Duas Vertentes de Centro-Esquerda no Brasil: Sete Diferenças Entre o PT e o PDT
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O PDT se preocupou em construir um projeto voltado para a maioria desorganizada, não apenas ou primordialmente para a minoria organizada dos trabalhadores. O PT nasceu com base nos interesses e no ativismo da chamada aristocracia operária do Sudeste. Este primeiro foco do PDT, afirmado durante o período de liderança de Brizola, representou grande avanço em relação ao varguismo de 1950, que definiu como cerne de sua base o operariado industrial, formado no bojo da industrialização substitutiva de importações. Por outro lado, o PT no poder trocou de base; procurou beneficiar e ganhar a maioria pobre. Atuou, porém, de maneira que nunca perdeu o ranço assistencialista: sem prática ou sequer proposta de mudanças estruturais.
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Na visão do PDT, o modelo de desenvolvimento que nos interessa passa por democratização da economia do lado da produção e da oferta, não apenas do lado do consumo e da demanda. Pode-se democratizar a economia do lado da demanda só com dinheiro. Democratizá-la do lado da oferta exige inovação institucional. Não pode significar o que significava na época da industrialização convencional, chamada fordista, do século passado. Hoje, a grande questão é como avançar em todos os setores da economia, não apenas na indústria, rumo à forma includente da economia do conhecimento. O PT nunca compartilhou esta preocupação. No poder, contentou-se em usar estímulos keynesianos e a presidir à desindustrialização do país em favor de um nacional-consumismo.
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Para o PDT a afirmação da soberania nacional sempre teve primazia. Jamais teve para o PT. Não era insistência em nacionalismo vago ou retórico. Era e é entendimento de que projeto rebelde de desenvolvimento nacional exige independência de fato, inclusive na defesa, não busca de prestígio e protagonismo nas relações internacionais.
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O PDT sempre entendeu que a afirmação de soberania nacional e a construção das mudanças estruturais na economia no sentido de um produtivismo includente exigem instrumentos políticos. E que entre estes instrumentos está o aproveitamento do potencial plebiscitário de nosso regime presidencialista. O instrumento é necessário, porém insuficiente para construir democracia de alta energia, que não precise de crise para propiciar mudança. O PT, com suas âncoras no sindicalismo das minorias organizadas e nos intelectuais de esquerda, sempre sofreu a tentação de render-se ao udenismo de esquerda: conselhos, participação, terceiro setor, até parlamentarismo – tudo, menos a construção de um poder capaz de transformar de fato. Esta orientação política, que ganhou ascendência no PT, ajuda a caracterizar o que Darcy Ribeiro chamava a esquerda de que a direita gosta.
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Assim como a afirmação da soberania nacional precisa de instrumento político, também requer escudo fiscal. Daí a insistência do PDT em radicalizar no imperativo de realismo fiscal. Não para ganhar a confiança financeira, mas para assegurar que o Estado e o país não dependam da confiança financeira e tenham margem para construir estratégia rebelde de desenvolvimento. O PT na prática e no poder fez o inverso: afrouxamento fiscal sempre que possível para impulsionar o consumo, a não ser quando a ameaça de fuga de capitais o levava a privilegiar a busca da confiança financeira. Era o princípio seguido na política inglesa por Pitt the younger: nenhuma concessão, exceto para as ameaças.
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Central para o PDT, e em nenhum momento para o PT, foi e é a obra institucional de um governo, a única coisa que permite a uma ação pública perdurar. Vivemos em meio aos destroços da última grande obra de construção institucional no Brasil: o corporativismo de Vargas. O PT aderiu à guerra contra o legado varguista e propôs colocar no vazio deixado por seu desmonte a humanização das instituições econômicas e políticas chamadas liberais. O PDT insiste no imperativo de inovação institucional na economia e na política. E compreende que não se pode assentar um produtivismo includente nem no corporativismo de Vargas nem em seu sucedâneo pseudo-liberal. É outro nível de ambição.
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A base social pretendida pelo PDT para sua proposta ao país é uma aliança dos interesses do trabalho e da produção contra os interesses do rentismo financeiro e do extrativismo desindustrializante. Nas condições reais do Brasil de hoje, não pode se estabelecer a aliança estreita que sustentou o Vargas da última fase: do Estado com os trabalhadores organizados nos setores intensivos em capital. Tem de ganhar os emergentes, os produtores do Brasil profundo e a grande parcela da maioria pobre que já lhe assimilou a cultura de autoajuda e iniciativa. O PT nunca entrou nessa. Procurou construir aliança enciclopédica e, por isso mesmo, fraca: transferências para os pobres, direitos adquiridos para as minorias organizadas, crédito subsidiado e casuísmos fiscais para os grandes empresários e juros altos para os rentistas. Necessário e difícil é atuar para abordar os brasileiros como agentes a equipar, não como beneficiários a cooptar. O trabalhismo brasileiro que evoluiu a partir da liderança de Brizola é a construção política genuinamente original que não se pode entender como mera continuação de Vargas e que se contrapõe, de forma clara e contundente, à orientação do PT.
É professor na Universidade Harvard e um dos principais conselheiros do candidato Ciro Gomes (PDT), que concorre à Presidência da República nas eleições de 2018. Filósofo, ele foi ministro de Assuntos Estratégicos nos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff.
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