Debate Revela Viés Corporativo
A discussão de algum tipo de controle administrativo e disciplinar sobre as atividades do Poder Judiciário não era nova quando da EC nº 45/2004.
Na Constituinte 1987/1988, o tema aflorou e nada foi aprovado. Tal discussão surgiu com o próprio desenvolvimento do processo democrático brasileiro.
Eram e são inegáveis os reclamos da cidadania por instrumentos eficazes de fiscalização e controle na condução dos negócios públicos, aí incluída a regularidade na prestação jurisdicional.
O estado democrático de direito não contempla poder sem controle. Em nenhum outro Poder, a necessidade de controle era e é tão pronunciada quanto no Judiciário.
O processo de seleção de seus membros (mediante concurso público) assegura a isonomia no acesso aos cargos públicos e a excelência tecnojurídica de seus membros.Tal fórmula inviabiliza, entretanto, modalidade de legitimação democrática semelhante à dos demais Poderes.
Argumentar-se-ia, então, não se caracterizar o juiz como representante político do povo. Tal fato, aliado ao caráter marcadamente técnico da atividade jurisdicional, reserva ao Poder Judiciário legitimidade em tudo peculiar.
O Poder Judiciário, pois, tal como o Legislativo e o Executivo, deve estar sujeito a algum tipo de fiscalização. A institucionalização de tal controle se deu pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
Quando da discussão da EC, deparamo-nos com o pano de fundo do princípio da separação dos Poderes, elevado entre nós à categoria de cláusula pétrea.
Sustentavam os adversários da ideia de qualquer tipo de controle do Judiciário que a necessária autonomia decorrente do princípio da tripartição dos Poderes estaria ameaçada pela possibilidade de submissão de seus membros ao julgamento de órgão não integrante do próprio Poder.
De outra parte, os defensores da necessidade de que o controle do Judiciário se fizesse por órgão não integrante de sua própria estrutura invocavam a mesma teoria da separação dos Poderes para lembrar que esta jamais teve um sentido absoluto, estando sempre associada ao sistema de checks and balances, onde os Poderes se controlam mutuamente.
Vamos à história.
A Revolução Francesa
Durante o período absolutista, todos os poderes do Estado se concentravam na figura do monarca, que detinha a soberania judicial e a faculdade de dizer o direito. Nesta situação, a magistratura não podia se imaginar independente.
Nos momentos precedentes à Revolução Francesa, “a burguesia liberal, que via na judicatura o bastião da liberdade burguesa contra os excessos do monarca – acrescido do fato de que os juízes iam sendo recrutados cada vez mais de suas próprias fileiras – fez sua, na luta pelo Estado Constitucional, a causa da justiça, dando à reivindicação independentista uma dimensão revolucionária” (Simon).
Com a Revolução, a classe social que utilizava as instituições judiciais diante do Poder acabou por conquistá-lo. A partir daí, os Parlements não podiam senão prejudicar os desígnios dessa classe e servir, outra vez, de reduto de resistência aristocrática, constituindo um perigo para o poder revolucionário.
Em 3 de novembro de 1789, a Assembleia declarava os Parlements em férias indefinidas e em 22 de dezembro do mesmo ano suprimia-os da França revolucionária.
Burocratização da Magistratura
A Lei nº 16, de 24.8.1790, reorganizou o sistema judicial.
Dispôs (art. 12) que “os Tribunais não poderão fazer regulamentos e se dirigirão ao corpo legislativo sempre que seja necessário interpretar uma lei ou fazer uma nova”.
A Revolução implicara mudança de titularidade no poder, que passava a ser exercido pela burguesia por meio da instituição parlamentar, ou seja, por meio de leis.
Passou-se a um poder judicial praticamente nulo, no qual o juiz não era senão la bouche de la loi: limitava-se à aplicação rigorosa e silogística da norma, sendo-lhe vedado qualquer tipo de trabalho criativo (veja-se o reféré obligatoire).
Era o modelo burocrático de magistratura, com características próprias.
A principal consequência deste modelo foi a preponderância da responsabilidade disciplinar sobre a civil, como mecanismo de sujeição do juiz ao Poder Executivo, em alguns países, e como mecanismo de incorporação do juiz ao aparelho do Estado.
Em decorrência, tinha-se a irresponsabilidade dos atos do juiz perante as partes: primazia dos controles internos (dentro do aparato do Estado) sobre os externos (frente às partes do processo).
Não é o caso brasileiro.
Crescimento do Poder Judiciário
As condições históricas que deram lugar ao juiz burocrata e civilmente irresponsável desapareceram e foram substituídas por outras, que impuseram a atualização dos mecanismos de responsabilização e controle da magistratura.
Tudo decorre da extraordinária revalorização da função judicial, nos últimos 50 anos, tendo em vista seu crescimento na sociedade moderna de tipo liberal-democrático ou não autoritário.
São causas desse crescimento:
a) a emergência do Welfare State: a expansão da competência dos Poderes Executivo e Legislativo determinou a expansão dos controles pelo Poder Judiciário;
b) a imprecisão e ambiguidade dos textos legislativos, decorrentes de compromissos dilatórios entre forças políticas díspares (chamados de “compromissos não autênticos ou apócrifos” por Carl Schmitt). Há uma proliferação de legislação aberta, propiciando o aumento da discricionariedade judicial e o desenvolvimento de uma nova concepção sobre o trabalho interpretativo do juiz – uma espécie de “poder legislativo supletivo”;
c) a natureza “promocional” dos direitos sociais, o que importa em decidir se determinada atividade estatal, ou sua inércia, está alinhada com os programas prescritos de forma vaga na legislação social;
d) a massificação das demandas judiciais (Class action; Public interest litigation; Actions Collectives; Verbandsklagen e a tutela judiciária dos interesses difusos);
e) a autonomia em relação ao Poder Legislativo, decorrente do estabelecimento de uma supralegalidade constitucional e da crise da lei, como fonte primária do ordenamento jurídico. A magistratura não mais se limita à interpretação e aplicação da lei, mas realiza, também, sua fiscalização, seja de forma difusa e em concreto (Estados Unidos e Brasil), seja de forma concentrada e em abstrato (Brasil, Alemanha, Áustria);
f) o autogoverno da magistratura, com autonomia em relação ao Poder Executivo e independência do juiz;
g) a politização de alguns setores da magistratura;
h) a ampliação dos poderes de direção processual do juiz (redução do princípio dispositivo no processo);
i) a crise da Justiça (falta de meios; atrasos inimagináveis; falta de formação; necessidade de especialização).
Esta expansão da magistratura e dos poderes processuais substanciais dos juízes veio aguçar especialmente o problema de sua responsabilidade perante o corpo social (accountability = dever de prestar contas).
Cappelletti informa existirem três modelos de estruturação do Poder Judiciário: o “repressivo” ou “da sujeição”; o “autônomo-corporativo” ou “do isolamento” e o da “responsabilização social”.
A responsabilidade típica do modelo “repressivo” possui natureza “política” ou “constitucional”, encontrando-se a Magistratura obrigada a prestar contas ao governo. Neste modelo, verifica-se a inoperabilidade (em virtude das dificuldades de ordem procedimental) ou a opressão dos membros da Magistratura.
O modelo dito “autônomo-corporativo” ou do “isolamento” é diametralmente oposto ao anterior. Segundo seus parâmetros, o Judiciário atua como um corpo independente, alheio aos demais poderes e mesmo aos movimentos sociais orgânicos. Nossa tradição judiciária republicana aproxima-se deste tipo abstrato. Sobre ele paira a ameaça da anarquia individual: não só a instituição, mas cada membro individual do Poder Judiciário autonomiza-se sobremaneira, ao largo de controles de qualquer natureza. Acerca da questão, afirmou Cappelletti:
Embora reconhecendo que esse sistema pode ser bem menos perigoso às liberdades fundamentais dos cidadãos do que o sistema de sujeição do Judiciário ao poder político, não estou seguro, porém, seja ele necessariamente menos danoso na sociedade moderna, que necessita de uma administração da justiça razoavelmente ordenada e eficiente (Mauro Cappelletti, Juízes Irresponsáveis?, Porto Alegre, Ed. Sérgio Fabris, 1989).
Por fim, aponta Cappelletti o chamado modelo da “responsabilização social”, em que se procura o justo equilíbrio das responsabilidades política e social com as formas de responsabilidade jurídica (nas suas modalidades civil, penal e disciplinar):
Trata-se, obviamente, de um modelo que procura combinar razoável medida de responsabilidade política e social com razoável medida de responsabilidade jurídica, em todos os seus subtipos principais – penal, civil e disciplinar – evitando, de um lado, subordinar os juízes aos poderes políticos, aos partidos políticos e a outras organizações sociais e também a ações vexatórias de litigantes irritados, iludindo, porém, de outro lado, o isolamento corporativo da magistratura e igualmente a anarquia controlada e irresponsável dos membros individuais do Judiciário (Juízes Irresponsáveis?, op. cit.).
De um lado, pois, não se pode desconhecer que a independência entre os Poderes, no Estado contemporâneo, pressupõe necessariamente formas de mútuo controle e responsabilidade.
De outro lado, é de buscar a instituição de mecanismos eficientes de fiscalização que zelem pelo regular exercício do Poder em sua forma, sem interferir nem adentrar no mérito da prestação jurisdicional em si mesma.
Foi justamente este equilíbrio entre os valores de independência e responsabilidade dos membros do Poder Judiciário que a EC nº 45/2004 procurou contemplar.
Conselho Nacional de Justiça
O conselho Nacional de Justiça surge como órgão de controle integrante da própria estrutura do Poder Judiciário, embora não composto exclusivamente por magistrados.
Na sua composição, o CNJ reflete todas as vertentes do Poder Judiciário por meio da inclusão de representantes de seus órgãos de cúpula.
De outra parte, como forma de afastar, definitivamente, qualquer risco de tendência corporativista proveniente da monopolização do controle pelos próprios membros da magistratura, a EC nº 45 incluiu representantes do Congresso Nacional, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil.
Assim, a questão da “separação dos poderes” desapareceu, pois o novo órgão integra o mesmo Poder.
A competência (art. 103-B, §4º) do CNJ tem duas linhas:
a) “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário” e
b) “cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”.
Examino a questão disciplinar.
Nessa área, o CNJ tem duas competências vitais para o sistema:
a) “receber e conhecer de reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro […] sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais…”
b) avocar “processos disciplinares em curso e determinar a remoção. A disponibilidade ou a aposentadoria […] e aplicar outras sanções administrativas…”
As polêmicas
Em nenhum momento as associações de magistrados, em especial a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), aceitaram pensar em órgão dessa natureza.
Combateram a ideia na Constituinte de 1987/1988, na fracassada Revisão Constitucional de 1993 e na tramitação da EC nº 45.
Vencidas no campo legislativo (EC nº 45), passaram a agir em duas pontas: uma judiciária; outra administrativa.
Antes mesmo da publicação da EC nº 45, a AMB ajuizou, perante o STF, ação direta de inconstitucionalidade (ADI nº 3767).
Sustentou que a instituição do CNJ implicava: “a) tanto inegável violação ao princípio da separação dos poderes […], de que são corolários o autogoverno dos Tribunais e sua autonomia administrativa, financeira e orçamentária […]; b) como ainda a ofensa ao pacto federativo […], na medida em que submeteu os órgãos do Poder Judiciário dos Estados a uma supervisão administrativa, orçamentária, financeira e disciplinar por órgão da União Federal”.
O STF, por maioria, julgou totalmente improcedente a ação.
Quando da instalação do Conselho, como presidente do STF, à época, procurei ouvir a AMB sobre indicações dos magistrados estaduais (Desembargador e Juiz de Primeiro Grau), cuja competência é do STF.
[Sabe-se que a AMB é, de fato, uma associação da magistratura estadual. A magistratura da União tem suas próprias associações: Associação dos Juízes Federais (AJUFE) e Associação Nacional da Magistratura do Trabalho (ANAMATRA).]
A AMB não aceitou qualquer diálogo, conduta não adotada pelas duas outras associações.
Instalado o Conselho, uma das primeiras medidas foi enfrentar o nepotismo no Poder Judiciário (Resolução nº 7, de 18.10.2005) .
A reação foi virulenta, em especial pelas cúpulas dos Tribunais Estaduais.
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O STF tem vedação ao nepotismo em seus quadros desde 1985 (Regimento Interno, art. 357, Emenda Regimental nº 2, hoje §2º do art. 357).
Lembro-me de reunião em São Luiz (MA), com membros dos Tribunais Estaduais (Presidentes, Corregedores…), em que o clima foi de conflito aberto!
Expressivo do comportamento e da fratura na magistratura de então foi o fato de a AMB ter ajuizado ação declaratória de constitucionalidade (ADC nº 12) em relação a essa Resolução, isto porque os Tribunais reagiam à implantação da proibição de nepotismo.
É bom ter presente que somente os Tribunais podiam e podem fazer nomeações, o que não ocorria e não ocorre com a magistratura de primeiro grau que, à época, controlava a AMB.
Assim, a ADC fora produto de conflito de interesses e posições entre os juízes de primeiro grau (não nomeadores) e os Tribunais (nomeadores).
O mesmo ocorreu com a discussão da Resolução nº 13, de 21.3.2006, “sobre a aplicação do teto remuneratório constitucional e do subsídio mensal dos membros da magistratura”.
Os Tribunais, por atos próprios, tinham criado uma série de vantagens pecuniárias não autorizadas pela Lei Orgânica da Magistratura.
Essa medida do CNJ deu origem, também, a violenta reação, inclusive com ataques pessoais.
Aliás, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais fez circular, em 17.3.2006, um manifesto denominado “Denúncia e Conclamação”, que teria sido aprovado em sessão extraordinária do seu Pleno de 16 de março.
Nessa sessão teriam decidido, “por unanimidade, que na próxima segunda-feira, dia 20, os seus Desembargadores farão uma paralisação total dos trabalhos, numa manifestação de advertência…”.
No manifesto, os desembargadores mineiros chegaram a afirmar:
[…] O Conselho Nacional de Justiça, órgão concebido e instituído por um parlamento debilitado pela corrupção, capitaneado pelo Sr. Nelson Jobim com poderes ilimitados, com um comportamento ditatorial a serviço do reino, que, irresponsavelmente, legisla por meio de resoluções, quebra o pacto federativo…
Tudo porque o CNJ discutia, naquele momento, a aplicação do teto constitucional…
O CNJ não considerou esses ataques e prosseguiu no exercício de suas tarefas.
Hoje, a tese defendida é a da “subsidiariedade” do CNJ em questões correicionais, disciplinares e administrativas, que se encontra, já, em alguma decisões monocráticas no STF.
Ela está expressa em decisão do ministro Celso de Mello, que a acolhe, para a concessão de liminar em Mandado de Segurança 28.799 (2.8.2010):
Exercício prioritário, pelos Tribunais em geral, do poder disciplinar quanto aos seus membros e aos juízes a eles vinculados. A questão das delicadas relações entre autonomia constitucional dos tribunais e a jurisdição censória outorgada ao Conselho Nacional de Justiça. Existência de situação de tensão dialética entre a pretensão de autonomia dos tribunais e o poder do Conselho Nacional de Justiça na estrutura central do aparelho judiciário. Incidência do princípio da subsidiariedade como requisito legitimador do exercício, pelo Conselho […], de uma competência complementar em matéria correicional disciplinar e administrativa. […] pressupõe a ocorrência de situações anômalas e excepcionais registradas no âmbito dos tribunais em geral (hipóteses de inércia, de simulação investigatória, de procrastinação indevida e/ou de incapacidade de atuação)…
Essa tese se choca, em especial, com o inciso III do §4º do art. 103-B da Constituição.
[Questão intercorrente: a quem competirá o juízo sobre a existência, ou não, em concreto, dos requisitos arrolados? Se competir ao CNJ, poderá haver controle por parte do STF?]
Os requisitos arrolados, além do mais, representam elementos de entrave para o funcionamento de um sistema que não os exige nem autoriza.
No tema de correição, há que ser feita uma distinção entre reclamações diretas e avocações.
Quanto à primeira – competência do CNJ de “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário […], sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais…” – a Constituição não impõe nenhum requisito. Os interessados poderão se dirigir diretamente ao CNJ sem passar pelas corregedorias dos Tribunais.
O que a Constituição afirma – e só – é que tal ação do CNJ será “sem prejuízo” das ações dos tribunais.
Quanto à segunda – “avocar processos” – a Constituição é claríssima na atribuição de um poder.
Como cautela, o próprio CNJ, em seu regimento interno, só admite representação para avocação, devidamente fundamentada, por parte de membro do próprio Conselho, do Procurador-Geral da República, do Presidente do Conselho Federal da OAB ou de entidade nacional da magistratura (art. 71) .
O ministro Gilson Dipp, ex-corregedor do CNJ, conhece a conduta de parte das corregedorias na apuração de responsabilidade.
Leio, também, o presidente do STF e CNJ, ministro Peluso:
[…] é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição. […]
Operante esse quadro de relativa inoperância dos órgãos internos […], não havia nem há por onde deixar de curvar-se ao cautério de Nicoló Trocker: “o privilégio da substancial irresponsabilidade do magistrado não pode constituir o preço que a coletividade é chamada a pagar, em troca da independência dos seus juízes” […] (ADI nº 3 367).
Peluso, com habilidade e contenção, acena para um fato: o controle disciplinar, quando ocorre, consiste em agir sobre os juízes de primeiro grau (de cima para baixo) e, não, no próprio Tribunal…
Pretende-se que a chamada subsidiariedade inclua, também, a matéria administrativa, além da correicional e disciplinar!
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As razões da cautela já se encontravam no voto do membro do Conselho Paulo Schmidt, antes mesmo da atual redação RI do CNJ (ver Avocação de Processo Disciplinar, 001/2005, 8.11.2005).
O fato é que, vitoriosa a tese da subsidiariedade, desaparece a unidade do Poder Judiciário referida por Peluso e afirmada por outros Ministros:
[…] a Jurisdição, enquanto manifestação da unidade do poder soberano do Estado, tampouco pode deixar de ser una e indivisível, […] o Poder Judiciário tem caráter nacional, não existindo senão por metáforas e metonímias, “Judiciários estaduais” ao lado de um “Judiciário federal”.
A divisão da estrutura judiciária […] em “Justiças”, é só o resultado da repartição racional de trabalho da mesma natureza… (Idem).
Além do mais, de órgão nacional integrante da cúpula do Poder Judiciário, o CNJ passará a ser órgão dependente de ações prévias – de duvidosa ocorrência e transparência – dos Tribunais.
(Lembro-me da dificuldade de obter informações sobre a remuneração praticada pelos Tribunais para a elaboração da Res. nº 13. Recorri, em alguns casos, a contracheques de juízes amigos – única forma de chegar à remuneração praticada.)
Lembremo-nos, mais, que o CNJ se encontra logo após o STF na enunciação do art. 92 da Constituição.
Por tudo e, em especial, da perspectiva histórica, a tese da subsidiariedade é regressista: volta, por caminhos retóricos, ao modelo “autônomo-corporativo” ou de “isolamento”.
Por último, além do viés corporativo, lembro que esse tipo de debate é recorrente na institucionalização do federalismo brasileiro .
As elites dos estados federados – no caso, os Poderes Judiciários Estaduais – debatem-se para impedir que seus pretendidos espaços (correicional, disciplinar e administrativo) sejam objeto de exame por órgão com visibilidade nacional.
Tais espaços não são da magistratura.
São de todos.
São da Nação a que todos nós estamos submetidos, sem exceção.
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NELSON JOBIM foi ministro da Justiça e da Defesa, presidente do STF e presidente do Conselho Nacional de Justiça.
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Veja-se, por todos, o extraordinário O Pacto Imperial: Origens do Federalismo Brasileiro, de Miriam Dolhnikoff.
Foi ministro da Justiça e da Defesa, presidente do sTf e presidente do Conselho Nacional de Justiça.
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