05 julho 2015

A Mudança Que Já Começou.

Duas datas, distantes pouco mais de um ano, escancaram cenários que merecem atenção por ameaçarem nossa representatividade e democracia e por indicarem novos caminhos.

Brasil, janeiro de 2014, nove meses antes das eleições presidenciais. Uma realidade inusitada chama a atenção. Apesar dos níveis expressivos de reprovação e indignação com o governo, as pesquisas de opinião projetam um cenário oposto para as eleições presidenciais de outubro: não haverá segundo turno, e a presidente será reeleita no 1º turno.

Duas datas, distantes pouco mais de um ano, escancaram cenários que merecem atenção por ameaçarem nossa representatividade e democracia e por indicarem novos caminhos.

Brasil, janeiro de 2014, nove meses antes das eleições presidenciais. Uma realidade inusitada chama a atenção. Apesar dos níveis expressivos de reprovação e indignação com o governo, as pesquisas de opinião projetam um cenário oposto para as eleições presidenciais de outubro: não haverá segundo turno, e a presidente será reeleita no 1º turno.
Brasil, abril de 2015, seis meses após as eleições presidenciais. Os níveis de reprovação da presidente recém-eleita são os maiores da história recente do país. O nível de indignação da população é provavelmente o maior desde a ditadura militar. A insatisfação com os políticos atinge recordes históricos. Mas, os políticos são recém-eleitos!
O que está acontecendo? Por que estamos nesta situação? Mais importante: o que podemos fazer para mudar esta situação? Antes mesmo de responder, cabe pergunta mais relevante – será possível mudar esta situação?
Eu acredito que sim. Mais que isso, acredito que você pode ajudar nessa mudança, não importam sua profissão, emprego ou renda.
Por trás de tudo isso, existe uma palavra inglesa de difícil tradução para o português: accountability. A melhor tradução seria responsabilização, se a palavra existisse. Significa assumir e arcar com a responsabilidade pelo que se faz. Se você fizer algo positivo, o mérito é seu. Mas, se fizer algo ruim, intencionalmente ou não, a culpa também é sua.
Apesar de simples, o conceito não encontra qualquer conexão com a realidade política brasileira. Mais difícil que traduzir a palavra é trazer sua aplicação ao nosso sistema. O dia que o fizermos, conseguiremos uma forma autossustentável de melhorar o país, com a mudança do modus operandi nefasto que envolve nosso sistema político atual, das campanhas eleitorais à prática do poder, passando pela gestão pública.
A raiz do problema da responsabilização (ou da sua falta) pode ser dividida em quatro partes. A solução, em apenas duas. E o efeito final é um só: um novo Brasil. Será que simplifico demais e exagero no otimismo? Vejamos.
Uma raiz com quatro garras
A democracia brasileira está frágil e superficial. Depois de 30 anos de eleições diretas no país, chegou a hora de não mais nos contentarmos apenas com o voto direto. Precisamos e merecemos mais. Precisamos de políticos e governantes que realmente representem o povo que os elege. Não poderíamos estar mais distantes da realidade. A crise de representatividade é apenas parte do problema. Paralelamente, carregamos os históricos problemas da impunidade, da interdependência de poderes e da gestão contaminada.
crise de representatividade é patente. Políticos conseguem se reeleger independentemente do que fizeram no mandato anterior ou do que fizeram até então nas suas vidas. A única coisa de que precisam, para isso, é dinheiro. A estrutura eleitoral brasileira, com currais eleitorais municipais, coligações de partidos e negociatas com o tempo de propaganda política na TV, permitem a praticamente qualquer pessoa ser eleita, ou reeleita, independentemente do alinhamento que teve até então com seu futuro eleitorado, desde que tenha dinheiro suficiente. Cálculos de valor por voto são aplicados com precisão. O dinheiro não mais é entregue ao eleitor, como já aconteceu num passado remoto, mas a quem conseguiu manipulá-lo.
O maior problema disso é que políticos não precisam exercer mandatos exemplares para continuarem no poder. Basta agradarem a alguns donos de dinheiro, e serão reeleitos. Com isso em mente, como se comportam? Ora, assim que eleitos, passam a se preocupar apenas consigo mesmos, agradando minimamente ao partido, e conectando-se a quem vai ajudá-los, com os recursos financeiros necessários, dali a quatro ou oito anos. Neste meio tempo, tudo vale.  O alinhamento com quem o elegeu e o cumprimento de suas promessas de campanha não são necessários. E, com isso, a democracia escorre ralo abaixo.
