Copa de Altos Custos e Poucos Benefícios Frustra o País
“Você conhece uma favela do Rio de Janeiro? Você já viu a seca do Nordeste? E você acha que eu vou gastar dinheiro com estádio de futebol?” Essa teria sido a resposta do presidente da República, general João Baptista Figueiredo, ao presidente da Fifa, João Havelange, quando este, em março de 1983, ofereceu ao governo brasileiro a possibilidade de o Brasil sediar a Copa do Mundo de 1986.
Aquela Copa seria na Colômbia, mas, poucos meses depois de empossado na presidência do país, Belisário Betancur tornou pública sua decisão: “Por preservarmos o bem público, por sabermos que o desperdício é imperdoável, anuncio aos meus compatriotas que o mundial de futebol de 1986 não se realizará na Colômbia.Temos outras coisas a fazer, e não há tempo para atender às extravagâncias da Fifa e de seus sócios”.
É muito provável que esses não tenham sido exatamente dois gestos heroicos. Figueiredo estava às voltas com um país quebrado e sem qualquer crédito no exterior. Ali começava a crise da dívida externa que abalou praticamente todos os países em desenvolvimento e marcou a década perdida dos anos 1980. E Betancur acabava de assumir o comando de um país conflagrado. O governo colombiano tentava negociar com os movimentos extremistas (as Farc e o M-19) e ingressava em uma etapa mais dura da guerra contra o narcotráfico. As exigências da Fifa eram exorbitantes, e os gastos seriam incompatíveis com a situação de ambos os países.
A Copa do Mundo de 1986 foi realizada no México, que também estava em dificuldades após ter decretado moratória da dívida externa, em 1982, que deu início à crise da dívida externa, e ainda foi abalado por um grande terremoto um ano antes do megaevento. O México já havia sediado os jogos em 1970, contava com uma infraestrutura, e a Fifa atenuou as exigências iniciais.
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 30 de outubro de 2007, discursou na cerimônia de anúncio do Brasil como sede da Copa de 2014, em Zurique (Suíça), o país vivia uma fase de euforia e exuberância. “No fundo, nós estamos aqui assumindo uma responsabilidade enquanto nação, enquanto Estado brasileiro, para provar ao mundo que nós temos uma economia crescente, estável, que nós somos um dos países que está com a sua estabilidade conquistada. Somos um país que tem muitos problemas, sim, mas somos um país com homens determinados a resolver esses problemas.”
Entre aquele ano e hoje, às vésperas da Copa do Mundo – que começa no dia 12 de junho e termina no dia 13 de julho –, os ânimos no Brasil mudaram e muito. No país do futebol, as pesquisas de opinião revelam um impensável ceticismo com que os brasileiros veem a realização dos jogos.
Em novembro de 2008, segundo o Datafolha, 79% dos pesquisados eram totalmente a favor. Em fevereiro de 2014, apenas 52% manifestaram apoio. Do total de entrevistados, 38% disseram que são contra a realização da Copa no Brasil. Esse percentual era de 10% em novembro de 2008 e de 26% em junho do ano passado.
A pesquisa CNT/MDA apontou que 75,8% dos entrevistados consideraram “desnecessários” os investimentos realizados pelo governo para o campeonato. Outros 80,2% discordaram dos gastos com construção e reforma de estádios e preferiam que os recursos fossem aplicados em outras áreas.
Garantir a segurança é um desafio
Em junho de 2013, um outro Brasil mostrou sua face. As manifestações de protesto levaram às ruas das maiores cidades do país um povo cansado de promessas e indignado com a péssima qualidade dos serviços públicos que recebe, a despeito da alta carga de impostos que paga.
O inesperado movimento surgiu como reação ao aumento das tarifas de transportes urbanos, mas trouxe à tona vários outros temas: a saúde, a educação, a corrupção, entre outros. Os manifestantes se colocaram contra os altos custos da organização do torneio e elegeram a Fifa como um dos alvos dos protestos que chegaram, inclusive, à beira dos estádios em dias de jogos. Hoje, pode-se dizer sem medo de errar que garantir a segurança durante os jogos da Copa é um desafio, uma grande preocupação do governo, que, além de montar um centro de operações para identificar possíveis atos de terrorismo ou vandalismo, está disposto a usar as forças do Exército para assegurar o bom andamento do evento.
Das ruas surgiu o movimento “Não vai ter Copa”. No noticiário, a exposição da exorbitância dos gastos com os estádios. Em Brasília, o estádio Mané Garrincha, para 68 mil lugares, custou aos cofres públicos cerca de R$ 1,5 bilhão, tornando-se um símbolo do desnecessário, do inútil. Das obras de mobilidade urbana, anunciadas como a melhor herança dos investimentos da Copa, muitas não frutificaram. E fica claro que o mesmo cimento, o mesmo ferro e o empenho usados na construção de enormes estádios de futebol poderiam ter sido usados na construção de hospitais e metrôs.
A presidente Dilma Rousseff sofreu um baque na sua popularidade na esteira dos protestos de rua. A aprovação do governo, que antes de junho de 2013 era de 54,2%, despencou para 31,3% entre julho e setembro do ano passado, subiu para 39% em novembro e, em fevereiro deste ano, caiu para 36,4%. Na mesma pesquisa, a perspectiva de melhora nos serviços de saúde recuou de 35% para 26%, apesar da implantação do programa “Mais Médicos”, de contratação de profissionais no exterior, sobretudo de Cuba.
Em 2007, quando o país firmou-se como sede dos jogos de 2014, o Brasil estava em franca expansão. A economia crescia 6,1%, a inflação de 4,31% estava abaixo da meta de 4,5%, a política de reajuste do salário mínimo começou a agregar substanciais ganhos reais e o governo Lula lançava o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O PAC era a promessa de recuperação dos investimentos públicos em infraestrutura e logística para modernizar o país e reduzir custos de escoamento da produção. Alimentava-se, ali, a ilusão de que o Estado brasileiro poderia alavancar os investimentos e dar impulso à infraestrutura básica que data dos governos militares. Os funcionários públicos foram agraciados com novos planos de carreira e aumentos salariais.
Com as condições externas extremamente favoráveis, o governo começava a acumular reservas internacionais para mitigar o risco de crise cambial que sempre rondou o país.
Mercado de trabalho em expansão, “boom” de commodities e consequente valorização da taxa de câmbio, aumento da renda, combate à pobreza e uma agressiva expansão do crédito levaram o povo brasileiro a uma sensação de bem-estar raramente vista.
As políticas de transferência de renda aos mais pobres retirou dezenas de milhões de brasileiros da linha da pobreza. Em poucos anos, de 2005 a 2008, o crédito como proporção do PIB praticamente dobrou, abrindo uma porta de financiamento do consumo das famílias como jamais ocorrera.
Lula animava a plateia: “Eu quero dizer a vocês: estejam certos de que o Brasil saberá, orgulhosamente, fazer a sua lição de casa, realizar uma Copa do Mundo para argentino nenhum colocar defeito”.
Em 2008, o mundo sofre um abalo até então inimaginável. Muito se falava das bolhas de crédito nos Estados Unidos. Economistas alertaram para o risco de uma crise no momento em que essas bolhas furassem. Em 15 de setembro de 2008, enquanto o Banco Central do Brasil elevava a taxa básica de juros (Selic) para conter a inflação doméstica, o mercado financeiro do planeta parou com a quebra do banco de investimento americano Lehman Brothers. Em meio ao pânico, o Brasil e o mundo foram arrastados para o que ficou conhecido como a maior crise financeira desde o “crash” de 1929. O crédito externo para o país sofreu abrupta interrupção, a taxa de câmbio teve forte depreciação, os índices de confiança das empresas na economia despencaram, assim como o crescimento do consumo doméstico, e o país entrou em recessão. O governo reagiu com um poderoso arsenal de medidas monetárias e fiscais e o Brasil foi um dos primeiros países a retomar o crescimento em meados de 2009.
2010: Projetos para a Copa
No ano de 2010, durante a campanha pela eleição de Dilma Rousseff para suceder Lula, o Brasil já surfava em uma onda de crescimento e prosperidade só comparável aos velhos tempos do “milagre econômico”.
Juntamente a um Produto Interno Bruto (PIB) que crescia à insustentável taxa de 7,5%, o país se preparava para a Copa do Mundo de 2014 com um cronograma de obras que, dizia-se à época, mudaria as condições de vida nas principais capitais do país.
No início daquele ano, o governo federal, os prefeitos e os governadores das 12 cidades-sede da Copa – e não apenas oito cidades como era o costume – definiram as obras prioritárias de transporte público para a realização do mundial, mediante o PAC da Mobilidade Urbana, programa que investiria bilhões de reais em dezenas de projetos destinados a viabilizar o trânsito nas capitais. Selecionaram-se as obras que pudessem estar prontas antes do evento e que já estivessem com os projetos finalizados ou com as licenças ambientais aprovadas.
Delas constavam os projetos de veículos leves sobre trilhos (VLTs) de Brasília e Fortaleza, os monotrilhos de São Paulo e Manaus, 20 sistemas de “bus rapid transit” (BRT) e dez corredores expressos de ônibus. O Rio de Janeiro receberia R$ 1,19 bilhão para a linha de BRT, ligando o Aeroporto Tom Jobim aos bairros da Penha e da Barra da Tijuca; São Paulo, R$ 1,08 bilhão para a linha de monotrilho entre o Aeroporto de Congonhas e o estádio do Morumbi. Belo Horizonte usaria R$ 1,02 bilhão alocado para o governo de Minas Gerais para construir seis BRTs, entre outras obras; Amazonas teria R$ 800 milhões, sendo que boa parte da verba seria para custear o monotrilho Norte-Centro. Outras capitais definidas como sede do Mundial são Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Natal, Porto Alegre, Recife e Salvador. E o polêmico “trem-bala”, ligando São Paulo ao Rio, coroaria todo esse esforço de transformação.
Eleita, Dilma Rousseff assumiu a presidência da República em janeiro de 2011 com uma tarefa pesada: desacelerar a economia que Lula havia anabolizado para embalar a campanha eleitoral e enquadrar a inflação, que descarrilhava, na meta de 4,5% ao ano. Lula deixou a inflação em 5,91%, decorrente da expansão do consumo em um ritmo maior do que o crescimento da oferta.
O Banco Central iniciou o ano de 2011 elevando a taxa básica de juros, a Selic. Em agosto, porém, deu um “cavalo de pau” na política monetária, antecipando o agravamento da crise na zona do euro – o repique da crise de 2008/2009 que levou parte das economias europeias à recessão.
Principal mercado importador da China, a crise na zona do Euro implicou uma necessária revisão do modelo de crescimento do gigante asiático – de forte exportador para o fortalecimento do mercado interno. Com essa transição de modelo, o “boom” das commodities que irrigava a economia do Brasil se esvaiu. A desaceleração do crescimento da China afetou as exportações das commodities agrícolas e metálicas brasileiras.
Desde o agravamento da situação na Europa, em 2011, com as consequências sobre a economia chinesa e a lenta recuperação dos Estados Unidos, Dilma, ao contrário de seu antecessor, teve pouca ajuda do “front” externo para oxigenar a economia.
Entre meados de 2011 e 2012, o governo brasileiro arriscou uma série de experiências no escopo do que seria “uma nova matriz macroeconômica” – juros baixos (7,25% ao ano), a moeda depreciada, política fiscal expansionista e inflação próxima a 6% – para injetar fontes de expansão na atividade doméstica. A nova matriz teve vida curta. O experimentalismo e o intervencionismo que caracterizaram a gestão do governo foram gradativamente minando a confiança do setor privado na administração da presidente.
O embate com o sistema bancário para a redução do “spread”, a forte expansão do crédito dos bancos públicos, o programa de concessões com previsão de taxas de retorno baixas (da ordem de 5%), o pacote do setor elétrico, formaram um ambiente de desconfiança. Esse clima prossegue em 2013 e compromete a expansão dos investimentos privados – que deveriam embalar a economia dada a exaustão do crescimento do consumo e o elevado padrão de endividamento das famílias.
Crescimento econômico é igual a confiança. Para aumentar o investimento na economia é preciso confiar nas regras em vigor e no aumento da demanda futura. Os resultados foram magros: o PIB cresceu 2,7% em 2011, 1% em 2012 e 2,3% em 2013. As previsões para 2014 apontam expansão abaixo de 2%, reforçando a sensação de que o país perdeu o seu dinamismo e, logo, essa situação poderá comprometer o mercado de trabalho, hoje com taxas ainda próximas ao pleno emprego.
Em duas capas dedicadas ao Brasil, a revista “The Economist” expôs a visão bipolar do país. Em fins de 2009, quando sai da recessão para um acelerado crescimento, à figura do Cristo Redentor como um foguete rumo ao céu seguia-se o título “O Brasil Decola”. No editorial, a revista dizia que o país parecia ter feito sua entrada no cenário mundial, marcada simbolicamente pela escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos em 2016.
A revista mencionava que a inclusão do Brasil no grupo dos emergentes Bric (Brasil, Rússia, Índia e China ao qual se juntou, mais tarde, a África do Sul), em 2003, foi acertada, pois o país estava apresentando um desempenho econômico notável. E estabelecia as diferenças do Brasil: “Ao contrário da China, é uma democracia, ao contrário da Índia, não possui insurgentes, conflitos étnicos, religiosos ou vizinhos hostis. Ao contrário da Rússia, exporta mais do que petróleo e armas e trata os investidores estrangeiros com respeito”.
Em uma abordagem quase premonitória, a revista fazia, também, ressalvas sobre o país ter problemas que não deviam ser subestimados, da corrupção à falta de investimentos na educação e na infraestrutura, “evidenciados pelo apagão (de energia) desta semana”.
Processo de conquista de credibilidade
Em 2013, a capa era a expressão da decepção: o mesmo Cristo Redentor como um foguete desgovernado rumo ao chão. O título questionava: “O Brasil estragou tudo?”. A revista assinalava: “Na década de 2000, o Brasil decolou e, mesmo com a crise econômica mundial, o país cresceu 7,5% em 2010. No entanto, tem parado recentemente. Desde 2011, o Brasil conseguiu apenas um crescimento anual de 2%. Seus cidadãos estão descontentes – em julho, eles foram às ruas para protestar contra o alto custo de vida, serviços públicos deficientes e a corrupção dos políticos”.
E concluía: “até agora, os eleitores brasileiros têm poucas razões para dar a Dilma um segundo mandato”.
Em uma importante mudança de rota, o governo cedeu aos fatos e, no segundo semestre de 2012, preparou um grande programa de concessão de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Na sua concepção, porém, o pacote de concessões com regras duras previa taxas de retorno insuficientes para os investidores, o que afastou o leque de empresas potencialmente interessadas na exploração dos serviços. Durante o ano seguinte, as regras foram sendo paulatinamente revistas em intermináveis mesas de negociação com o governo para atrair a participação das empresas privadas. O pacote de concessões está em curso, e as obras envolvidas nos projetos devem começar no próximo ano. Isso vai ajudar na expansão da atividade a partir de 2015.
Até agora foram realizados cinco leilões de rodovias e transferidos mais de 4 mil quilômetros para a gestão privada; seis leilões de aeroportos para consórcios liderados por grandes operadoras internacionais; e três licitações de petróleo e gás, sendo que o leilão do Campo de Libra foi o maior nessa área. Há um novo marco regulatório para o sistema portuário e para a concessão de ferrovias.
As privatizações por regime de concessão são, a rigor, o reconhecimento de que o Estado não está capacitado a conduzir os investimentos em infraestrutura e que o PAC, elaborado em 2007 para ser o grande mobilizador de recursos e projetos, mesmo com todo o empenho do governo, não conseguiu cumprir sua função e demandava um sucedâneo.
Quando esteve no Forum Econômico Mundial de Davos (Suiça), em janeiro – como parte de uma ofensiva do governo para se aproximar dos investidores internacionais –, a presidente Dilma Rousseff falou da profunda transformação social em curso no país. “Estamos nos tornando, por meio de um processo acelerado de ascensão social, uma nação dominantemente de classe média.” Ela desfiou números: o Brasil é hoje um dos maiores mercados para automóveis, computadores, celulares, refrigeradores, fármacos e cosméticos. Mas, apenas 47% dos domicílios têm computador; 55% apenas possuem máquinas de lavar roupa automática; 17%, freezer; 8%, TV plana. Ou seja, há uma imensa demanda a ser atendida e inúmeras possibilidades de negócios. “Criamos um imenso contingente de cidadãos com melhores condições de vida, maior acesso à informação e mais consciência de seus direitos.” Parte dessa população esteve nos protestos de rua em junho do ano passado, lembrou a presidente, para quem “essas manifestações são partes indissociáveis do nosso processo de construção da democracia e do processo de mudança social”.
Para a plateia de Davos, Dilma firmou compromissos e procurou mostrar que seu governo estava em processo de conquista de credibilidade. Após 12 anos da Carta aos Brasileiros, assinada por Lula, em que, antes de ser eleito presidente da República, ele assegurou o respeito a contratos e à estabilidade, a presidente teve que renovar sua fé na estabilidade. “O controle da inflação e o equilíbrio das contas públicas são requisitos essenciais para assegurar a estabilidade, base sólida para a expansão econômica e para o progresso social”, declarou Dilma. “A estabilidade da moeda é, hoje, um valor central do nosso país, da nossa nação. A responsabilidade fiscal, por sua vez, é um princípio basilar da nossa visão de desenvolvimento econômico e social.”
Muitos problemas a resolver
O Brasil, na realidade, não estava tão bem quanto se imaginava no fim do segundo mandato de Lula nem está dramaticamente ruim na gestão Dilma, principalmente se se considerar que o desemprego continua em queda (embora o emprego também esteja começando a cair) e a massa salarial ainda registra aumento real.
Um olhar desapaixonado poderá constatar que Lula, além de ser mais afeito ao diálogo e à negociação, fez distribuição de renda mediante programas sociais ao mesmo tempo em que concedeu benefícios aos empresários, levou ao limite a expansão do crédito ao consumo e teve a inestimável ajuda dos bons ventos externos. Já o governo Dilma enfrentou desde o início do seu mandato um cenário internacional adverso. Só agora as economias desenvolvidas começam a sair, lentamente e mais competitivas, da crise. A recuperação mundial, que é uma boa notícia no médio e longo prazos, de imediato, traz impactos ruins para os países emergentes. Somou-se a isso o seu estilo centralizador, a política econômica intervencionista e a disseminação da crença de que a presidente não gosta do mercado, não gosta do lucro e não confia no sistema de preços. O resultado foi o mau humor com que investidores estrangeiros e nacionais passaram a lidar com o país, a resistência das empresas em aumentar seus investimentos e o surgimento, originalmente dentro do próprio PT, do coro “Volta Lula”.
É visível o esforço de mudança do governo do ano passado para cá para vencer a crise de confiança. O programa de concessões foi um marco dessa inflexão, assim como a política de aperto monetário iniciada pelo Banco Central em abril de 2013, a redução no ritmo de crescimento do crédito e a política fiscal anunciada para este ano, em que o governo se comprometeu a perseguir um superávit primário de 1,9% do PIB para estabilizar a dívida como proporção do PIB. O risco de um rebaixamento do grau de investimento do país pelas agências de rating, por causa, principalmente, da deterioração fiscal, funcionou, ao lado da falta de bons resultados, como um incentivo para a mudança. Houve também uma tomada de consciência, após as manifestações de protestos, de que a sociedade brasileira não quer mais governos lenientes com a inflação nem com o desperdício do dinheiro público.
Há muitos problemas a enfrentar, uma eleição no meio do caminho e acumula-se uma gorda agenda para 2015, quando assumirá o governo que for eleito em outubro próximo.
No momento, um se sobressai e assombra o país: a escassez da oferta de energia. A falta de chuvas colocou na mesa o risco de racionamento. O governo esforça-se para banir essa palavra do vocabulário e usa as usinas térmicas a pleno vapor para abastecer a demanda, em um sistema concebido para ser utilizado de forma conjuntural e não estrutural.
População está dividida
As térmicas, porém, custam caro e dificilmente o sistema resistirá sem um repasse de preços para os consumidores, por mais que o Tesouro Nacional financie o consumo dessa energia. Também está no radar dos economistas a descompressão dos preços dos combustíveis – cujo represamento tem produzido efeitos danosos sobre a Petrobras. Ambos os preços têm forte impacto sobre a inflação, e o governo tenta administrar esses problemas com os olhos na reeleição de Dilma.
A cena econômica do país, portanto, não é a mesma de quando o governo Lula comemorava a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo. Isso pode não explicar as razões pelas quais o povo brasileiro se dividiu no apoio à realização dos jogos nem por que foi às ruas para mostrar sua insatisfação. É, porém, uma importante peça a compor o mosaico em que se misturam toda a sorte de frustrações com o país no qual o simples fato de sair de casa para o trabalho e voltar para casa tornou-se uma tarefa hercúlea e de alto risco. Seja pelas péssimas condições de transportes e de trafegabilidade, pela falta de segurança, pela violência e pelo medo.
Há os atos de vandalismo promovidos por uma minoria que assustam e há as práticas de vandalismo político que deprimem.
Por 30 dias, durante os jogos, o Brasil vai estar exposto ao mundo com todos os seus encantos e suas mazelas. O impacto econômico, tão aclamado pelas autoridades como um benefício para o país é, segundo estudos de economistas internacionais, mais neutro do que positivo. Os gastos estimados na construção e na reforma dos 12 estádios saltaram de R$ 5 bilhões em 2010 para mais de R$ 7 bilhões agora. Cálculos da consultoria KPMG indicam que aqui se ergueram os estádios mais caros do mundo.
Mas, este pode ser um momento exitoso para o país. Se bem-sucedido, o evento vai gerar um ganho de imagem importante para ajudar a tirar de cena o mau humor do mundo com o Brasil – hoje visto como um dos “cinco frágeis”, as cinco economias emergentes mais vulneráveis ao processo de normalização das condições monetárias nos Estados Unidos, ao lado da Turquia, Indonésia, Índia e África do Sul.
Afinal, dizem os estudiosos, é no futebol que a nação sintetiza o que é ser brasileiro.
Baixo percentual de execução das obras
Dos 229 projetos de mobilidade urbana em grandes e médias cidades, financiados pelo governo federal, apenas 47 têm alguma obra em andamento e seis foram concluídos, conforme o último balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de fevereiro de 2014.
O baixo percentual de execução – menos de 20% – confirma a imensa dificuldade do setor público em executar projetos e atender às demandas por melhores condições de transporte urbano, reinvindicação que esteve na base das manifestações de junho do ano passado.
A questão urbana está no centro das preocupações da sociedade. As grandes cidades brasileiras precisam com urgência de investimentos em transporte público, saneamento, habitação e segurança.
Por inércia, ineficácia e exigências infindáveis dos órgãos de controle, uma longa lista de obras anunciadas nos últimos anos sequer saiu do papel. Ainda estão em fase de elaboração de estudos de viabilidade econômica ou de engenharia.
O sistema “U” dificulta a transformação dos projetos em realidade com a presteza de que a população precisa. A indevida superposição de poderes do MPU (Ministério Público da União), TCU (Tribunal de Contas da União) e CGU (Controladoria Geral da União) criou, junto com a intenção de fiscalizar e coibir atos de corrupção, uma rede de protelação difícil de ser transposta.
Dos 155 projetos de mobilidade urbana sob a responsabilidade de estados e municípios e que contam com algum apoio financeiro da União, apenas 14 estão em execução – dentre eles o monotrilho da Linha 17-Ouro do Metrô (São Paulo), o BRT Transcarioca (Rio de Janeiro), o BRT Expresso Sul (Distrito Federal) e o VLT de Cuiabá – e sete obras foram concluídas, a exemplo da linha oeste do metrô de Fortaleza e o aeromóvel de Porto Alegre.
A maioria dos projetos é financiada, principalmente, por recursos estaduais e municipais, mas tem verbas a fundo perdido do Orçamento Geral da União (OGU) e financiamentos a taxas subsidiadas da Caixa Econômica Federal (CEF). Por isso, entram no balanço do PAC.
Em junho do ano passado, em resposta às manifestações populares, a presidente Dilma Rousseff anunciou um investimento adicional de R$ 50 bilhões em mobilidade urbana. Já havia outros programas, como o PAC Mobilidade Grandes Cidades e o PAC Mobilidade Médias Cidades, em andamento. O balanço, porém, não separa a execução dos programas que já estavam em curso e os que fazem parte dos R$ 50 bilhões, dificultando uma visão sobre o que de fato foi feito após os protestos de 2013.
Grande parte dos projetos está em “ação preparatória”, segundo o balanço do PAC, sem indicações do estágio em que se encontram os estudos de viabilidade e de engenharia. Há uma vasta lista nessa situação. Corredores de ônibus em Piracicaba e Rio Preto (SP), o VLT de Maceió (AL), a ampliação do metrô de Brasília (DF), o monotrilho de Manaus (AM) e o BRT de Vila Velha (ES) são exemplos.
claudia safatle é diretora-adjunta de Redação, colunista e diretora da sucursal do Valor Econômico em Brasília. Come- çou a cobertura da política econômica em 1976, quando Má- rio Henrique Simonsen era Ministro da Fazenda. Participou de todas as coberturas dos sucessivos planos econômicos, dos diversos acordos com o Fundo Monetário Internacional e das renegociações da dívida externa. Em 2010, ganhou o prêmio de Jornalista Econômica da Ordem dos Economistas do Brasil e, em 2012, o Prêmio Esso. Formou-se em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou na Gazeta Mercantil por 18 anos. Foi repórter especial da Folha de S. Paulo nos anos 1980, diretora do Jornal do Brasil e assessora do Banco Central (BC), na gestão Armínio Fraga (1999). Saiu do BC para montar a sucursal do Valor Econômico em Brasília.
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