Agricultura sustentável e segurança alimentar na trilha para Belém
2 Agricultura sustentável
Resumo Executivo
As mudanças climáticas impactam todas as dimensões da segurança alimentar, gerando desafios locais e globais que requerem respostas imediatas. Contudo, atender à crescente demanda por comida exigirá um aumento significativo na produção global de alimentos. Paradoxalmente, a agropecuária, que é fundamental para essa expansão, é um dos principais motores das mudanças climáticas, ao mesmo tempo que é diretamente afetada pelos seus impactos deletérios. Diante desse cenário, o debate sobre segurança alimentar e agricultura sustentável se torna fundamental na busca por soluções que conciliem produtividade e preservação ambiental. O painel ‘Agricultura Sustentável e Segurança Alimentar na Trilha para Belém’ reuniu especialistas para discutir o tema e propor encaminhamentos, com o objetivo de contribuir para a formulação da nova NDC brasileira. As soluções apresentadas estão sintetizadas neste policy paper.
Introdução
Este policy paper resume as discussões do painel ‘Agricultura Sustentável e Segurança Alimentar na Trilha para Belém,’ moderado pelo embaixador José Carlos da Fonseca (Empapel e Ibá), com a participação de Luciana Jacob (MDA), Bruno dos Santos Brasil (MAPA), Juliano Assunção (CPI) e Virginia Antonioli (WRI Brasil).
As mudanças climáticas impactam diretamente todas as dimensões da segurança alimentar, exigindo respostas rápidas para mitigar seus efeitos, promover sistemas agrícolas sustentáveis e proteger as populações mais vulneráveis. Segundo a FAO,[1] para atender à demanda global de alimentos até 2050, será necessário aumentar a produção em 70%. No Brasil, a agropecuária e a mudança no uso da terra são os maiores emissores de gases de efeito estufa,[2] tornando o setor um importante driver das mudanças climáticas. Paradoxalmente, a atividade agropecuária é extremamente suscetível aos extremos climáticos e aos desequilíbrios ambientais decorrentes da mudança no clima global.
O painel destacou essa posição paradoxal da atividade agropecuária em relação às mudanças climáticas. Por um lado, essas atividades são responsáveis pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa e pela degradação dos ecossistemas. Do outro lado, a agropecuária depende fortemente de condições ambientais e climáticas estáveis para assegurar a continuidade, estabilidade e qualidade da produção de alimentos.
Esse paradoxo destaca a urgência de se promover práticas agrícolas mais sustentáveis que equilibrem a produção com a preservação ambiental. Para analisar essa situação e propor possíveis soluções para a questão da segurança alimentar e da agricultura sustentável em um cenário de mudanças climáticas, este policy paper abordará o problema, apresentará as propostas discutidas e sintetizará as conclusões e recomendações políticas.
Descrição do problema/diagnóstico
O sexto relatório de síntese do IPCC, divulgado em 2023, revela que a temperatura da superfície terrestre aumentou 1,1ºC em comparação aos níveis de 1850-1900 entre 2011 e 2020 [3], colocando a humanidade em uma zona de incerteza climática [4]. Embora o setor energético seja o principal responsável pelas emissões globais de gases de efeito estufa [5], o setor de Agricultura, Silvicultura e Outros Usos da Terra (Agriculture, Forestry and Other Land Use – AFOLU) sua contribuição, 22% das emissões globais de GEE em 2019 (3). No Brasil, o setor AFOLU foi a maior fonte de emissões, correspondendo a cerca de 48% das emissões brutas em 2022, seguido pelo setor agropecuário, que contribuiu com 27% das emissões brutas [6].
Apesar do vasto conhecimento já produzido e divulgado sobre a importância de mudança nos padrões da produção agropecuária, a expansão desta atividade segue sendo o principal motor de desmatamento e degradação de vegetação nativa ao redor do mundo. Segundo relatório da FAO [7] a agricultura comercial em larga escala foi responsável por 40% do desmatamento em florestas tropicais entre 2000 e 2010 e a agricultura local de subsistência por cerca de 33% da perda de vegetação original.
A resiliência dos sistemas alimentares humanos depende diretamente da biodiversidade ameaçada pela expansão da produção agropecuária. Os agroecossistemas precisam de serviços ecossistêmicos para funcionar e, quando manejados de forma sustentável, podem contribuir positivamente para esses serviços. No entanto, sem práticas adequadas, eles podem gerar prejuízos, causando danos ambientais, à saúde e à própria atividade agrícola, criando assim um ciclo vicioso que compromete o equilíbrio e a sustentabilidade do sistema.
• Produção Global de Alimentos
Em sua apresentação, Juliano Assunção, da Climate Policy Initiative (CPI), explorou as oportunidades e desafios da produção de alimentos em um mundo cada vez mais populoso e quente. Entre 1961 e 2001, a expansão da produção global de alimentos foi impulsionada tanto pelo aumento das áreas cultivadas quanto pelos ganhos de produtividade. A partir de 2001, no entanto, observou-se uma mudança — a produção aumentou, mas em menos áreas, indicando que a sociedade já está conseguindo produzir mais utilizando os recursos disponíveis de forma mais eficiente.
Grande parte da expansão agrícola e pecuária no Brasil ocorreu às custas da retirada ou degradação da vegetação nativa, intensificando problemas ambientais, como as mudanças climáticas. Ainda assim, o país preserva vastas áreas florestais e dispõe de uma extensa área de pastagens subutilizadas em termos de potencial produtivo. Segundo Juliano Assunção, essas áreas de pastagem representam a “chave” para expandir a produção de alimentos sem expansão geográfica. Em muitas regiões do Brasil, como no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a área destinada à pecuária diminuiu ao longo dos anos, acompanhada por ganhos de produtividade. A única exceção é a região Norte, que segue uma trajetória oposta.
Virginia Antonioli, do WRI, reforçou esse ponto ao destacar que há 22 milhões de hectares de solo degradado “disponíveis” para restauração ou para uma mudança de uso, oferecendo oportunidades para integrar sustentabilidade e produtividade no setor agropecuário brasileiro.
• Desmatamento, “rios voadores” e regime de chuvas
O setor agropecuário brasileiro exerce pressão tanto sobre as florestas quanto sobre o regime de chuvas. Os “rios voadores” – correntes de vapor de água
que influenciam o clima e o regime de chuvas – têm impacto direto nas condições vegetais, na agricultura e na geração de energia em todo o continente sul-americano. Juliano Assunção (CPI), ressaltou a importância de uma compreensão mais aprofundada desse processo e mencionou brevemente os dados de um estudo apresentado em 2024 [8]. O estudo destaca a necessidade de se analisar o regime de chuvas em áreas específicas com informações detalhadas sobre as condições regionais e a trajetória dos ventos. Ele também relaciona o desmatamento em uma área com as mudanças no regime de chuvas em outra, permitindo compreender melhor o alcance dos serviços ecossistêmicos proporcionados por florestas em diferentes localidades. Essas informações são fundamentais para avaliar como a preservação de florestas impacta outras regiões e pode ser usada para estratégias de proteção ambiental e planejamento agrícola.
• Agricultura Familiar
Não se pode discutir agricultura sustentável e segurança alimentar no Brasil sem abordar a agricultura familiar. Parafraseando Luciana Jacob, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, é esse setor que alimenta a maior parte da população brasileira. Apesar de haver cerca de 4 milhões de propriedades familiares no país (de um total de 5 milhões de estabelecimentos rurais), o setor ocupa apenas um quarto da área rural total.
A agricultura familiar no Brasil é extremamente diversa, englobando, conforme definido pela Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, não apenas agricultores, mas também silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores, povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais. Além disso, a diversidade territorial e regional da agricultura familiar apresenta desafios significativos para
políticas públicas.
Embora o setor não seja um grande emissor de gases de efeito estufa (GEE), a agricultura familiar é o grupo rural mais vulnerável às mudanças climáticas. Dentro desse grupo, há situações de extrema vulnerabilidade, com maior exposição ao risco, sensibilidade e menor capacidade de adaptação. Por isso, a discussão sobre agricultura familiar está intimamente ligada ao conceito de justiça climática.
Virginia Antonioli, do WRI, destacou que muitas práticas regenerativas já são adotadas pelos pequenos produtores. No entanto, ela aponta uma lacuna de conhecimento sobre a aplicabilidade dessas práticas no contexto das propriedades familiares e questiona se esses agricultores têm pleno acesso aos recursos necessários para a regeneração de suas terras.
Antonioli citou um estudo do IPEA que mostra correlação positiva entre a compra de produtos da agricultura familiar no PNAE e o desempenho escolar dos alunos. Além disso, mencionou outro estudo realizado na África, que relaciona o aumento da segurança alimentar ao aumento de áreas de regeneração natural, enfatizando que manter florestas em pé, com seus serviços ecossistêmicos, é essencial para a produção agrícola. Isso levanta a questão de onde melhor investir recursos e esforços.
• Agenda Econômica
“O que estamos tratando aqui como uma agenda climática e ambiental é, na verdade, uma agenda fundamentalmente econômica. Se assim não fosse, ela não seria tão contenciosa e geraria tantos debates”, sintetizou Bruno Brasil, representante do MAPA, ao destacar a realidade das negociações locais, multilaterais e globais sobre mudanças climáticas. A complexidade vai além das questões biológicas, químicas e físicas envolvidas, sendo fortemente marcada pelas questões econômicas atreladas aos padrões produtivos. O Brasil entende bem essa relação entre sustentabilidade e economia: dos vinte principais produtos de exportação, dezoito dependem diretamente do uso de recursos naturais, essenciais para o desenvolvimento do país.
Com o balanço global indicando que o mundo não está no caminho para conter a crise climática dentro do limite de 1,5ºC (ou até 2ºC), o Brasil tem reforçado sua posição de liderança nas negociações climáticas multilaterais. Na 60ª Sessão dos Órgãos Subsidiários (SB60) em Bonn, o Grupo de Trabalho sobre Agricultura destacou a segurança alimentar como prioridade. Em Baku, será discutida uma nova fase de financiamento global coletivo. Mas, Bruno alerta que o pragmatismo é necessário: a maior parte desse financiamento virá do setor privado, e não apenas do público.
Bruno Brasil ressaltou os 14 anos de implementação do Plano ABC (Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), que promove a adoção de tecnologias e práticas para mitigar e adaptar a agricultura às mudanças climáticas, reforçando a importância de integrar o desenvolvimento socioeconômico à produção rural. Ele destacou que aumentar a produtividade, por meio da chamada intensificação sustentável, é crucial para viabilizar o crescimento contínuo da produção ao longo dos próximos anos. Hoje, o RenovAgro dá continuidade ao financiamento de práticas iniciadas pelo Programa ABC, gerando um “ciclo virtuoso” em que agricultores mais produtivos e sustentáveis conseguem acesso facilitado ao crédito.
• Extremos climáticos
O representante do MAPA destacou que, na última década, a agropecuária brasileira tem perdido aproximadamente 25 bilhões de reais por ano devido a eventos climáticos extremos, como as inundações no Rio Grande do Sul em 2024. Essas perdas incluem prejuízos agrícolas, destruição de solos e redução da fertilidade. No entanto, ele salientou que, embora os danos causados por chuvas extremas sejam significativos, cerca de 80% das perdas nos últimos 10 anos resultaram de secas e estiagens. Ele mencionou ainda o grande potencial de irrigação não aproveitado no Brasil: atualmente, o país irriga cerca de 9 milhões de hectares, mas tem potencial hídrico para irrigar mais de 50 milhões de hectares (para comparação, a China e a Índia irrigam uma área cinco vezes maior e os Estados Unidos três vezes maior que o Brasil).
Luciana Jacob, do MDA, também enfatizou as perdas causadas pelos extremos climáticos, apontando como as enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul afetaram desproporcionalmente a agricultura familiar. Ela destacou que, até setembro de 2024, foram gastos cerca de 60,2 bilhões de reais na reconstrução do estado, com grande parte desse montante destinada à recuperação da zona rural e à mitigação das perdas na produção de alimentos, evidenciando o impacto severo sobre as pequenas propriedades agrícolas.
• Debate interministerial e intersetorial
Há uma clara tentativa de abordar a agenda climática de maneira transversal e interseccional dentro e entre os órgãos executivos envolvidos. Além disso, busca-se ampliar a participação de diversos atores, como a sociedade civil, suas organizações, comunidades indígenas e tradicionais, comunidades epistêmicas, o setor privado e organizações internacionais.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), responsável pela agricultura familiar, tem se esforçado para integrar a agenda climática em todas as suas secretarias, promovendo uma abordagem mais holística. Essa estratégia visa incluir múltiplas perspectivas e vozes no processo de formulação de políticas públicas mais eficazes para enfrentar os desafios da segurança alimentar, da agricultura familiar e da crise climática e ambiental.
De acordo com o representante do MAPA, o debate sobre a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e o Plano Clima, especialmente em relação à mitigação, tem sido conduzido por uma ação conjunta entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e a Casa Civil. Esse debate é pautado por evidências científicas, reconhecendo a importância da ciência e considerando as implicações econômicas. No que se refere às questões agropecuárias, o debate é coordenado de forma integrada por MAPA, MMA, Casa Civil e MDA, garantindo uma abordagem colaborativa entre os ministérios envolvidos.
Recomendações/propostas
1.
Reforçar as estratégias de adaptação e desenvolver uma abordagem proativa para a antecipação de cenários, colocando em destaque o debate sobre perdas e danos
Luciana Jacob, do MDA, destacou a necessidade de se revisar e fortalecer políticas públicas para reduzir a vulnerabilidade da agricultura familiar, priorizando estratégias de adaptação, como seguro rural, crédito e renegociação de dívidas, além de antecipação de cenários por meio de sistemas integrados de informação. Bruno Brasil, do MAPA, também enfatizou a importância de fortalecer essas políticas, ressaltando o papel essencial do seguro agrícola.
Juliano, da CPI, acrescentou que o debate sobre capacidade adaptativa e perdas e danos muitas vezes é negligenciado nas negociações globais de clima, pois as ações de adaptação e reparação tendem a ser conduzidas em nível local. Ele sublinhou que, para Baku, é crucial alinhar a agenda interna com estratégias claras tanto para mitigação quanto para adaptação e perdas e danos, considerando as diferentes estruturas de financiamento envolvidas. Além disso, ele frisou a urgência de implementação de uma rede de proteção que possa ser acionada quando necessário. Juliano destacou ainda a importância de uma estratégia de zoneamento que leve em consideração também os novos
regimes climáticos.
Ainda há muito espaço para expandir e fortalecer a agenda de seguros, que atualmente está concentrada em determinadas culturas e regiões. Juliano sintetizou: “Quanto menos gastamos em mitigação, mais gastaremos em adaptação, e quanto menos investimos em adaptação, mais será necessário gastar em perdas e danos”. O Embaixador José Carlos da Fonseca reforçou a urgência do tema, afirmando que perdas e danos deixaram de ser um conceito distante e passaram a ser uma realidade tangível e alarmante no dia a dia.
2. Educação ambiental e formação e capacitação de gestores
Tanto Luciana, do MDA, quanto Bruno Brasil, do MAPA, ressaltaram a importância de promover a integração da questão climática no planejamento e na implementação de políticas públicas, destacando que essa abordagem é essencial para garantir que as políticas sejam mais eficazes e alinhadas com os desafios ambientais atuais. Para isso, ambos destacaram a importância de capacitar gestores com amplo conhecimento nas questões de mudanças climáticas, garantindo que estejam preparados para desenvolver e implementar políticas públicas eficazes nesse contexto.
3. Reforçar a participação da Agricultura Familiar nas mesas de negociação
Luciana Jacob, do MDA, destacou que essa inclusão possibilitaria um debate mais profundo e uma definição mais precisa de políticas públicas voltadas para o financiamento e gestão da agricultura familiar, garantindo soluções mais adequadas às necessidades desse setor, essencial para a segurança alimentar. Além disso, ela enfatizou a importância de incorporar as lições aprendidas com a agricultura familiar na redefinição do uso da terra e na transição para sistemas agroalimentares mais justos, equitativos e sustentáveis.
A representante do MDA, destacou que a agricultura familiar desempenha um papel fundamental na manutenção da produção diversificada de alimentos, sendo crucial para a segurança alimentar. No entanto, ela alertou para o risco de que essa atividade, especialmente nos países do sul global, possa resultar em um maior endividamento, agravando a situação financeira dessas nações.
4. Investir e expandir a irrigação no setor agropecuário
Segundo Bruno, do MAPA, o Brasil ainda não explora plenamente seu potencial de irrigação, o que deixa o país vulnerável a secas e estiagens. Ele enfatizou que “irrigação é um investimento majoritariamente privado que se paga”. Entre os benefícios da irrigação, estão o aumento da produtividade para o agricultor, o “efeito poupa-terra”, que reduz a necessidade de expansão agrícola, a viabilização de segunda e terceira safras, e a diminuição da pressão por desmatamento.
5. Solução climática dentro da propriedade rural
Bruno Brasil, do MAPA, destaca que, na trajetória rumo a 2050, várias soluções climáticas virão de dentro das propriedades rurais, como a expansão da adoção de práticas de baixa emissão de carbono na agricultura e o fornecimento de matérias-primas para bioenergia e biocombustíveis. Além disso, haverá necessidade de criação de incentivos econômicos para reduzir o desmatamento legal. Reforçou ainda a importância de se implementar sistemas de pagamentos por serviços ambientais, promovendo práticas sustentáveis e a preservação
dos ecossistemas.
6. Biomassa para transição energética
O representante do MAPA destacou: “A transição energética depende fundamentalmente da biomassa, da bioenergia e dos biocombustíveis. E a matéria-prima para isso virá da agropecuária.”
7. Aproveitamento das áreas de pastagens, sejam elas degradadas
ou não
Virginia, do WRI, destacou a importância da restauração das pastagens degradadas, enquanto Juliano do CPI apontou que há um vasto estoque de áreas subutilizadas disponíveis para expandir a agropecuária, gerar renda e promover o restauro florestal. Ele também ressaltou que é mais viável expandir a área de cultivo agrícola sobre áreas de pastagens já existentes, em vez de desmatar novas áreas, o que favorece tanto a produtividade quanto a conservação ambiental
8. Investir em sistemas agroflorestais e agricultura regenerativa
Virginia, representante da WRI, ressaltou que as áreas subutilizadas de pastagens podem ser utilizadas para restauração produtiva — unindo adequação ambiental e geração de renda imediata, o que pode vir a reduzir os custos de restauração. Ela destacou a importância de um investimento estratégico e de um planejamento adequado, combinando ciência e planejamento territorial com foco no perfil socioeconômico. Isso permitiria uma melhor destinação de recursos financeiros e técnicos, otimizando os resultados e garantindo maior eficiência nas ações
de restauração.
Outra possibilidade para as terras degradadas e subutilizadas espalhadas principalmente pela região Norte do país é a agricultura regenerativa. Virginia apontou que uma das vantagens dessa abordagem é que ela viabiliza tanto o financiamento quanto o desenvolvimento sustentável. No entanto, ela ressaltou que o tema ainda precisa ser mais bem definido, e que é essencial sair da lógica do business as usual, que se concentra apenas em práticas como o plantio direto e a cobertura do solo. Ela sugeriu a inclusão de outros indicadores importantes, como a saúde do solo, a retenção de carbono no solo, a conectividade ecológica e fatores socioeconômicos, para garantir uma visão mais holística e efetiva das práticas de sustentabilidade.
9. Agropecuária livre de desmatamento a partir de uma abordagem de proteção e produção
Todos os participantes do painel enfatizaram a importância de desvincular o desenvolvimento socioeconômico do desmatamento. Além da pressão comercial exercida por parceiros estrangeiros e pela cadeia produtiva global, a agropecuária também depende da “floresta em pé” para manter sua produtividade e continuar avançando. Nesse sentido, Juliano Assunção, da CPI propôs uma abordagem integrada de produção e proteção, baseada no aumento da produtividade agrícola aliado à preservação dos ecossistemas. Ele ressaltou que, para que a proteção ambiental seja efetivamente viabilizada, é essencial garantir o desenvolvimento socioeconômico dos territórios.
O Brasil já dispõe de uma série de instrumentos normativos e regulatórios que podem embasar essa estratégia de produção sustentável e proteção ambiental, como o Código Florestal, que serve de base para conciliar essas duas agendas.
n Conclusões e recomendações políticas
Os relatórios recentes do IPCC confirmam que o planeta já sofre os impactos das mudanças climáticas, e os extremos climáticos futuros tendem a ser mais intensos e frequentes. Isso demanda melhores políticas de mitigação, adaptação e gestão de riscos. A relação entre mudanças climáticas e segurança alimentar é um dos maiores desafios globais, afetando diretamente a produção agrícola, com eventos extremos, aumento de temperaturas e degradação do solo comprometendo colheitas e a segurança alimentar, especialmente em regiões vulneráveis.
Para alimentar a população mundial, será necessário aumentar a produção de forma sustentável. Entretanto, a agricultura, que contribui com cerca de 22% das emissões globais de gases de efeito estufa, precisa se adaptar e, ao mesmo tempo, mitigar seu impacto. A adoção de práticas agrícolas sustentáveis é essencial para reduzir as emissões e aumentar a resiliência do setor.
O Brasil, como um dos maiores produtores agrícolas do mundo, tem um papel importante nas negociações sobre segurança alimentar e clima. O país possui vantagens, como tecnologias avançadas, grande disponibilidade de terras, especialmente pastagens subutilizadas, e potencial para expandir a agricultura sustentável. Práticas regenerativas, como a restauração de áreas degradadas, são cruciais para aumentar a produtividade sem comprometer o meio ambiente. n
Referências
[1]
FAO’s Director-General on How to Feed the World in 2050. Popul Dev Rev [Internet]. 2009;35(4):837–9. Available from: http://www.jstor.org/stable/25593700
[2] Assunção J, Chiavari J. Towards Efficient Land Use in Brazil. 2015.
[3]
Calvin K, Dasgupta D, Krinner G, Mukherji A, Thorne PW, Trisos C, et al. IPCC, 2023: Climate Change 2023: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, H. Lee and J. Romero (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland. 2023 Jul.
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Steffen W, Richardson K, Rockström J, Cornell SE, Fetzer I, Bennett EM, et al. Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet. Science (1979) [Internet]. 2015 Feb 13;347(6223):1259855. Available from: https://doi.org/10.1126/science.1259855
[5]
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[6]
SEEG – Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa. Análise das Emissões de Gases de Efeitos Estufa e suas Implicações para as Metas Climáticas do Brasil 1970-2022. 2023.
[7] FAO; UNEP. The State of the World’s Forests 2020. FAO and UNEP; 2020.
[8]
Pinto GRS, Arbache J, Antonaccio L, Chiavari J. (Des)matando as Hidrelétricas: A Ameaça do Desmatamento na Amazônia para a Energia do Brasil. 2024.
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