Para não ser leviano, menciono que há, sim, raras e honrosas exceções no meio político e governamental. Enquanto exceções, não são infelizmente capazes de transformar o sistema.
gestão contaminada deriva desta triste e antiga realidade. Não precisando agradar a seus eleitores, gestores públicos não governam para eles, e sim para a sua própria perpetuação no poder. A intensidade da irresponsabilidade varia. Pouquíssimos tratam o bem público com o zelo que a ética exige. A maioria tenta encontrar um meio termo entre os interesses pessoais e os públicos, encontrando equilíbrio em níveis diversos dessa ética. E uma quantidade vergonhosa usa o poder da forma mais populista possível, explorando uma população que, por causa de uma educação precária, é, ainda, manipulável.
O governo federal tem, nos últimos 12 anos, aplicado tal estratégia com clareza absoluta. O abandono do tripé macroeconômico (metas de inflação e superávit primário e livre flutuação cambial), assim como aparelhamento do Estado e das empresas estatais foram feitos abertamente. A escolha de ministros, dirigentes de empresas estatais e quaisquer cargos que envolvam o poder de controlar orçamentos não seguem critérios técnicos, mas políticos. Por quê? Porque isso não interfere nas próximas eleições. Muito pelo contrário, os fortalece diante delas. O poder oferecido e loteado se reverte em ajuda financeira para a manutenção… do próprio poder.
Os casos do mensalão e petrolão são provas cabais desta prática, que nada tem de nova. O que mais choca, como se fosse possível, é que políticos permanecem no poder mesmo após a revelação de seu envolvimento nessas operações. O que nos leva ao tema da impunidade.
Antiga como é, não exige explicação, mas desperta assombro. Mesmo diante do julgamento sem precedente na história da justiça brasileira, não há hoje sequer um político preso em regime fechado pela prática do mensalão. A impunidade está não apenas na prática das pessoas, mas num sistema penal que permite recursos e atrasos que acabam levando a reduções e prescrições de pena.
Muitos acham que a impunidade é uma questão cultural. Eu discordo. Morando nos EUA por muitos anos, eu observava que, diante de placas de “Pare”, os motoristas realmente… param! Por que será? Cultura? Não, é mais simples: se não o fizerem, serão multados. E o fazem mesmo de madrugada, quando não há qualquer movimento. No Brasil, a maioria dos motoristas não consegue sequer lembrar quais são as placas de “Pare” no caminho para seu trabalho, já que seu desrespeito não é punido. Agora o mais curioso: o mesmo motorista que no Brasil ignora a placa de “Pare”, a respeita quando dirige nos EUA. Porque sabe que lá será punido. Não é uma questão cultural, é uma questão de cumprimento da lei (law enforcement). A impunidade retroalimenta o crime. A ausência de penalização é uma autorização, quase um estímulo, para sua prática.
interdependência entre poderes mistura-se a, e agrava, esta realidade. O presidencialismo de coalizão exige troca de favores constantes entre o Executivo e o Legislativo, geralmente a despeito do interesse da sociedade. E esses dois poderes, sujeitos a monitoramento e investigação do Judiciário, são os responsáveis pela nomeação de todos os cargos de peso desse mesmo Judiciário! A inexistência da independência entre poderes, fundamental para uma democracia eficiente, sustenta e reforça a ineficiência da gestão pública, amparada pela falta de representatividade e pela impunidade.
Sem essas quatro raízes fortes não chegaremos, como país, a lugar algum. Mesmo que melhoremos marginalmente, terá sido tarde, pois o resto do mundo já estará mais à frente. Num jogo relativo, jogado em tabuleiro global, continuaremos a perder de goleada. E quem mais vai sofrer são as classes mais baixas, por não terem instrumentos de proteção contra a inflação, de proteção da segurança e, acima de tudo, de proteção diante de uma educação precária. Programas sociais ajudam, mas não são suficientes. Nem tampouco são autossuficientes, por não atingirem o objetivo maior de libertar seus beneficiários da sua necessidade.
