04 julho 2018

Fake News, Desordem Informacional e seus Conflitos

O domínio exercido pelos diversos agentes sobre a veracidade da comunicação e sua relação com o poder não é algo que pode ser considerado novo. Séculos atrás Sun Tzu já ensinava que todas as estratégias estão baseadas em inverdades. Na segunda guerra mundial, ao debater o impacto e a necessidade de manipular informações antes da invasão da Normandia, Winston Churchill afirmou em discurso que “na guerra, a verdade é tão preciosa, que deve ser protegida por mentiras como guarda-costas”[1].
Na era da informação, as mentiras continuam a existir. A transmissão de gigabytes e gigabytes de informação em poucos instantes está disponível para virtualmente qualquer indivíduo. Esta facilidade, algo impensável tempos atrás, potencializa o impacto das mentiras na comunicação. Se a transferência de um conhecimento exigia, em décadas passadas, recursos físicos e financeiros, a mesma transferência pode ser feita atualmente por frações de centavos. Este volume de informação disponível acarreta uma angústia ao usuário que simplesmente não consegue avaliar com profundidade as notícias que recebe e, ao mesmo tempo, impulsiona-o para serviços que filtram notícias de acordo com suas preferências.
O impasse a que se chega é a necessidade da já denominada sociedade de informação ter dados confiáveis, que possam sustentar a ainda crescente escalada de serviços.
Fake news
Neste mar de informações, o primeiro aspecto que deve ser considerado, portanto, são as notícias falsas, ou seja, fake news. Este termo já está tão cotidianamente usado que não exige itálico ou aspas ao ser usado em língua portuguesa. Ao se tornar um lugar comum, perdeu parte de seu significado e passou a ser usado indistintamente para justificar situações nas quais uma pessoa questiona a procedência ou a veracidade da informação. O termo tornou-se mero adjetivo, enquanto as causas e os efeitos deste fenômeno são graves e muito mais complexos do que uma simples inverdade. Os efeitos negativos acumulam-se e colocam em cheque as instituições dos principais governos.
Quanto ao impacto, calcula-se que cerca de 12 milhões de pessoas difundem notícias falsas sobre política no Brasil, de acordo com levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (GPOPAI) da Universidade de São Paulo (USP).  Considerada a média de 200 seguidores por usuário, o alcance pode chegar a praticamente toda a população brasileira.
Considerando o volume, não é difícil encontrar exemplos de divulgação de notícias falsas criadas ou reproduzidas sem qualquer questionamento. A necessidade de comunicação é inerente ao ser humano e é uma das explicações sobre o volume de publicações, seja por diversão, seja pela necessidade de reforçar a compreensão de uma opinião, muitas vezes sem uma consciência do efeito deletério. Um exemplo interessante é a seguinte publicação divulgada em mensagens do Facebook em meados do ano passado:

A dissonância entre o conteúdo agressivo do texto e a imagem deveria ser suficiente para chamar a atenção de um leitor incauto.  Qualquer cuidado e pesquisa prévia (“fact check”) demonstraria que o mencionado e emérito professor Slobodan Pirokevic não existe, assim como tampouco existe sua universidade. Independentemente da evidente falta de veracidade, a mensagem circulou velozmente no Facebook. Em verdade, a foto corresponde ao escritor e filósofo romeno, radicado na França, Emil Cioran, falecido em 1995, sem a oportunidade de opinar sobre acontecimentos políticos recentes do Brasil. Sendo este apenas um exemplo, pode-se calcular em uma acirrada campanha eleitoral a quantidade de mensagens deste ou de outro matiz político que circulará em meios digitais.
O interesse e a questão subjacente à circulação destas informações também demonstram diversas vertentes e matizes. É clara a existência de grupos que assumem a deliberada intenção de mascarar ou criar fatos falsos, com intenções políticas ou vinculadas a interesses sociais, religiosos ou simples e meramente econômicas. Existem também fundamentos sociais e psicológicos baseados no desejo de pertencimento e reforço da posição individual em um grupo social. Ideologias à parte, pode-se afirmar que grande parte dos grupos visa à remuneração decorrente de propagandas on-line associadas à quantidade de acessos.
Neste aspecto, é importante discutir a relação entre mídias sociais e fake news. Se inverdades e mentiras sempre circularam em ambientes sociais, políticos e econômicos, existe uma razão pela qual o fenômeno atualmente tomou proporções diferentes, e a resposta não está apenas identificada na capacidade de processamento dos novos sistemas digitais ou na velocidade de comunicação trazida pela internet. Obviamente, a velocidade foi um catalisador, mas é mais provável que a resposta esteja na descentralização e na substituição dos veículos de comunicação de massa.
Grandes jornais, cadeias de rádio e televisão sempre tiveram uma posição de evidência e facilidade de controle sobre a informação. Episódios da imprensa mundial, como o retratado no filme “The Post”, envolvendo a divulgação dos documentos conhecidos por “The Pentagon Papers”[2], exigiam veículos de comunicação fortes e aptos a contrapor o governo, ao mesmo tempo que permitiam criar versões únicas e coerentes dos principais fatos, conquistando a credibilidade social.
A partir do momento em que a informação foi descentralizada, três fatores operaram como catalisadores ao que se pode considerar uma quebra de confiança nos veículos de informação. O primeiro fator foi a multiplicação de fontes produtoras de notícias, as quais estão fora de controles tradicionais (regulatórios, sociais e jurídicos) impostos aos veículos de comunicação tradicionais. O segundo fator, ainda mais importante, foi a possibilidade de parametrização das informações enviadas pelas mídias sociais de acordo com as preferências dos usuários, sejam estas expressas ou identificadas pelo padrão de navegação. As notícias são recebidas exatamente pelas pessoas que querem e estão abertas a recebê-las sem críticas, permitindo que os usuários ainda possam multiplicar seu impacto pela redistribuição das mesmas. Como terceiro fator, a interconexão e a possibilidade de encaminhamento automático (por programas geralmente chamados de “bots”) permitem o impulsionamento e a disseminação para grupos igualmente favoráveis ao conteúdo, acelerando e aumentando a capilaridade de sua distribuição.
Percebe-se que as mídias sociais, pelo seu próprio desenho e algoritmos, operam como centros de criação e disseminação de notícias em um poderoso mecanismo de retroalimentação, criando o que já conhecemos como bolhas sociais.
Bolhas sociais
Em artigo recente de Sérgio Branco publicado na Revista Interesse Nacional[3], abordou-se o fenômeno face à criação de uma bolha social, com todos seus impactos, incluindo as possíveis conexões e relações legislativas. Mencionava, citando o livro de Eduardo Magrani, “Democracia Conectada”[4], que “os filtros-bolhas podem ser definidos como um conjunto de dados gerados por todos os mecanismos algorítmicos utilizados para se fazer uma edição invisível voltada à customização da navegação on-line.  Em outas palavras, é uma espécie de personificação dos conteúdos da rede, feita por determinadas empresas como o Google, através de seus mecanismos de busca, e redes sociais como o Facebook, entre diversas outras plataformas e provadores de conteúdo[5]. Continuam os autores afirmando sobre a satisfação e o prazer do usuário em ter um mundo próprio, um mundo idealmente compartimentalizado, no qual apenas os elementos agradáveis são incluídos, enquanto os demais são barrados e excluídos.
A bolha social não é feita apenas de inclusões e exclusões do próprio usuário. Os próprios algoritmos das redes sociais reforçam deliberadamente esta sensação, pois replicam e mostram ao usuário conteúdos similares a outros com que ele já concordou. Em resumo, um determinado conteúdo que é aprovado pelo usuário atrai conteúdos similares, também aprovados pelo usuário, criando uma retroalimentação excludente de características semelhantes. Em um site voltado à música popular, o algoritmo tende a mostrar músicas semelhantes às já aprovadas, visando à fidelização do usuário. Não existe qualquer intenção de mostrar novos conteúdos. Em um site que discute tendências de investimentos, certamente serão mostrados conteúdos vinculados às tendências e padrões das carteiras de investimento do usuário, ao passo que outras opções/tendências dificilmente serão apontadas.
