21 julho 2020

Amazônia: a Nova Fronteira da Bioeconomia

O governo brasileiro retoma a formulação de uma política de Estado para a Amazônia Legal guiado pela convicção de que a economia e a sustentabilidade precisam avançar juntas. O sentido de urgência no combate ao desmatamento ilegal está aliado à construção de uma visão renovada sobre o desenvolvimento e o uso sustentável de recursos naturais. Atores públicos e privados trabalham em torno de uma proposta integrada e abrangente para a região. O futuro da Amazônia depende de uma articulação original entre capital, conhecimento, trabalho, tecnologia e natureza. A bioeconomia nos indica como explorar esse caminho.
A sustentabilidade tornou-se elemento incontornável no pacto geracional do século XXI. Precisamos usufruir dos recursos naturais de tal maneira que as próximas gerações possam também utilizá-los para satisfazer suas próprias necessidades. Isso não significa que o ecossistema amazônico deva ser preservado intacto ou que nele só atividades extrativistas tradicionais possam prosperar. A utilização equilibrada e responsável dos recursos naturais é possível e desejável. Sairão na dianteira aqueles que demonstrarem disposição e capacidade para explorar as oportunidades abertas por essa nova etapa da economia do conhecimento.
O aumento do desmatamento ilegal em anos recentes retrata a face mais predatória de uma dinâmica de ocupação do território que já não encontra guarida no Brasil do século XXI. O País conta com uma moderna legislação ambiental, cuja aplicação com rigor e eficácia exige maior capacidade de fiscalização dos órgãos ambientais, além de medidas para ampliar a regularização fundiária e o zoneamento econômico-ecológico. O combate ao desmatamento ilegal configura gesto de reafirmação do Estado de Direito em defesa do patrimônio nacional. Sustentabilidade e soberania avançam juntas em benefício da Amazônia.
A modernização do conjunto da economia nacional também trará benefícios para a região amazônica. O equilíbrio fiscal e o aumento da produtividade permanecem como pilares da política econômica do governo, em que pese o impacto orçamentário das excepcionais medidas fiscais e monetárias exigidas pelo enfrentamento à Covid-19. Contamos com a pronta retomada da tramitação das reformas tributária e administrativa tão logo o Congresso Nacional normalize sua rotina de trabalho, alterada pela pandemia.
O governo do presidente Bolsonaro foi eleito na esteira de uma forte reação da sociedade contra os abusos decorrentes do patrimonialismo, do gigantismo estatal e da burocracia excessiva. O Estado brasileiro não será o protagonista do desenvolvimento sustentável da Amazônia. Esse papel está reservado aos empreendedores amazônicos e a seus parceiros nacionais e internacionais, dispostos a investir com segurança em busca de rendimentos e sustentabilidade. Os governos estaduais, as prefeituras, as universidades, as empresas, as igrejas, as famílias e as associações civis das mais diversas serão parceiros fundamentais para a construção de alternativas econômicas nas regiões mais afetadas pelo desmatamento ilegal.
O combate ao desmatamento ilegal e outros crimes ambientais impõe-se como ponto de partida, mas não será a linha de chegada. O bioma amazônico oferece as condições únicas para que a diversidade biológica seja convertida em oportunidades de geração de empregos e renda. Com as garantias do Estado de Direito, a tolerância zero contra crimes ambientais e um melhor ambiente de negócios, o governo brasileiro aposta na liderança do setor privado e das instituições locais para desbravar essa nova fronteira econômica com a promoção do desenvolvimento sustentável e efetiva integração da Amazônia às cadeias produtivas nacionais e internacionais.
Conselho Nacional da Amazônia Legal
O governo tem reafirmado a prioridade das políticas de proteção, de preservação e de desenvolvimento sustentável de sua riqueza natural, em particular na Amazônia, cuja exuberante floresta tropical ocupa lugar de destaque no imaginário ecológico global. Em nosso primeiro ano de gestão, fomos confrontados pelos índices crescentes de desmatamento a partir de 2012, assim como pela insuficiência de quadros nos órgãos de fiscalização ambiental para fazer frente a esse desafio.
O Brasil demonstrou no passado capacidade para reduzir o desmatamento na Amazônia Legal, ao mesmo tempo em que se incrementava a produtividade agropecuária. Em que pese o aumento do desmatamento ao longo dos últimos sete anos, os dados para 2019 permanecem em patamar bastante inferior ao pico de 2004. Esperamos retomar a trajetória de queda nos próximos meses como resultado das ações emergenciais que foram adotadas.
