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Interesse Nacional
01 agosto 2014

Desafios dos Candidatos na Segurança Pública

Numa manhã de março deste ano, policiais militares flagraram o jovem Luan, de 16 anos, roubando um caminhão na zona leste de São Paulo. Quando o garoto viu as luzes piscando e ouviu as sirenes, desceu correndo para tentar fugir e entrar no mercadinho do pai, que ficava nas redondezas. Na perseguição, minutos depois, ele foi localizado pelos policiais, que correram até o comércio para detê-lo. O final é parecido com tantos outros flagrantes que se repetem cotidianamente a ponto de parecer banal: Luan foi morto a tiros, numa situação que, como de costume, estava repleta de testemunhos contraditórios e de atitudes suspeitas por parte das autoridades. Duas testemunhas disseram que Luan se entregou sem resistência, antes de morrer; que os PMs fecharam a porta do comércio por 40 minutos e não deixaram a ambulância socorrer o jovem. Os PMs negaram as acusações e alegaram que tiveram que atirar em legítima defesa. Mais um caso nebuloso com grandes chances de ser engavetado pela Justiça, para que tudo continue igual, como se nada disso tivesse acontecido.
Essa história foi publicada em blog de segurança pública e direitos humanos, provocando os comentários de praxe. Era como se o assassinato de mais um “bandido” fosse capaz de deixar a sociedade mais segura, crença que persiste por pelo menos mais de 40 anos, desde que as taxas de roubos começaram a crescer e a produzir medo generalizado em São Paulo e em outras cidades do Brasil. A aposta na eficiência da justiça privada como ferramenta de segurança induziu o apoio aos esquadrões da morte nos anos 1960, grupos de extermínio nas décadas de 1970 e 1980, os massacres em prisões nos anos 1990, invadindo o século XXI com força inexplicável.
Mas, por que o caso de Luan é um entre tantos emblemáticos? A aparente dinâmica da ação dos PMs mostra, na prática, alguns dos principais sintomas de nossa crise. Algo que os próprios integrantes da corporação admitem, como mostram entrevistas com policiais matadores (MANSO, 2006; SOUZA, 2013). Para que entregar à polícia civil, já que o suspeito provavelmente vai ser achacado na delegacia e ser colocado na rua para praticar crimes? Caso os policiais civis estejam bem intencionados, quais as chances de ocorrer uma investigação competente, capaz de identificar financiadores, receptadores e outros membros da quadrilha? Supondo que o suspeito seja punido, qual a perspectiva de seguir uma carreira criminal?
Como temos visto, no sistema penitenciário, é muito possível que ele venha a ser cooptado por criminosos mais articulados e perigosos, ampliando seu network e sua ambição para promover assaltos mais rentáveis. Nessas horas, diante de um sistema de segurança que alguns policiais acreditam estar falido, eles preferem encerrar seus dilemas julgando, condenando e executando a pena de morte em lapsos de segundo, como mostra a história da violência nas ruas das cidades brasileiras.
Esses desafios em relação às reformas, que foram colocados para os últimos seis presidentes da Nova República no Brasil, continuam à espera de serem enfrentados. Como a Constituição atribui aos governadores a principal tarefa na área, os últimos presidentes preferiram fechar os olhos para a situação. Na avaliação das autoridades federais que se sucedem, trata-se de um tema próspero em ônus políticos, na mesma proporção que é escassa em bônus. Com a bucha entregue aos governadores, os governos federais podem ainda aparecer como salvadores da pátria em tempos de crime, surgindo como o socorro decisivo para solucionar o imbróglio da vez. A discussão, contudo, deve esquentar o debate nas próximas eleições, quando alguns candidatos prometem trazer a discussão para a campanha. Alguns já perceberam que uma postura ativa na área pode ser o diferencial em uma eleição mais disputada, não mais tão diretamente ligada aos resultados da economia como foram as anteriores.
Além do mais, as ameaças do crime organizado, as altas taxas de crimes violentos e a baixíssima capacidade dos órgãos de justiça e segurança em prevenir a violência e evitar a impunidade mostram que algo está fora da ordem e que as polícias civil e militar, insuladas em seus projetos de corporação, não conseguem fazer frente aos desafios contemporâneos impostos pelo crime e pela dinâmica de uma sociedade plural e democrática. Só a União tem força política para negociar com o Congresso e com a sociedade um amplo pacto em torno de uma agenda de reformas estruturais da segurança pública no Brasil.