A alienação causada pelas bolhas sociais pode criar situações e efeitos deletérios e perniciosos, ainda que inteiramente baseados em fatos verificáveis e oriundos de meios de comunicação tradicionais, pois dependem mais da percepção dos interlocutores. O ex-presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, em um programa no qual é entrevistado pelo jornalista David Letterman, destaca seu inconformismo com o problema. Aponta que “um dos maiores desafios que temos em nossa democracia é o grau em que as pessoas não compartilham a mesma base comum de fatos (…), pois atuam em universos informacionais completamente diferentes. Se alguém assiste à Fox News, vive em um planeta diferente daquele que ouve NPR (…). Vive em bolha e este é o motivo pelo qual a política está tão polarizada.”[6] Qualquer comparação com a polarização do Brasil após o resultado da eleição de 2014, e o acirramento político que se seguiu, não é mera coincidência. Ainda que possa ser considerado um efeito deletério inevitável da facilidade proporcionada pelo ambiente virtual de navegadores e mídias sociais, a sensação de acirramento das posições é palpável. O problema se agrava quando caminhamos para situações que vão além da bolha social.
Notícias falsas, desinformação  e “malinformação”
Esta percepção dos problemas e a constância em que o assunto é diariamente discutido enfraquecem a terminologia. A diluição do significado de fake news assim como a importância do fenômeno foram aspectos estudados por Hossein Derakhshan, escritor iraniano, preso por seis anos ao disseminar tecnologia e liberdade de informação de forma não completamente aceita em seu país. Escreveu juntamente com Claire Wardle um estudo patrocinado pelo Conselho da Europa denominado “desordem informacional”[7], no qual aponta que o termo fake news é vazio, uma palavra que poderia ser substituída por três outras, cada qual dentro de seu contexto, sugerindo-se os termos representados no quadro da próxima página:
Wardle e Derakhshan diferenciam situações considerando-as em seus detalhes, pois identificam situações que apenas parecem semelhantes. Principiam por destacar com maiores detalhes a questão das notícias falsas, sendo aquelas relacionadas a um erro não intencional, como o mau uso de estatísticas ou de citações. Aponta também para os casos nos quais uma imagem antiga ressurge em um outro contexto. Um dos exemplos clássicos desta situação refere-se à imagem de um tubarão, originalmente fotografado pelo renomado fotógrafo Thomas P.  Peschak da National Geographic, a qual foi alterada para ilustrar a suposta existência de tubarões em várias imagens de inundações causadas por furacões nos Estados Unidos, incluindo montagem de tubarões em rodovias inundadas no Texas. Neste caso, não existe um dano imediato ou a intenção de causar qualquer dano real, por mais que o efeito acarretado no receptor da informação seja deceptivo e possa provocar uma falsa percepção de realidade.
Nas duas categorias seguintes, desinformação (“disinformation”) e “malinformação” (“mal-information”) realmente existe a intenção de causar um prejuízo, ainda que as formas sejam diferentes. A desinformação é uma situação na qual a informação é falsa, ou manipulada para deliberadamente alterar a realidade percebida, ou potencialmente usada para causar danos a alguém. Anúncios em mídias sociais destinados a eleitores americanos durante a eleição presidencial seriam um exemplo disso[8]. Finalmente, a “malinformação” ocorre quando informações genuínas são usadas para causar danos a alguém (por exemplo, pornografia de vingança).
As situações mencionadas demonstram situações mais graves. A pornografia de vingança nada mais é do que o ato de expor na internet fotos e/ou vídeos íntimos de terceiros sem o seu consentimento, com o objetivo exclusivo de constranger e humilhar; foi a primeira situação a ser tipificada como crime e regulamentada no âmbito do Marco Civil da Internet[9].
