Inserção Externa e Desenvolvimento: Mitos do Consenso Liberal
Garantem os pais da matéria que, nesse mundo de capitais em movimento livre e cobiçoso, enlaçado a fluxos de comércio em expansão, os benefícios podem ser muitos.
Para países como o Brasil, os especialistas da corrente principal recomendam a “trindade infalível”: metas de inflação, déficit nominal zero, câmbio flutuante. Em seu cardápio, figura a mudança de composição do gasto público, excessivamente inclinado para o dispêndio corrente, em prejuízo do investimento. Digo, sem ironia, que as sugestões são procedentes. A elas juntaria banal recomendação destinada aos países de moeda não-conversível, num mundo de recorrente instabilidade monetária e financeira: manter reservas adequadas e não deixar escapar o superávit em conta corrente. O carregamento das reservas em moeda local está “caro” por conta dos equívocos de avaliação do Banco Central do Brasil. Mas, em contrapartida, o país abocanha um prêmio de liquidez que nos permite alongar prazos nas operações de financiamento doméstico. O vício – equívoco dos juros reais elevados – alia-se à virtude – o prêmio de liquidez implícito nas reservas – para proporcionar o dissabor da continuada valorização do real.
A visão dominante ainda sustenta que o comércio internacional roda de acordo com os preceitos da teoria das vantagens comparativas de David Ricardo. No “modelo” ricardiano, os países especializam-se na venda de produtos de menor custo relativo. As economias nacionais devem especializar-se naquilo que fazem melhor, não em comparação com o que fazem outras economias, mas, sim, em relação a outras atividades “internas”. Assim, o intercâmbio internacional de mercadorias se faz entre bens finais, com a máxima eficiência possível, em cada estágio do progresso tecnológico.
Deveriam países como o Brasil acreditar piamente nesses preceitos?
A constituição do espaço econômico internacional na segunda metade do século XX e a industrialização
da “periferia”
Talvez apropriado aos interesses e à divisão do trabalho proposta pela Inglaterra no século XIX, esse paradigma sobreviveu às reformas da ordem econômica internacional concertada em Bretton Woods. Sob o patrocínio da liderança norte-americana e a supervisão do GATT e do FMI, as regras adotadas previam um sistema de taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis, restrição ao movimento de capitais e níveis reduzidos de endividamento externo em moeda estrangeira. A ausência de fluxos de capitais, diz o economista Jan Kregel, levou a uma teoria do ajustamento do balanço de pagamentos baseada em alterações na absorção doméstica, ou seja, na expansão ou contração da demanda nominal em moeda local. Este mecanismo “keynesiano” buscava freqüentemente o auxílio de valorizações/desvalorizações da taxa de câmbio com o propósito de afetar os preços relativos entre bens comercializáveis e não-comercializáveis.
Mas a ordem econômica do pós-guerra esteve distante de qualquer semelhança ou coincidência com as hipóteses expostas acima. O espaço econômico internacional foi construído a partir das modalidades de integração propostas pela economia americana, cuja hegemonia foi exercida de forma muito distinta daquela exibida pela Inglaterra, centro propulsor da economia global no século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX. Sobretudo depois da Guerra de Secessão, nos Estados Unidos, na segunda metade do século XIX, os bancos de investimento passam promover a fusão entre o capital industrial e a alta finança. Pouco a pouco todos os setores da economia foram dominados por grandes empresas, sob o comando do capital financeiro.
Após a Segunda Guerra Mundial, a internacionalização da corporação americana suscitou, depois da reconstrução, a resposta competitiva da grande empresa européia. Essa rivalidade vai promover o investimento produtivo cruzado entre os Estados Unidos e a Europa e a primeira rodada de industrialização fordista na periferia do capitalismo.
Durante a chamada “era dourada”, a expansão do comércio envolvia, sobretudo no primeiro momento, o intercâmbio de bens finais de consumo e de capital entre os parceiros do Atlântico Norte. Depois da revolução chinesa e da guerra da Coréia, entrariam na dança o Japão e, mais tarde, a própria Coréia e Taiwan, todos apoiados em estratégias de industrialização baseadas em empresas nacionais estimuladas a exportar e incorporar inovações. O catching up dos asiáticos buscou inspiração nas vantagens comparativas dinâmicas, sob o olhar benevolente dos Estados Unidos. A América Latina “desenvolvimentista” foi integrada a este surto de expansão. O Brasil valeu-se de políticas nacionais de industrialização que, no âmbito doméstico, trataram de promover a “internacionalização” da economia, ou seja, a repartição de tarefas entre as corporações multinacionais, as empresas estatais e os empreendimentos privados nacionais, os dois últimos encarregados de produzir os bens intermediários e matérias-primas semiprocessadas.
A “era dourada” terminou no dollar glut e, em 1971, na decretação unilateral da inconversibilidade da moeda americana à razão de 35 dólares por onça troy de ouro. Depois da crise de hegemonia e de “produtividade” dos anos 70 do século passado, a “expansão americana” retomou a iniciativa. Não só impôs a liberalização financeira urbi et orbi, com impulsionou a metástase produtiva para o Pacífico dos pequenos tigres e novos dragões. A partir daí o mundo presencia um cataclismo na divisão internacional do trabalho. A Ásia torna-se formidável produtora e processadora de peças e componentes baratos (sem exclusão dos bens finais). Conforma-se uma mancha manufatureira, grande importadora de matérias-primas, que pulsa em torno da China, reintegrada ao circuito capitalista desde as reformas do final dos anos 1970.
No início do século atual, as relações de troca no comércio mundial deixam de inclinar-se a favor das manufaturas e contra os produtos primários. O Brasil foi abalroado pela incrível elevação dos preços das commodities e, abençoado por natureza, reduziu significativamente os riscos de uma crise de balanço de pagamentos, origem dos choques inflacionários e das amplas flutuações do produto e da renda nas últimas décadas. Mas é no território dos asiáticos, de mão-de-obra barata, câmbio desvalorizado e abundância de investimento direto estrangeiro, que se produzem as novas manufaturas. O deslocamento das filiais em busca do global sourcing obriga a economia nacional americana a ampliar o seu grau de abertura comercial e a gerar um déficit comercial crescente. Torna-se incontornável acomodar a expansão manufatureira e comercial dos novos parceiros, produzida em grande parte pelo deslocamento do grande capital americano na busca de maior competitividade.
As teorias convencionais sobre ajustamentos (e desajustamentos) do balanço de pagamentos (monetaristas, keynesianas e novo-clássicas) não funcionam, assim como estão sob avaliação negativa as hipóteses sobre a movimentação de capitais. Há espanto e decepção nos círculos bem-informados a respeito da direção dos fluxos financeiros. Na idéia dos dinossauros da economia liberalizada, eles deveriam fluir dos países desenvolvidos para os mercados emergentes. Mas, droga! – os emergentes, com seus superávits em conta corrente e formação acelerada de reservas “financiam” o déficit da economia dominante, além de ameaçar a aquisição de empresas e bancos com os recursos acumulados nos Fundos Soberanos.
Na verdade, os macroeconomistas do mainstream estão desorientados diante das forças tectônicas que ora transtornam a economia global. Para eles, o mundo está de ponta-cabeça, mas na verdade suas teorias é que precisam ser postas de cabeça para cima. Por isso dizem enormidades a respeito das relações entre riqueza, crédito, poupança e investimento.
Mais do que as proezas de Greenspan, a estratégia dos asiáticos – até a explosão dos preços das commodities – garantiu inflação baixa e sustentou o dólar como moeda reserva. Os Estados Unidos ganharam liberdade para a adoção de políticas monetárias e fiscais anticíclicas, fontes das taxas elevadas de crescimento e da inflação de ativos, esta propiciadora do efeito riqueza, para fruição das famílias viciadas no endividamento e no hiperconsumo. A cada ciclo de expansão, o déficit em conta corrente se eleva.
Em outras partes da periferia, os capitais cobiçosos jogam e ganham no rouba-monte com bancos centrais obcecados por taxas de câmbio e taxas de juros fora do lugar. Aí, se nem mesmo os aviões de carreira trafegam nos ares, o que se há de falar da indústria e dos bons empregos?
A mão visível do Estado na competição capitalista
Tanto para algumas versões do “progressismo” marxista quanto para as correntes do pensamento conservador, globalização é o novo nome da “mão invisível” e seus automatismos, a cujos desígnios temos de nos submeter sem tugir nem mugir. A história real da expansão capitalista apresentou uma trajetória um tanto mais complexa do que poderia ser deduzido das “leis de movimento” deste modo de produção. Nas diferentes etapas do capitalismo, a constituição das situações “nacionais” envolveu a articulação entre algumas instâncias fundamentais:
• as relações de poder entre os Estados Nacionais, no âmbito da divisão internacional do trabalho em transformação;
• regimes monetários e cambiais, com sua hierarquia de moedas nacionais, sistemas de crédito e mercados financeiros;
• padrões tecnológicos e de organização empresarial;
• formas de concorrência entre as empresas;
• normas de formação do salário e do consumo dos trabalhadores e de outras camadas assalariadas;
• distintos padrões de intervenção estatal na esfera econômica.
Para não comprar material de “desmanche” ideológico, seria conveniente relembrar que o processo de globalização, sobretudo em sua dimensão financeira – de longe a mais importante – foi o resultado das políticas que buscaram enfrentar a desarticulação do bem-sucedido arranjo capitalista do pós-guerra.
As decisões políticas tomadas pelo governo americano, diante da decomposição do sistema de Bretton Woods, já no final dos anos 1960, foram ampliando o espaço supranacional de circulação do capital monetário e produtivo. A política americana de reafirmar a supremacia do dólar acabou estimulando a expansão dos mercados financeiros internacionais, primeiro através do crédito bancário – euromercado e praças off shore – e, mais recentemente, através do crescimento da finança direta. A liberalização financeira facilitou sobremaneira o deslocamento da grande e média empresa americana para as regiões de menor custo relativo da mão-de-obra. A centralidade do dólar nas transações internacionais ensejou a formação de desequilíbrios produtivos e monetários que estão na origem da exuberância dos dois ciclos recentes e da crise financeira em curso.
Um estudo recente, encomendado pela União Européia, revela aspectos importantes do processo de internacionalização da grande empresa nos anos 1990: 1) nos países em desenvolvimento, os benefícios do investimento estrangeiro – tais como absorção de tecnologia, adensamento de cadeias industriais, crescimento das exportações – dependeram das políticas nacionais; 2) os países em desenvolvimento que cresceram mais e exportaram melhor foram os que conseguiram administrar uma combinação favorável entre câmbio desvalorizado e juros baixos.
As questões relativas às estratégias de localização da corporação transnacional moderna ou de suas mutações morfológicas (constituição de empresas-rede, com concentração das funções de decisão e de inovação e dispersão das operações comerciais e industriais) devem ser avaliadas a partir do jogo entre as políticas econômicas nacionais. O fenômeno se apresenta, prima facie, sob a forma de “contestação” das estruturas oligopolistas “estabilizadas” que regulavam a concorrência no período anterior. Analisada com mais profundidade, essa generalização da concorrência explicita uma nova etapa de concentração e centralização dos blocos de capital, sob a égide e a disciplina do capital financeiro. A economia mundial está atravessando um momento de intensificação da rivalidade intercapitalista (o que não exclui acordos e coalizões, mas os supõe) e, neste clima, nenhum protagonista é capaz de garantir a posição conquistada. Por isso, todos se sentem compelidos a ganhar a dianteira.
Para escândalo dos liberais, a grande empresa que se lança às incertezas da concorrência global necessita cada vez mais do apoio dos Estados Nacionais dos países de origem. O Estado está envolvido na sustentação das condições requeridas para o bom desempenho das suas empresas na arena da concorrência generalizada e universal. Elas dependem do apoio e da influência política de seus Estados Nacionais para penetrar em terceiros mercados (acordos de garantia de investimentos, patentes etc.), não podem prescindir do financiamento público para suas exportações nos setores mais dinâmicos e seriam deslocadas pela concorrência sem o benefício dos sistemas nacionais de ciência e tecnologia.
Na era da arrancada chinesa, é superstição acreditar que a abertura financeira e a exposição pura e simples do setor industrial à concorrência externa seriam capazes de promover a modernização tecnológica e os ganhos de competitividade. Os estudos mais especializados e aprofundados sobre o tema mostram que a concorrência nos mercados contemporâneos está marcada por características que não guardam qualquer semelhança com as crendices simplificadoras dos fanáticos do livre-cambismo e das vantagens comparativas.
Até mesmo os estudiosos mais conservadores reconhecem a existência de economias de escala e de escopo, economias externas, estratégias de ocupação e diversificação dos mercados, conglomeração e acordos de cooperação. Neste jogo só entra quem tem cacife tecnológico, poder financeiro e amparo político dos Estados Nacionais. O resto está na arquibancada batendo palmas. Estas características essenciais da concorrência e do comportamento das empresas, sobretudo na área industrial, estão completamente ausentes das elucubrações dos que pretendem ensinar-nos as virtudes milagrosas do curandeirismo que aspira a foros de ciência.
Capitalismo, Estado e interesse nacional
Enquanto elaborava o texto que ora apresento aos leitores da revista, a memória foi despertada para Industry and Trade, o livro da maturidade de Alfred Marshall, mestre de Keynes. Nele, o autor escreve uma longa nota de rodapé destinada a qualificar e modificar as abstrações dos Principles of Economics. Nos dois volumes, Marshall desenvolve uma longa e profunda análise histórica das relações entre industrialização, comércio exterior e “os ideais nacionais”. Escrito em 1920, o livro exprime os estertores da liderança industrial da Grã-Bretanha. Marshall revela uma percepção clara do processo que levou à emergência da Alemanha e dos Estados Unidos como potências concorrentes e vitoriosas, no âmbito da globalização construída sob a hegemonia inglesa no último quartel do século XIX.
O teste da liderança, diz ele, é a capacidade de “fazer coisas” que os outros virão a fabricar um pouco mais tarde, mas ainda não estão prontos e habilitados a fazer. Uma das melhores indicações da natureza e extensão da liderança de um país pode ser encontrada no “caráter” dos bens que exporta e importa. Mas há uma razão superior. A liderança industrial é importante para os ideais da Nação. “Se um indivíduo inteiramente devotado aos interesses materiais é uma pobre criatura, ainda mais ignóbil é uma nação desprovida de ideais nacionais, isto é, ideais que reconhecem a vida nacional como uma instância superior à mera agregação de indivíduos.”
Marshall estava perfeitamente habilitado a compreender não só o que se chama atualmente de catching up, mas os fatores que constituem a sociabilidade moderna. Ela se move de forma contraditória e problemática entre o interesse material do indivíduo produzido pela visão do mercado e a “comunidade imaginária” constituída no âmbito político-jurídico do Estado Nacional. Benedict Anderson forjou a expressão “comunidade imaginária” para definir os sentimentos de pertinência construídos em torno da idéia de Nação. Os membros de uma comunidade nacional não se conhecem, jamais trocarão olhares com seus compatriotas, mas, ainda assim, “na imaginação de cada um está viva a imagem de sua comunhão […] independentemente da desigualdade e da exploração que possa prevalecer, a nação é concebida como uma profunda e horizontal camaradagem”.
A decretação do fim da política e sua submissão ao mercado é falsa. No capitalismo, o “econômico” é constituído pela política da grande empresa, do capital financeiro e do mass-media. A rivalidade entre grandes empresas, a febre de fusões e aquisições e a sucessão de crises financeiras tornam inevitável a mediação do Estado nas disputas entre os competidores privados – sob pena da desestruturação dos mercados. Além dessa função de “regulação sistêmica”, o Estado Nacional contemporâneo não pode abdicar de outra que lhe é inerente enquanto instância exclusiva de “totalização das relações sociais”. É no interior do Estado que se realiza a mediação entre o movimento estrutural das forças econômicas do capitalismo globalizado e o “interesse nacional”.
Essa expressão vaga não pode ser definida como uma “situação”, mas como um processo de constituição e reconstituição do espaço jurídico-político onde se desenvolvem as relações entre a formação e apropriação da renda, da riqueza e a luta dos cidadãos que buscam a garantia e a ampliação dos direitos civis, econômicos e sociais.
Nas duas globalizações – a do último quartel do século XIX e a que se desenvolve sob o olhar dos contemporâneos – são umbilicais os nexos, sublinhados por Marshall, entre a hiperindustrialização da periferia emergente promovida por políticas que cuidam do interesse nacional e a financeirização “cosmopolita” das economias pós-industriais no Centro.
Não por acaso, a definição do regime chinês se debate entre o “capitalismo de Estado” e o “socialismo de mercado”.
E o Brasil?
A opinião dominante hoje no Brasil cultiva com esmero o hábito de ignorar a experiência alheia e, pior, trata de desqualificar e desfigurar o seu próprio passado, quando não se empenha denodadamente em promover o completo esquecimento. Vamos deixar de lado as relações carnais entre Estado e grande empresa nos Estados Unidos e tratar da nossa turma. Não há exemplo nos países periféricos – aí incluídos o Chile e os “Tigres Asiáticos” e a China – de renúncia a políticas deliberadas de reestruturação produtiva ou de estímulo à modernização e à conquista de mercados. Seja qual for a estratégia adotada – liderança das exportações ou preeminência do mercado interno – os casos bem-sucedidos de avanço industrial e produtivo na dita “era da globalização” têm um traço comum: intencionalidade e coordenação pública.
No que diz respeito ao Brasil, quase todos concordam em que se esgotaram as formas de financiamento, de incentivos e de proteção, responsáveis pela sustentação do desenvolvimento industrial brasileiro ao longo de mais de cinco décadas. Este esgotamento foi acompanhado, depois da crise da dívida externa dos anos 1980, de um profundo desequilíbrio financeiro e fiscal do Estado, o que imobilizou a sua capacidade de coordenação e de indução.
A perda de dinamismo da industrialização brasileira provocou, no início dos anos 1990, uma reação extremada nas hostes liberais: abrir a economia e expor os empresários letárgicos aos ares benfazejos da globalização. O silogismo em que se desdobra a premissa é grotesco em sua simplicidade: se a indústria brasileira perdeu a capacidade de investir ou de se modernizar, a solução é submetê-la aos constrangimentos e à disciplina da concorrência externa.
Isto para não falar da encrenca macroeconômica engendrada – com requintes de ourives – pela longa e gloriosa valorização do câmbio. Hoje em dia ainda são muitos os que não se deram conta dos estragos causados à indústria brasileira pela combinação funesta entre juros reais elevados e câmbio valorizado.
Preferimos abraçar as receitas liberal-conservadoras para os países emergentes. Repito aqui o que disse no livro Poder e Dinheiro (Vozes, 1997): elas são deduções vulgares dos modelos abstratos da teoria neoclássica. Senão vejamos: a ampla abertura comercial está apoiada na vetusta teoria das vantagens comparativas, sem as tímidas modificações da “nova teoria do comércio”; as privatizações e o não-intervencionismo do Estado emanam do modelo competitivo de equilíbrio geral; a liberalização financeira decorre da hipótese dos mercados eficientes.
As disputas ideológicas intervencionismo vs. não-intervencionismo e integração internacional vs. políticas nacionais padecem do vício das oposições excludentes que entorpecem a compreensão da dinâmica do capitalismo, do seu movimento contraditório, eivado de crises e de suas recuperações. Estado vs. Mercado, assim como integração internacional vs. políticas nacionais, não são perspectivas incompatíveis que se chocam e se excluem. No capitalismo, a ontologia do “econômico” supõe a unidade indissociável entre a perspectiva do mercado e o seu desmascaramento pelo Estado coordenador. A “outra” perspectiva preenche o vazio do que não pode ser percebido a partir da primeira. Essa intersecção das instâncias esteve sempre presente nas diferentes configurações históricas do capitalismo, desde o mercantilismo até a sua etapa atual.
Está mais do que na hora de superarmos falsas dicotomias e nos lançarmos ao trabalho criativo indispensável para construir as novas instituições financeiras, pensar na reforma fiscal, enfim dar tratos à bola para estabelecer uma nova relação entre o Estado e o setor privado, em termos mais favoráveis ao desenvolvimento do país.
É professor titular aposentado da Unicamp e Diretor da Facamp (Faculdadesde Campinas)
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