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Interesse Nacional
28 junho 2023

 A Cultura como ativo indispensável ao Interesse Nacional

No Brasil inexiste qualquer interesse nacional maior do que o da Educação. Nada interessa mais ao país do que a promoção de políticas públicas de Educação de curto, médio e longo prazos, institucionalizadas em cada um dos 5.570 municípios nos 26 Estados e no Distrito Federal. Mais ainda, a promoção de políticas de modo que todas estejam interligadas e de alguma maneira integradas e estruturadas, assim como construídas de forma moderna, potente, pujante e inteligente. Tudo feito com um intenso chamamento à participação da população em geral e de todos os agentes possíveis para a clara percepção coletiva acerca de sua importância. Trata-se de uma questão urgente de interesse nacional. Logo, é prioridade.

Mas, além dessa cada vez mais emergencial necessidade, é indispensável que a prática da Educação como política maior venha acompanhada de políticas siamesas de fomento, incentivo e promoção da cultura na indústria criativa, nas três esferas de governos. Tudo articulado de forma robusta e inequívoca quanto àquilo que de fato deve ser priorizado para o desenvolvimento intelectual da Nação e, por consequência natural, do desenvolvimento econômico, tecnológico, sanitário, comercial, industrial, agrícola, jurídico e até mesmo político.

Acreditamos peremptoriamente que há pressa à consolidação das Leis de Incentivo à Cultura, não somente as mais conhecidas, como aquelas decorrentes da renúncia fiscal (Lei Rouanet e o ProAC-ICMS); mas também diversas outras em que a produção artística e cultural possa contribuir com a efetiva transformação social do país por meio da educação. E, ainda, de quebra, movimentando a economia, gerando renda e criando milhares de empresas, empregos e postos de trabalho. Tudo isso repercutindo na arrecadação tributária decorrente da movimentação da economia da cultura.

Lembramos, aqui, da importância da indústria da cultura no PIB do país porque sabemos que, boa parte daqueles que se debruçam sobre questões relacionadas à economia – obviamente também de interesse nacional –, simplesmente desconhece a extraordinária influência que as artes e a cultura exercem, ou podem exercer, sobre seu crescimento.

Até muito pouco tempo poucos conheciam a fundo, ou efetivamente mensuravam, as estatísticas do setor tido como “de menor importância”. Atualmente, com a divulgação de diversos estudos confiáveis, índices e métricas da chamada “indústria cultural”, notou-se queo segmento acelera significativamente a economia.Embora parecesse indiscutível que a educação, a cultura e as artes desempenhavam papel fundamental no desenvolvimento dos países avançados, era intuitivo que, para além da óbvia melhoria da qualidade de vida das pessoas com acesso a tais ativos, muito dinheiro circulasse por esse universo, que transcende em muito peças de teatro,  exposições,  desfiles de escolas de samba e de blocos no carnaval,  grandes festas regionais, conteúdos de audiovisual exibidos na televisão, nos cinemas, nos streamings, shows e festivais de música, de livros, de games, de moda, etc. Os recursos envolvidos na produção cultural envolvem empregos, impostos, publicidade, contratos, advogados e inúmeras atividades transversais.

Com efeito, quando, mais do que isso, existe diversidade artística e cultural, tal qual ocorre naturalmente no Brasil, é ainda mais evidente que a economia criativa pode ser fator impulsionador das pessoas na busca da educação, não somente das crianças, adolescentes e jovens, mas, igualmente, de adultos e até mesmo de idosos, que, com seus aprendizados e ancestralidade podem gerar conhecimentos e experiências. O Brasil tem riquíssima herança cultural e miscigenação ímpar de influências indígenas, europeias, africanas e asiáticas, o que converte o país em fonte de diversidade extraordinária para a transmissão desses conhecimentos de forma lúdica, intuitiva e agradável, dentro de um cenário cultural vibrante que poderia estimular extraordinariamente toda a população a buscar conhecimento e educação. Caberia às políticas públicas instrumentalizar e potencializar o interesse em massa pela educação, por tudo o que tem de positivo, em todas as suas linguagens, e, ainda, na luta contra todas as nuances do analfabetismo funcional.

Ninguém duvida, no poderoso ambiente da cultura, do retorno econômico e tributário proporcionado por sua movimentação, com o que já seria possível financiar boa parte dessa dinâmica. O setor cultural no Brasil, em 2020, apesar da pandemia e dos baixíssimos investimentos do governo anterior, movimentou cerca de 3,11% do PIB do Brasil (Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE). Percentual maior do que o que muitas indústrias ditas tradicionais da economia. Fica óbvio, portanto, que o interesse nacional sobre a cultura tem que ser superlativo, prioridade e parte do processo de transformação educacional e social no Brasil.

Contudo, vale ressalvar que esse aspecto econômico é apenas e tão somente um, dentre vários outros, que justificam as majorações de investimentos no setor cultural, fato aqui trazido, em referência àqueles que nutrem o sentimento – certamente equivocado – de que, em primeiro lugar, deveriam ser resolvidas as questões econômicas em um país em crise. Se considerarmos que diversos setores movimentam a economia quase que na mesma proporção que o cultural, não haveria razão pela ausência de estratégias políticas para o desenvolvimento da indústria criativa nos mesmos patamares daqueles destinados à produção de carros, por exemplo. 

■  A indústria criativa como ativo constitucional

Ressalvemos que, além dos eixos educacionais e econômicos, há também no Brasil robusta fundamentação jurídica para o protagonismo da Cultura no âmbito dos grandes interesses nacionais. O que significa dizer que, o que precisa ser aperfeiçoado e potencializado é sua aplicação. Em primeiro lugar, os direitos culturais, assim como o direito às artes, estão previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XXVII, que assim determina expressamente:

1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.

2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.

Evidentemente, ser signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, já deveria ser suficiente para ensejar a propagação do direito sagrado do brasileiro em ter acesso democraticamente aos produtos culturais e da fruição artística e de seus notórios benefícios, não só da consolidação do bem-estar da pessoa, mas também para participar com qualidade dos aprendizados nas escolas, do progresso da ciência e do avanço da tecnologia. Além disso, mesmo que não revelado no art. XXVII, é evidente que a Declaração, nestes termos, alcança e propicia, por decorrência do mesmo artigo, quando aplicado em sua plenitude, uma vida com mais liberdade intelectual, saúde e conforto.

Em atendimento ao disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos a Constituição Federal de 1988, que acolheu os princípios universais e, expressamente, disciplinou com clareza os direitos culturais e o direito às artes, em diversos de seus dispositivos, especialmente em: arts. 23, incs. II, IV e V; 24, incs. VII, VIII e IX; 30, inc. IX; 206, incs. II e VII; 207; 208, inc. V; 227; 231 e § 1º 242, §1º; além de toda a Seção II, do Capítulo III, do Título VIII, Da ordem Social, em seus mais específicos artigos 215 e 216.

Ademais, todo um arco legal e normativo apresenta e regulamenta condições infraconstitucionais e infralegais, nos âmbitos da União, dos Estados e dos Municípios, para que os interesses nacionais acerca da Cultura e das artes sejam efetivamente garantidos.

Sabemos, no entanto, que não são suficientes as garantias constitucionais e legais para que as políticas públicas sejam efetivamente aplicadas no dia a dia das pessoas, nas ruas, nos bairros, nas cidades e no país. De fato, tais garantias não bastam. O que se requer é que políticas sejam perenes, permanentes e realmente transformadoras, tanto para efeito da educação brasileira quanto para efeito do aperfeiçoamento do indivíduo, enquanto cidadão que é e que deve ser.

Se observados com rigor todos os dispositivos constitucionais relativos aos interesses culturais previstos, o desenvolvimento natural alcança a todos para que tenham mais preparo intelectual e condições para uma vida muito mais digna, moderna, civilizada, próspera e menos sofrida, menos atrasada, menos difícil, menos pobre e menos manipulável. Saliente-se que tal ordem é destinada a todas as três esferas de governos, as quais todas elas têm obrigações claras a obedecer, no âmbito das artes e da cultura:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IX – educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;

Art. 30. Compete aos Municípios:

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

E dentro dos preceitos constitucionais para a educação, como aquilo que há de mais importante, também estão previstos ordenamentos para as artes e para a cultura:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

Além disso, mesmo na Carta Magna a cultura já era observada como possível ativo e, como tal, como bem patrimonial, material ou imaterial, portanto, de interesse nacional e sujeito à mensuração econômica, assim como todos os seus reflexos. É o que se verifica nos artigos 215, 216 e 216-A do Diploma Maior, que tem, como já mencionado, uma Seção própria, específica para albergá-los:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:

I – defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;

II – produção, promoção e difusão de bens culturais;

III – formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;

IV – democratização do acesso aos bens de cultura;

V – valorização da diversidade étnica e regional.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

§ 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.

§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

§ 6º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:

I – despesas com pessoal e encargos sociais;

II – serviço da dívida;

III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.

Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais.

§ 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e rege-se pelos seguintes princípios:

I – diversidade das expressões culturais;

II – universalização do acesso aos bens e serviços culturais;

III – fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais;

IV – cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural;

V – integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e ações desenvolvidas;

VI – complementaridade nos papéis dos agentes culturais;

VII – transversalidade das políticas culturais;

VIII – autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil;

IX – transparência e compartilhamento das informações;

X – democratização dos processos decisórios com participação e controle social;

XI – descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações;

XII – ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura.

§ 2º Constitui a estrutura do Sistema Nacional de Cultura, nas respectivas esferas da Federação:

I – órgãos gestores da cultura;

II – conselhos de política cultural;

III – conferências de cultura;

IV – comissões intergestores;

V – planos de cultura;

VI – sistemas de financiamento à cultura;

VII – sistemas de informações e indicadores culturais;

VIII – programas de formação na área da cultura; e

IX – sistemas setoriais de cultura.

§ 3º Lei federal disporá sobre a regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, bem como de sua articulação com os demais sistemas nacionais ou políticas setoriais de governo.

 § 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias.

Claro que os já mencionados dispositivos constitucionais são estabelecidos como dever do Estado, como prioridade, ao lado dos mais essenciais e elementares princípios de uma vida minimamente digna.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Igualmente presentes na Constituição, os direitos decorrentes do legado cultural dos povos originários e ancestrais brasileiros, os indígenas, são fontes de educação, tendo em vista o objetivo de integração da diversidade e de aprendizados de forma respeitosa às singularidades aqui havida. Para o país se beneficiar dialogando com a cultura indígena brasileira, é necessário adotar uma abordagem que leve em consideração tanto a preservação quanto o desenvolvimento sustentável. Da mesma maneira, as culturas de etnias ancestrais devem, desde 1988, fomentar o ensino da História do Brasil, levando em consideração as respectivas contribuições para nossa formação.

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Art. 242. O princípio do art. 206, IV, não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação desta Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos.

§ 1º O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro.

Essa diversidade cultural, que integra diversas origens, reflete-se fortemente em nossas artes, cultura, tradições, música, dança, literatura, culinária e artes visuais. Cada região do país possui suas particularidades, trazidas por eventos e festas populares, ritmos musicais característicos e manifestações artísticas únicas. Essa miscigenação cultural é um verdadeiro tesouro, eis que desperta a curiosidade e o interesse das pessoas em aprender mais sobre suas raízes e história, além de poder alavancar a indústria do turismo cultural, que também é mal explorada pelas políticas públicas e, atualmente, com baixíssimos reflexos nos números do setor.

Há apelo na cultura brasileira em eventos internacionais. Quando o Brasil participa de feiras, congressos ou exposições no exterior é impressionante o quanto os estandes chamam a atenção por conta das atrações musicais. Segundo relatórios de prestações de contas, empresários estrangeiros de diversos setores aproximam-se dos estandes nacionais justamente por causa das músicas e shows, e, a partir destes, conexões são feitas propiciando condições amistosas para negócios.

■  Projetos culturalmente responsáveis e outras linguagens

Defendemos, contudo, que os investimentos no setor, sejam do setor privado ou do setor público, se deem por meio de projetos culturalmente responsáveis. Ora, ainda que a Cultura pressuponha incondicionalmente a liberdade de expressão artística como pilar fundamental para sua excelência, nos parece evidente que, para se tornar ainda mais impactante no grande projeto de educação interdisciplinar de longo prazo para o País, a responsabilidade social deve estar presente no conjunto de ações no momento das escolhas de projetos.

Democratização de acesso a todas as populações; acessibilidade a pessoas com deficiência; descentralização e expansão por todo o território brasileiro; investimentos e custos compatíveis com os respectivos mercados e regiões. Mais que isso, objetivos de busca de perenidade; sustentabilidade; pluralismo; respeito às minorias; e, à formação profissional de artistas, técnicos e produtores. Há aspectos paralelos com a formalização de empresas, empregos e postos de trabalho, diretos e indiretos, e a geração de impostos, assim como os princípios de conduta, que definem o que se espera de projetos culturalmente responsáveis.

A Cultura como abstração e sublimação da educação deve acontecer de forma transversal. Evidentemente, o que está acima de todos esses eixos, são os trabalhos artísticos éticos, de qualidade, criados a partir da liberdade de expressão e de manifestação plenas dos artistas, eis que, de fato, é isso que importa para o desenvolvimento do indivíduo, do cidadão. Para projetos artísticos financiados com dinheiro público, seja por meio da renúncia fiscal ou por meio de fomento direto à produção cultural, o que se pressupõe é que resultará em projetos responsáveis. Além disso, por mais que se saiba que a cultura de um povo é, de certa maneira, a consequência de sua história, de suas tradições, de seus legados, sabe-se que é um ente vivo sempre em processo, sempre em transformação e transmissão de conhecimentos ancestrais, daqueles que vieram, criaram e fizeram antes. Hoje, vivemos numa era de inteligência artificial capaz de produzir conteúdo artísticos a partir do zero ou de tecnologias.

Dentre todos os produtos culturais disponíveis, temos os games que também são resultados de trabalhos de artistas (de criações gráficas aos cenários, até às trilhas sonoras dos jogos), que movimentam a economia criativa de forma impactante. Nos EUA, a indústria dos games gera mais dinheiro do que as antigas indústrias da música e do cinema juntas. E, aqui, cabe salientar que essa mesma indústria foi transformada e se constrói de forma digital e virtual. O mesmo, por óbvio, acontece no Brasil, e, como tal, deve ser observado como fenômeno da economia criativa e ativo cultural relevante.

Assim como o setor dos games, outras manifestações culturais tradicionais integram-se no ambiente da economia criativa justamente pelos motivos aqui defendidos. Arquitetura, moda, gastronomia, por exemplo, são linguagens que são identificadas como arte e pertencentes a esse dito mercado contemporâneo que converte seus saberes em patamares mensuráveis para o setor da indústria criativa. Como tal, têm sido absorvidos aos poucos por programas públicos de incentivo à cultura e, cada vez mais, motes para eventos associados às artes e aquilo tudo que essa chancela tem trazido para muito além do que já trazia sem esse viés cultural.

Trata-se, pois, de outro exemplo de como políticas públicas destinadas à cultura brasileira podem interferir positivamente para o crescimento de setores antes tratados de forma isolada, sem o contexto artístico, que indiscutivelmente têm, e que podem ser potencializados de forma transversal a projetos educacionais, enquanto resgatam-se, para todos, as tradições brasileiras sobre suas culinárias locais, regionais e nacionais. A moda, como ente maior do que aquele comercialmente trabalhado pela indústria têxtil, e a arquitetura, como fonte de linguagem própria e com legados de gênios como Niemeyer, Mendes da Costa, Ramos de Azevedo, dentre tantos outros que enxergavam interesses estéticos para além de construções destinadas às habitações. Como faziam os que criaram arquiteturas quilombolas e indígenas pensadas para prover segurança coletiva e comunitárias, sem dispensarem suas características próprias, e hoje servem para a compreensão histórica de suas épocas e ancestralidades.

Portanto, o que se identifica em comum a todos esses fenômenos é que os conceitos culturais a que hoje somos agraciados têm forças, belezas e ajudam no processo de transformação social a partir desse ideal – quase utópico – de projeto de educação que passa necessariamente pela arte e por todas as suas linguagens, por mais aparentemente abstratas que se sejam. Trata-se de um propósito de formação e de Educação. Mais, muito mais, do que um ativo econômico. Compreender a cultura como maneira de transcender ou de sublimar receitas para o crescimento do país por meio da Educação, pode contribuir para a consolidação da liberdade em seu sentido mais amplo, e para a busca pelo bem-estar pessoal, ético e espiritual dos indivíduos. A educação, a cultura e as artes de um povo devem ser vivenciadas permanentemente e de forma transversal, porque não apenas contribuem para a formação de uma sociedade mais forte, justa, equilibrada e criativa, mas porque oferecem oportunidades concretas de crescimento e prosperidade. Em todos os sentidos, é isso que importa. Valerão todos os esforços e investimentos. Eis aí o grande interesse nacional.  

EVARISTO MARTINS DE AZEVEDO é advogado e foi presidente da Comissão de Direito às Artes da OAB-SP, secretário da Comissão Nacional de Cultura e Arte do Conselho Federal da OAB, membro do Conselho Superior da Indústria Criativa da FIESP e conselheiro do Instituto Brasileiro de Museus

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