A perplexidade em tratar estas situações sob o prisma jurídico não é nova, podendo-se resgatar o próprio dilema jurídico que surge com a chantagem. Em uma situação clássica de chantagem, o criminoso exige uma determinada compensação para não divulgar determinada informação. A perplexidade jurídica surge com relação à informação envolvida, pois se é um ilícito, o chantageador seria obrigado a reportar o ilícito às autoridades. Por outro lado, se é uma informação que pode acarretar um constrangimento, mas sua divulgação não está adstrita por uma dada determinação legal, pode ser divulgada. O ponto central desta dificuldade na legislação está focado na dificuldade em definir o ponto de contato entre o fenômeno a ser legislado e seus efeitos, considerando a existência de princípios constitucionais que permeiam a discussão, particularmente a liberdade de expressão.
Desinformação, liberdade de expressão e territorialidade
Se episódios claros de “malinformação” são assuntos que podem ser juridicamente tratados com base na legislação comum vigente, seja pelas regras comuns ou pela solução legislativa adotada pelo Marco Civil da Internet, as situações relativas às notícias falsas não são tão simples. As notícias falsas raramente alcançam, por si, o limiar de antijuricidade suficiente a causar algum impacto social. Em outras palavras, as notícias falsas desconectadas de seus efeitos seriam consideradas situações corriqueiras. Isto posto, resta compreender os limites entre as situações de desinformação e liberdade de expressão, a categoria de fake news intermediária.
Evidentemente, a questão do balanceamento incide no ponto central das opiniões relativas às demais liberdades, como manifestações políticas, sociais, religiosas e econômicas, representando as garantias constitucionais essenciais. Não obstante, a divulgação de informações de cunho estético e criativo como crítica ou humor pode ser utilizada como parâmetro inicial, cabendo examinar um exemplo publicado pelo site Sensacionalista:
“ARRAIAL DOS TUCANOS – A Copa do Mundo do Brasil vai começar de uma forma inusitada. Graças aos esforços da bancada nacionalista, Saci Pererê vai dar o pontapé que abrirá os jogos. O Saci, porém, será atualizado para não provocar reações contrárias politicamente corretas. “Ele não usará cachimbo”, explicou um funcionário da Fifa.
Tradicionalmente, o show de abertura é feito por artistas locais no mundo inteiro. Supersticioso, o Saci está cumprindo um ritual para que tudo dê certo na abertura. “Hoje, eu tentei pisar com o pé direito no chão assim que acordei. Mas infelizmente não deu”, disse ele. Há quem acredite que, por ser uma lenda, o Saci não aparecerá para todos. O argumento é fortemente rebatido pelos organizadores. “O saci estará lá, sim, assim como o legado da Copa”, afirmou Joseph Bate Nossa Carteira.
A escolha do Saci provocou ciúme em outros seres do Folclore nacional. A Mula Sem Cabeça disse que o Saci só vai abrir a Copa porque entrou pelo sistema de cotas para negros e deficientes.” [10]
As publicações críticas e humorísticas de aparência real levam a outro elemento fundamental desta discussão extremamente complexa: colocam no receptor da comunicação a chave para modular uma informação que poderia ser considerada falsa. Estudo publicado na PUC-MG demonstra a existência de um possível gênero linguístico baseado em notícias, segundo a autora “falsas notícias humorísticas são textos cômicos publicados em diversos sites humorísticos e acreditamos, até o momento, serem um gênero emergente, as pseudonotícias”[11], concluindo após a análise de alguns exemplos sobre a importância das tecnologias da comunicação e destacando que novas tecnologias possibilitam mudanças nos relacionamentos sociais e nos processos de textualização bem como novos gêneros. A dificuldade em identificar pontos objetivos de restrição prévia colocam em cheque a possibilidade de que algum texto ou notícia possa ser objeto de uma avaliação prévia.
