Notice: Function _load_textdomain_just_in_time was called incorrectly. Translation loading for the wordpress-seo domain was triggered too early. This is usually an indicator for some code in the plugin or theme running too early. Translations should be loaded at the init action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/storage/c/6b/bd/interessenaciona1/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114
Interesse Nacional
30 junho 2022

Direito e política e mais semipresidencialismo

A ciência política estuda e propõe como deve ser o estado. A ciência jurídica estuda o que o estado é. Há diferença, portanto, entre dever ser e ser. É o que separa uma ciência da outra. O dever ser nasce sempre do legislador. Seja o constituinte ou o ordinário. Quando se estabeleceu a reconstituição do estado brasileiro, os reconstrutores receberam delegação para tanto. Eram os constituintes que se manifestaram em 5/10/1988 construindo um novo estado. Fizeram-no, contudo, como representantes da única figura que tem autoridade no estado: o povo.

Digo isto porque só tem autoridade quem tem poder. E a Constituição, para dizer uma obviedade, estabelece que todo o poder emana do povo. Quando se quis estabelecer um novo estado brasileiro foi o povo quem se manifestou por meio dos seus representantes. Sendo assim autoridade primeira, primária, inicial, inaugural, o povo foi o titular do poder. As demais autoridades (presidente, governador, senador, deputado, ministros do executivo e do judiciário) são, todos, autoridades constituídas e, por isso mesmo, secundárias devendo obediência rigorosa à vontade primeira que, repetindo, é a do povo expressada no texto constitucional.

Verifica-se, entretanto que nem sempre isso ocorre. Tome-se o caso do preâmbulo da Constituição federal que determina aos constituintes que, ao criarem o novo estado, o façam enaltecendo a paz no plano interno e internacional. Que os poderes constituídos sejam harmônicos entre si até porque, ao exercitarem suas competências o farão, constituídos que são, em nome da autoridade popular. Vejam, contudo, o que tem acontecido no nosso país. São instituições contra instituições, praticando a desarmonia que, na verdade, viola a determinação constitucional. Praticam, portanto, inconstitucionalidade. E tal fato repercute na própria relação entre brasileiros já que não são poucos os distúrbios cheios de inimizade e plenos de violência física e verbal entre eles por ações de natureza político eleitoral.

Para se ter uma ideia de como o texto constitucional acolheu o fenômeno paz do preâmbulo basta invocar o artigo que decreta a igualdade de todos não podendo haver distinção de nenhuma natureza. Qual é a determinação constitucional? É a de que todos devem unir-se em favor do país, nada impedindo divergências programáticas administrativas e até ideológicas, mas que comportem debate de ideias, e não agressões como as que acabei de anunciar. No plano externo basta verificar o dispositivo estabelecedor de que os artefatos nucleares só podem ser utilizados para fins pacíficos. Portanto, nada de beligerância em relação aos demais países. A solução pacífica e negociada das controvérsias há de ser a tônica das relações internas e internacionais. Obedecer à Constituição e à legislação infraconstitucional é que permite a tranquilidade social porque afinal o direito regulamenta essas relações para dar segurança àqueles que praticam atos públicos ou privados no país.

Aliás, a relativa longevidade da nossa Constituição deriva do fato de termos amalgamado os princípios liberais com os princípios sociais. Só para exemplificar: a livre iniciativa, a propriedade, os direitos individuais são princípios de natureza liberal. Já o capítulo dos direitos sociais, que traz os direitos dos trabalhadores, assim como o direito à saúde, à segurança e à educação são de natureza social. Estes dados é que têm permitido a relativa permanência do nosso texto constitucional, ofendido apenas por aqueles que relutam em dar-lhe cumprimento, o que, na verdade, instabiliza a nossa sociedade.

O direito existe, sendo repetitivo, para pacificar as relações sociais, e não para tumultuá-las. Convenhamos: tão tumultuadas estão as relações governamentais que se impõe medida de grande repercussão política que é a modificação do sistema de governo. Vejam bem: o sistema presidencialista está, com a licença da expressão, roto e esfarrapado.

Vejam que nestes 33 anos do novo estado dois impedimentos já se verificaram. E não há dúvida de que tais impedimentos geram traumas institucionais além de gerarem os inúmeros pedidos de impedimento que se verificam ao longo do tempo. Basta dizer que, desde o governo Itamar Franco, cerca de 396 pedidos de impedimento se verificaram no país. Ademais, o presidente, quando eleito, só depois vai cuidar de obter maioria parlamentar que assegure a governabilidade. E a minha experiência indica que muitas vezes, embora a presidência da República seja apoiada por 15 ou mais partidos, a verdade é que nas votações dos projetos de interesse do governo até os partidos apoiadores têm votos contrários o que, de resto, instabiliza a própria governabilidade.

Daí porque optamos pelo semipresidencialismo. Qual a vantagem? Em primeiro lugar distingue-se a chefia de estado da chefia de governo, ficando esta última para o primeiro-ministro e o gabinete o que impede os traumas institucionais decorrentes dos impeachment. É que, constituído o governo (o que só se verifica quando é estabelecida a maioria parlamentar), se o governo perder essa maioria, imediatamente outra se forma e novo governo se instala com muita naturalidade. Esta é a primeira vantagem. A segunda é que o parlamentar, que hoje depende de verbas por ele levadas a estados e municípios para buscar a reeleição, passa a ser responsável pela execução, portanto, pelo governo, e não apenas pela legislação. Assim, quando ele buscar a reeleição, se for do bloco da situação, haverá de dizer ‘governei bem’, se da oposição, ‘opus-me adequadamente’. Ou seja, melhora o nível das discussões políticas no país.

Situação e oposição bem definidas

Por outro lado, perceba-se que há intensa discussão sobre a redução dos partidos políticos. Mas o que se vê é ampliação do número de siglas partidárias. E chamo de siglas porque os partidos, hoje, não atendem a sua real finalidade já que, para mais uma obviedade, partido é expressão que vem de parte, parcela, e político vem de pólis. Portanto, o partido deve sempre representar uma parcela da opinião pública que quer chegar ao poder para administrar a pólis (União, Estados e Municípios), o que, evidentemente não ocorre nos dias atuais.

Se adotarmos o semipresidencialismo teremos necessariamente um bloco de situação e outro de oposição. Podem ser integrados por várias siglas partidárias mas, conceitualmente, serão tidos como partido único: um de situação, outro de oposição o que, mais uma vez, eleva o debate político no país. Registro que é semi porque não é nem o presidencialismo puro e nem o parlamentarismo puro. Ou seja: é regime em que o presidente da República tem funções também relevantes: indica o primeiro-ministro que, por sua vez, ao compor o gabinete consultará o presidente; será o chefe das Forças Armadas, assim como representante do Brasil no exterior além de ter direito ao veto de projetos de lei.

Proponho essa forma porque o nosso eleitorado tem grande apreço pela figura do presidente da República. Não se pode deixá-lo na posição de ‘o rei reina, mas não governa’. Daí porque essa forma híbrida poderia ser adotada no nosso país com o mesmo sucesso que teve em Portugal e na França. Evidentemente, imagino um projeto aprovado pelo Congresso Nacional e depois submetido a referendo popular. Naturalmente com grande campanha esclarecedora por meio de horário eleitoral em que o tema será debatido pelos favoráveis e contrários ao sistema. Só depois submetido à consulta popular. Também devo deixar claro que esta modificação só pode entrar em vigor a partir de 2026 ou 2030, já que não se pode alterar a fórmula de eleição prevista para este ano.

Impõe-se uma consideração: para a aprovação do primeiro-ministro, que não é necessariamente um parlamentar, deve verificar-se um Congresso unitário. Ou seja: Câmara dos Deputados e Senado Federal constituir-se-ão em Câmara única, dando, portanto, a participação de ambas as Casas no processo de escolha da chefia de governo. Estas são breves considerações sobre o quadro político atual, ressaltando que já foi apresentado projeto desse novo sistema de governo pelo deputado Samuel Moreira e até constituída comissão especial para o exame da matéria.

Advogado, professor, escritor e político brasileiro, filiado ao Movimento Democrático Brasileiro. Foi o 37º presidente do Brasil

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter