01 julho 2011

A Política de Segurança Pública no Brasil

A 1a Conferência Nacional de Segurança Pública (1a Conseg), realizada em 2009, foi um marco democrático nesta área. Pela primeira vez, houve um espaço institucional de participação que reuniu sociedade civil, trabalhadores e gestores da segurança pública debatendo quais deveriam ser os princípios e as diretrizes orientadores para a política nacional. Entre os itens priorizados, estão o desarmamento, a participação social, os conselhos comunitários de segurança, a importância dos municípios como gestores da política de segurança pública, o policiamento comunitário, a valorização profissional, o enfrentamento do preconceito e o acesso à justiça.

Desde 2003, a política de segurança pública em âmbito nacional vem avançando muito através de diversas reformulações. Inicialmente, os esforços se concentraram na implementação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). A experiência das políticas públicas da área da saúde serve de exemplo para a segurança, que passa a integrar as ações federais, estaduais e municipais, preservando a autonomia federativa assegurada na Constituição Federal e atribuindo coerência sistêmica às políticas da área.


Para a consolidação desse novo paradigma no País, o governo federal deu início, em 2007, ao Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Aprovado por unanimidade no Congresso Nacional, o programa reconhece a violência como um fenômeno decorrente de múltiplos fatores, que requer respostas do Estado intersetoriais e transdisciplinares. Nesse sentido, as políticas de segurança focalizam as raízes da violência e da criminalidade e estão articuladas permanentemente com as demais áreas, tais como educação, saúde e cultura. A juventude e a territorialidade são consideradas alvos prioritários das políticas desenvolvidas, evitando o ingresso dos jovens na vida do crime.


É chegado o momento de avançar ainda mais na integração entre os entes federados. Para tanto, já foi iniciado o trabalho de construção de um grande pacto pela segurança pública envolvendo o governo federal e os governos estaduais, com a realização de diagnósticos e estratégias conjuntas de atuação.

De fundamental importância também é a crescente atuação dos municípios na segurança pública. O Poder Público Municipal é responsável pelo planejamento urbano, ordenamento territorial e regulação do uso do solo, por exemplo. Ademais, o gestor local é a autoridade mais próxima do cidadão, da sua realidade social e dos laços comunitários existentes. Desta forma, há um grande potencial para o enfrentamento da violência e da criminalidade, especialmente através de medidas preventivas e sociais. Os municípios cada vez mais conectam a segurança pública às demais áreas de sua atuação.


Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, o número de homicídios no Brasil, em 2008, foi de 50 113, sendo um grande número de jovens e negros. Essa é uma realidade incompatível com o nível crescente de desenvolvimento socioeconômico de nosso país e precisa ser mudada urgentemente.
O governo federal trabalha de forma enérgica para fortalecer o controle e a vigilância sobre as regiões de fronteira. O ingresso no Brasil de drogas e armas deve cessar, assim como a lavagem de dinheiro e as demais facetas do crime organizado. Para tanto, novamente encontramos a necessidade de uma atuação integrada entre os órgãos federais, estaduais e municipais.


A prevenção policial e não policial precisa estar em equilíbrio com a repressão qualificada. A perícia criminal constitui meio imprescindível para a eficácia da atuação policial. No tocante ao sistema de justiça, a perícia contribui para constituição mais robusta do corpo probatório. Assim, sua efetiva atuação e fortalecimento implicam também a redução da impunidade, uma vez que possibilita uma melhor apuração e maior convicção da autoria e das circunstâncias dos delitos. A inteligência estratégica deve reunir as informações do sistema de segurança e do sistema prisional para orientar as ações investigativas e repressivas. O policiamento de proximidade, também conhecido como policiamento comunitário, aproxima do cidadão o profissional da segurança pública, de forma a possibilitar maior proteção, troca de informações e cidadania.


A atuação integrada dos três entes federados de forma coesa, sistêmica e harmônica é imprescindível e deve contemplar a participação social em todos os níveis. A 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (1ª Conseg), realizada em 2009, foi um marco democrático nesta área. Pela primeira vez, houve um espaço institucional de participação que reuniu sociedade civil, trabalhadores e gestores da segurança pública debatendo quais deveriam ser os princípios e as diretrizes orientadores para a política nacional. Foram realizadas 27 etapas estaduais, 265 etapas municipais, 1 140 conferências livres em 445 municípios, conferência virtual, seminários temáticos, projetos especiais e cursos de capacitação. Ao total, participaram mais de 530 mil pessoas.


O resultado desse amplo processo de debates foi a priorização de 10 princípios e as 40 diretrizes que devem orientar a Política Nacional de Segurança Pública. Entre os itens priorizados, estão: o desarmamento, a participação social, os conselhos comunitários de segurança, a importância dos municípios como gestores da política de segurança pública, o policiamento comunitário, a valorização profissional, o enfrentamento do preconceito, o acesso à justiça, a priorização das penas e medidas alternativas, a cultura de paz e o fortalecimento do SUSP e do Pronasci.

Participação social

Com o objetivo de tornar permanente a participação social na esfera federal, o Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp) foi reativado e reestruturado. Sua composição passou a contemplar a sociedade civil e os trabalhadores da área, que anteriormente não possuíam assento no Conselho e que passaram a ter seus representantes democraticamente eleitos a partir de agosto de 2010.


Compondo a participação tripartite da segurança pública, ao lado da sociedade civil e dos gestores, estão os trabalhadores da área, cujo reconhecimento e valorização devem ser compatíveis com a dignidade e o risco inerente de sua profissão. Os integrantes das instituições de segurança pública devem também ser reconhecidos como sujeitos portadores de direitos humanos e de prerrogativas necessárias ao exercício das suas atribuições, sendo-lhes asseguradas condições adequadas para tal.


A formação e a capacitação dos profissionais da área em conformidade com o novo paradigma de segurança com cidadania são fundamentais. Dessa forma, uma matriz curricular adequada e a disponibilidade de meios de ensino/aprendizado são essenciais, especialmente quando se pretende que estes profissionais sejam educadores e promotores de direitos humanos e da cultura de paz. A modernização das instituições policiais requer a qualificação adequada, contínua e permanente de seus integrantes, cujo reflexo deve incidir também sobre suas carreiras profissionais.


O uso diferenciado da força e a adoção de tecnologia menos letal, aliados à capacitação própria, são meios que possibilitam o desempenho da atividade policial de forma eficaz e legítima sem, contudo, implicar violação de direitos alheios. Estes são mecanismos de valorização da atividade policial e de aproximação dos profissionais da segurança pública à população, que aumenta sua confiança sobre os trabalhores da área e as instituições. No mesmo sentido, devem ser tomadas medidas que visem à redução do número de mortes destes profissionais durante o horário de serviço e fora dele.


A qualidade de vida e de atuação destes profissionais está relacionada diretamente com suas condições físicas e psíquicas. A impossibilidade de exercício do direito ao lazer e ao descanso compromete suas condições de prestar um serviço público com a devida qualidade e eleva os riscos inerentes para si mesmos ou para terceiros. É imprescindível também que exista assistência biopsicossocial plena ao trabalhador e aos seus familiares, incluindo prevenção e tratamento adequado ao estresse, quadros pós-traumáticos, drogadição, dependência química e depressão.
Todas estas políticas públicas, porém, devem ser conduzidas através de um processo de gestão que contemple efetivamente suas diversas etapas. As ações necessitam de orientação por um planejamento estratégico integrado que seja concebido a partir de um diagnóstico adequado. Sua implementação deve ser constantemente monitorada, e seus resultados, impactos e custos devem ser avaliados a partir de indicadores preconcebidos. As políticas públicas, articuladas interinstitucionalmente, ganham eficiência no enfrentamento da violência e da criminalidade, otimizam a utilização dos recursos públicos e reduzem burocracias.


Na esfera federal, as políticas públicas de governo sobre segurança pública passam então à condição de políticas públicas de Estado, como também se verifica nas demais áreas. Todo o acúmulo que for construído e pactua¬do pelas instâncias de participação social na segurança pública será mantido e não poderá ser ignorado pelos gestores que se sucederem, impedindo retrocessos e consolidando os avanços. Há, portanto, um fortalecimento da sociedade em sua totalidade, ao qual se deve dar continuidade.


A violência e a criminalidade precisam ser compreendidas de forma ampla, permitindo que se percebam suas soluções como um conjunto de ações diversificadas, sejam elas preventivas ou repressivas qualificadas, que devem ser levadas a cabo não apenas pelas forças policiais, mas também pelos demais órgãos públicos, de forma planejada, coordenada e integrada. União, estados e municípios devem somar os esforços e atuar de forma sistêmica. A participação da sociedade e dos trabalhadores da área deve ser priorizada e assegurada em todas as esferas governamentais. Por fim, é necessário e urgente que a vigente cultura de violência seja imediatamente substituída por uma cultura de paz, cidadania e democracia participativa.

É secretária nacional de Segurança Pública e presidente do Conselho Nacional de Segurança Pública no Ministério da Justiça. É advogada, mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP, especialista em Direito de Família e Fundiário e, também, em Políticas de Segurança Pública pela PUC/RS. Foi coordenadora geral da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (1ª Conseg) e secretária de Defesa Social da Prefeitura de Diadema (SP).

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