Este questionamento permeou a discussão do Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre as biografias (ADIN 4815,), importante decisão do Supremo Tribunal Federal relatada pela ministra Cármen Lúcia, a qual julgou a exigência de autorização de familiares ou pessoas para textos biográficos, afirmando que o “direito à liberdade de expressão é outra forma de afirmar-se a liberdade do pensar e expor o pensado ou o sentido. E é acolhida em todos os sistemas constitucionais democráticos.  A atualidade apresenta desafios novos quanto ao exercício deste direito.  A multiplicidade dos meios de transmissão da palavra e de qualquer forma de expressão sobre o outro amplia as definições tradicionalmente cogitadas nos ordenamentos jurídicos e impõe novas formas de pensar o direito de expressar o pensamento sem o esvaziamento de outros direitos, como o da intimidade e da privacidade. Mas, em toda a história da humanidade, o que se tem como fio condutor de lutas de direitos fundamentais é exatamente a liberdade de expressão. Quem, por direito, não é senhor do seu dizer não se pode dizer senhor de qualquer direito.”[12]
Considerando a orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal, percebe-se que qualquer regulamentação que exija uma análise prévia do conteúdo não seria aceitável, devendo-se analisar e sancionar os efeitos posteriores da notícia. Contudo, uma regra neste sentido (absolutamente razoável sob o prisma de direitos civis em que eventual excesso possa ser convertido em uma indenização após uma longa discussão judicial) exige uma resposta imediata em situações eleitorais, como a ocorrida no Brasil em 2014 ou nos Estados Unidos em 2016.
Neste ponto, à discussão sobre a velocidade da decisão alia-se, ainda, a problemática básica da internet: a inexistência de fronteiras correspondentes aos espaços jurisdicionais dos Estados. É necessário um dimensionamento da resposta para superar a dificuldade em assegurar eficácia às eventuais decisões, sejam estas administrativas ou judiciais dentro do fenômeno de desterritorialização intrínseca à internet e redes sociais[13]. A perplexidade de Pierre Lévy, abordando a virtualidade e fenômenos espaço-temporais causados pelas novas tecnologias, demonstra que a indefinição dos meios modernos de informação quanto à desterritorialização aponta para soluções de aplicação jurisdicional extraterritorial como tem sido uma opção em novos regulamentos como o GDPR (General Data Protection Regulation – Regulamentação Geral de Proteção de Dados) e, sob alguns aspectos, o próprio Marco Civil da Internet.
A notícia enquanto informação e um enfoque sistêmico
Visando à sua regulamentação, a notícia sofre de um problema adicional, uma ausência de definição jurídica, especialmente porque em sua essência é um fato jurídico que não pode ser apropriado. A notícia enquanto fato é considerada um bem fora de comércio, ao contrário da matéria redigida pelo jornalista que é uma propriedade intelectual de seu autor. Desta forma, é fundamental atribuir à notícia-fato a relevância jurídica que a própria sociedade já percebeu.
A notícia enquanto informação é, economicamente, um bem público, porque pode ser consumida por várias pessoas, simultaneamente, sem qualquer atenuação de suas características. Todavia, bens públicos acarretam um problema específico que é a falta de motivação para produzi-los, pois não é eficiente despender tempo e esforço para a produção de um bem não-rival e não excludente. Esta situação, em que a oferta não consegue atender à demanda sem uma intervenção externa, é denominada, em economia, uma “falha de mercado” (market failure) e, para contorná-la, é necessária uma intromissão: atribui-se ao bem público uma exclusividade, transformando-o em bem privado sob o ponto de vista econômico.
