16 julho 2012

É Hora de Reconhecer a Crise e Dar Respostas: O Que se Espera do Brasil na Rio+20

Em abril de 1968, em um encontro de dez países, surgiu o Clube de Roma. Esse grupo era formado por cientistas, educadores, economistas, humanistas, industriais e funcionários públicos de nível nacional e internacional. Um dos objetivos da organização era promover a articulação dos componentes econômico, político, natural e social, que integram o sistema global em que vivemos, para fomentar novas iniciativas e planos de ação. E, basicamente, assinalar os aspectos de interdependência dos diferentes componentes. Em 1972, foi publicado o livro “Limites do Crescimento” pelo Clube de Roma. Foi o primeiro grande alerta sobre os impactos do crescimento econômico e da ação humana sobre o planeta.

Esse alerta e a realização da primeira grande Conferência promovida pelas Nações Unidas, em Estocolmo, tornaram-se referências fundamentais no ambientalismo, que surgia como uma nova demanda da sociedade. Um bom exemplo foi a criação do Greenpeace em 1971, por um grupo de pessoas preocupadas com a explosão de bombas pelo governo francês no Pacífico, o que hoje é um dos grandes símbolos da capacidade de articulação da sociedade civil. Atualmente, a entidade tem mais de 3 milhões de filiados em todo o mundo, com presença em 40 países. Seu orçamento provém de contribuições dos seus colaboradores. A ONG não recebe aportes de empresas e governos.

2. Funcionamento do presidencialismo de coalizão

Vale lembrar que a Conferência de Estocolmo, de 1972, chamava-se “O Homem e a Biosfera” (MaB – The Man and the Biosphere) e contou com a presença de uma única chefe de Estado, a então primeira-ministra da Índia, Indira Gandhi, que liderou a posição de que a primeira prioridade dos países em desenvolvimento seria sempre o crescimento econômico para combater a pobreza.

A presença da sociedade civil, em 1972, era extremamente limitada. Estocolmo se caracterizou pela polarização entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. No dicionário da época, para os países em desenvolvimento, “progresso e poluição eram sinônimos”. O Brasil foi um dos expoentes dessa filosofia – a pior poluição é a miséria –, que passou a fazer parte do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento. E, mais do que isto, as preocupações com o meio ambiente estariam inseridas em uma estratégia conspiratória dos países desenvolvidos de impedir o crescimento e o desenvolvimento dos países em desenvolvimento. Vale lembrar que o país vivia no auge do regime militar e no auge do “milagre econômico”.

Manifestações e movimentos ecológicos eram encarados como subversivos e havia todo um aparato legal que estimulava o crescimento econômico a qualquer custo. Limitava-se, também, a participação democrática da sociedade: polos industriais em muitas de suas atividades eram considerados de interesse nacional e os prefeitos desses municípios eram nomeados pelo governo central. O melhor exemplo dessa situação estava em Cubatão, na Baixada Santista, à época o mais importante polo petroquímico e siderúrgico do Brasil, com maior arrecadação tributária. Por essa razão, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1982, para a sua reunião anual, em Campinas, escolheu como título “Estocolmo 72/Cubatão 82”, com o objetivo de alertar sobre os impactos concretos da visão adotada pelo Brasil naquela primeira grande conferência.

Estocolmo e além

Do ponto de vista formal, a Conferência de Estocolmo produziu alguns resultados importantes: a) a Declaração de Estocolmo, contendo um preâmbulo com sete pontos e 26 princípios; b) uma resolução sobre testes nucleares, exigindo que os Estados renunciassem aos projetos dessa natureza e condenando quem viesse a realizar tais testes; c) um Plano de Ação para o Meio Ambiente, composto por 109 recomendações sobre avaliação e gestão do meio ambiente e medidas de apoio. Estas visavam à organização da comunidade internacional, conforme os resultados da conferência.

Além disso, a Conferência de Estocolmo decidiu pela criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), com sede em Nairóbi, no Quênia, como um de seus órgãos subsidiários. O PNUMA foi criado para atuar como “consciência ambiental do sistema das Nações Unidas”. O órgão é dotado de um Conselho de Governadores, composto por representantes de 58 nações, eleitos para um mandato de quatro anos pela Assembleia Geral. O Conselho de Governadores é responsável pela avaliação do estado do meio ambiente global e pelo estabelecimento das prioridades do programa. Suas prioridades atuais são os aspectos ambientais das catástrofes e conflitos, a gestão dos ecossistemas, a governança ambiental, as substâncias nocivas, a eficiência dos recursos e as mudanças climáticas.

Em 1983, as Nações Unidas resolvem criar a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Comissão Brundtland, cujo mandato era o de avaliar os resultados da primeira grande Conferência de Estocolmo. No momento da criação dessa comissão, havia baixa expectativa sobre os seus resultados. A iniciativa estava condenada, de certa forma, a ser mais uma das diversas das Nações Unidas. Além de relatórios, pouco produzem do ponto de vista político e prático.

Entretanto, uma série de fatos transformou o Relatório final da Comissão Brundtland – “Nosso Futuro Comum” – em uma grande plataforma para a segunda importante conferência. Talvez o fato mais importante a transformar a comissão em um marco significativo do debate iniciado em 1972 foi a divulgação da imagem de satélite sobre a Antártida, revelando o enorme buraco na camada de ozônio. Em outras palavras, a dimensão planetária da ação humana sobre o planeta assumia uma face concreta.

A partir daí, a discussão mudou radicalmente de patamar e os meios de comunicação passaram a exigir dos governos, das empresas e das Nações Unidas uma atitude mais firme em relação ao meio ambiente e ao planeta. A sociedade civil, por sua vez, também se encontrava mais presente e preparada do que em 1972 e passou a ser um ator social extremamente relevante no seu papel de mobilização e pressão sobre os demais atores.

A Revista Time, que tradicionalmente escolhe para sua capa de janeiro uma personalidade do ano, em 1989, escolheu o Planeta: “Endangered Earth”.

Como resposta institucional aos sinais da gravidade do problema, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) e o PNUMA, em 1988, criaram o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O painel reúne cientistas reconhecidos mundialmente com o objetivo de avaliar e compilar dados sobre a mudança do clima. Ao submeter a síntese dos seus relatórios aos governos, pretende criar os compromissos políticos necessários à tomada de decisão da comunidade internacional e, fundamentalmente, dos governos.

É importante assinalar que o IPCC não produz ciência. Sua maior virtude é comprometer os tomadores de decisão com o estado da arte da mudança do clima no mundo. Caso isso não ocorresse, suas recomendações e conclusões não produziriam o efeito que hoje realizam, confundindo-se com as centenas de relatórios científicos publicados diariamente. Assim, a grande crítica dos denominados céticos de que o IPCC pode ser altamente influenciado pelos governos, paradoxalmente revela a sua maior virtude…

Enfim, em 1989, as Nações Unidas convocaram a segunda grande conferência, que tomou emprestado o nome da Comissão Brundtland, passando a se chamar Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. O Brasil foi escolhido como sede por várias razões: seu protagonismo em 1972, em nome dos países em desenvolvimento; a divulgação dos dados de desmatamento pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e a morte do ambientalista Chico Mendes, o primeiro mártir mundial do ambientalismo, em dezembro de 1988.

No que tange a tais circunstâncias, torna-senecessário esclarecer que, na agenda do ambientalismo, novos temas ganharam relevância: o conceito de biodiversidade, a compreender a necessidade de conservação dos biomas e não apenas espécies ameaçadas, sendo reconhecida a importância da Amazônia como a maior floresta tropical contínua do planeta; o socioambientalismo, como uma nova etapa do conservacionismo, com o surgimento de entidades não governamentais inovadoras, muitas delas articuladas com as correspondentes nacionais; e o reconhecimento da diferença qualitativa entre o desenvolvimento e o crescimento econômico, apontando-se Cubatão no Relatório Brundtland como o modelo de industrialização a ser superado. A partir de 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) desenvolveu e passou a divulgar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Produtos da Rio 92

A preparação da Rio 92 se fez em um período relativamente longo, com a inclusão da sociedade civil e da comunidade científica, em vários processos negociadores simultâneos que resultaram nos seguintes produtos principais assinados no Rio, em junho daquele ano:

a) Declaração do Rio: conjunto de 27 princípios sobre direitos e obrigações gerais no âmbito do meio ambiente e do desenvolvimento. Seus princípios refletem o objetivo da conferência em atingir, por meio de “uma parceria global”, níveis de cooperação entre os Estados que viabilizem o desenvolvimento sustentável;

b) Agenda 21: Plano de Ação que contém princípios para a implementação de um novo padrão de desenvolvimento para o século XXI, baseado na sustentabilidade ambiental, social e econômica. A agenda é composta por 40 capítulos. Apesar de os 178 países participantes da Rio 92 terem aprovado e assinado tanto a Declaração do Rio quanto a Agenda 21, eles não se sentiramobrigados a cumpri-las. Tais documentos não são normativos; eles se enquadram no conceito de “soft law”, isto é, não criam obrigações legais, de maneira que as nações signatárias não são obrigadas a cumpri-los;

c) Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas: tratado internacional no qual os países signatários se comprometem a estabilizar, por meio de ações conjuntas, a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, determinados a proteger o sistema climático para as presentes e as futuras gerações. O tratado reconhece que o sistema climático é um recurso compartilhado por todos e pode ser prejudicialmente afetado pela emissão de dióxido de carbono e de outros poluentes. É no âmbito desta convenção que os países se reúnem nas chamadas Conferências das Partes (COPs) nas quais são estabelecidas e implementadas as regras que devem ser seguidas pelos signatários;

d) Convenção de Diversidade Biológica: estabelece normas e princípios que devem reger o uso e a proteção da diversidade biológica. São três as metas principais: a conservação da biodiversidade, o uso sustentável de seus recursos e a divisão justa e igual dos benefícios gerados pelo uso desses recursos genéticos. Vale lembrar que, até hoje, os EUA ainda não ratificaram a convenção.

As duas últimas convenções são tratados internacionais que geram obrigações para os países signatários. Vale ressaltar que começou na Rio 92 o processo de negociação da Convenção Internacional de Combate à Desertificação e à Seca, tendo esta entrado em vigor em 1996. Ela tem como objetivos lutar contra a desertificação e minimizar os efeitos da seca, por meio da adoção de medidas eficazes em todos os níveis.

Do ponto de vista da arquitetura institucional das Nações Unidas, o PNUMA foi mantido exatamente como idealizado em Estocolmo, tendo sido criada a Comissão de Desenvolvimento Sustentável, no âmbito do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (Ecosoc).

Torna-se fundamental assinalar que um dos principais ganhos da Rio 92 foi o processo de mobilização da sociedade civil, que se fez presente ativamente em todo o período preparatório e participou do evento ocorrido no Aterro do Flamengo, denominado Fórum Global. Este demonstrou a vitalidade das organizações não governamentais, de personalidades e líderes de todo o mundo que criaram um evento paralelo, muitas vezes confundido com a própria reunião dos governos, a Rio 92, realizada no Riocentro.

Costuma-se usar a expressão Eco 92 para se designar os dois eventos. Mas, o importante nesse comentário é registrar que, a partir do Fórum Global, a sociedade civil ganhou uma legitimidade incontestável, passando-se a reconhecer que as sociedades nacionais não têm, nos seus governos, seus representantes únicos e exclusivos.

Rio 92 e Rio+20: diferenças

A Rio 92 é reconhecidamente o grande passaporte para o século XXI e o seu sucesso se deve a vários fatores: o mundo marcado por um grande otimismo em função de fatos relevantes, como a queda do muro de Berlim, o fim do Apartheid com a liberação de Nelson Mandela na África do Sul, o término da Guerra Fria e o surgimento da glasnost e da perestroika, na antiga União Soviética. Sobretudo, a liderança extraordinária do secretário-geral Maurice Strong que, com a experiência acumulada na realização da Conferência de Estocolmo e com livre trânsito entre chefes de Estado de todo mundo, conseguiu engajar a sociedade civil e mobilizar a opinião pública. No âmbito da sociedade civil, destacou-se a capacidade organizativa do ex-secretário da Comissão Brundtland, Warren Lindner, de organizar o Fórum Global.

Por outro lado, a Rio 92 cometeu alguns equívocos graves: fragmentou o tratamento das temáticas em convenções, sem prever a necessidade de sinergia entre elas, não estabeleceu metas quantitativas e qualitativas que tornassem possível o monitoramento operacional das ações dos países, não criou condições para o desenvolvimento desse instrumental de mensuração e não alocou os recursos financeiros necessários para financiar o denominado desenvolvimento sustentável.

A consequência desses equívocos é incontestável: não se conseguiu, passados 20 anos, avançar concretamente em relação aos problemas que vêm sendo apontados desde 1972, ficando evidenciado já na Rio+10 – Conferência Mundial de Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo, em 2002, a dificuldade em se implementar as decisões da conferência do Rio. O principal produto da África do Sul denomina-se Plano de Implementação, ou seja, ali já estava evidente que o grande desafio reside em se pôr em prática os conceitos acordados anteriormente.

Às vésperas da Rio+20, há que se assinalar algumas diferenças com a Rio 92. Processo preparatório curto, sem grande “sex appeal”; agenda sem foco e extremamente difusa, claramente verificável pelo tema da conferência – Economia Verde no Contexto do Desenvolvimento Sustentável e Erradicação da Pobreza, e Governança Ambiental Internacional; déficit absoluto de liderança por parte dos seus responsáveis; e postura de “aversão a riscos” do Brasil, na qualidade de país anfitrião.

Paradoxalmente a este cenário pouco animador, o patamar de consciência em relação aos desafios é outro: o setor empresarial, que em 92 assumiu uma postura defensiva e reativa por conta do acidente de Bhopal, na Índia, em 1984, tem hoje plena consciência de suas responsabilidades. A ideia do Triple Bottom Line, a interdependência das três dimensões – ambiental, social e econômica – está disseminada, e iniciativas como a adoção de relatórios de sustentabilidade e a ampla consulta ao conjunto de stakeholders têm se transformado em regra usual, tornando o green washing uma prática perigosa diante de investidores e consumidores.

A revolução da tecnologia da informação, com o grande impacto que as redes sociais têm hoje, joga um peso muito importante em todo esse contexto, neutralizando, até certo ponto, o contraponto exercido pela crise econômica europeia e dos EUA, que drenam a energia dos governos, da mídia e, certamente, das milhões de pessoas afetadas pelo desemprego e pela falta de perspectiva.

O papel da ciência

Nos os últimos anos, também assistimos a uma tendência salutar de transformação do papel do consumidor no mundo inteiro, surgindo a ideia da certificação como um poderoso pacto entre setor empresarial, sociedade civil e poder público. Ainda que seja necessário assegurar maior ecoeficiência no uso dos recursos naturais na produção, o desafio de mudança de padrão de consumo e no estilo de vida com certeza não será resolvido com facilidade. Vale alertar que há uma expectativa de se agregar 3 bilhões de pessoas à denominada classe média até o ano de 2030, de acordo com estudo da consultoria McKinsey.

Mas, o que há de mais importante na comparação desses dois momentos se dá no campo da ciência. Esta, reiteradamente, está colocando a gravidade da ação da humanidade sobre o planeta e os processos ecológicos essenciais, demonstrando que a nossa geração tem uma responsabilidade, sem precedentes, na mudança de trajetória da nossa relação com o meio ambiente, nas várias dimensões (local, regional, global).

Do ponto de vista da ciência, os relatórios do IPCC têm demonstrado a gravidade do aquecimento global, a ponto de a própria Conferência das Partes de Copenhague ter acordado politicamente que o limite aceitável para o aumento da temperatura média do planeta até o fim do século seja de 2°C.

Já no ano de 2006, o Relatório Stern, liderado pelo ex-economista chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern, demonstrou que a falta de ações no combate ao aquecimento global terá um custo muito maior em termos futuros. Calcula-se que, com o investimento de apenas 1% do PIB mundial, seja possível evitar a perda de 20% do mesmo PIB em um prazo de simulação de 50 anos.

No que tange ao tema da biodiversidade, com o objetivo de suprir a falta de um “IPCC da biodiversidade”, o ex-secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, convocou mais de 1.300 cientistas do mundo inteiro para a elaboração do documento intitulado Avaliação Ecossistêmica do Milênio (Millennium Ecosystem Assessment). Esse estudo foi feito entre 2001 e 2005 e assinalou a importância da biodiversidade e a urgência de ações para sua conservação. Suas conclusões alertaram o mundo para o fato de que quase dois terços dos ecossistemas mundiais estão sendo degradados em razão de nossa maneira de viver. Ao mesmo tempo, além de pontuar o que é urgente para minimizar esses impactos, a avaliação destaca o valor dos serviços ambientais prestados pela natureza, tais como água limpa, controle de enchentes, polinização, sequestro de carbono, estabilização de encostas, entre outros. Por fim, a Avaliação Ecossistêmica do Milênio é conclusiva: os desafios envolvendo o aquecimento global, a poluição na terra, na água e no ar, a escassez de recursos naturais e a aniquilação da biodiversidade, entre outras mazelas, não vão afetar apenas as gerações futuras, mas já estão afetando a nós mesmos: as gerações atuais. Apenas a título de esclarecimento, na 10ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica, realizada em Nagoya, Japão, em outubro de 2010, foi acordada a criação do Intergovernmental Platform on Biodiversity & Ecosystem Services (IPBES).

Também em relação ao tema da biodiversidade, vale destacar outro documento de relevância internacional, liderado pelo PNUMA, chamado Economia de Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB – The Economics of Ecosystems and Biodiversity). Reunindo uma comunidade internacional variada, composta por economistas, ecologistas e outros profissionais, o TEEB tem como principal autor o economista indiano Pavan Sukhdev. Seu objetivo é chamar a atenção para os benefícios econômicos globais da biodiversidade, destacando os custos crescentes devido à perda desta e à degradação dos ecossistemas. Além disso, o TEEB disponibiliza ferramentas que levam em conta os reais valores econômicos fornecidos pelos serviços ecossistêmicos, sendo considerado um catalisador de mudanças nas áreas da economia, contabilidade e filosofia.

Mais recentemente, outros trabalhos científicos estão demonstrando que os limites do planeta estão mais próximos do que se imaginava, a ponto de a comunidade científica estar falando em uma nova era geológica, a do Antropoceno. Essa expressão foi cunhada pelo geoquímico Paul Crutzen, que recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1995, e refere-se às mudanças no planeta ocasionadas pelo homem a partir da Revolução Industrial. Seguindo essa linha, a humanidade teria alcançado uma força geológica capaz de colocar o planeta em uma nova era.

Nesse sentido, os cientistas indicam que as mudanças climáticas, a erosão dos solos, as ameaças à biodiversidade, a acidificação dos oceanos, entre outros aspectos, são reflexos da ação da humanidade, o que faz com que essa nova era esteja sendo moldada pelo ser humano. Esse assunto foi capa da prestigiada revista The Economist, em 2011 (28/05/2011 – 03/06/2011).

Entre os trabalhos científicos mais relevantes, há que se assinalar também o liderado pelo Stockholm Environment Institute, tendo como um de seus autores principais Johan Rockström. O estudo tenta colocar os limites que a humanidade enfrenta em relação ao planeta. Esse assunto foi tema de um artigo publicado na revista Nature (Vol. 461 – 24/09/2009), “A safe operating space for humanity”.

Os responsáveis pelo estudo identificaram nove processos existentes no sistema da Terra, cada um associado ao seu respectivo limiar que, se cruzado, pode gerar alterações ambientais inaceitáveis: mudança climática; taxa de perda da biodiversidade; ciclo do nitrogênio e ciclo do fósforo; destruição da camada estratosférica de ozônio; acidificação dos oceanos; uso global de água doce; mudança no uso da terra; concentração de aerossol atmosférico; e poluição química. Para cada um desses processos é preciso definir limites planetários (planetary boundaries).

Nova era do antropoceno

As principais conclusões são que três dos processos acima – mudança do clima,taxa de perda de biodiversidade (terrestre e marinha) e interferência no ciclo do nitrogênio – já tiveram seus limites transgredidos. O uso global de água doce, a mudança no uso da terra, a acidificação dos oceanos e a interferência no ciclo do fósforo já estão chegando aos seus limites. Aqui, vale ressaltar o tema da acidificação dos oceanos, que tem ganhado cada vez mais relevância, ultimamente.

Por fim, reforçando as ideias expostas acima, em março de 2012, aconteceu o maior encontro mundial de cientistas ligados a mudanças globais antes da Rio+20, o “Planet Under Pressure”. Mais de 3 mil cientistas se reuniram com o objetivo de identificar, por meio do conhecimento científico, novas soluções para o desafio da sustentabilidade global. Ao final do encontro, foi elaborado um documento, “State of the Planet Declaration”, cujas principais conclusões são o reconhecimento dos limites planetários e o reconhecimento da nova era do Antropoceno.

É importante agregar a isso a maior relevância adquirida pelos países emergentes, tais como China, Índia, Brasil, África do Sul e México, trazendo um novo arranjo geopolítico, refletido na criação do G-20, e Brasil, África do Sul, Índia e China (BASIC), entre outras iniciativas similares que relativizaram o peso dos blocos negociadores tradicionais como o G-77 e a China.

Em 1992, ou mesmo em 1997, durante a negociação do Protocolo de Kyoto, era inimaginável, ou pouco provável, pensar que a China se transformaria no principal emissor de gases efeito estufa do planeta. Desse modo, a divisão existente na Convenção-Quadro de Mudanças Climáticas entre países industrializados e não industrializados tornou-se obsoleta, exigindo, neste momento, a necessidade de se repensar as estratégias de negociação.

O tema da governança proposto como um dos itens prioritários da Rio+20 não tem apresentado perspectivas positivas até o momento. Como já foi dito, o PNUMA foi criado em 1972 com objetivos ambiciosos para a época. No entanto, ele nunca adquiriu prestígio institucional dentro da família das Nações Unidas. Em todo o processo preparatório para a Rio 92, pode-se dizer que a sua atuação foi rigorosamente irrelevante.

Resistência a uma nova organização

Nos últimos dez anos e, especialmente neste momento, o PNUMA assumiu uma posição mais protagonista, e a ideia de formulação de Economia Verde é de sua iniciativa. Entretanto, o seu futuro depende claramente de uma decisão política que venha a lhe conferir maior prestígio institucional, uma vez que, hoje, seu orçamento é ridículo e as suas decisões dependem da submissão ao plenário das Nações Unidas. Aliás, as contribuições por parte dos países ao PNUMA são voluntárias.

Do ponto de vista de arquitetura institucional, há anos encontra-se na mesa de negociação a ideia de criação de uma Organização Mundial do Meio Ambiente, com o objetivo de suprir o déficit existente nos últimos 40 anos. A criação da Comissão de Desenvolvimento Sustentável, em 1992, representa um dos seus maiores fiascos, e qualquer rearranjo nos mesmos moldes significará, antecipadamente, o mesmo fracasso.

A grande resistência a esta nova organização diz respeito à necessidade de um novo tratado e a sua respectiva ratificação pelos países, o que demandaria um tempo exageradamente longo.

Às vésperas da Rio+20, seria desejável e necessário que o Brasil, como país anfitrião, e pela importância que vem adquirindo no cenário internacional, nos últimos anos, exerça uma liderança em favor de uma agenda mais propositiva, em termos de avançar na ideia de se reconhecer a urgência do momento, relativa aos limites planetários. Para tanto, a diplomacia brasileira não pode estar presa a velhos paradigmas negociadores e deve substituir a sua postura de “aversão a riscos”.

Existe, claramente, uma expectativa de que o Brasil venha a ser mais audacioso, o que, certamente, poderia trazer grandes benefícios do ponto de vista do que se denomina “soft power”. Em termos comparativos, o país é portador de grandes ativos ambientais, tais como uma mega biodiversdade, água doce e grande zona costeira. Além disso, o país também é portador de uma sociedade civil bem organizada e articulada, o que não acontece em países como a China. Temos também uma comunidade científica de prestígio internacional, além de um setor empresarial bastante cosmopolita.

Por fim, as expectativas mínimas em relação à Rio+20 poderiam ser resumidas, de forma não exaustiva, em: fortalecimento institucional do PNUMA ou criação da Organização Mundial do Meio Ambiente; criação de um “IPCC do planeta”, a compilar a ciência do mundo em relação aos limites do planeta, com divulgação de relatórios periódicos; estabelecimento de indicadores de desenvolvimento sustentável, com o objetivo de monitorar o desempenho dos países, ampliando a representação de governos subnacionais, regionais e locais; substituição gradual do PIB por novas métricas, a exemplo do Felicidade Interna Bruta (FIB); criação de mecanismos inovadores de financiamento para pagamento de serviços ambientais; eliminação de subsídios para setores altamente intensivos em carbono; erradicação da pobreza; e combate à desigualdade social.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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