Hoje, temos polícias com acesso às mais modernas ferramentas tecnológicas, formadas por homens e mulheres altamente qualificados e com preparo intelectual, muitos deles com disposição para inovar e construir padrões de policiamento mais eficientes. Porém, há uma enorme disputa pelo significado de lei, ordem e segurança pública em curso.
E, em meio a esta disputa, não conseguimos resgatar as polícias da ideologia do “bandido bom é bandido morto”, muitas vezes reforçada pelo Ministério Público e pelo Judiciário quando estes não condenam os padrões policiais de uso da força no Brasil como anômalos e inaceitáveis.
Panorama da segurança no Brasil
Mas, o que essa leniência e baixa prioridade política nos legam? Nos últimos 20 anos, a violência no Brasil causou mais de 900 mil vítimas fatais. A taxa de mortes por agressão saltou de 22,2 no ano de 1990 para 27,1 por 100 mil habitantes em 2011, com variações importantes entre diferentes estados. Como agravante, estudo recente de Daniel Cerqueira, do Ipea, calculou que, de 1996 a 2010, quase 130 mil homicídios no Brasil não entraram nas estatísticas de mortes violentas. Isso significa que o número real de assassinatos no país é de cerca de 60 mil ocorrências anuais. Ou seja, se é verdade que o Brasil tem melhorado seus indicadores econômicos e sociais, o quadro de violência do país indica a convivência com taxas de crimes letais muito superiores às de outros países, o que nos coloca no ranking das sociedades mais violentas do mundo. Isso sem contar as altas taxas endêmicas de outros crimes violentos (roubos, sequestros, lesões, mortes pela polícia, etc.).
No que diz respeito à evolução regional, a Tabela 1 indica que São Paulo, por exemplo, que chegou a registrar mais de 44 mil vítimas de homicídio no ano de 1999, logrou redução de 70% na taxa desse crime entre 2000 e 2011; já estados como Alagoas e Paraíba verificaram crescimento abrupto dos índices de crimes violentos letais, alcançando taxas de homicídio de 72,2 e 42,7, respectivamente, no ano de 2011.
A atividade dos “contraventores” e “malandros” das bocas do lixo dos anos 1960 e 1970, marginais quase românticos, que administravam e vendiam produtos ilegais para os desajustados e desvalidos, deu lugar a organizadas estruturas criminosas. Esse é um problema que não pode ser desconsiderado na construção de um novo modelo de segurança pública para o Brasil. São vários os relatos de situações de violência extrema cometida por grupos e facções criminosas no país. Principalmente na primeira década deste século, os presídios viraram importantes centrais de articulação criminal, sobretudo das quadrilhas do tráfico de drogas. A partir de meados dos anos 2000, em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital se tornou peça chave no atacado da venda de drogas no Brasil. Dos presídios, nos demais estados, outras facções também tentam controlar a distribuição e o varejo nos territórios onde atuam. O quadro pode produzir disputas acirradas por mercado, as rivalidades entre facções como Al Caida e Estados Unidos, na Paraíba; Primeiro Comando do Maranhão e o Bonde dos 40, no Maranhão; e Os Manos, Unidos pela Paz e Os Aberto, no Rio Grande do Sul, para citar alguns exemplos de conflitos territoriais.
Segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça, enquanto a população carcerária no Brasil cresceu 42,9% entre 2006 e 2012, o número de presos por tráfico cresceu 191%. Nesse período, a população prisional alcançou 170 mil pessoas, sendo que 54 mil eram provisórios e aguardavam julgamento. Entre os presos, 86% foram detidos em flagrantes pela PM, a maioria durante atividades de patrulhamento. Em outras palavras, pssando pela rua, o policial observou um jovem em atitude suspeita, o parou e o levou para a prisão. Só 10% foram prisões decorrentes de investigações da polícia civil. Tente adivinhar, caro leitor. Quais os bairros e quem são os abordados durante o patrulhamento ostensivo? Qual a chance de renda e etnia terem peso nessas abordagens e distorcerem a punição de acordo com classe e raça? Sobra ainda espaço para as escolhas desviantes das autoridades, quando policiais, cansados do que eles próprios chamam de “enxugar gelo”, passam a eliminar marginais para solucionar o problema.
Diante desse quadro e da desorganização das polícias, em vez de controlar o crime, as forças de segurança acabam até funcionando como um componente do fortalecimento da cena criminal brasileira. Em vez de apagar o incêndio, parecem despejar gasolina nas ações de corrupção, violência e formação de milícias. Comparadas às de países desenvolvidos, as polícias brasileiras atuam a partir de um padrão que comporta um número de mortes em confrontos muito superior.
Em comparação às polícias no mundo, a paulista e a fluminense ficam à frente em qualquer campeonato de violência. De acordo com Bueno (2014), existem três critérios usualmente utilizados para aferir o uso da força letal: (1) a relação entre civis mortos e policiais mortos; (2) a razão entre civis feridos e civis mortos pela polícia; (3) a proporção de civis mortos pelas polícias em relação ao total de homicídios dolosos. Neste último caso, quando as mortes cometidas pela polícia correspondem a um elevado percentual do total de homicídios pode-se inferir que a polícia está cometendo excessos no uso da força letal.
Já no campo das respostas institucionais, segundo os balanços contábeis da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios brasileiros, sistematizados pela Secretaria do Tesouro Nacional, o Brasil gastou, em 2011, mais de R$ 54 bilhões com segurança pública, aproximadamente 1,3% do PIB nacional.
Em termos comparativos, temos o mesmo patamar de despesas na área do que países como Alemanha e Espanha, que contabilizam taxas de homicídio inferior a 1 por 100 mil habitantes, o que é uma evidência empírica de que o aumento de recursos na área não leva necessariamente a políticas de segurança mais eficientes no combate ao crime. Os gastos públicos nessa área parecem não guardar relação com a realidade, mas tão somente com as prioridades políticas assumidas pelas três esferas do Poder Executivo.
Na análise das despesas da União, de estados, do Distrito Federal e de municípios chamam a atenção: (1) o aumento nominal de recursos destinados à segurança pública, realizado pelas unidades da federação, ano a ano, não foi suficiente para manter a participação delas no total de recursos gastos pelas três esferas do Poder Executivo; (2) a redução de 21% das despesas da União na área, entre 2010 e 2011, desencadeada pela mudança de gestão do governo federal e, em certa medida, pela interrupção de parte significativa dos recursos previstos no Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci); (3) o aumento expressivo de recursos na função “segurança pública” declarado pelos municípios que, em apenas seis anos, sofreram um incremento de 128%.
Já os dados do Gráfico 3 demonstram que municípios saltaram de um patamar de despesas com segurança pública equivalente a 3% dos gastos públicos na área, em 2006, para 5,2%, em 2011, último ano da série com dados disponíveis. Os municípios assumiram um papel mais ativo (antes eles já financiavam gastos operacionais das polícias, como aluguéis, contas de consumo e manutenção e combustíveis das viaturas), porém esbarram numa séria crise de financiamento de suas ações na área. Não há fontes de receitas específicas e há uma forte competição pelos repasses voluntários da União, que, a partir de 2001, com o Fundo Nacional de Segurança Pública, incluiu os municípios no rol de habilitados a receber recursos para essa área.
A União, por sua vez, aumentou sensivelmente seus gastos até 2010, mas, após a posse de Dilma Rousseff, reverteu tal tendência e retomou o patamar de 2006, primeiro ano do segundo mandato de Lula. Já as unidades da federação (estados e Distrito Federal) estavam diminuindo suas participações na área, mas, em 2011, com a retração da União, voltaram a ser responsáveis por cerca de 85% dos gastos públicos com segurança pública, em muito justificados pelas folhas de pagamento dos aproximadamente 600 mil policiais civis e militares do país. Até 2010, na medida em que as transferências voluntárias da União aumentaram, os estados redirecionaram suas receitas para outras áreas.
Seja como for, o país gasta o equivalente a países desenvolvidos e, nem por isso, consegue reverter o quadro de medo e insegurança, muito em função de um modelo falido de organização policial e de administração de conflitos. Como dito na introdução, é possível supor que o crescimento dos gastos com segurança pública seja um efeito inevitável de se optar por manter um sistema disfuncional na prevenção da violência e na garantia de direitos e que, para continuar de pé, exige volumes crescentes de investimentos. Todavia, essa opção não se dá pelo sucesso desse sistema em fazer cumprir o monopólio estatal da violência e oferecer serviços de qualidade. Ao contrário, ela parece guardar mais relação com os sentidos e as prioridades políticas que o tema assume para os dirigentes políticos.
Em termos de efetivo policial, as fontes existentes computam que o Brasil tenha 413.672 policiais militares, 68.419 bombeiros e 117.501 policiais civis, totalizando quase 600 mil homens e mulheres. Porém, alguns analistas estimam que esse número chegue perto de 700 mil pessoas, numa subnotificação de quase 20%, revelando, se confirmada, sérios problemas de gestão e transparência.
Já sobre o sistema prisional brasileiro, convivemos ainda com uma Justiça que não é capaz de julgar os 173.818 encarcerados em situação provisória nas prisões brasileiras, mesmo frente a um déficit de vagas de 175.841, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública para o ano de 2011.
A realidade de seis estados é ainda mais grave na medida em que verificamos que mais de 50% da população prisional não foi julgada: Piauí conta com 67,7% de sua população carcerária em situação provisória, seguido de Sergipe, com 65,6%, Amazonas, com 59,4%, Pernambuco, com 58,7%, Minas Gerais, com 56,6% e Amapá, com 50,9%.
Além da evidente incapacidade do sistema de justiça criminal brasileiro de processar e julgar a população carcerária que se amontoa nos presídios de todo o país, chama atenção a evolução do número de presos com relação às vagas existentes no sistema prisional: só o estado de São Paulo contabilizou um déficit de 74.026 vagas no ano de 2011. Para se ter uma ideia, cada penitenciária do Estado possui cerca de 800 vagas, ou seja, seria necessária a criação de 92 penitenciárias para dar conta deste passivo.
A conformação de uma agenda política e institucional
Já faz alguns anos que vários estudiosos e operadores da segurança pública têm alertado para a necessidade de reformas estruturais que aliem modernização incremental com reformas legais. Afinal, se a democratização política do fim dos anos 1980 é um marco importante pelas mudanças na relação entre polícias e sociedade, suscitadas pela construção da democracia e pelas pressões sociais por novos modelos de política e de polícia, é igualmente importante constatar que, em muitos elementos, o Estado democrático limita-se a reproduzir relações que serviam ao governo ditatorial. Segurança pública, desse modo, acaba subsumida às forças policiais e, mesmo após a Constituição de 1988, não consegue ser pensada para além da gestão da atividade policial e da lógica do direito penal.
O fato é que a história recente da segurança pública no Brasil tem sido marcada por demandas acumuladas e mudanças incompletas. Ganhos, como a forte redução entre 2000 e 2011 dos homicídios em São Paulo ou as Unidades de Polícia Pacificadora, no Rio de Janeiro, tendem a perder força, na medida em que não há normas técnicas, regras de conduta ou padrões capazes de modificar culturas organizacionais ainda baseadas na defesa do Estado e não da sociedade. Basta vermos a forma como as polícias reagiram às manifestações sociais de junho de 2013, ora com excesso, ora com omissão. Falta-nos um projeto de governança das polícias brasileiras e de alinhamento das políticas de segurança pública aos requisitos da democracia e à garantia de Direitos Humanos, a ser colocado aos candidatos nessas eleições. O governo federal não precisa ser diretamente responsável por todas as ações de segurança pública, mas é o único capaz de reunir força política para tocar um projeto de nação; de um novo modelo de desenvolvimento que contemple segurança, garantia de direitos e prevenção da violência como conquistas de uma população que tem reaprendido a exigir melhores condições de vida e a se manifestar.
Apesar do aumento de investimentos e de políticas isoladamente bem-sucedidas, é possível identificar as falhas na implantação e na execução dos programas da área, entre as quais se destacam:
a) o baixo grau de institucionalização, com falta de padronização de procedimentos e de ações;
b) a falta de diálogo com lideranças e organizações sociais locais na implantação das unidades, conferindo à política um caráter vertical;
c) a falta de comunicação com a comunidade também na execução das atividades, impedindo que haja responsabilização e apropriação por parte desta em relação ao projeto;
d) a desmotivação dos policiais que atuam nas unidades, com falta de incentivos, de treinamento e de uma real compreensão do sentido da polícia de comunidade e da importância da prevenção do crime;
e) a desconsideração de peculiaridades locais e demandas específicas de segurança em cada localidade;
f) uma falta de conexão e vínculo entre a juventude, o bairro em que os jovens vivem e as polícias;
g) a escassez de projetos e programas que priorizem ações de transparência e prestação de contas, muitas vezes justificando que as informações são de natureza estratégica e que primeiro devem ser utilizadas na gestão das políticas (permanência da lógica do segredo).
Em segundo lugar, as experiências nacionais sinalizam um conjunto de lições aprendidas que devem servir de baliza para a formulação e a execução de projetos de segurança cidadã no Brasil e, mesmo, em outros países da América Latina que ainda convivem com altas taxas de violência e criminalidade. São elas:
1.Corporativismos e resistências organizacionais ao modelo de segurança cidadã, que muitas vezes se apresentam como barreiras ao desenvolvimento desse tipo de estratégia (divisões e conflitos entre os policiais da direção e os da ponta da linha; divisões e conflitos entre a polícia e outros setores da administração pública) podem ser enfrentados, de modo eficaz, por meio do investimento em treinamento específico e aprofundado;
2. A falta de capacidade de muitas organizações policiais de monitorar e avaliar o próprio trabalho deve ser enfrentada a partir de programas e associações com centros de pesquisa e setor privado, com o objetivo de desenvolver intervenções que já estejam previamente desenhadas para avaliação e monitoramento contínuo;
3. Programas com foco específico para a juventude (incluindo a negra) tendem a ter resultados mais sustentados ao longo do tempo. Estudos indicam que o município, na qualidade de agente produtor de políticas preventivas, pode ser mais eficaz para solucionar pequenos problemas que em conjunto poderiam compor um grande problema;
4. A relação que os municípios e estados criam em relação à segurança pública não segue um padrão estabelecido. A natureza dessa relação vai depender, principalmente, do relacionamento de cada município com cada estado e da interlocução de cada município com as polícias. O mais interessante seria que estado e municípios trabalhassem de forma cooperativa;
5. Estratégias que priorizam a radicalização da transparência tendem a ter um grau de institucionalidade maior e mais eficiente do que ações focalizadas apenas na dimensão da modernização tecnológica da gestão das políticas de segurança pública;
6. A relação fiscal entre o governo federal e os diferentes estados, em termos de recursos econômicos e humanos, de maneira a assegurar uma coordenação interinstitucional, orçamentária e de designação de funções e responsabilidades com pessoal eficaz e transparente nos distintos níveis de governo.
Por fim, a principal conclusão a que este texto pode chegar é que, por melhores que sejam as práticas de gestão adotadas, sem uma mudança substantiva na estrutura normativa das polícias, o quadro de insegurança hoje existente tenderá a ganhar contornos dramáticos. Ou seja, uma das lições de países que conseguiram reformar suas polícias, como Irlanda e África do Sul, é que quando a atividade policial deixa de ser autônoma e passa a responder à lógica das políticas públicas muito se ganha. Trata-se, como já frisado, de uma agenda que associa mudanças incrementais e de práticas de gestão com alterações na arquitetura institucional e legal que regula o setor no Brasil. Sem que essas duas dimensões sejam simultaneamente enfrentadas, a perspectiva é de manutenção de uma realidade institucional que bloqueia ganhos de eficiência e novos e melhores padrões de desenvolvimento.

É jornalista, doutor em Ciências Políticas pela USP, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, autor de livros como “A República das Milícias – dos esquadrões da morte à era Bolsonaro”, e “A Fé e o Fuzil – crime e religião no Brasil do século XXI”

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