Assim, com algumas condições específicas (limitações de procedimento, escopo e duração) e por uma definição jurídica, poder-se-ia atribuir exclusividade à informação, ou seja, atribuir-se ao titular daquele direito o poder de evitar que terceiros alterem características intrínsecas da informação. É importante, ainda, assinalar que poderia ser considerada a caracterização da informação como um bem público puro, visando preservar os efeitos econômicos da informação. Dentro desta possibilidade um possível sistema a ser explorado para eventual controle estatal seria considerar a notícia-informação dentro de um sistema social sob a perspectiva de Luhmann.
Cristiano Carvalho, em artigo que explora outro contexto, explica que “[o] sistema social é uma espécie de sistema comunicacional, da mesma forma que uma rede de telefonia é, com a diferença que o primeiro é uma ordem espontânea (no sentido hayekiano), natural. Seus elementos, como bem aponta Luhmann, não são pessoas, mas sim atos comunicacionais emitidos por elas. […] [À] medida que as ordens sociais se tornam mais complexas, outros subsistemas vão surgindo no seu seio.  Do ponto de vista desses subsistemas, o macrossistema social é o ambiente de entorno. Esses subsistemas acabam desenvolvendo uma racionalidade própria, através de um código binário específico. O código binário do subsistema moral é o moral/imoral, o do subsistema político é o poder/não poder, o do econômico é o ter/não ter e o do subsistema jurídico é o lícito/ilícito. Através desse código que denota um valor/desvalor, os subsistemas processam as informações advindas do ambiente, de forma a se adaptarem a ele.”[14].
Desta forma, partindo das características dos sistemas sociais, a informação pode ser examinada em padrões diferentes do padrão binário “verdadeiro / não verdadeiro” atualmente adotado), que depende da avaliação externa. A informação é uma relação que depende de vários agentes, mas a capacidade de informar é uma característica intrínseca, motivo pelo qual o composto binário “informa / não informa” pode substituir o paradigma original. O binômio baseado como informação pode, ainda, ser usado para, junto com análises econômicas de eficiência na comunicação das notícias. A definição da informação, enquanto componente intrínseco de um sistema social, permitiria seu controle pelo binômio “informação / não informação”[15]
Todos os aspectos mencionados demonstram a importância da informação/base de conhecimento e de sua correta regulamentação jurídica, para alcançar um resultado eficiente.  Porém, as necessidades concretas avançam e não podem aguardar soluções que demandariam estudos, negociações e tramitações, as quais provavelmente serão extremamente mais demoradas do que soluções intermediárias.
Transparência, educação e verificação
Uma regulamentação ampla e geral certamente não será observada em um futuro próximo, mas existem algumas providências que podem ser adotadas imediatamente, especialmente de empresas de mídias sociais e setores afins. Como exemplo, independentemente dos escândalos, o Facebook já anunciou que todos os anúncios vinculados deverão fazer referência à empresa financeiramente responsável por eles, exemplo que, apesar de algumas críticas, foi bem recebido e pode inspirar novas práticas do setor[16].
A verificação de notícias por entidades independentes e meios de comunicação também é um movimento importante. No Brasil pode ser citada como exemplo a atuação da Agência Lupa[17], que se apresenta como “a primeira agência de notícias do Brasil a se especializar na técnica jornalística mundialmente conhecida como fact-checking”, acompanhando o noticiário diário de política, economia, cidade, cultura, educação, saúde e relações internacionais para corrigir informações imprecisas e divulgar dados corretos. Outros veículos também têm disponibilizado serviços de “fact-checking” aos seus usuários. Por exemplo, o jornal “O Estado de S. Paulo” criou o “Estadão Verifica”, que permite ao cliente enviar notícias, documentos, imagens para serem verificados.  Essas soluções permitem que a confiança nas instituições, veículos de comunicação e nas próprias notícias seja restabelecida.
Internacionalmente é reconhecia a “The Digital Polarization Initiative”, lançada e patrocinada pela American Association of State Colleges and Universities. Nas palavras de seu líder, é um esforço para uma ampla investigação de cruzamento de dados de “fact-check”, permitindo aos estudantes compreender os mecanismos e preconceitos de empresas de mídias sociais, indo além da simples verificação para compreender quais fatos podem estar incompletos[18].
Alternativas jurídicas e a regulamentação da propaganda política
O controle de informações políticas isentas nunca foi um pressuposto do Estado de Direito. Os receios trazidos por movimentos totalitários e o cerceamento de direitos políticos, em vários países, sempre foi a regra, e não a exceção. Conceder ao Estado tal escrutínio é um claro risco democrático. Como contraponto, percebe-se que o cidadão, em outras esferas, é amparado pelo Estado quando considerado menos capaz de outros. No âmbito das relações de consumo, por exemplo, existe uma presunção de que o consumidor é vulnerável e hipossuficiente.
Como definir fatos condicionantes a uma opinião política? O indivíduo, o cidadão no exercício de seu direito privado é considerado e deve ser munido de todas as informações necessárias para sua escolha consciente. Um aforisma creditado ao senador norte-americano Daniel Patrick Moynihan é que todos têm direito à sua opinião, enquanto ninguém pode ter direito a ter seus próprios fatos.
Em que pese a dificuldade do tema, a necessidade reguladora avançou em alguns meses, de forma inovadora. Sem adentrar nas questões mais difíceis, o Tribunal Superior Eleitoral, representado por seu presidente, ministro Luiz Fux, destacou que serão buscados como objetivo a integridade das eleições e a preservação da liberdade de expressão, destacando que a Resolução publicada em 2017[19] prevê expressamente a regulamentação da propaganda política na internet, buscando o controle de um sistema que, na prática, é de difícil controle.
Observa-se, por exemplo, que o artigo 23, IV, da Resolução n.  23.551 afirma que “A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada (…): IV – por meio de blogues, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por: (…) b) qualquer pessoa natural, desde que não contrate impulsionamento de conteúdo.”
As regras consubstanciam, ainda, a possibilidade de ordens judiciais de remoção de conteúdo destacando ainda aspectos consolidados na jurisprudência como, por exemplo, o fato que a ordem judicial que determinar a remoção de conteúdo divulgado na internet fixará prazo razoável para o cumprimento, não inferior a 24 (vinte e quatro) horas, e deverá conter, sob pena de nulidade, a URL do conteúdo específico.  Como todo regulamento, seu aperfeiçoamento dependerá dos testes de realidade, especialmente pela novidade da discussão.
Conclusão
A questão das fake news é um fenômeno complexo e moderno e exigirá uma resposta coesa e ampla da sociedade. Como todo fenômeno complexo, depende de um engajamento social e de uma visão ampla, sendo possível às instituições existentes uma solução aprimorada.  Medidas pontuais dos governos e da própria sociedade civil visam restabelecer e têm restabelecido a credibilidade nas informações, devolvendo o novo status de informação à notícia, aspecto que é fundamental para o desenvolvimento e a ampliação da sociedade da informação.
São Paulo, 13 de junho de 2018.
[1].
BROWN, Anthony Cave.  Bodyguard of Lies.  New York: Harper and Row, 1975.  p.  10 (“In wartime, truth is so precious that she should always be attended by a bodyguard of lies“).
[2]
SHEEHAN, Neil. The Pentagon Papers. New York: Bantam Books. 1971.
[3].
BRANCO, Sergio.  Fake News e os Caminhos para Fora da Bolha. São Paulo: Revista Interesse Nacional, Agosto-Outubro de 2017.  p.  51.
[4].
MAGRANI, Eduardo.  Democracia Conectada   A Internet como Ferramenta de Engajamento Político Democrático.  Curitiba: Juruá, 2014; p.  118.
[5]. BRANCO.  Id.  p.  52.
[6].
NETFLIX.  Barack Obama.  Entrevista com David Letterman.  Acessível em: https://www.netflix.com/title/80209096
[7].
WARDLE, Claire.  DERAKSHAN, Hossein (et alli).  Information Disorder.  Toward an interdisciplinary framework for research and policymaking. Europe: Council of Europe, 2017. Acessível em https://shorensteincenter.org/information-disorder-framework-for-research-and-policymaking/
[8].
