A Lei de Acesso à Informação e a Diplomacia Brasileira
No Reino Unido, a lei de acesso à informação (Freedom of Information Act, 2000) foi aprovada, em 2000, no governo de Tony Blair. O Partido Trabalhista chegou ao poder em 1997, e essa havia sido uma de suas promessas de campanha. Em suas memórias, no entanto, Tony Blair lamentou ter promovido a transparência: esse declarado arrependimento deveu-se ao fato de que a existência da lei permitiu serem reveladas posições conflitantes do ex-primeiro-ministro entre sua reticência pessoal e o apoio público à invasão do Iraque, em 2003. Desde outubro de 2001, pouco depois dos ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos, o governo britânico adiara a implementação de elementos essenciais da lei, estendendo por cerca de cinco anos o prazo para adaptar-se às novas exigências legais, que finalmente entraram plenamente em vigor em 2005.
Apesar de as declarações do ex-chefe de governo do Reino Unido refletirem, de forma ilustrativa, as hesitações de entidades públicas frente à ideia de liberdade de acesso à informação oficial, o fato é que as legislações de um número crescente de países têm passado a estipular proteção específica ao direito à informação. Essa preocupação encontra paralelo em organizações intergovernamentais, que, durante a maior parte de sua existência, operaram em segredo ou divulgaram informações a seu exclusivo critério. Um marco notável neste processo de transparência foi a adoção, pelos países membros das Nações Unidas, do Princípio nº 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, pelo qual os Estados se comprometem a divulgar informações que detenham sobre o meio ambiente . Desde a adoção da Declaração do Rio, o Banco Mundial e todos os quatro bancos regionais de desenvolvimento (Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Africano de Desenvolvimento, Banco Asiático de Desenvolvimento e o Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento) adotaram políticas de divulgação de informações sobre políticas, processos e recursos.
No caso específico da América Latina, as constituições tendem a concentrar-se em um aspecto importante do direito à informação, qual seja, a petição de habeas data, ou o direito de acesso à informação sobre a própria pessoa. No Brasil, a Lei 9.507, de 1997, regulamentou tal direito, já previsto no Art. 5º, LXXII,”a” da Constituição Federal de 1988.
O México e o Chile foram países pioneiros na América Latina em aprovar leis mais amplas sobre o direito de acesso à informação, respectivamente a Ley Federal de Transparencia y Acceso a la Información Pública Gubernamental, de 2002,e a Ley de Transparencia de la Función Pública y de Acceso a la Información de la Administración del Estado, de 2009. Hoje, 13 dos 19 países latino-americanos contam com leis de acesso à informação, aos quais se juntou mais recentemente o Brasil, com a promulgação da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. A lei brasileira está entre as mais avançadas do mundo e contempla, ademais do direito de solicitar acesso à informação pública, obrigações proativas de divulgação, possibilidade de recursos administrativos independentes, no caso de negativas de acesso, e medidas institucionais de promoção da abertura.
Pelas obrigações e demandas sobre o serviço público que tais regulamentos criam, é fato que os países necessitam de prazo para se adaptarem às obrigações decorrentes dessas leis. Similarmente ao que ocorreu no Reino Unido, por exemplo, nos Estados Unidos, a lei foi adotada em 1966 (Freedom of Information Act), mas, apenas em 1974, na esteira do caso Watergate, o acesso a dados públicos passou a vigorar de forma mais abrangente, com a aprovação do Privacy Act.
Na América, foi a Colômbia, em 1888, o primeiro país a prever o direito público à informação, com a aprovação do Código de Organización Política y Municipal, depois da Suécia e da Finlândia. A Suécia oferece um exemplo particular, já que sua Lei de Liberdade de Imprensa tem força constitucional e foi adotada em 1766, sendo a mais antiga legislação referente ao tema.
O direito de acesso à informação: um direito humano fundamental
A tendência à universalização do direito à informação pode ser compreendida tanto a partir dos grandes movimentos de democratização política dos anos 1980 quanto dos avanços tecnológicos recentes, que mudaram por completo a relação das sociedades com a informação e sua utilização. A tecnologia da informação melhorou, em termos gerais, a capacidade do cidadão comum de contribuir para os processos decisórios, investigando, cobrando e fiscalizando as ações de governos.
Organismos e tribunais internacionais, por sua vez, têm manifestado o entendimento de que o direito de acesso à informação deve ser considerado direito humano fundamental. Entre essas afirmações, inclui-se a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em 2006, primeira decisão tomada por um tribunal internacional que reconheceu o direito à informação como aspecto do direito geral à liberdade de expressão . Para o referido tribunal, garantir os direitos de buscar e receber informações significa proteger o direito de toda pessoa de solicitar acesso à informação sob o controle do Estado. Nesse sentido, abrange o direito dos indivíduos de receber as referidas informações e a obrigação positiva do Estado de fornecê-las, com as exceções reconhecidas. Entende a CIDH, ademais, que as informações devem ser fornecidas sem necessidade de o solicitante provar interesse direto ou envolvimento pessoal, exceto nos casos em que uma restrição legítima se aplique.
Fundamenta essa perspectiva a relativa desvantagem ou fragilidade do cidadão para dialogar, deliberar e monitorar as ações e decisões dos agentes públicos, fato que provoca uma assimetria da informação. Como assimetria de informação, no contexto da administração pública, entende-se a discrepância que existe entre os agentes do Estado e a sociedade quanto ao conhecimento das ações do governo. Nesse sentido, o direito à informação também pode ajudar a assegurar a participação mais equilibrada dos diversos atores sociais, pois são os próprios agentes do Estado que dispõem das informações a respeito das instituições a que pertencem, e o governo é a principal fonte de informações de interesse público. Melhorias na informação e na regra que rege sua divulgação podem reduzir a abrangência de abusos ou incorreções de vários níveis.
O tema assumiu tamanha relevância que a base para a maior parte das leis de acesso à informação mais recentes tem sido estipulada a partir de fundamentos teóricos e políticos moldados no âmbito da Organização das Nações Unidas. No Relatório de promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão (The Public’s Right to Know: Principles on Freedom of Information Legislation), formulado pela ONU, em 2000, foram expressos nove princípios que idealmente deveriam constar de legislações sobre acesso a informações: 1) divulgação máxima; 2) obrigação de publicar; 3) promoção de um governo aberto; 4) abrangência limitada das exceções; 5) procedimentos que facilitem o acesso; 6) custos (os indivíduos não devem se encontrar impedidos de fazer pedidos de informação em razão dos altos custos envolvidos); 7) reuniões abertas; 8) precedência legal da divulgação; e 9) proteção para os denunciantes.
Desses nove princípios recomendados pela ONU, a Lei 12.527 brasileira contempla oito em seu texto. Apenas o 7º princípio, relativo à realização de encontros e reuniões governamentais abertos ao público, não está inscrito no texto da nova Lei. Relevantes no novo diploma legal são as disposições relativas à observância da publicidade como regra e do sigilo como exceção, a determinação de prazos para a oferta de informação, o estabelecimento da divulgação de ofício de informações de interesse público e a obrigatoriedade de sua publicação na internet, a promoção da cultura da transparência e a criação de dois novos órgãos: a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) e o Núcleo de Segurança e Credenciamento (NSC), ambos com atribuições exclusivamente relacionadas ao acesso à informação pública.
Segredos de Estado: limites e responsabilidades
Existe a percepção comum de que os arquivos do Itamaraty são trancados a sete chaves e de que toda a informação produzida e trocada por agentes diplomáticos brasileiros está envolta em confidencialidade. Antecipava-se que a entrada em vigor, em 16 de maio último, da Lei no. 12.527/2011, que reduziu os prazos de manutenção de sigilo e estabeleceu, como norma, procedimentos transparentes e ágeis, revelaria importantes e impactantes segredos da história diplomática nacional.
O Ministério das Relações Exteriores, no entanto, sempre pautou seus procedimentos de produção, classificação e guarda da informação pelo princípio preconizado no Artigo 3º, item I, da Lei 12.527: “observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção”. Tal conduta pode ser atestada pelos números: de 2007 a 2011, o Itamaraty trocou com sua rede de 226 representações diplomáticas e consulares no exterior 1,41 milhão de mensagens eletrônicas ou “telegramas” no tradicional jargão da Casa de Rio Branco, quase 300 mil por ano. Desse total, apenas 10 mil, ou 0,7% foram classificados como “secreto”, e menos de 900 (0,06% do total) como “ultrassecreto”. Acrescidos os expedientes com grau de sigilo “reservado”, não passa de 7,5% do total a média de documentos classificados produzidos anualmente pelo Ministério, confirmando, pois, que a restrição de acesso atribuída a determinadas informações constitui, sim, uma excepcionalidade.
Essa exceção deriva da própria natureza da atividade diplomática, cujo objetivo – em grandes linhas, a promoção, defesa e representação dos interesses estratégicos do País no exterior – é realizado em distintos processos negociadores sobre temas específicos, internamente e com outros Estados soberanos.
Em qualquer processo de negociação, seja entre indivíduos seja entre Estados, é fundamental que haja confiança entre os interlocutores. No caso da diplomacia, essa confiança é forjada na discussão de posições e argumentos, em reuniões bilaterais ou multilaterais e por meio de comunicações escritas entre os participantes, consubstanciadas em relatórios, análises e instruções.
Ainda que, finalmente, essa informação venha a se tornar pública, na forma de acordos e tratados, sua elaboração e tratamento por vezes têm de ser conduzidos de maneira sigilosa, a fim de assegurar a integridade da informação e a credibilidade do agente diplomático, pois, durante o processo, será ele o guardião das informações passadas confidencialmente por seus interlocutores.
Reconhecendo, pois, a necessidade de manter essas ressalvas formais, para a defesa e promoção dos interesses internacionais do País, a própria Lei 12.527 considera que informações “cuja divulgação ou acesso irrestrito possam prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados ou organismos internacionais” são consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado, portanto, passíveis de classificação em um dos três graus de sigilo previstos no referido marco legal . Assim, no Itamaraty, a classificação da informação pode ser determinada, por exemplo, para envio de instruções a uma delegação brasileira presente em reunião internacional; para preservar, como ocorre no meio jornalístico, a fonte da informação; para relatar encontro com autoridades de outros países, cujos termos, uma vez divulgados, poderiam comprometer a credibilidade do interlocutor brasileiro ou do representante estrangeiro; ou para agregar a dados públicos análise, opinião ou informações de terceiros. Ao mesmo tempo, o sigilo temporário é fundamental para garantir a segurança física de altas autoridades brasileiras no exterior ou estrangeiras no Brasil.
Para que se possa melhor compreender como se dá o tratamento da informação no Itamaraty e os primeiros impactos da Lei de Acesso à Informação sobre a atividade diplomática, conviria tecer um breve apanhado histórico sobre a gestão documental do Ministério.
Os arquivos do Itamaraty: quilômetros de história preservada e acessível ao público
Por força do artigo 17 da lei nº 8.159 de 1991, sobre a Política Nacional de Arquivos, o arquivo do Ministério das Relações Exteriores é considerado Arquivo Federal do Poder Executivo, condição reconhecida não somente pela importância de seu acervo, como também pela contribuição dada à historiografia nacional e pela especificidade advinda de o Ministério operar fora do âmbito da soberania nacional.
A atividade arquivística do MRE tem seu marco administrativo inicial surgido na regência do futuro rei D. João VI, no Brasil colônia. Ao longo de todo o Império, surgiram novos marcos legais que aperfeiçoaram não somente a guarda como também a gestão de papéis produzidos e tramitados pelo “Cais da Glória”, a antiga denominação do Ministério de Negócios Estrangeiros. Com a mudança da Secretaria de Estado das Relações Exteriores, do Rio de Janeiro para Brasília, em 1970, tomou-se a decisão de transferir para a nova capital apenas os documentos produzidos a partir de 1960. No Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, ficaram os documentos herdados desde a vinda da Corte Portuguesa e os subsequentes registros diplomáticos das relações exteriores do Império e República do Brasil até 1959, além de coleções particulares, dentre as quais os apontamentos do Barão do Rio Branco, do Marechal Floriano Peixoto e de Joaquim Nabuco. No total, esse acervo contabiliza mais de 50 milhões de páginas.
O Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), no Rio de Janeiro, integra um complexo memorial que abriga o Museu Histórico Diplomático, estrutura responsável pela guarda e conservação de 5.633 itens de inestimável valor cultural, patrimonial e histórico, a Mapoteca do Itamaraty, unidade que custodia mais de 3 mil itens cartográficos, incluindo antiquíssimos esboços que foram trazidos por ocasião da transferência da Coroa portuguesa para o Brasil, em 1808; e uma riquíssima biblioteca, referência histórico-diplomática no país, responsável por um acervo de mais de 70 mil volumes, importante parte vinda com a família real lusitana, no qual se incluem obras raríssimas do século XIV e publicações de Gutenberg.
A documentação constante do AHI já se encontra totalmente desclassificada, sendo de livre acesso a pesquisadores e interessados. Há uma grande mistificação, disseminada de forma equivocada, de que existem “segredos eternos” sob guarda do Ministério, referentes à documentação de diversos períodos históricos, como a Guerra da Tríplice Aliança, a evolução política da fixação das fronteiras – mais especificamente a chamada “Questão do Acre” – e o papel do Brasil no cenário internacional antes da entrada do país na II Guerra Mundial. Se existe alguma restrição àquele acervo hoje, concentra-se no manuseio direto dos suportes, por serem antigos e requererem cuidados especiais na hora da seleção para pesquisa.
Em Brasília, o Arquivo Histórico do Itamaraty encontra-se distribuído em aproximadamente 3,8 quilômetros lineares de modernas estantes deslizantes, instaladas em 2007, abrigando documentos de caráter ostensivo, e aproximadamente 1,2 quilômetro linear de prateleiras, abrigando documentos ainda considerados classificados, ou seja, com a menção ultrassecreto, secreto e reservado. O total de documentos alcança a cifra de 30 milhões de faces, acrescido, anualmente, em cerca de 500 mil documentos, dos quais 60% são expedientes telegráficos trocados com as missões no exterior.
Esse universo documental é destino frequente de pesquisadores, jornalistas e estudantes, que solicitam anualmente – e são prontamente atendidos – cerca de 300 acessos ao arquivo do Rio de Janeiro e de 150 ao de Brasília.
Ademais, o Itamaraty foi o primeiro órgão público a atender à requisição da Casa Civil da Presidência da República, em 2006, de encaminhar ao Arquivo Nacional toda a documentação referente a pessoas, fatos e eventos relacionados aos regimes de exceção no Brasil e em outros vizinhos latino-americanos, no período de 1964 a 1985. Ao todo, foram mais de 120 caixas de documentos, totalizando cerca de quatro toneladas de papéis, enviadas ao Arquivo Nacional em 2007, o que reforça o compromisso da instituição com a transparência e a divulgação de suas informações.
A implementação da Lei 12.527 no Itamaraty
As mudanças mais evidentes nas rotinas e procedimentos internos de tratamento da informação diplomática e consular decorrentes dessa nova regulamentação foram a exigência formal de inclusão, no corpo do documento, da justificativa e base legal para a classificação da informação sigilosa e a paralela elaboração e assinatura do formulário Termo de Classificação da Informação (TCI), que necessariamente é anexado ao documento sigiloso; a criação do Serviço de Informação ao Cidadão (SIC); e a reavaliação de toda a documentação ultrassecreta e secreta desde, respectivamente, 1982 e 1992, processo este já iniciado.
Assim, os diversos modelos de documentos utilizados pelo Ministério foram adaptados para neles constarem os novos campos exigidos pela lei (base legal e justificativa da classificação) e foi elaborado um TCI eletrônico, que inclui um novo código indexador numérico, que será o índice padronizado para a divulgação pública, na internet, do rol de documentos classificados e desclassificados anualmente.
O Serviço de Informação ao Cidadão, por sua vez, recebeu, até o momento, mais de 230 demandas, que incluíram, entre vários outros temas, pedidos de documentos históricos, despesas realizadas por postos, custos de viagens oficiais (diárias e passagens), remuneração dos diplomatas, relação das obras de arte localizadas em embaixadas e trocas de comunicações sobre temas bilaterais e multilaterais específicos. O Ministério tem-se prontificado a fornecer toda a informação disponível, à exceção daquela que exige compilação, interpretação ou análise de dados ou, evidentemente, a que se encontra classificada sob um dos três graus de sigilo.
Ao contrário do que se podia imaginar, com menos de 1% do total de pedidos, o Itamaraty não figura entre as instituições públicas que mais receberam solicitações de informação. Segundo a Controladoria Geral da União, nos três primeiros meses de vigência da lei, foram recebidos mais de 30 mil pedidos de informação em todos os órgãos públicos, 30% dos quais destinados à Superintendência de Seguros Privados, ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ao Banco Central, à Caixa Econômica Federal e à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
Além do atendimento a demandas de acesso a informações específicas, a lei determinou a divulgação espontânea de toda a informação produzida ou acumulada pelo órgão público. Trata-se do chamado princípio de transparência ativa. Nesse sentido, segundo o padrão estabelecido pela Controladoria-Geral da União, foi incluída no sítio institucional do Ministério página específica sobre acesso à informação. A mencionada página, disponível no endereço www.itamaraty.gov.br/acesso, contém as seguintes seções com informações cuja divulgação passou a ser mandatória: 1) institucional, com organograma, telefones e e-mails e agenda de altas autoridades do Ministério; 2) ações e programas; 3) auditorias; 4) convênios; 5) despesas; 6) licitações e contratos; 7) servidores; 8) perguntas frequentes; 9) sobre a Lei de Acesso à Informação; e 10) serviço de informação ao cidadão.
Mas não é apenas objetivamente, em termos operacionais e administrativos, que a Lei de Acesso trouxe mudanças à maneira de produção da informação diplomática, sobretudo no que se refere à classificação, ou sigilo. Subjetivamente, também, é possível que ela venha a induzir uma nova e distinta percepção individual dos responsáveis pela elaboração de documentos sobre a necessidade ou conveniência de classificar a informação como sigilosa.
Cai o número de telegramas classificados
Levantamento realizado pelo Departamento de Comunicações e Documentação do Ministério das Relações Exteriores revela que houve, nos dois primeiros meses de vigência da lei, redução visível no número de telegramas classificados. No bimestre que antecedeu a implementação da Lei 12.527 (março a maio de 2012), foram produzidos 3.259 expedientes telegráficos reservados e 591 secretos. Nos dois meses subsequentes, essas cifras caíram para 2.333 e 421, ou seja, uma redução de 28% e 29%, respectivamente. Comparativamente, neste mesmo período do ano anterior (junho a julho de 2011), foram produzidos 3.518 telegramas reservados e 665 secretos, números semelhantes àqueles tramitados no bimestre anterior à entrada em vigor da lei.
Embora ainda muito preliminares, essas cifras podem ser explicadas por uma maior seletividade ao classificar a informação, contrastando com o comportamento caracterizado por uma propensão a atribuir confidencialidade a assuntos que não necessariamente mereceriam tal classificação.
Conforme se procurou demonstrar, não há, no Itamaraty, resistência a compartilhar informações de interesse público. Com efeito, os arquivos históricos do Rio de Janeiro, com 150 anos de registros diplomáticos, já há muito estão abertos a pesquisadores e acadêmicos, que deles têm se valido para realizarem importantes estudos das relações externas do Brasil.
Na questão de gastos, 44 postos, que respondem por quase 40% das despesas realizadas, já estão interligados ao Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) do Governo federal, que permite a verificação, pela internet, de sua execução orçamentária por meio do Portal da Transparência, onde também ficam registrados os vencimentos de todos os servidores públicos.
Há projeto em andamento para a digitalização dos acervos documentais, o qual deverá começar pela série histórica da correspondência ostensiva trocada com a Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Nova York, desde 1946. Uma vez concluído, este acervo será colocado na internet, à disposição do público, e será progressivamente ampliado para incluir outras Missões e Embaixadas.
Ao mesmo tempo, os procedimentos burocráticos criados pela Lei 12.527, como a exigência de assinatura, pela autoridade classificadora, do formulário TCI para acompanhar cada documento sigiloso produzido, ou a obrigatoriedade de o órgão reavaliar, periodicamente, toda sua documentação classificada, poderá fazer com que muitas das informações que anteriormente eram registradas em documentos oficiais sejam tramitadas por meios oficiosos, como o correio eletrônico ou telefone. Essa tendência não necessariamente comprometerá o trabalho e os objetivos da diplomacia, mas poderá deixar, no futuro, importantes lacunas nos arquivos sobre os fundamentos, as negociações e as motivações episódicas das relações exteriores do País.
São incipientes, ainda, os elementos concretos disponíveis para que se possa avaliar a efetiva sedimentação das repercussões duradouras da Lei de Acesso à Informação, tanto no que se refere à adaptação dos órgãos públicos a seus dispositivos, como a formação de uma consciência na sociedade brasileira de exigir do Estado a prestação de contas dos mandatos que lhe são conferidos pelo processo eleitoral e pelo pagamento de impostos.
Mas, já se identifica, no Ministério das Relações Exteriores, uma perceptível mudança de cultura, administrativa e política, em linha com as orientações da Lei nº 12.527. Dentro da necessidade institucional e finita de classificar determinadas informações, o que constitui uma das ferramentas indispensáveis da diplomacia de Estado, caminha-se na direção do fortalecimento da gestão transparente de dados e da garantia de sua disponibilidade e integridade.
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