No cerne da nova política para a Amazônia encontra-se a decisão do presidente Bolsonaro de reativar, com nova configuração, o Conselho Nacional da Amazônia Legal, que tenho a satisfação de presidir. Oficialmente reestabelecido em fevereiro deste ano, o Conselho tem entre seus objetivos o de “coordenar e integrar as políticas públicas relacionadas à Amazônia Legal”. Apesar das dificuldades impostas pela pandemia da Covid-19, o Conselho iniciou seus trabalhos de planejamento estratégico e determinou ações imediatas na área ambiental, colocando no terreno a operação “Verde Brasil 2”, recentemente prorrogada, com o objetivo de coibir ilícitos ambientais, sobretudo desmatamento ilegal e queimadas.
Os quadros técnicos mobilizados pelo Conselho reúnem-se em quatro comissões, dedicadas aos eixos estratégicos de proteção, preservação, desenvolvimento sustentável e integração de políticas públicas. Ainda antes da primeira reunião do Conselho, visitei cada um dos governadores da Amazônia Legal para melhor conhecer a realidade de seus estados. A presidência e a secretaria-executiva do Conselho reúnem-se regularmente com empresários, especialistas e diversas entidades da sociedade civil. Os trabalhos estão orientados para a construção de um sólido consenso político e para o levantamento do melhor conhecimento disponível, propiciando ampla e renovada interface de diálogo entre União e Estados amazônicos, governo e sociedade civil.
Ampliamos também o diálogo com parceiros externos dispostos a trabalhar em benefício da Amazônia. Foram retomadas as tratativas para desbloqueio de recursos do Fundo Amazônia. Ainda no início de 2020, o governo assinou projeto no valor de US$ 96 milhões com o Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund) que contribuirá para estruturar o sistema nacional de pagamento por serviços ambientais em áreas com cobertura de vegetação nativa ou em recuperação. O Conselho da Amazônia, entre suas ações imediatas, determinou, ainda, o fortalecimento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, principal plataforma regional de cooperação entre os países da região.
Em matéria de preservação e de proteção da região amazônica, contamos com um diagnóstico consistente dos desafios e das ações imediatas a serem adotadas. A mais urgente delas diz respeito ao combate ao desmatamento ilegal e à prevenção das queimadas que tendem a ocorrer a partir de agosto. Esta ação compete aos órgãos de fiscalização ambiental que, com a operação “Verde Brasil 2”, passaram a receber apoio logístico e de segurança das Forças Armadas. As ações de comando e controle ora conduzidas não constituem esforço pontual. Estão inseridas no contexto de um planejamento que se estende até o final do atual mandato presidencial. Nesse período, esperamos reestabelecer as condições para que as equipes de fiscalização ambiental possam reassumir a tarefa, dispensando o apoio atualmente emprestado pelas Forças Armadas.
Preservar e desenvolver não são verbos antagônicos. Não basta coibir as atividades criminosas. No longo prazo, medidas repressivas de proteção e de preservação são insuficientes e onerosas. A população local precisa de alternativas de emprego e renda para abandonar as práticas predatórias e ilegais. O debate público sobre o futuro da Amazônia precisa integrar os desafios ambientais, econômicos e sociais no marco de uma visão de longo prazo. A Amazônia não poderá ser refém do “ecologismo” radical ou do extrativismo predatório.
Retirada ilegal de material genético
A floresta serve de moradia e sustento para milhões de famílias brasileiras. Os brasileiros têm que assumir a dianteira no aproveitamento da riqueza natural de seu território. Sofremos com a retirada ilegal de material genético, espécies de seres vivos e utilização do conhecimento tradicional para a exploração comercial por agentes estrangeiros, sem nenhuma contrapartida. O esforço de mapeamento e de articulação de propostas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia possui elevado grau de complexidade. Exige amplo engajamento de atores públicos e sobretudo privados, além de maior criatividade e capacidade técnica no desenho de medidas de fomento e promoção da atividade econômica.
As riquezas biológicas e minerais oferecem oportunidades para investimentos rentáveis e sustentáveis. O vasto território amazônico é campo promissor para a pesquisa científica e a inovação. Temos que vislumbrar alternativas econômicas viáveis para a região, com vistas a integrar, definitivamente, a população amazônica ao conjunto da economia brasileira.
Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a bioeconomia movimenta no mercado mundial cerca de 2 trilhões de euros e gera por volta de 22 milhões de empregos. A Organização prevê que a bioeconomia corresponderá, em 2030, a 2,7% do PIB de seus países membros e, possivelmente, uma cifra maior para os países em desenvolvimento. Essa modalidade econômica tem o potencial de contribuir para o desenvolvimento de soluções para a saúde humana; as seguranças hídrica, energética e alimentar; químicos renováveis; aumento da produtividade agropecuária e energética; desenvolvimento de processos industriais de menor impacto ambiental; e a criação de empresas de base biotecnológica, com empregos altamente qualificados.
Em um país megabiodiverso como o Brasil, dono da maior biodiversidade de flora e fauna do planeta – com mais de 100 mil espécies animais e cerca de 45 mil espécies vegetais conhecidas – torna-se premente investir em um modelo econômico baseado no uso sustentável de recursos naturais. Quando bem caracterizados e racionalmente explorados, esses recursos podem contribuir de forma efetiva para expandir a economia nacional.
O Brasil conhece o potencial da bioeconomia. O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foi criado, ainda na década de 1970, para enfrentar a crise mundial do petróleo. O Brasil é hoje o segundo maior produtor e o maior exportador mundial de etanol. O exemplo demonstra como a bioeconomia adiciona valor agregado a produtos naturais, além de promover a produção de insumos renováveis como plásticos biodegradáveis, biopesticidas, alimentos funcionais e até medicamentos, fragrâncias e cosméticos. Com os avanços da biologia sintética e a enorme riqueza natural brasileira, a tendência é que surjam cada vez mais biofármacos, bioinsumos e bioprodutos.
O dinamismo do agronegócio brasileiro será outro fator de propulsão para a bioeconomia. O setor é fruto do desenvolvimento científico, um caso de sucesso da absorção sistemática de tecnologias e inovações em seu processo produtivo. Nossos agricultores trabalham hoje com sistema de plantio direto, agricultura de precisão, técnicas modernas de irrigação, eficiência na gestão e no processamento de informações, além da biotecnologia. Ainda assim, grãos e carnes exportados pelo Brasil costumam ser injustamente associados às práticas mais arcaicas e predatórias de ocupação do território amazônico, onde se encontra parcela ínfima da produção agropecuária nacional. Essa falácia serve somente ao protecionismo de determinados mercados, exigindo permanente vigilância de empresários e do governo brasileiro.
Já protagonizamos sucessos no uso da biotecnologia para geração de combustíveis, insumos agrícolas e alimentos, além de diversos bens de consumo. Chegou a hora de projetar esse êxito, de maneira mais ambiciosa e sistemática, sobre o território amazônico. Temos que investir no uso intensivo de novos conhecimentos científicos e tecnológicos, gerados a partir de áreas de ponta como a biotecnologia industrial, genômica, biologia sintética, bioinformática, química de renováveis, robótica, tecnologias de informação, nanotecnologia, entre outras.
O Brasil tem a obrigação de preocupar-se com aspectos de segurança biológica, ou biossegurança. O setor agrossilvipecuário é um dos braços da economia brasileira em que o uso biotecnológico é mais intensivo e de vanguarda. É fundamental o investimento em pesquisa para o melhoramento genético das espécies vegetais e animais desenvolvidas no País e para prevenir-nos contra a eclosão de pragas e pestes. Da mesma forma, o componente florestal desse setor deve ser cuidadosa e detalhadamente colhido, catalogado e pesquisado. A eclosão de doenças tropicais hemorrágicas na África, como o ebola, e de síndrome respiratória aguda grave no Oriente, como é o caso da Covid-19, aciona o alerta em países megadiversos e tropicais, como é o caso do Brasil, que precisa zelar pela segurança sanitária de sua população.
Tríplice hélice: governo, empresas e universidades
Não podemos desconsiderar o papel do Estado na elaboração de medidas reguladoras e na abertura e manutenção de mercados, por meio de acordos internacionais, importantes componentes para o sucesso dos produtos da biotecnologia. A fim de atrair investimentos, cabe ao Estado brasileiro, em parceria com a iniciativa privada, promover a instalação de infraestrutura voltada para o desenvolvimento sustentável da região, capaz de proporcionar o avanço de atividades econômicas apoiadas na ciência e na tecnologia. É necessário o engajamento do setor produtivo, em especial empresas de grande porte, na promoção de atividades econômicas para permitir ganho de escala da produção local. As cadeias produtivas hoje existentes no bioma amazônico ainda não lograram atingir a escala necessária para ter um impacto relevante nos cenários econômicos nacional e internacional.
A tríplice hélice entre governo, empresas e universidades poderá ser o motor de propulsão da bioeconomia e demais empreendimentos que visem à produção de bens e serviços a partir do uso responsável da biodiversidade amazônica. Com o reestabelecimento do Conselho da Amazônia Legal, o Estado brasileiro reafirma seu compromisso com a criação das condições para o desenvolvimento sustentável da região. Os desafios da Amazônia são, mais do que nunca, os desafios do Brasil. Todos estão convidados a apresentar propostas e projetos que nos ajudem a ingressar nessa nova era da economia do conhecimento e da biodiversidade.

Antonio Hamilton Martins Mourão é vice-presidente da República Federativa do Brasil.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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