a desaparecer como partido original e a perder o controle do processo político e parlamentar. Desprestigiando o papel que interlocutores social-democratas, de centro e da esquerda democrática, no partido e no parlamento, poderiam ter diante dos diversos segmentos da sociedade complexa como é a brasileira e, expurgando internamente a dissidência de extrema-esquerda, Lula se sentiu à vontade para improvisar e salvar, a seu modo, o governo do fracasso. Agarrou-se aos defeitos do Estado – a burocracia não tem inimigos na América Latina – e sindicalizou toda a sua elite, ressuscitando o getulismo em todas as áreas. Como se viu diante do desconhecimento da gestão da política econômica, que não apoiava, mas tendo que ir a Davos já nos primeiros meses, aderiu aos seus fundamentos tão sem convicção que chamou um deputado tucano para ser o guardião da moeda. Logo que entesourou o suficiente, exauriu o modelo econômico anterior em improvisações que chamou programas de governo. Deu novo fôlego ao patrimonialismo, o capitalismo político praticado pelo Estado, contornou as flutuações do capitalismo econômico com crédito fácil, sem lastro ou critério, e, em dois mandatos distributivistas, sem modernizar o Estado ou estimular algum conteúdo produtivo e tecnológico novo, passou o governo para Dilma sem nada que revigorasse a vida econômica, política ou social do país.
É que durante todos os anos 1990, até a vitória, o PT viveu um paradoxo: de um lado o presidencialismo de coalizão e cooptação que combatia ferozmente e confrontava moralmente. De outro, a Frente Brasil Popular, em campanha permanente por valores ético-políticos, conclamando o povo, dentro e fora do calendário eleitoral a prescindir da coalizão política tradicional. Destinos simétricos produzindo o equilíbrio instável entre governo e oposição durante o período, democracia direta testando a democracia institucional.
Foi o mundo paralelo em que o PT vivia que o fez reagir à agenda de estabilidade política ao não compreender a consequência do impeachment para Collor. Embora tenha sido um partido essencial na estabilidade durante todo o processo de impeachment, recusou-se a governar com Itamar. Ao ficar fora do seu governo, o PT deixou a impressão que ficou fora do compromisso com a estabilidade monetária. O contrismo já o havia levado a avançar na irrealidade, criando um governo paralelo, próprio do parlamentarismo que não apoiava, e se consolidou ao atacar o Plano Real, logo a condição de estabilidade que mais beneficiou o primeiro governo petista. Os anos 1990 consolidaram a ideia de que a ruptura é revolucionária, quando no processo político brasileiro a evolução e a continuidade das boas iniciativas é que são revolucionárias. A estabilização que vem com a nova política econômica não foi acompanhada pela estabilização política e a modernização partidária. A crítica insuficiente ao presidencialismo e à tradição autoritária latino-americana fez o partido abandonar o debate do parlamentarismo e ir dividido para o plebiscito sobre sistema de governo. Influenciado também pelo espetacular e inesperado desempenho do partido nas primeiras eleições presidenciais depois da ditadura, o PT imaginou-se como nuvem diante de corrente de vento e acelerou o sonho de chegar ao poder. E, na pressa, a história seguiu pela lógica da “desinstitucionalização” e certo “doutrinarismo” – a mesma desconfiança que fez o partido suspeitar da Constituição de 1988 com o argumento de que as garantias constitucionais e legais nunca são suficientes para a proteção de direitos. E assim, além do governo paralelo, Lula recebeu apoio para criar o Instituto Cidadania, braço civil do PT e forma mais confortável de conciliar seu gosto pela liderança pessoal e intransferível, livre da disciplina partidária. Saiu a campo, com as Caravanas da Cidadania e, com inédito humanismo, fez o homem perdido no interior elevar-se ao grau de cavaleiro por ser reconhecido como igual por um líder acessível e autêntico.

IV

Não fossem a fraqueza de Lula pelo bastidor e seu capricho pela conversa informal, a decisão de convidar um deputado do PSDB para presidir o Banco Central do primeiro governo petista não teria nenhuma importância histórica. Mas, a situação imposta ao partido como uma brutal incoerência, e espetacular confissão de culpa, revela bem como o líder sofre, na condução da política, a influência da sua personalidade. Pois foi de conversa em conversa, meio ao estilo “as palavras aparecem quando faltam as ideias”, que foram surgindo os acordos extra-supra-pós partidários e empresariais, que explodirão como surpresa, escândalo e crise em todos os governos do partido.  Como um tigre no descampado, o PT ideológico perdeu o rumo, e foi para oposição ao primeiro governo petista. A desnecessária sujeição do partido a slogans e da negação da vida anterior começou a dar vida a outra coisa. Foi o espetáculo da publicidade, essa guerra de mercadores e não de heróis, que obscureceu o que estava acontecendo: nenhum líder consegue impor à sociedade relações que ela não queira ou que não correspondam às suas possibilidades. Não que Lula visse mais longe que os petistas e somente desejasse, mais fortemente do que todos, parar de perder eleição. É que o establishment brasileiro não podia esperar que as particularidades de Lula impusessem a fisionomia dos fatos históricos dali para frente. Aliás, foram algumas particularidades na origem dele, especialmente a de liderar um movimento sindical contestador, ainda ilegal, mas legítimo, que precisavam servir também às grandes necessidades de todas as classes sociais. E a decisão de fazer a história com ele, antes que ele, por ingenuidade ou voluntarismo, imaginasse ser possível fazê-la por si só, que foi chamada de “Carta aos Brasileiros”. O erro de Lula não foi impor ao PT o que não correspondia ao seu pensamento. Foi não aceitar, de forma consciente e necessária, que todo o petismo, e não ele, constituía-se nessa necessidade social inadiável de pacto social. Eram essas novas relações sociais que estavam se afirmando, e o PT serviria ao seu curso se o líder não entendesse que a mudança, o novo patamar para a criação de uma sociedade de confiança e não mais de desconfiança, correspondesse à história do Brasil, e não à história pessoal dele.
Lula não permitiu que o PT fosse inteiro ao encontro com seu destino e, por vaidade, autossuficiência e futilidade do marketing político, deixou sua vitória ser traduzida pela publicidade como fato alucinatório. E o esforço de toda uma geração: discutir o socialismo sem o risco de uma KGB na sua porta; o filho educar o pai na tolerância e impedir a divisão da família pela generosidade, mais do que o sectarismo, com que pedia a aceitação dos seus sonhos progressistas; a agenda polêmica da mudança dos costumes ir entrando macia pelo inconsciente da nação que a esperava sem saber; o horizonte de superação da miséria da vida; tudo, enfim, que milhares de pessoas construíram coletivamente, foi desmistificado, trocado e reduzido à idolatria  pela origem pobre do líder que não tinha diploma. A publicidade levou a alma do partido e fez Lula prisioneiro de uma história muito menor do que a que havia liderado. Logo, logo, potentados e diplomatas profissionais o carregaram pelo mundo como Sting carregava Raoni.
Os governos do PT não souberam dar consistência aos apelos que vinham de todas as classes para salvar, e não enterrar, a institucionalidade do modo de produção econômico representado pelo Plano Real. Que precisava de um líder da maioria da sociedade para se renovar, já que as mudanças liberais dos dois governos de FHC vedaram o acesso do discurso do PSDB à parte mobilizada da sociedade. O presidente Fernando Henrique entendeu isso e estimulou uma exemplar transição de governo, colocando os gurus econômicos do partido derrotado à disposição da gestão da Fazenda dos vitoriosos. Com a vitória, Lula foi chamado a gerir e renovar a vitalidade da política econômica e a necessária modernização do Estado. Foi como fração dominante da classe dominada e líder da autorregulação e da autonomia da sociedade sobre o Estado que o PT venceu a eleição. E não como “partido-candidato-pobre-analfabeto-e-que-passou-fome”. Mas, a redução que Lula permitiu que se fizesse à sua imagem serviu para diminuir a força coletiva dos militantes e dirigentes do PT: daquela hora em diante, carregadores do andor de um santo, livre para desenvolver suas faculdades a um grau extremo. E a sociologia regrediu, de novo, atrás do líder messiânico.
Os sinais de que a corrente da esperança secava subterraneamente eram claros para quem quisesse ver. Os ajustes lentos e consistentes que a economia requeria foram usados pelo governo como expediente transitório. Em dois anos de rigor fiscal e austeridade, Lula se sentiu livre para voar. E passou a inventar programa de governo, aumentar a tutela sobre o emprego, expandir todas as áreas do Estado. E, substituindo a excelência e a capacidade analítica pelo paternalismo e a intuição partilhada com o interessado, uma fábrica de execução de projetos improvisados roubou do país a previsibilidade.

V

Foi na interpretação das necessidades sociais mantidas em segundo plano por tantos anos – as carências primárias de nosso povo –, apesar do desenvolvimento mais elevado das relações econômicas e culturais, que o governo petista manteve a coerência com sua história original. É no MDS (Ministério do Desenvolvimento Social), a Casa Civil dos pobres, que está preservado o caroço do humanismo que deu a velocidade para o PT chegar à presidência. O PT parecia ter matado a charada nos “burgos podres”: não é por ser pobre que o eleitor é governista, é por ser governista que ele é pobre.
Se a política social não avançou mais foi porque o modelo errado de gestão da política geral apodreceu. Apesar de não servir a seu oposicionismo furioso, o presidencialismo de coalizão – incompleta e precária forma de democracia presidencial –, em que a partilha do Estado produz a instabilidade política necessária para a negociação vantajosa da estabilidade, chegou ao apogeu com o PT. Com seu espírito de cruzada, focado na conversão do infiel, o partido caiu na armadilha que é imaginar governar diretamente com o povo. Por não conseguir ampliar sua base de poder e influência social antes da vitória, só restou ampliar a cooptação e a infidelidade partidária para montar o governo. Com data marcada para morrer, o presidencialismo velho renasceu como caricatura pelas mãos de seu maior crítico. Com a coabitação – a coalizão insincera – inventada por Lula “espontaneamente” como solução do problema de convivência parlamentar, o PT se livrou de enfrentar a reforma das instituições políticas consolidando o fundo partidário, entulho criado pela ditadura para silenciar legendas. Só que nada é espontâneo na história da sociedade.  Especialmente num país em que “os mortos são cavaleiros velozes”. Adaptando-nos à péssima tradição brasileira de não reconhecer o poder legislativo como principal expressão da soberania popular, o PT “perdeu a escuta” da democracia e quis alterar o resultado da eleição inventando uma maioria parlamentar pós-eleição. No Brasil, a relação com o parlamento é antes de tudo um expediente para assegurar a rotina do executivo, qualquer que ela seja. E, assim, o sonho de um partido para produzir riqueza para todos começou a ser soterrado pela realidade de um partido distribuidor de benesses para aliados.
Sem se interessar em saber sobre como sua presença no governo servia às grandes necessidades do país, o PT passou a se preocupar mais em se certificar em como suas particularidades poderiam imprimir uma marca à política do país. E tome slogans, campanhas, programas, clichês, bobagens publicitárias que levaram o partido a um déficit de cautela estratégica sobre luta de classes, que cobraram um alto preço a todos os fundadores do partido. Não soube enfrentar, como primeira medida a ser tomada a de retirar da composição política a partilha do Estado, enxugar a máquina e ampliar a força do funcionário de carreira. Isso, além da vantagem de ter mais pessoas qualificadas para pensar para o país, diminuiria os elementos de barganha e iniciaria a Sexta República. Não havia necessidade do pragmatismo da base homogênea, sem compromisso programático. E o PT, que havia entrado na vida de muitos pelos sentidos, começou a sair pela cabeça.
Não foi por boa lógica que se abandonou o processo de mudanças iniciado nos anos 1990. Ao optar corretamente por um governo não ideológico, quando percebeu que a perseverança e a conversão ao centro ajudavam a vencer o preconceito contra um governo popular e de esquerda, o presidente Lula reuniu as condições para continuar as mudanças e romper com essa arquitetura trôpega do sistema público brasileiro. Não o fez, e como não abria mão da sensação de vítima, seu governo passou a refletir a crise geral de legitimidade e da representatividade política que herdou. Por motivos e traumas diferentes, Dilma também insiste na ideia de que é vítima. Ao acharem que o Brasil lhes deve favor se iludem com o efeito positivo da manipulação populista da realidade. O Brasil mudou, é mais moderno e informado. Líderes nacionais não são mais do universo do “nós”, categoria social que os une a vítimas da violência e do misticismo. Lula e Dilma já são o “outro”.
Assim, o fato notório, que leva ao acirramento de qualquer discussão política hoje, é a estabilidade dos governos do PT não conter os símbolos de mudança, que o eleitor e os petistas imaginavam como elemento essencial da ação governamental e parlamentar do partido. O oposicionismo máximo levou o eleitorado a dar ao PT uma ampla votação majoritária para presidente da República, mas o “aliancismo” mínimo imposto aos deputados na disputa da eleição restringiu a votação para a composição do Congresso. Ao fazer, da forma mais comodista e tradicional possível as composições pós-eleitorais, estimulando infidelidade e partido fictício, os governos do PT produzem uma base cada vez mais instável e exigente.
Por informalidade, desgosto teórico e impaciência prática, a liderança de Lula não escolhe bem as pessoas para falar por ele. Quando se deu conta, já havia agravado o deslocamento de poder da política para os interesses do sistema financeiro e de grupos econômicos específicos. Dedicado a somente usufruir das forças econômicas sem lhes dar alento e desenvolvimento material, o período petista não estimulou nem requereu novos materiais, nova cultura, uma economia renovada e vital. Lançado à especulação contentou-se com a apropriação improdutiva da herança política e material e cometeu dois erros fatais. Impôs estratégias superadas historicamente desde Geisel, de investimentos industriais, consumo e controle do comércio exterior. E desorganizou as contas públicas para, fora do parlamento, fazer do jogo direto com os grupos econômicos a variável central da política. Como ser relevante um Congresso tratado pelo executivo como refugo irrelevante?
Protegendo-se atrás do silêncio que o governismo fiel presta à ignorância, só dialogando com subordinados, não aceitando o controverso, perdeu a amplitude da decisão que precisava tomar. No plano internacional, não foi possível conciliar o diálogo econômico mundial, liderado pela Alemanha e pela China, com uma diplomacia terceiro-mundista que convenceu o governo de que as percepções de observadores europeus e norte-americanos eram erradas sobre o mundo ao qual o Brasil deveria privilegiar. O PT, assim, erodiu sua influência como partido da esquerda moderna e perdeu a capacidade de falar para este mundo de polaridades mutantes e indefinidas. Internamente, para uma aceitação generalizada de suas improvisações e incoerências, era preciso uma base mais fisiológica, domesticável por instrumentos mais eficientes do que programa de governo. E Lula dissipou sua liderança sem modernizar o Estado e manter o Brasil competitivo.
E o Brasil continuava sua sina de só haver elemento de barganha de cargos e funções. Não havia elemento de negociação substantivo na relação com os partidos que trabalham com programas de projetos. Sem força para suportar a demanda comercial e industrial do Brasil produtivo não haverá fator de ampliação da base do governo para os setores mais progressistas e o Brasil futurista. A crítica se volta contra o crítico: o período do governo do partido com maior fidelidade partidária é o período do Congresso com maior infidelidade partidária.
Pois bem, essa realidade dupla, bifronte e contraditória – oposicionismo total no passado levar ao total pragmatismo no presente – explodiu como crise de governo em um partido sem exemplos internacionais para seguir. Mas, essa é outra história que também vem de longe.

VI

Nos anos 1990, o PT perdeu a grande chance de se vincular ao debate da política progressista mundial. Primeiro, de ser relevante e influente teoricamente entre os partidos de esquerda na análise da ação de Gorbachev e do papel de Mandela. Autocentrado na sua vida interna, faltou-lhe unidade para compreender os dilemas do socialismo democrático. Se na origem funcionou como partido de massa, no governo virou partido de quadro, amante do mito da reunião. Ora, não é reunião que reúne, são ideias.
E sem tempo para outra coisa o partido não se interessou em se arriscar e conhecer a crise teórica do socialismo pelo mundo. O que seria a nova esquerda a partir do Muro de Berlim, época de governos social-democratas na França, Espanha, em Portugal, na Itália, no Chile e na Alemanha, todos com líderes acessíveis e dispostos a partilhar desafios partidários progressistas: Jospin, González, Guterres, d’Alema, Lagos, Schroeder – e que enfrentaram os mesmos problemas do PT nos seus partidos e países. Não interessava a fundo o debate internacional que oferecesse alternativa moderada para a esquerda democrática. A crítica às reuniões da Terceira Via, capitaneadas por um Blair pré-Iraque, era claramente preconceituosa. A Internacional Socialista era preterida diante do Foro de São Paulo, em que muitos partidos latino-americanos, apesar do sucesso eleitoral da esquerda sul-americana nos anos 2000, permaneceram com forte pendor antidemocrático, características patrimonialistas e de pouca visão internacional. E onde Nestor Kirchner é considerado de esquerda, Hugo Chavez e Evo Morales eram vistos como o fracasso definitivo de Washington.

VII

A crise política brasileira se agravou nos governos petistas, mas já é uma crise do sistema político como um todo. Sua gravidade maior é sua escala (nunca todos erraram tanto ao mesmo tempo). Uma clara desinstitucionalização dos partidos sem que exista um horizonte institucional alternativo.
O sistema partidário atual não é um fracasso, está no seu apogeu. Um produto acabado da Quinta República: desligamento e dissolução das restrições morais quando a sociedade política passa a funcionar mal. A moldura teórica dessa disfunção é a anomia (viver livre de regulação social). Essa socialização imprópria é incapaz de produzir o necessário volume de motivações morais ou progressistas. É o fim da partida não ter temor ou vergonha do erro, subestimando a força da corrupção. E não será o entusiasmo pelas ideias súbitas que vai salvar a política brasileira.
Porque a corrupção opera tecnologia aplicada a uma moral mundana e arrogante: coroa, eu ganho; cara, você perde. Necessita de um meio artificial, um encontro não espontâneo, uma dependência espiritual da mentira. A ficção em que prospera expulsa o impossível da mente do indivíduo e o faz achar que tudo é possível. Oferece-se como atividade extrativista, em ambiente de valores que não se quantificam. É de gestão arcaica e antieconômica, levando o Estado a se concentrar mais na vigilância contínua do que na cultura da simplicidade e da transparência. Seu sentimento aflora livre da interdição afetiva, reproduz-se por cissiparidade: um desonesto se divide em dois, dispensa a alma de agir pela vergonha ou pela culpa, impõe descompasso com a estima pública.
As regras da política precisam ser compreensíveis e universais para mudar a perspectiva predadora dos políticos que não aceitam a cultura da culpa, o que ajudaria a evitar erros, nem a da vergonha, que os tornaria intoleráveis.
É a política dos políticos o declínio do espírito cívico da política. Vinculados a guetos eleitorais, os parlamentares devem explicações a Igrejas, famílias, quartéis, torcidas, sindicatos etc., e uma minoria a partidos, mas alguns funcionando como guetos. A crise entre tucanos e petistas, funcional para manter o poder nos dois partidos é estimulada na base social como crispação e polêmica fútil. É um contrapensamento vazio, um chover no molhado: na área social o PSDB avançou menos, na política econômica nenhuma tese petista para em pé. Tornou-se uma crise geral, porque o conflito intraelite é mais forte do que os interesses nacionais. Essa crise impediu que o principal fator de estabilização do governo petista proviesse das teses social-democratas e progressistas. O desejo de Lula se vincular ao atraso, por não se interessar pela substância das coisas, foi contaminado pelo ar intocável do Palácio, também só interessado no resultado. Optou pela aliança com o lado conservador da política do país para se estabilizar, imaginando ser possível dançar com urso, buscar apoio no fisiologismo e continuar progressista. A não existência, no sistema político brasileiro, dessa possibilidade de estabelecer áreas sem conflito, de consenso ou zonas desmilitarizadas por onde você possa avançar desarmado, impede o surgimento de um governo de interesse geral que tenha paciência ou sabedoria para a conciliação, dentro da lei. Ainda prevalece a natureza original do PT de agir no sentido da distinção, da diferenciação. Um grande erro de quem está no governo. Reforçar o senso negativo sobre os políticos em geral pouco serve à democracia estável. Alimenta o bonapartismo brasileiro, que está sempre à disposição de todos os presidentes.

O sistema partidário e político atual chegou ao máximo da sua falta de virtude. Se o PT quer se manter partido popular e de massa apenas para a sustentação política de seus propósitos internos, que continue a aceitar a divisão do mundo em duas partes: o mundo informal dos movimentos de Lula e o mundo rígido da inércia de Dilma. Se deseja reconhecer a emergência e o confronto que se abateu sobre seu governo, exatamente por causa disso, que olhe o desejo de todas as esferas da vida do país, convoque o velório do sistema partidário fictício, participe da transição para um novo acordo político nacional. Não queira, por oposicionismo oportunista, tirar vantagem de nada. Apenas evite o colapso definitivo de um sonho e a condenação eterna de quem leva os deuses ao erro.

PAULO GABRIEL GODINHO DELGADO é sociólogo com mestrado em Ciência Política pela UFMG. Foi fundador do PT, membro da sua primeira Comissão Executiva Nacional e secretário de Organização e de Relações Internacionais do partido. Foi presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. É autor da Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Deputado Constituinte de 1988, exerceu mandatos até 2011. Articulista de O Globo, assina a coluna de política internacional dos jornais Correio Braziliense e O Estado de Minas. Coordena o escritório nacional do CIEE. É consultor nas áreas de política, educação e trabalho.

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