O resultado disso não precisa ser esmiuçado. Para sustentar esse Estado gigante, aparelhado e ineficiente, haja dinheiro! Sob pretexto da promoção de programas sociais, aumenta-se a carga tributária indiscriminadamente. Pagamos mais impostos do que outros países emergentes e, absurdamente, mais que democracias avançadas que muito retornam à sociedade.
As perspectivas são ainda mais sombrias diante da negação desta realidade por parte do atual governo, que agora não mais pode acusar um mundo que cresce muito mais do que o Brasil como o responsável pelos nossos malaises.
As soluções
Diante de quadro tão devastador, por que assumo posição otimista?
Porque aquela palavra de difícil tradução pode nos salvar de tudo isso. A responsabilização de políticos e governantes muda radicalmente a dinâmica deste jogo.
Como eles agiriam se não tivessem seu próximo mandato assegurado? O que diriam em campanhas se soubessem que poderiam ser punidos por mentiras eleitorais, a ponto de perder o mandato? E como você agiria se soubesse que pode influenciar esse processo a qualquer momento, e não apenas a cada dois ou quatro anos?
responsabilização, para acontecer, precisa de duas coisas: uma nova consciência da sociedade e uma mudança no sistema eleitoral.
A solução I– novo sistema eleitoral
Não é necessária reforma política ampla. Apenas três alterações já são suficientes para abrirmos a porta de uma nova realidade: voto distritalplebiscito de destituição e o fim da reeleição.
A distância entre o governante ou político eleito e seu eleitor, por causa da não responsabilização, é abismal. Como depende apenas de dinheiro para ser (re) eleito, ele não atende, nem ao menos se preocupa, com o que seu eleitorado pensa do que faz. O voto distrital transforma completamente essa realidade. Presente na maior parte das democracias mais maduras, ele aproxima o eleitor do eleito em cargos legislativos. Ao ser eleito por um eleitorado bem determinado geograficamente, o político tem de prestar contas para um grupo bastante específico, que, por sua vez, vai monitorá-lo para verificar se seu mandato atende aos anseios reais do grupo que o elegeu. O princípio é simples e eficiente. Se o político não agrada ao seu eleitorado, ele perde a possibilidade de se reeleger. Além disso, sua imagem será estigmatizada, e sua incompetência escancarada diante de um monitoramento estreito que será praticado por um grupo específico, com demandas específicas.
Como efeito colateral altamente desejável, as campanhas de voto distrital são significativamente mais baratas que as de voto proporcional, o sistema atual. Como a base eleitoral é apenas uma fração da cidade ou do estado, o custo para fazer campanha é muito inferior – estima-se que de cinco a dez vezes menor. Com custos menores, a dinâmica nefasta da compra de apoio se desfaz, pois mais candidatos têm acesso a uma campanha viável. Com menor necessidade financeira, a gestão também pode ser menos distorcida e mais independente de “favores”, pois dinheiro não mais é o maior determinante da próxima eleição.
Importantes conquistas vêm sendo realizadas para o voto distrital nas próximas eleições municipais de 2016. Projeto de lei para implementá-lo em municípios com mais de 200 mil habitantes já foi aprovado em 1ª sessão no Senado Federal. Isso abre caminho para sua ampliação em eleições para deputados estaduais, federais e senadores, apesar da primeira derrota na Câmara do Deputados na última semana de maio de 2015. Este caminho já é seguido pelas democracias mais maduras e estáveis, é claro. Quiçá estejamos no começo desta trilha.
Dado que a busca incessante pela próxima eleição (e suas necessidades financeiras) é alvo constante de políticos, a eliminação de reeleição (para cargos executivos) e a limitação de reeleições (para cargos legislativos) se tornam indispensáveis para uma democracia eficiente. A impossibilidade (ou limitação) da reeleição desmotiva a criação de carreiras políticas pautadas apenas no curto prazo, nas próximas eleições e na perpetuação do poder, em detrimento de uma administração que vise ao bem comum e em ações com efeitos de longo prazo.
Resta alinhar promessas e realidade. Para reforçar a necessidade de uma campanha ética e uma gestão congruente com o que foi prometido, existe um instrumento conhecido internacionalmente como recall, e no Brasil vem sendo chamado de plebiscito de destituição. Ele é utilizado por 19 entre as 21 democracias mais estáveis do mundo e traz mecanismos para destituir governantes simplesmente por terem perdido a confiança do povo. Dezenove desses países permitem, inclusive, a destituição do chefe de governo nacional. A possibilidade de destituir um governante deve mudar completamente a forma como ele monta suas estratégias de campanha e eleição. Ele passa a ser obrigado a falar a verdade, tanto em relação ao estado das coisas durante a campanha quanto às promessas que faz. Se sucumbir à tentação de esconder a realidade ou sua intenção de governo, corre o risco de perder seu mandato em pleno curso. Essa possibilidade também cumpre o papel de aproximá-lo da sociedade a que serve, pois não pode se dar ao luxo de perder sua confiança. E será obrigado a se explicar mais frequentemente, mantendo um desejável, e hoje inexistente, alinhamento de entendimento entre o governo e a sociedade.
Por outro lado, preocupações relevantes com relação à destituição incluem a percepção de instabilidade, a possibilidade de manipulação e a dificuldade de implantação de medidas impopulares. Análise da longa existência e da vasta aplicação desses instrumentos revela que há dispositivos que amenizam seus potenciais malefícios e preservam seus benefícios. O alinhamento de interesses e expectativas, sustentados pela Teoria dos Jogos e pela ineficiência do sistema atual, faz do plebiscito de destituição um instrumento viável para aproximar políticos e governantes de seus eleitores. Importante trabalho sobre o conceito vem sendo desenvolvido por Luciano de Castro, professor de economia no Tippie College of Business, Universidade de Iowa, nos Estados Unidos (informações completas podem ser encontradas em www.plebiscitod.net). Este projeto de emenda constitucional já se encontra em tramitação no Senado Federal, fato animador.
Nosso ineficiente e insustentável sistema eleitoral, ao gerar baixa representatividade, clama por mudanças. Mas, como podemos almejá-las, se elas dependem dos próprios políticos que se beneficiam do sistema atual?
É aqui que entra a parte mais importante da mudança do país: uma nova consciência de nós, brasileiros. Parece intangível, mas é algo que já começou, tem forma e começa a tomar vida própria. Como de costume, da crise nascem as melhores soluções e aqui não foi diferente.
Flagelamento coletivo

O problemática que descrevi acima, separada em quatro grupos, não é nova nem desconhecida e traz a mais nefasta das consequências: a supressão da esperança.

Ao assistir aos efeitos da falta de representatividade e da interferência entre poderes e à lamentável forma como nosso Estado vem sendo gerido, acompanhados da tradicional impunidade que o cerca, o brasileiro vem aumentando o seu descrédito em qualquer possibilidade de mudança. Qualquer nova luz no fim do túnel é rapidamente desligada pela constatação de que o sistema não mudará, já que quem pode mudá-lo é exatamente quem quer preservá-lo: políticos, governantes e partidos políticos.
Essa desconfortável realidade vem gerando a insatisfação crescente que mencionei no começo do artigo. E a insatisfação se transformou em indignação. A indignação, já presente há vários anos, tem crescido diante do escancarado populismo praticado na última década. Mas, nem por isso essa indignação, predominante por ora nas classes média e alta, foi suficiente para alterar a percepção da maioria da população. A realidade apresentada no início deste artigo (as projeções que, a nove meses das eleições, indicavam reeleição de Dilma Rousseff no 1º turno) indica que indignação de parte da sociedade não era suficiente para alterar o comportamento da sociedade como um todo. Ou, pelo menos, até recentemente.
Indignação gera energia. E essa energia é utilizada de alguma forma. Como as pessoas tendem a usar essa energia? Reclamando. As mídias sociais tornaram-se o veículo predileto para extravasar nossos descontentamentos com a realidade e a classe política brasileira. Buscamos algum alívio ao compartilhar as piores notícias, aquelas que não conseguimos guardar para nós mesmos. Ao fazê-lo, quem passa a ser o principal receptor dessa reclamação? Nosso círculo de amigos. O grande problema é que nos cercamos de pessoas que tendem a concordar conosco. E ao compartilhar notícias, medos e opiniões que nos incomodam, acabamos multiplicando esse incômodo dentro de nosso círculo, num exercício de flagelamento coletivo que nada muda. E assim, quanto mais se reclama, mais indignação se gera e mais energia é desperdiçada, já que nenhuma ação efetiva de mudança é iniciada.
As redes sociais passam a tomar natureza bipolar: reúne os momentos de depressão diante da situação do país com os momentos de felicidade que polvilham nossas vidas.
Momentos de encontro com amigos absorvem a insatisfação residual, aquela que não pôde ser extravasada pelo Facebook. O assunto invade almoços e encontros casuais, quando amigos dividem quão revoltante é nossa situação atual. E tudo isso não serve para nada – é puro flagelamento coletivo.
E se utilizássemos a energia da indignação para fins construtivos? E se estes fins cumprissem também o papel de reequilibrar a dinâmica do nosso sistema de representatividade e, ultimamente, a nossa democracia?
A solução – uma nova consciência
Será que só podemos exercer democracia quando votamos? Devemos escolher representantes a cada dois anos e, em seguida, nos sentarmos inertes nos longos intervalos entre as eleições?
Essa era a realidade na Grécia antiga, berço da democracia, há 2.500 anos. Mas, Atenas não tinha internet, Facebook ou WhatsApp. Será que algo mudou ou precisamos manter o mesmo comportamento e exercer democracia apenas pelo voto a cada dois anos?
É verdade que sempre pudemos fazer algo e nos mobilizarmos entre eleições, mas as novas mídias sociais facilitam ações e conexões rápidas e permitem exercer a democracia de formas novas e inusitadas. E essa é uma realidade que se desenvolveu nos últimos dez anos.
Neste período, assistimos a novas possiblidades de manifestações populares, com resultados contundentes. A primavera árabe de 2011 iniciou processos de mudança em vários países. Alguns governos foram destituídos. Como em qualquer processo novo, sucessores nem sempre conseguiram manter a estabilidade.
A primavera brasileira
A sociedade, coordenada, está trazendo uma nova dinâmica à prática da democracia. No Brasil, esse fenômeno é intenso, dada a altíssima conectividade de sua população, mesmo para parâmetros desenvolvidos. A rapidez com que a informação se propaga permite a reunião e a coordenação de grandes grupos em tempo recorde. A sociedade descobre mais rapidamente as estratégias inescrupulosas de políticos e consegue atuar de forma mais eficiente para dar respostas expressivas, em escala.
Essa rapidez e escala passam a ser parâmetros novos no jogo político. A sociedade, quando mobilizada e coordenada, é um ente novo para o governo. Tem nova forma, tamanho, inteligência, criatividade, capacidade de mobilização e resposta. Não mais basta a governos que deem respostas vazias ou usem de subterfúgios que posterguem até as próximas eleições a necessidade de posicionamento. Cada vez mais há a necessidade de respostas rápidas. E esta nova sociedade, apesar de ainda estar aprendendo, está se organizando de forma mais efetiva do que partidos políticos, que ainda não se estruturaram para lidar com essa nova realidade.
A sociedade percebeu que é possível atuar de forma diferente e efetiva. Movimentos sociais vêm sendo criados com uma frequência sem precedentes. Desde o surgimento do Vem Pra Rua, em setembro de 2014, mais de 50 movimentos foram criados para exigir mudanças, monitorar políticos e governantes, aumentar a representatividade e demandar accountability.
Por trás dessa nova forma de agir da sociedade está uma nova crença: a descoberta de um poder que antes não existia. Ou se existia era de difícil utilização. A sociedade está descobrindo que não apenas é possível interferir nas diversas camadas de governo, mas também que sua atuação constante é vital para o bom andamento das instituições, principalmente numa democracia de baixa representatividade, como a brasileira.
A pressão organizada
A sociedade passa a atuar diretamente sobre os três poderes, participando, monitorando, demandando e protestando com frequência muito diferente da eleitoral. Ela passa, pouco a pouco, a se constituir em um quarto poder, que atua de forma legítima, transparente, na essência do processo democrático.
A grande beleza que acompanha esta nova realidade é que este processo permite, finalmente, a responsabilização. A atuação da sociedade, consolidando os desejos e necessidades de suas várias classes sociais, principalmente as de menor poder econômico, denuncia a distância entre governantes e governados, amplifica a necessidade de aproximação entre os dois, melhorando sobremaneira a questão da representatividade.
Amparados por uma imprensa livre, que cumpre inestimável papel nessa nova estrutura, essa nova sociedade denuncia a impunidade e a interdependência dos poderes. Juntas, sociedade e imprensa passam a exercer papel de monitoramento e moderação entre os poderes.
Fascinantemente, a prática da liberdade de expressão, manifestada e coordenada, passa a se constituir a prática de um poder que regula o poder tradicional. Daí sua importância inestimável.
Novos papéis, novos horizontes  
O papel dessa sociedade mobilizada vai além de manifestações. Ela passa a se organizar para melhor educar e orientar os eleitores em quem devem votar e quem devem evitar, apesar da maciça propaganda eleitoral tradicional. A sociedade organizada e informatizada passará, já nas próximas eleições, a ter listas de políticos que guiarão os processos de escolha e melhorará a qualidade ética e gestora dos eleitos, iniciando um círculo virtuoso que trará, gradualmente, maior representatividade.
Milhares de novos papéis serão criados dentro dessa sociedade, e eles poderão ser exercidos por qualquer cidadão que esteja predisposto a fazê-lo, profissional ou voluntariamente, sozinho ou em grupos. Novos negócios vão surgir, novos modelos de ONG serão criados. Os partidos políticos que primeiro perceberem essa nova forma de governar sairão na frente, ao estabelecer uma nova forma de conexão com a sociedade. O estreitamento da relação entre os dois beneficiará a ambos e, acima de tudo, ao país.
O Brasil surpreende
Nesta nova forma de atuação da democracia, o Brasil está se revelando ao participar deste processo de forma inovadora. Na primavera árabe, manifestações eram concentradas e geralmente violentas. Quase não se observaram protestos que foram ao mesmo tempo pacíficos e sustentáveis por períodos mais longos.
No Brasil, ao contrário, a sociedade está indo às ruas aos milhões e mesmo assim com um caráter totalmente ordeiro e constitucional. Ademais, essas manifestações têm acontecido de forma sustentável, por períodos de tempo significativamente mais longos do que as da primavera árabe. Os resultados não são imediatos, mas são graduais e duradouros.
Novos protestos acontecerão. Alguns em massa, alguns pontuais. Cada um com sua mensagem, sua demanda e seu objetivo. Notem que eles sempre trarão demandas ligadas aos quatro problemas enraizados em nossa democracia: falta de representatividade, impunidade, gestão contaminada e falta de independência entre poderes.
Sustentabilidade Cívica
Como na vida pessoal e profissional, a necessidade e a crise geram o novo. A indignação do brasileiro, que é criativo por natureza, está gerando novas estruturas de democracia. As dezenas de movimentos sociais criados nos últimos meses já estão em nova fase: a organização entre si, criando macro entidades que fazem a coordenação entre os diversos grupos.
A política, até então rejeitada e estigmatizada, passa a ser exercida de novas formas, despertando o interesse de jovens que não se interessariam pela antiga e de idosos que dela tinham desistido.
Mídias sociais continuarão a se expandir. A influência da TV aberta, ainda alta, terá papel decrescente. Com mais tecnologia e informação mais livre e pulverizada, a criatividade e conectividade do brasileiro vão surpreender. As mudanças vão se acelerar e alimentar um círculo virtuoso que nos mostra que é possível, sim, mudar e mais rapidamente do que nunca. Pela primeira vez, a alegria cívica vai fazer parte das características do brasileiro. Isso já começou, e já damos ao mundo exemplo de comportamento em massa, algo impensável há um ano. É por isso que sou otimista.
A oportunidade é única. Nunca foi tão fácil e efetivo exercer a cidadania, trocando a reclamação pela ação construtiva. Cabe a você escolher sua posição e qual o papel que quer desempenhar nessa nova realidade. Se quiser, você pode ser parte deste resgate, do orgulho de ser brasileiro.


ROGERIO CHEQUER é engenheiro formado pela Poli-USP, sócio da empresa Soap Presentations e um dos líderes e porta-vozes do Movimento Vem Pra Rua.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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