Matéria da revista Época de 23 de abril de 2018 aborda a eleição norte-americana. Cf. BORGES, Helena. O exército de pinóquios. São Paulo: Epoca, 2018.  (As fake news se tornaram assunto debatido mundialmente a partir da escandalosa revelação de uma fábrica de mentiras favoráveis a Donald Trump durante a eleição americana. Os Veles boys, como ficaram conhecidos   em referência à pequena cidade de 45 mil habitantes da Macedônia, onde habitam  , são jovens que criaram mais de 140 sites e enriqueceram à custa de quem acreditava em sua invencionices, publicadas nas semanas finais da corrida eleitoral de 2016.).
[9].
Brasil.  Lei nº 12.965/14. (Art.  21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.”)
[10].
SENSACIONALISTA.  Saci Pererê vai dar o pontapé inicial da Copa no Brasil.  Disponível em: https://www.sensacionalista.com.br/2014/06/12/saci-perere-vai-dar-o-pontape-inicial-da-copa-no-brasil/
[11].
SILVEIRA, Karina.  Falsas notícias humorísticas: um estudo do gênero à luz do ISD e da Linguística Textual.  Belo Horizonte: Cadernos ESPUC, n.  29, 2016.  Acessível em http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoscespuc/article/download/P2358-3231.2016n29p60/11249
[12].
STF.  Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.815.  Ata nº 16, de 10/06/2015.  DJE nº 124, divulgado em 25/06/2015.
[13].
LÉVY, Pierre.  O que é o virtual?.  [Trad.  de Paulo Neves].  São Paulo: Editora 34, 1996.  pp.  13 – 21.
[14]
CARVALHO, Cristiano.  Tributação e economiaIn.  Direito e economia.  [Org.  Luciano Benetti Timm].  São Paulo: IOB Thomson, 2005.  p.  98. .
[15]
Cumprir-se-ia a orientação dada por Gunther Teubner: para eliminação das incongruências do sistema jurídico, racionalizando-o.  Cf.  TEUBNER, Gunther.  O direito como sistema autopoiético.  [Trad.  de José Engrácia Antunes].  Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.  p.  25. [P]odemos finalmente, com Luhmann, tentar tornear o próprio problema, interpretando os padrões resultantes como uma estrutura de ordem, como um desenvolvimento morfogenético do sistema, e procurando obter soluções sociais para a autorreferência através da ocultação e neutralização dos paradoxos, reinterpretando-os como uma contradição pura e simples ou com o auxílio doutras técnicas idênticas de ‘desparadoxização’.”).
[16]
HELBERGER, N. et al. Dear Mark: An Open Letter to Mark Zuckerberg in response to his statement on political advertising on Facebook. Disponível em: https://www.dropbox.com/s/7v3vpk9yw5sa18b/Dear%20Mark_final..pdf?dl=0 (Transparency is a first step in the right direction. Digital political advertising operates in a dynamic tension between data and humans, commerce and politics, power and participation. Some of these tensions can be resolved by transparency, others not. The way forward is to engage with governments, regulators, election monitoring bodies, civil society and academics to develop public policies and guidelines for ensuring fairness, equality, and democratic oversight in digital political campaigns.”).
[17]. http://piaui.folha.uol.com.br/lupa/
[18]. http://www.aascu.org/AcademicAffairs/ADP/DigiPo/
[19]
TSE. Resolução n. 23.551, de 18 de dezembro de 2017. Dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral nas eleições.

Cláudio Roberto Barbosa é advogado especializado em Direito Digital e Propriedade Intelectual. Sócio de Kasznar Leonardos. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) com especialização em direito empresarial. Mestre em Propriedade Intelectual pela The George Washington University (GWU). Mestre em Direito Internacional e doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP). Conselheiro da Revista Interesse Nacional.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter