Água: Há Muita Gente Decidindo
Se me perguntarem qual o principal problema da água no Brasil, a resposta já está na ponta da língua: é a falta de planejamento integrado entre os atores responsáveis pelo setor. Existem muitos governos decidindo os caminhos a serem tomados: praticamente todas as prefeituras, os governos estaduais e o governo federal, com órgãos em diferentes ministérios. O mais urgente para resolvermos nossos problemas nessa área e evitar outras crises como a que estamos enfrentando é a criação de um planejamento integrado capaz de alinhar a água a todos os segmentos que lidam com a economia e com as nossas vidas – agricultura, indústria e consumo humano.
A água é tão fundamental para a sobrevivência do ser humano que deveríamos seguir, neste aspecto, o exemplo da China e criar um Ministério das Águas.
A atual crise hídrica ajudará as pessoas a refletirem sobre nossos problemas na produção e no consumo de água. Em ambos os casos, as dificuldades são enormes.
O consumo de água no país é de aproximadamente 70% para a agricultura, outros 20% para a indústria e os 10% restantes para o abastecimento humano.
Assim, não adianta discutir o que fazer com 10% para abastecimento humano, se o destino dos outros 90% está sendo debatido em outras instâncias. Discutir as soluções para essa crise hídrica de forma integrada é o melhor caminho.
Cabe destacar que esta atomização de ideias também acontece institucionalmente. Existem muitas associações, ONGs e outras instituições, cada uma sugerindo uma estrada diferente a ser seguida. Assim, fica explicado porque ainda não conseguimos construir propostas objetivas e capazes de sensibilizar as autoridades federais, estaduais e municipais.
O encaminhamento pelas associações e ONGs de propostas sobre temas estruturantes do setor, de forma isolada, e muitas vezes antagônicas, só reafirma o título desta reflexão: “Há muita gente decidindo…”
O que precisamos fazer para virar este jogo?
Como tenho grande parte da minha vida profissional ligada ao tema água, sob o enfoque do consumo humano (água e esgoto), vou me deter um pouco mais nas propostas para este segmento.
Sempre cito alguns pontos sobre os quais tenho escrito e repetido por ocasião de palestras e seminários e acho que vale a pena refletirmos sobre eles.
Existe necessidade de articulação e coordenação institucional a partir de um ente incumbido de vocalizar as demandas do setor água – consumo humano, promovendo uma agenda consensual, a partir das entidades, ONGs e iniciativa privada.
Esta coordenação institucional faria fluir de forma mais rápida e efetiva a relação, principalmente com o governo federal, e, em consequência, o desafio da universalização da água potável e do esgoto tratado poderia ser acelerado.
Parece claro que esta atomização de ideias caminha no sentido contrário ao da eficiência. E ainda ajuda enormemente a manutenção do clima de desinformação reinante em nosso país em relação ao tema.
Antes das eleições do ano passado, quando caminhávamos a passos largos em direção à crise hídrica que enfrentamos agora, analisamos as sugestões enviadas aos então candidatos à Presidência por sete das mais de 30 entidades privadas e ONGs existentes no setor. Foram contabilizadas cerca de 100 propostas e/ou recomendações. A conclusão a que se chegou é que esse enorme número de temas poderia ser concentrado em apenas três pontos consensuais:
1) Planejamento integrado
2) Melhoria da gestão
3) Recursos
Esses três pontos reunidos e aliados à tecnologia já existente seguramente são o melhor caminho para chegarmos mais rapidamente a um novo patamar nos serviços de água e esgoto no Brasil. Vamos falar sobre cada um desses pontos isoladamente.
Mas, antes de analisá-los, vale lembrar que a boa administração da água (e do esgoto) tem sido relegada a um plano secundário diante de outros desafios imediatos, como a redução da fome e da pobreza.
O mesmo vale para toda a América do Sul e para todas as outras regiões menos desenvolvidas do planeta, identificadas pela má distribuição da água potável e pelos baixos índices no tratamento do esgoto.
A boa gestão da água junto com a redução da fome e da pobreza são providências que devem caminhar juntas, se quisermos deixar uma boa herança para as próximas gerações.Planejamento integrado
Como dissemos acima, há um excesso de entes governamentais no Brasil. Repetindo, sem querer ser agressivo, há governo demais mandando no setor.
Isso não é uma crítica aos atuais governantes, pois a desarticulação entre os inúmeros órgãos oficiais, os atores do setor e a sociedade de modo geral sempre foi a tônica nessa área. Não há uma articulação institucional como acontece com os segmentos que são ouvidos na elaboração de suas respectivas políticas públicas. No saneamento (água e esgoto), as prefeituras assinam contrato com os governos estaduais, que dependem do governo federal para implementar seus programas de governo. Quando acontece algum problema, quase sempre ficamos diante daquele antigo, quase anedótico dilema do mosquito (hoje, felizmente superado). De quem é o mosquito?
Em 1994, em reportagem na Folha de S. Paulo, o repórter Xico Sá foi enviado por seu jornal a Fortaleza, onde grassava uma epidemia da dengue. Ele retornou a São Paulo com a dúvida que expressou nas primeiras linhas do seu texto: “O mosquito da dengue é federal, estadual ou municipal? Essa é a grande polêmica entre o Ministério da Saúde, o governo do Ceará e a prefeitura de Fortaleza. Ninguém assume a culpa pelo aedes egypti – nome científico do mosquito –, responsável pela transmissão da doença que virou epidemia no Estado”. Na ocasião, esse não era problema apenas de Fortaleza, existiam exemplos ocorridos no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Minas Gerais e no resto do país.
Guardadas as proporções, esse não foi sempre o problema do saneamento? Quem constrói os caminhos que vão, enfim, terminar com a angústia das populações que não têm água nem esgoto? O governo sozinho é capaz de resolver esse gigantesco problema, com o dinheiro que arrecada e precisa distribuir para infinitas finalidades? O setor privado não deveria ser chamado de forma mais efetiva para contribuir na solução?
Abrindo um parêntesis. Como sou da área privada, sou testemunha de que as empresas, para usar uma imagem do esporte que faz tanto sucesso entre nós, estão na beira do gramado contando os minutos para entrar em campo. Existem inúmeros projetos entre prefeituras, companhias operadoras e empresas privadas, mas seria necessário consolidar uma política bem definida para esse tipo de parceria – e apostar nela.
Melhoria da gestão
Entre outros problemas de gestão, das 27 empresas estaduais operadoras do sistema brasileiro de saneamento, ao menos 20 delas têm faturamento menor do que suas despesas. Na prática, esse é o primeiro sintoma de que muita coisa está errada na gestão dessas empresas.
Mas, há outros sintomas a indicar a necessidade de uma mudança radical na administração delas. Por exemplo, as perdas. Esse é um ponto inaceitável nos dias de hoje, tanto para operadores públicos ou privados, quando estão disponíveis as melhores técnicas, não apenas administrativas, mas, principalmente, de conhecimento tecnológico que pode ser colocado em prática rapidamente.
Há alguns anos, a Caixa Econômica Federal realizou um seminário em parceria com a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (ABDIB), em que os convidados de honra foram as empresas operadoras estaduais.
Os técnicos da Caixa trouxeram uma proposta para que elas utilizassem recursos do FGTS para acabar com seus problemas administrativos e técnicos. As empresas teriam acesso aos recursos que fossem necessários, mas suas diretorias deveriam aceitar a análise dos problemas que enfrentavam por uma auditoria e, depois disso, colocar em prática as medidas propostas, que seriam indiscutivelmente duras, mas capazes de saneá-las. O resultado: poucas se interessaram em conhecer o programa e nenhuma aderiu ao projeto.
Ainda sobre as perdas, vale lembrar que as melhores empresas operadoras brasileiras perdem entre 30% e 40% da água potável que produzem. Algumas chegam a perder até 50% ou 60% de sua produção de água potável, ou seja, água boa para consumo humano. Essa situação pode ser comparada a uma hipotética fábrica, por exemplo, de sapatos, que produz cem pares diariamente e, no fim do dia, joga metade da produção na lata do lixo. Como pode uma empresa sobreviver dessa forma se não receber dinheiro de fora para cobrir seus gastos?
Colocar dinheiro bom numa empresa assim é temerário. Ela vai aumentar a produção com o dinheiro novo, naturalmente, mas se não melhorar a gestão, seguramente vai aumentar também o número de pares de sapato que irão para a lata de lixo no fim da operação diária. Em tempo: a empresa operadora de água, nesses casos, não fatura pela água perdida; apenas produziu e jogou fora como nessa hipotética fábrica de sapatos.
É provável que o programa saneador da Caixa Econômica ainda esteja em vigor à espera de adesões. De qualquer forma, vale a pena torcer para que as empresas estaduais encontrem um caminho e consigam mudar a qualidade da gestão. Em qualquer cenário montado para a melhoria da eficiência do nosso saneamento, elas vão aparecer sempre como peças muito importantes – ou fundamentais. Elas abastecem 70% dos brasileiros atualmente.
Mesmo com todos os problemas, muitos de seus técnicos são profissionais de primeira linha e seria recomendável aproveitá-los para inverter esse placar negativo da participação das empresas estaduais no saneamento.
Recursos
Em 2013, o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) contabilizou 40 milhões de brasileiros vivendo em áreas urbanas e rurais que não tinham acesso à água potável. E ainda anunciou que somente 46% dos municípios brasileiros tinham coleta de esgoto.
Para resolver quadro tão desolador, o país precisa colocar mais recursos financeiros no saneamento. Não adianta termos um bom planejamento e uma boa gestão se não temos recursos. Hoje, todos conhecemos as dificuldades do Estado para prover recursos aos projetos de infraestrutura, de uma forma geral. Por isso, não pode ser desprezada a participação da iniciativa privada nos pequenos e grandes projetos de saneamento.
De qualquer forma, exibir essa realidade de tantas carências no já iniciado século XXI não pode ser motivo de orgulho para ninguém. Especialmente porque a luta de forma mais efetiva pela universalização dos serviços de água e esgoto começou lá nos distantes tempos do império. Segundo o trabalho “O Saneamento no Brasil”, do governo de São Paulo, em 1857, o Estado de São Paulo iniciou o primeiro projeto de adução das Águas da Serra da Cantareira para o abastecimento da cidade de São Paulo. Era esse mesmo sistema que hoje está nos criando tantos problemas!
Alguns anos depois, em 1876, o Rio de Janeiro foi pioneiro na inauguração, em nível mundial, da primeira Estação de Tratamento de Água (ETA), com seis filtros rápidos de pressão ar/água.
Voltando aos dias de hoje, a mudança de rumo nessa área pode ser traduzida como desenvolvimento social e com boas consequências para a nossa economia.
Por isso, é fundamental a definição correta de onde os não tão abundantes recursos deslocados para o saneamento serão aplicados.
Assim, planejamento integrado, melhoria na gestão das empresas e atenção na aplicação dos recursos são passos gigantescos e definitivos para resolver nossos problemas.
A questão tecnológica
No Brasil, infelizmente, aprendemos desde cedo que nosso país é dono de uma reserva hídrica infindável. Temos 12% da água doce de todo o mundo, temos o maior rio do planeta, o maior aquífero e o resultado é que nunca nos preocupamos com a água. Infelizmente, a situação é outra, pois sempre vivemos num equilíbrio instável como qualquer país mais pobre em recursos hídricos. E a atual crise chegou para mostrar que ter muita água pode não significar nada se não formos competentes para administrá-la.
No Brasil, o quadro real é o seguinte: temos muita água em regiões onde a população é reduzida – o caso da Amazônia, por exemplo. E temos pouca água onde o contingente populacional é absurdamente grande, como nas grandes cidades – do Sudeste, especialmente. Isso sem falar no Nordeste, que sempre sofreu com a interminável seca.
Se não nos esforçarmos para mudar esse quadro, não chegaremos nunca à universalização dos serviços. Sem planejamento, com poucos recursos, gestão discutível nas empresas estaduais de saneamento, com as enormes perdas de água potável que desaparece depois de produzida, nosso destino será sempre o de ficar olhando para cima, clamando a São Pedro que nos mande mais chuva e encha nossos reservatórios.
Esperamos que a crise hídrica ora enfrentada nos ensine a pensar na água como um inestimável patrimônio do ser humano, portanto, carecendo de tratá-la melhor.
Tratar melhor a água significa também passar a utilizar todo o arsenal tecnológico existente no mundo, do qual nos utilizamos pouquíssimo. Por exemplo: só agora começamos a falar mais insistentemente no reuso de água, uma solução que existe em muitos países, em alguns deles, há mais de trinta anos.
A ideia mais difundida do reúso está ligada ao comportamento das pessoas em suas casas ou no trabalho – não usar água potável para lavar a calçada, o automóvel, captar água da chuva, entre outros conselhos e sugestões nessa linha.
Mas, o reúso em uma utilização superior, exige muita tecnologia. Numa definição rápida, a água de reúso é o esgoto tratado depois de ser submetido a processos químicos, físicos e biológicos.
Como não temos ainda o desprendimento suficiente para beber dessa água, ela pode ser utilizada no setor industrial, liberando a água potável utilizada para consumo humano. A água utilizada em siderúrgica ou metalúrgica para resfriamento de equipamentos não necessita ser potável.
Vale explicar que a água produzida a partir dos dejetos humanos e utilizada nas fábricas não precisa de tratamento tão sofisticado quanto aquela água que servirá para as pessoas beberem. Essa, sim, precisa de um tratamento, digamos, recomendado.
Recentemente, o incansável Bill Gates, fundador da Microsoft, deu uma mostra disso. Em mais uma de suas empreitadas filantrópicas, surpreendeu o mundo ao divulgar um vídeo tomando um copo de água limpa produzida a partir de dejetos humanos. Ao seu lado, uma enorme máquina capaz de recolher grandes quantidades de esgoto e transformar tudo em água potável e energia.
Sua intenção, como disse no vídeo, é levar esse tipo de solução para países pobres, com poucos recursos para investir na produção de água potável e energia.
Mas, muitos países já utilizam esse tipo de tecnologia para dar de beber a parte da sua população. O país mais emblemático no uso de efluentes para transformá-los em água é, sem dúvida, Israel. Cravado em uma região cheia de desertos e pedras, os israelenses reutilizam 75% dos efluentes domésticos. E, mais, as águas residuais são consideradas parte dos recursos hídricos do país. Outros países que reutilizam o esgoto para produzir água, numa proporção bem menor do que Israel, são Singapura, Austrália, Itália, Grécia, Espanha e os Estados Unidos.
No Brasil, existem poucos registros de empresas trabalhando nesse sentido. O exemplo mais significativo está em São Paulo, onde a Aquapolo, considerado o maior empreendimento para produzir água de reúso da América do Sul, fornece 650 litros por segundo de água de reúso para o Polo Petroquímico da região do ABC paulista. Essa quantidade de água oferecida para as empresas integrantes do Polo seria capaz de abastecer uma cidade de 500 mil habitantes.
Ainda há outros conhecimentos já disseminados pelo planeta os quais são tabu entre nós. Naturalmente, por uma questão meramente cultural. A ideia de transformarmos esgoto em água potável, tão boa quanto a água de uma nascente, ainda enfrenta resistências intransponíveis.
O melhor, assim, é pensarmos em usar a água reciclada, também conhecida como água recuperada, na agricultura, na indústria ou em projetos de paisagismo.
Há uma tecnologia na qual os efluentes recebem um tratamento parcial e são injetados no lençol freático, onde se misturam com água de melhor qualidade. Logo depois do tratamento parcial que recebem, esses efluentes já estarão bem purificados.
A água que será extraída do lençol freático receberá, então, os tratamentos recomendáveis, até se tornar água potável de muito boa qualidade.
Essa tecnologia ainda não é empregada em larga escala, mas no estado norte-americano da Califórnia está bem próxima a possibilidade de se utilizar esse expediente para dar de beber aos 2,5 milhões de californianos.
Dessalinização
Retirar o sal da água do mar e transformá-la em água potável é o sonho de muita gente. Com certeza, isso acontecerá em larga escala em futuro não muito distante. Necessitamos de dois litros de água do mar para produzir um litro de água potável.
Recentemente, me deparei com uma curiosa pergunta: “Porque a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, pode ficar sem água se está diante de todo aquele imenso mar?”
Essa tecnologia ainda é utilizada com restrições, e os motivos são os altos custos de energia elétrica. De qualquer forma, há países que já a utilizam mais largamente. Nesse ponto, voltamos novamente a Israel, que possui a maior usina de dessalinização do planeta, localizada no norte do país, na cidade de Hadera. Essa usina tem capacidade de produção anual em torno de 130 milhões de m³ de água potável. Com a água produzida ali, a usina pode atender às necessidades de um cidadão em cada grupo de seis israelenses.
No Brasil, as experiências nessa área ainda são muito modestas. Em 1987, a Petrobras iniciou um programa de dessalinização para atender às suas plataformas marítimas. Contudo, isso ainda não é comum em função, como disse, de seus altos custos.
De qualquer forma, é muito possível que essa tecnologia tenha destacado papel no futuro e o ser humano consiga ter mais água potável proveniente dessa inesgotável fonte. No caso brasileiro, no meu entendimento, o mais acertado, no curto prazo, é que o país invista muito na transformação dos efluentes em água potável. Um caminho que parece lógico nesse momento seriam campanhas dirigidas a toda a população e para as empresas mostrando as vantagens desse processo.
A água… É “chover no molhado” lembrar que sem água o ser humano não vive. Por isso, os habitantes das grandes cidades do Sudeste, diante da atual crise no abastecimento, estão sendo obrigados a prestar mais atenção no tanto que desperdiçamos de água em nossa rotina diária.
A revista Superinteressante, dedicada especialmente aos jovens, cunhou uma frase curiosa em um de seus recentes números: “A era da falta d’água”, anunciando uma considerável escassez no fim dos próximos 30 anos. Não é seguro que isso irá acontecer. Mas, como sugere a reportagem da revista, o certo é que precisamos trabalhar muito para que isso não ocorra. E, claro, aprender a economizar água.
Em nosso país, como já disse anteriormente, a agricultura consome mais água (cerca de 70%), depois vem a indústria (com algo em torno de 20%) e, por fim, o consumo humano (com os 10% restantes).
Acreditando que, nos grandes aglomerados populacionais, não seja mais aceitável ver uma pessoa varrendo as calçadas com água potável, ou algo nessa linha do desperdício, é lógico que o grande esforço pela economia da água comece rapidamente junto à indústria e à agricultura.
No caso da indústria, o melhor é a transformação de esgoto em água que as fábricas possam utilizar. É um processo relativamente rápido, de menor custo e trará significativos resultados.
A preocupação com a falta de água já é bem grande entre os empresários da indústria, o que se explica porque os custos de produção vão aumentando à medida que a falta de água se intensifica.
Agricultura: no dia 31 de janeiro, os apresentadores do Jornal Nacional, da Rede Globo, anunciaram que agricultores no interior de São Paulo, amedrontados com o risco de colapso no abastecimento, já estavam tomando severas medidas para economia de água.
Assim como a indústria e os habitantes das cidades precisam estar conscientes da necessidade de economizar água e criar práticas efetivas nesse sentido, o homem do campo também não deve se excluir da tarefa.
Nem sempre fica entendida a importância da participação da agricultura, com seus 70% de consumo, no esforço de economia da água. Há uma teoria segundo a qual a agricultura não desperdiça água porque ela volta para os lençóis freáticos e um novo ciclo se estabelece. Mas, o que acontece de fato é que a água da agricultura sai dos mesmos mananciais onde os outros tipos de consumidores vão buscá-la. Por isso, a seca enfrentada pelos paulistas atingiu todos os consumidores – as pessoas, a indústria e a agricultura.
As propostas para economizarmos água sugerem muitas ações nessa direção para todos os segmentos de consumo.
No caso da agricultura, existem técnicas, bastante conhecidas, capazes de reduzir as quantidades de água necessárias para a plantação, às vezes em até a metade, sem nenhum prejuízo para a qualidade.
Assim como existem iniciativas simples de mudança dos hábitos da população que geram boa economia de água, como escovar os dentes com a torneira fechada, na agricultura também há medidas não tão complicadas de serem implementadas que podem até contribuir para melhorar o faturamento do sítio ou da fazenda.
Só para ficar em um exemplo, vale citar a irrigação por gotejamento. O blog na internet chamado “Portal Dia do Campo” publica uma boa reportagem sobre essa técnica. Um trecho: “A irrigação é uma técnica milenar que se confunde com o desenvolvimento e a prosperidade econômica dos povos, pois muitas civilizações antigas se desenvolveram em regiões áridas, onde a produção só era possível graças à irrigação. A história demonstra que a irrigação sempre foi um fator de riqueza, prosperidade e, consequentemente, de segurança.
Com o avanço das tecnologias de irrigação e a demanda cada vez maior de água pelas atividades humanas, acentuou-se a busca por métodos mais eficientes, que consumam menos recursos e forneçam melhores resultados em produtividade e qualidade. “Desta forma, a irrigação por gotejamento tem ganhado espaço, principalmente nos últimos 15 anos”.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem uma biblioteca com enorme lista de livros e pesquisas abordando todos os aspectos da agricultura, incluindo técnicas de economia de água. O endereço é www.bdpa.cnptia.embrapa.br
O que o povo quer
O lado positivo da situação crítica a que chegamos, se podemos falar assim, é que finalmente despertamos para um problema que deveria ter sido resolvido há muito tempo. Hoje, a preocupação com água é geral. Até aqui estivemos entorpecidos assistindo a milhões de metros cúbicos de esgoto sendo jogados nos nossos mananciais sem o menor tratamento, sem reclamar das perdas de água nas ruas das nossas cidades. Somos conhecedores de que a maior parte das empresas estaduais de saneamento, responsáveis pelo abastecimento das nossas torneiras, têm problemas históricos de má gestão e sabedores da crônica falta de planejamento nesse setor tão importante para a saúde de nós todos.
O saneamento sempre foi o calcanhar de Aquiles para a saúde da população e a melhoria da sua qualidade de vida. E só há pouco tempo foram articuladas políticas públicas para o setor. A crise hídrica veio para sacudir ainda mais os cidadãos e os governos.
O que o povo quer não é tão difícil de perceber. Já foi muito divulgado pela mídia que boa parte dos pacientes nos hospitais brasileiros contraíram alguma doença ingerindo água que não deveriam beber. Também já foi bastante divulgado o cálculo segundo o qual cada dólar empregado nas boas práticas de saneamento (água potável e esgoto tratado) representa US$ 4 de economia nos gastos com saúde pública.
No ano passado, quando essa crise apenas se delineava para o cidadão comum, surgiu um fato animador. Durante as manifestações populares do mês de junho de 2013, as comunidades cariocas Rocinha e Vidigal marcharam pelas ruas do sofisticado bairro do Leblon, na Zona Sul da cidade, carregando faixas e cartazes reivindicando saneamento e saúde.
Seus líderes davam entrevista perguntando: “De que adianta colocar teleférico e escada rolante se temos lugares com esgoto a céu aberto na comunidade?”.
Os números das Nações Unidas
Se não for encarado como cinismo, talvez possamos dizer que na tragédia do saneamento o Brasil está bem acompanhado, o que deveria estimular nossos governos a investir maciçamente em saneamento, inclusive com muitas campanhas educadoras, estimulando mudança nos nossos hábitos.
Resolvendo nossos problemas, estaremos dando significativa contribuição para melhorar o quadro igualmente terrível que assola o resto do mundo, com as emissões de CO2, assoreamento dos rios, destruição das matas e tudo o mais que concorre para a mudança do clima no planeta, piorando nossa qualidade de vida.
Os assustadores números no mundo divulgados pelas Nações Unidas:
• 768 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada;
• 2,5 bilhões de pessoas têm ruins ou péssimas condições sanitárias;
• 1,3 bilhão de pessoas não têm acesso à eletricidade;
• De quatro pessoas no mundo, apenas uma tem acesso ao saneamento básico;
• Conflitos violentos pelo controle da água são registrados em 70 regiões do planeta;
• Consumo mundial da água dobra a cada 20 anos.
(Fonte: ONU)
Conselho Mundial da Água
Como salientado neste texto, só superaremos a atual crise hídrica se trabalharmos muito, especialmente se a população estiver consciente de seu papel nessa batalha, inclusive cobrando do atual e dos futuros governos providências capazes de universalizar e regularizar os serviços de saneamento – abastecimento de água potável e coleta e tratamento dos esgotos até 2033 (Plansab).
Nesse sentido, entramos agora em um bom momento. Em 2018, o Conselho Mundial da Água vai realizar em Brasília seu 8º Fórum Mundial da Água.
O Conselho Mundial da Água é uma entidade que reúne 70 países e tem sua sede em Marselha, na França. A cada três anos, a entidade organiza profundas discussões sobre o futuro da água no mundo. Esses fóruns são uma espécie de Copa do Mundo Água. O último encontro, em 2012, foi realizado em Marselha, durante uma semana, com a participação de 35 mil especialistas e integrantes dos governos associados.
Este ano, em abril, o 7º Fórum se realiza na Coreia do Sul. Marrocos, Holanda, Japão, México, Turquia e França acolheram os fóruns precedentes. Em 2018, será a vez do Brasil.
A escolha de Brasília, decidida no ano passado, foi difícil. Depois de serem excluídos diversos países, restou ao Brasil disputar com a Dinamarca. É interessante acompanhar as duas linhas de defesas para a realização do Fórum. O governo dinamarquês insistiu para que o encontro de 2018 fosse realizado em Copenhague. Mas, os argumentos do lado brasileiro foram mais consistentes e terminaram vitoriosos. Alguns deles:
(i) A Dinamarca é um país onde a questão da água está mais do que resolvida, graças a uma invejável organização, na qual tudo é voltado para atender exemplarmente à população.
Assim, realizar o Fórum na Dinamarca seria privilegiar uma região (no caso, a Europa), onde praticamente não existem problemas com o abastecimento de água em detrimento de outras áreas (como a América do Sul), onde a questão da água ainda é uma tragédia. Apenas um número para resumir a eficiência dos serviços de abastecimento na Dinamarca: as perdas na produção de água estão próximas do recorde mundial (6% a 7%), enquanto em alguns países da América do Sul, incluindo alguns Estados brasileiros, as perdas podem ser superiores a 50% da água potável produzida.
(ii) Esta será a primeira vez que um desses encontros será realizado abaixo da linha do Equador.
(iii) A realização no Brasil (Brasília) vai disseminar as discussões e sugestões para toda a América do Sul, uma região habitada por mais de 400 milhões de pessoas.
(iv) É certo que todos os países sul-americanos participarão ativamente do encontro.
A seção brasileira do Conselho Mundial da Água, logo depois do Fórum na Coreia do Sul, em abril, vai iniciar a execução de um projeto de preparação do Fórum no Brasil, que recebeu o nome de “Rumo a Brasília 2018”.
A ideia é levar, ao longo dos próximos três anos, discussões sobre a água para o maior número de brasileiros e para outros países sul-americanos. Isso será feito pela montagem, em diversos Estados, de eventos com duração de uma semana cuja programação incluirá seminários abertos ao público, feiras e shows com o objetivo de reunir jovens, estudantes, representantes da sociedade civil de diferentes perfis, mídia e empresários.
Esta mobilização proporcionará um momento de encontro, descoberta, inovação e entretenimento de todos com a água.
Penso que esses três anos e o encontro de 2018 trarão sensível contribuição para a melhoria dessa área em nosso país.
Newton Lima Azevedo é engenheiro civil, governador pelo Brasil no World Water Council (França) e membro do Comitê Executivo da International Federation of Private Water Operators (Aquafed, França).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional