Os Governos do PT e o Desenvolvimento do Brasil
Nas três últimas décadas, quando iniciamos o atual período democrático e promovemos a abertura de nossa economia, os destinos de nossa política econômica têm sido disputados na sociedade com larga vantagem dos que atuam para manter o status quo, porque detêm mais e melhores ferramentas de exercício de pressão. Isso começou a mudar com a chegada do ex-presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores ao governo federal, quando se iniciou a implantação de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil, pautado pelo aumento e distribuição da renda, pela geração de empregos, pelo crescimento econômico e pela formação de um mercado interno de massas.
Essas diretrizes conduziram as políticas públicas e os programas adotados desde 2003 de tal maneira que, ao término do governo Lula, o país era conduzido em sua economia de forma diversa da orientação predominante no período anterior. As políticas desenvolvimentistas realizadas nos governos do PT e dos partidos aliados redimensionaram o papel e a importância das empresas estatais, dos bancos públicos e dos fundos de pensão, que têm sido vitais para estimular e direcionar o desenvolvimento nacional. São políticas que atuam de forma consistente e articulada no fortalecimento e na expansão do mercado interno de massas, um dos eixos estruturantes do nosso crescimento.
De fato, o desenvolvimentismo que praticamos combina transferência de renda, aumento da renda do trabalho (via uma política transparente e sólida de elevação do salário mínimo e pensões), ampliação em larga escala do acesso ao crédito, alta nos gastos ligados à área social (especialmente, Educação e Saúde), melhora no nível de investimento público e medidas de proteção e apoio ao setor industrial, que cada vez mais se destinam a estimular um imprescindível salto em tecnologia e inovação. Experimentamos, em decorrência dessas opções políticas, a construção de uma consciência nacional que se revela em outro patamar de autoestima, orgulho e esperança no futuro que os brasileiros nutrem atualmente. Essa consciência resulta de um processo de via dupla em que a nova imagem do país se constrói de dentro para fora, com a massificação do acesso a direitos e bens básicos à cidadania que amplia a confiança na melhoria das condições de vida. E, também, se alimenta do novo status internacional, que emerge da reorientação da política externa para o eixo Sul-Sul e abre espaço para intensificar a integração regional – processo que não está desligado da nossa visão desenvolvimentista.
O momento inédito que o Brasil vive hoje é fruto desse período de mudanças cuja marca maior é a dos avanços sociais jamais experimentados – e que terão concluído uma primeira etapa importante ao final de 2014, com a meta de erradicar a pobreza extrema. Apesar de superarmos alguns obstáculos e criarmos oportunidades de país desenvolvido, seguimos com velhos desafios a amarrar nosso desenvolvimento. De modo que o país está, por assim dizer, no “meio do caminho” entre seu passado de atrasos e seu futuro desenvolvido: se, de um lado, colhe frutos das políticas públicas inauguradas a partir do governo Lula e projeta as medidas capazes de dar continuidade a esse processo de mudança no governo da presidenta Dilma Rousseff, de outro lado, ainda convive com uma série de obstáculos e entraves historicamente enraizados.
A título de exemplificação, na área da Educação, a associação dos programas Ciência sem Fronteiras – que prevê mais de 100 mil bolsas de estudos até 2014 para promover intercâmbio de estudantes universitários brasileiros em centros no exterior reconhecidos nas áreas de tecnologia e inovação – e Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego) – com estimativa de capacitar tecnicamente 8 milhões de trabalhadores e estudantes do ensino médio até 2014 – visa superar entraves de qualificação profissional. Porém, o país ainda convive com as necessidades de universalização do acesso ao ensino fundamental e de sua qualificação, etapas que demandam uma geração inteira de políticas de incentivo e de investimentos ininterruptos para apresentarem resultados. Ou seja, os novos desafios se somam aos velhos obstáculos que estão em nossa pauta, exigindo criatividade e versatilidade na implantação das políticas públicas.
No plano internacional, mantém-se o horizonte de indefinição e turbulências, especialmente no que se refere à Europa. A mais grave crise do capitalismo, cujo marco se fixou na quebra do banco norte-americano Lehman Brothers, em 2008, colaborou para ampliar as incertezas na economia com evidentes impactos no cenário interno. Em um ambiente de retração dos grandes centros econômicos, uma das consequências da crise, as disputas comerciais se intensificam. E nos afetam cada vez mais diretamente, na medida em que ampliamos nossa participação e importância como ator influente no jogo de poder internacional. Polos do potencial crescimento mundial nos próximos anos, os países emergentes estão se transformando no tabuleiro das disputas comerciais.
Tal imprevisibilidade no plano externo, somada à complexidade no âmbito interno, tende a se transformar em terreno fértil para a apropriação dos discursos pelos interesses especulativos (mais uma vez!), com o intuito de influenciar os movimentos econômicos na direção de resultados que lhes sejam mais rentáveis, mas que se distanciam dos interesses da sociedade brasileira e contra os quais o governo federal deve atuar. Se o ideograma oriental de “crise” é a junção dos ideogramas “perigo” e “oportunidade”, convém ao Brasil se conscientizar de que todos os agentes econômicos – sejam eles nações ou grupos de interesse que atuam para além deles – operam neste momento sob essa lógica. É preciso saber que, muitas vezes, nossa oportunidade é o perigo deles, e vice-versa.
O Impasse
Em dois momentos ao longo do ano passado, esta revista Interesse Nacional publicou reflexões sobre os caminhos para uma política econômica desenvolvimentista. Primeiramente, com o ex-ministro da Economia (1987) e professor da Fundação Getulio Vargas, Luiz Carlos Bresser-Pereira, autor do artigo “O Novo Desenvolvimentismo” (número 13, abril-junho de 2011); em seguida, com o economista e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) Luiz Carlos Mendonça de Barros, que publicou “Revisitando o Desenvolvimentismo Tucano” (número 15, outubro-dezembro de 2011).
De fato, este tem se constituído um tema relevante em diversos círculos e ganhou maior dimensão com a derrocada do receituário neoliberal dominante na década de 1990 e que culminou na profunda crise que o mundo vivencia hoje1. Em solo nacional, esse modelo foi abraçado com fervor pelo então governo do PSDB. Como forma de promover um salto de crescimento a partir da expansão da taxa de investimento, Bresser propõe um conjunto de medidas que classifica como “neodesenvolvimentistas”. Assim, dissiparíamos o impasse entre a orientação neoliberal (ou ortodoxia liberal) herdada da década de 1990 – que nos prescreve utilizar poupança externa para financiar nosso crescimento e lançar mão de altas taxas de juros, que apreciam o câmbio, para controlar a inflação – e a orientação desenvolvimentista.
“Se o País seguisse outra política econômica, se adotasse de forma decidida os princípios do novo desenvolvimentismo, ao invés de ficar dividido entre este e o Consenso de Washington, poderia aumentar sua taxa de investimento e estar crescendo a uma taxa pelo menos duas vezes maior do que a lograda desde que, em 1994, a alta inflação inercial foi controlada, ou um terço maior do que a taxa média dos anos 2000”, escreveu Bresser. “Estou propondo uma estratégia nacional de desenvolvimento, que denomino novo desenvolvimentismo, que é substancialmente mais austera e responsável e leva a uma taxa de crescimento substancialmente maior do que aquela proporcionada pela ortodoxia convencional.”
Política e tecnicidade
Mas, antes de adentrar no debate nos termos em que Bresser apresenta, é salutar identificar que o artigo de Mendonça de Barros é peça altamente esclarecedora sobre as sucessivas vitórias do grupo neoliberal no interior da administração Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que acabaram por caracterizar o governo tucano em sua direção maior, afastando-o do viés desenvolvimentista com o qual Mendonça de Barros é comumente identificado. Certamente, foram as sucessivas derrotas nas “quedas-de-braço” com os neoliberais que o levaram a afirmar que “caracterizar a política oficial de hoje como uma continuidade do desenvolvimentismo tucano não é, para mim, correto”. Uma constatação verdadeira, primeiramente, porque o modelo levado adiante pelos tucanos não foi desenvolvimentista, mas alinhado ao Consenso de Washington.
Ainda que não aborde a questão nesses termos, o próprio Mendonça de Barros constata essa natureza da gestão do PSDB na prorrogação do tempo em que o país conviveria com câmbio fixo atrelado ao dólar, que deveria se manter até a estabilização do real, mas que foi prolongada até se tornar insustentável nos estertores da crise financeira russa de 1999.
O que Mendonça de Barros não nos narra é que a opção teve cálculo eleitoral, pois o impacto do fim do câmbio fixo nas eleições de 1998 poderia arriscar o projeto de reeleição de FHC, o que não estava no horizonte dos planos tucanos. Talvez seja esse debate que queira afastar quando afirma que “a questão política não faz parte do escopo” de seu artigo, o que seria o mesmo que admitir que as opções tomadas pelos governos no campo econômico são desprovidas de conteúdo político. Ora, toda opção é animada por critérios políticos, afinal, é a política que orienta governos, de qualquer matiz ideológico. Por isso, chamamos de “política econômica” o conjunto de linhas-mestras que orientam a adoção de instrumentos no campo econômico. Nesse sentido, a pretensão de uma decisão exclusivamente técnica, alheia às escolhas políticas, revela-se uma tentativa de ocultar quais são as reais motivações políticas.
O discurso da tecnicidade das decisões recrudesce toda vez que os agentes financeiros vislumbram perda de espaço – e, portanto, de ganhos – com determinadas diretrizes governamentais. Mas notem que a tecnicidade não se aplica, por exemplo, à defesa de uma política econômica de juros baixos, portanto, só é “técnica” a decisão que se alinha a um tipo específico de política econômica, notadamente, a ortodoxa2. Por outro lado, o discurso da tecnicidade não impede a apropriação política dos temas em debate. Exemplo máximo disso é a versão de que as turbulências econômicas do período eleitoral de 2002 deveram-se, supostamente, aos riscos identificados pelo mercado de uma vitória de Lula. Essa versão é alimentada até os dias de hoje, mas não abarca a fragilidade de nossa economia à época, fruto de uma condução equivocada que, por oito anos a fio, levou a cabo os planos desenhados no Consenso de Washington contra os quais os “desenvolvimentistas do governo FHC” não se insurgiram de forma eficaz —ou capitularam ante o discurso da tecnicidade que sempre apoiou as políticas neoliberais e segue apoiando-as. De fato, o contexto de baixo crescimento, desequilíbrio cambial, inflação acelerando, elevada relação dívida pública líquida/PIB e alto desemprego3 eram terreno fértil para a montagem da peça de campanha eleitoral que difundiu o “risco Lula” – mesmo tendo o país quebrado por duas vezes sob a administração do PSDB.
A estratégia diversionista dos tucanos não evitou a eleição de Lula, mas cristalizou a versão de que não foram os erros da política econômica tucana que levaram às turbulências em 2002, mas a possibilidade de vitória de um candidato oposicionista. De pronto, é uma tese a ser rechaçada por operar sob a lógica antidemocrática de interditar as chances de vitória de um dos postulantes ou de favorecer candidatos alinhados aos interesses do mercado. Contudo, essa versão cristalizada só demonstra o grau de captura dos rumos do governo FHC pelos interesses que temiam perder espaço com a chegada ao poder de um representante das classes trabalhadoras. Ademais, tendo em vista a opção estratégica do projeto de país que a candidatura Lula representava, orientado pelo desenvolvimento nacional a partir do crescimento econômico com aumento e distribuição de renda e geração de empregos, foi preciso desatar os nós deixados pelos tucanos para: 1. Reorganizar o Estado, recuperando sua capacidade de planejar, implantar e gerir políticas públicas alinhadas ao projeto consagrado nas urnas; 2. Redirecionar as ações de governo para estimular a geração de emprego, fator-chave para a formação de um mercado interno de massas que reunisse condições de suportar taxas de crescimento mais elevadas, consistentes e duradouras; e, 3. Criar condições para a superação do receituário neoliberal que, em 2002, legou ao país uma economia altamente fragilizada ante os movimentos especulativos internacionais e de baixa capacidade de resposta – devido à opção pelo modelo de crescimento com poupança externa relatado por Bresser.
Vale lembrar que um grande complicador para o terceiro item era o ambiente de regozijo com a orientação neoliberal que dominava o debate econômico internacional nos anos 1990, com forte predomínio no governo tucano de FHC, que espraiou para a sociedade a primazia da tecnicidade como salvaguarda das decisões políticas no campo econômico. Assim, era preciso caminhar com cautela no desarme dessas “bombas-relógios” e driblar o pensamento único engendrado por uma década no país4, tarefa que se mostrou mais árdua porque, ao contrário do que se difunde no senso comum, os rumos de um governo de alianças no regime político brasileiro se definem a partir das tensões entre as diferentes visões e concepções políticas e entre estas e as forças da sociedade.
Ora, governar é se confrontar diariamente com questões concretas que muitas vezes se apresentam em equações inteiramente distintas das que concebemos quando travamos o debate teórico sobre os caminhos a serem percorridos. Convém, portanto, não perder de vista as discussões teóricas que nos norteiam e devem orientar nossas escolhas, mas ao mesmo tempo ter habilidade e sensibilidade para os problemas reais que se nos apresentam. E boa parte deles se revela em equações políticas próprias devido às peculiaridades de nosso sistema. As disputas entre os grupos de pressão para fazer valer suas convicções no processo de tomada de decisão – que se desenrola na sociedade, na relação desta com as instituições e no interior das administrações – são inevitáveis e é por meio delas que os governos caminham.
Talvez esse seja o motivo principal de haver tamanho espaço para as avaliações “técnicas” (neoliberais de fundo) no debate sobre a economia brasileira6. Esse “reinado”, que cria a miragem de que é possível excluir a política da economia, só sofre abalos estruturais com a eclosão da crise financeira de 2008. Esse é um diagnóstico partilhado por Bresser em seu artigo. Diz ele: “Nos anos 1990, a hegemonia do império foi quase absoluta e as elites brasileiras foram dependentes. Nos anos 2000, elas avançaram na direção da independência nacional e este avanço foi em parte sancionado pelo governo Lula. Isto ocorreu, de um lado, porque o Consenso de Washington fracassou nos países em desenvolvimento aos quais se destinava, e porque, no Norte, o neoliberalismo globalista, ao desregulamentar os mercados, promoveu enorme concentração de renda nos 2% mais ricos da população e desembocou na crise financeira global de 2008 e na grande recessão que hoje enfrentam os países ricos”. A despeito disso, até hoje vicejam os “analistas” que propagam as vozes do mercado com o discurso da tecnicidade, uma herança que se arraigou profundamente e contra a qual a superação do impasse entre desenvolvimentismo e neoliberalismo deve caminhar.
Paralelamente, desde que o governo Lula se iniciou, há um movimento político que busca misturar as diferenças de concepção sobre a condução da economia e que procura projetar a gestão tucana de FHC para além de seu tempo. Nesta investida, inúmeros expoentes do tucanato passaram a maior parte do governo Lula apregoando que os êxitos alcançados eram meras consequências das decisões da administração anterior ou então resultado do bom momento internacional, jamais pela opção por uma nova política econômica orientada pela introdução de preocupações sociais e voltada ao desenvolvimento produtivo nacional. Um discurso que se revelou impossível de ser mantido com o tempo: de um lado, conforme foram sendo desatados os nós, restou claro que os bons frutos advinham das novas medidas na economia tomadas em um ambiente internacional positivo e propício; de outro lado, a crise econômica internacional foi divisor de águas sobre como o Brasil deveria se comportar, contrapondo governo Lula e oposição.
Mas os tucanos seguem a trilha de reivindicar os bons feitos do governo Lula como ideias nascidas no governo FHC, numa tentativa de projetar a gestão do PSDB indefinidamente no tempo. Nessa esteira, apregoam que medidas bem-sucedidas tomadas já no governo Dilma são consequência ou “resgate” de proposições das gestões do PSDB. Recentemente, por ocasião dos leilões de concessão dos três principais aeroportos do país, difundiram, tendo a imprensa como amplificadora, a ideia de que se tratava de um processo de privatização tal qual o promovido nos governos tucanos. Mas a dilapidação do patrimônio público realizada pelo PSDB foi tão acintosa que nas campanhas de 2002 e 2006 sequer foi defendida, quando não envergonhadamente condenada, pelos candidatos que o partido lançou à Presidência da República.
Os ativos da União leiloados pelos governos tucanos só retornam às mãos do Estado em caso de estatização, enquanto os aeroportos concedidos neste início de 2012 poderão voltar ao controle estatal ao término da concessão, em 20 ou 30 anos, a depender do terminal. O sucesso das concessões dos três aeroportos é mensurável, de um lado, pelo ágio conseguido, muito acima do esperado, especialmente para o aeroporto de Brasília (DF); e, de outro lado, pelo volume de investimentos previstos para os próximos anos, da ordem de R$ 16,1 bilhões no total e de R$ 2,8 bilhões até a Copa do Mundo de 2014.
São investimentos que atuarão para resolver esse importante ponto de estrangulamento e de elevação dos custos da produção, aumentando nossa competitividade e reafirmando nossa segurança institucional. Portanto, as tentativas de associação entre as duas formas distintas de estabelecer a relação entre o Estado e a iniciativa privada se prestam apenas aos objetivos de tentar confundir a opinião pública e também o de superar o incômodo e desagradável debate sobre como essa relação se deu nos governos do PSDB.
O papel do Estado
Nos termos em que o debate se desenrola, o que determina tanto o que se constitui neoliberalismo, quanto as clivagens do que se denomina desenvolvimentismo, são as concepções sobre o papel do Estado numa economia emergente e peculiar como a brasileira. De fato, Bresser distingue o neodesenvolvimentismo que propõe do desenvolvimentismo formulado por Celso Furtado pela presença do Estado no setor produtivo, o que não ocorre em sua proposição, de um Estado cujo papel na área econômica é “apenas estratégico ou indutor”.
O papel do Estado era o fiel da balança também na separação entre desenvolvimentistas e ortodoxos na gestão FHC: “O corolário mais importante deste pensamento na economia [o neoclássico] é o de que a ação do indivíduo e das empresas é sempre mais eficiente do que as ações do Estado e precisam ser estimuladas e permitidas livremente. Para nós – os chamados “desenvolvimentistas” –, o Homo economicus não existe nesta forma simplista e a intervenção do Estado é necessária para estabelecer limites à ação privada e corrigi-la em certas circunstâncias. Se isto não for feito podem ocorrer situações-limite de risco sistêmico e, de tempos em tempos, crises econômicas gravíssimas”, escreveu Mendonça de Barros nesta Interesse Nacional, apontando, de maneira indireta, que as derrotas dos desenvolvimentistas no governo tucano desembocaram nas crises que o Brasil enfrentou ao longo de todo o segundo mandato de FHC.
De fato, essa é uma diferença central nas concepções e práticas entre os governos tucanos e os liderados pelo PT. Mas, ante a surrada compreensão de que é o tamanho do Estado que vale, nossas administrações vêm demonstrando que é a força e a capacidade do Estado que definem a orientação do governo. Aos olhos tucanos, o papel do Estado, no máximo, deve ser o de árbitro – mesmo a “intervenção para estabelecer limites à ação privada” que Mendonça de Barros menciona e que, na prática, acabou por não acontecer nos governos do PSDB mesmo quando as circunstâncias exigiam.
Mais uma vez, o comportamento do Estado brasileiro durante a crise internacional – que mobilizou todas as ferramentas à sua disposição e, consequentemente, a sociedade – para erguer barreiras ao maremoto que abalou a economia mundial mostrou-se um caso digno de estudo sobre as diferenças de concepção desenvolvimentista entre tucanos e petistas. Aliás, o conjunto de medidas anticíclicas administradas durante a crise, com claro objetivo de facilitar o acesso ao crédito, estimular o consumo e impedir o desaquecimento da economia, só foi factível porque se tratava de um governo de orientação de esquerda, que se utilizou do arsenal do Estado para atenuar os impactos da crise —vide as ações dos bancos públicos para elevar o crédito, além das medidas de redução de impostos e de injeção de liquidez via liberação de reservas (US$ 50 bilhões) e do compulsório (R$ 100 bilhões). Fossem os tucanos governo em 2008 e 2009, o Brasil teria recorrido ao receituário que hoje faz a Europa patinar em sua capacidade de recuperação econômica e provoca profundos cismas sociais. Esse potencial de intervenção, altamente positivo para delimitar a crise e para conduzir os agentes econômicos na direção desejada, foi conquistado graças ao resgate do Estado que havia sido desmontado nos governos tucanos, revelando a distância entre os desenvolvimentismos do PT e do PSDB.
Esse é, inclusive, um dos saldos da crise que ainda assombra a economia internacional: a desregulamentação do sistema financeiro e a aceitação do dogma da autorregulamentação dos mercados são incompatíveis com o modelo de crescimento, geração de empregos e distribuição de renda que almejamos e estamos experimentando. Essencialmente, porque trabalham em favor da concentração de renda e poder e contra mecanismos estatais que possam freá-los. Felizmente, com o novo rol de políticas implantadas na última década, nosso país viu crescer a capacidade de reação do Estado aos fluxos econômicos que podem comprometer nossa trajetória rumo ao desenvolvimento com justiça social.
Estratégias neodesenvolvimentistas
Em muitos aspectos, essa retomada do papel do Estado como formulador, executor e gestor se aproxima do que propõe Bresser como neodesenvolvimentismo. Em linhas gerais, ao rechaçar a opção desenhada pelo Consenso de Washington de crescer com poupança externa e déficit em conta corrente, suportados por altas taxas de juros e câmbio apreciado, Bresser sustenta que nos países em desenvolvimento, a taxa de câmbio é controlada pelas crises de balanço de pagamento, não pelo mercado, como acreditam os neoliberais (ortodoxos). Essa tendência resulta de quatro causas: 1) a doença holandesa; 2) o “fetiche da poupança externa”; 3) reduzir a inflação à custa da apreciação cambial; e 4) o “populismo cambial”.
Conforme Bresser assinala no artigo citado, o receituário neoliberal não redunda em uma elevação duradoura dos investimentos e da poupança total do País. Ao invés disso, faz aumentar o consumo e a dívida externa. Isto porque, por um lado, a entrada de capitais externos cessa quando há esgotamento das oportunidades de investimento nos setores voltados à exportação e, por outro lado, ao apreciar o câmbio, o mercado doméstico amplia seu consumo de bens e serviços importados. Portanto, ampliam-se a dívida externa e o consumo, mas não necessariamente os investimentos e a poupança interna. Este problema, para o Consenso de Washington, inexiste, já que os capitais, sejam eles produtivos ou especulativos, são sempre recursos financeiros e o que importa é manter seu fluxo para o equilíbrio das contas externas, mesmo que o efeito colateral seja a elevação dos juros que limita a capacidade produtiva nacional.
O desafio, portanto, é criar condições para o aumento da poupança externa e dos investimentos, o que, de maneira generalizada, se consegue encontrando a taxa de câmbio de equilíbrio industrial. “Quando as entradas de capitais que o acompanham não vêm para financiar déficit em conta-corrente e apreciar o câmbio, mas para trazer tecnologia, não há nada a objetar”, sustenta Bresser. Trata-se, fundamentalmente, de criar estratégias de captura de capitais externos e de destiná-los para o financiamento dos setores de tecnologia e inovação, capazes de projetar o país para o futuro.
Sobre a pertinente preocupação com a doença holandesa, é preciso lembrar que o modo em que o agronegócio se desenvolveu no País permitiu que agregássemos valor a esses setores da economia. É importante destacar que mais da metade, às vezes dois terços, da produção de alimentos é industrializada e consumida no País. Logo, o caráter primário exportador de commodities tem que ser atenuado. O alto grau de desenvolvimento tecnológico e toda a cadeia logística do processo de exportação conferem um novo caráter a esses produtos primários que não podemos desprezar. O mesmo vale para a produção de petróleo, por exemplo, que requer um elevado grau de sofisticação para se concretizar. Portanto, é preciso relativizar a afirmação de que corremos risco de desindustrialização no novo cenário econômico internacional, marcado pelas guerras comerciais e cambiais.
Isso vale também porque o governo federal tem deflagrado medidas de estímulo à produção industrial, redução da taxa de juros e reequilíbrio cambial, sem se desvencilhar das preocupações inflacionárias (sob controle desde meados de 1994), da distribuição de renda e da geração de empregos formais. Esse conjunto de políticas – presentes no programa Brasil Maior, que combina também desonerações tributárias dirigidas a setores específicos, como os de componentes da indústria de Tecnologia da Informação – atuará para atrair capitais externos na forma de investimento7. Ao mesmo tempo, beneficiará os setores de exportação de manufaturados, num duplo movimento de valorização da nossa indústria. Essas medidas levam o Banco Central a projetar crescimento de 3,7% do setor industrial em 2012, acima dos 3,5% previstos para o conjunto da economia.
Além disso, o perfil da dívida pública tem sido alterado8 mirando o objetivo de trazer a relação dívida líquida/PIB para a casa dos 30%. Para tanto, o governo quer destinar o esforço fiscal mais rigoroso que tem feito para possibilitar cortes nas taxas de juros, atuando para derrubar a dívida9 e retirar amarras ao crescimento. Esse universo de políticas públicas, associado ao fortalecimento do mercado interno de massas e ao fato de que seremos sede dos dois maiores eventos mundiais, a Copa do Mundo-2014 e as Olimpíadas-2016, fazem do Brasil um polo de atração e promissor: até 2014, a previsão de alta no volume de investimentos em infraestrutura é de 57,5% em relação ao período 2006-2010, perfazendo um total de R$ 3 trilhões10.
Desafios
Nosso momento é, portanto, de abertura de oportunidades, cenário que se originou dos êxitos das políticas desenvolvimentistas dos governos do PT e partidos aliados. E o maior desafio que o País tem na próxima década é perseguir um salto de educação, ciência, tecnologia e inovação, a exemplo do que fizeram os tigres asiáticos que hoje exportam produtos de alto valor agregado na área tecnológica. Nesse sentido, precisamos também agregar valor à produção, aumentar a produtividade e a competitividade de nossa indústria e intensificar os programas de qualificação e educação do nosso capital humano. Fora deste caminho, não será possível a sobrevivência de nossa indústria, mesmo com todas as medidas de defesa comercial e cambiais que o governo federal tem utilizado, pois o mundo nos próximos anos será marcado pela competição sob direção estatal, ainda que venha disfarçada como ocorre com os EUA.
Há outro desafio crucial na nossa pauta econômica, com o qual o governo Dilma tem demonstrado firmeza em resolver: desmontar a armadilha dos juros altos e não permitir que se reproduza no Brasil o modelo desregulamentado do capital financeiro que hoje predomina no mundo. Neste capítulo, é preciso realizar uma reforma no mercado de capitais e no sistema bancário para devolver seus papéis de financiadores do nosso desenvolvimento, a exemplo do que foi feito com os bancos públicos. Afinal, não há como aumentar os investimentos públicos e privados com as atuais taxas de juros, pois a combinação dos altos custos do serviço da dívida interna e dos investimentos financiados na banca privada é um dos principais pontos de estrangulamento do nosso desenvolvimento. Ademais, nossos juros fora do lugar interferem negativamente no câmbio, colaborando para apreciar nossa moeda e prejudicando o setor industrial. Este é um dos campos de debate no Brasil em que há alta contaminação da visão neoliberal herdada do período histórico imediatamente anterior e no qual devemos atuar para introduzir definitivamente a visão desenvolvimentista. É verdade que o patamar da Selic caiu drasticamente desde 2003, mas isso não significa que o problema já tenha sido debelado ou que não exija ser enfrentado com mais ênfase. Também não podemos esperar a maturação dos investimentos do pré-sal, que ainda levará alguns anos para ocorrer. Assim, cortar os juros é um caminho para ampliar nossa capacidade de investimento antes de uma reforma tributária que mude o atual modelo centralista e regressivo para um modelo federativo e progressivo, faça justiça fiscal e permita a realização de políticas de desenvolvimento regional, mas que é de difícil obtenção de consenso entre os atores envolvidos.
Finalmente, é preciso seguir essa trajetória sem perder de vista os objetivos, traçados desde o governo Lula, de manter elevadas a geração de empregos e a distribuição de renda. Dar continuidade a essa orientação na condução de nossa política econômica, construindo um Estado com capacidade de atuar na economia para atender os objetivos de crescer, gerar e distribuir renda, é o caminho desenvolvimentista que o PT e o governo Dilma Rousseff trilham neste momento.
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