01 abril 2014

Copa de Altos Custos e Poucos Benefícios Frustra o País

“Você conhece uma favela do Rio de Janei­ro? Você já viu a seca do Nordeste? E você acha que eu vou gastar dinheiro com estádio de futebol?” Essa teria sido a res­posta do presidente da República, general João Baptista Figueiredo, ao presidente da Fifa, João Havelange, quando este, em março de 1983, ofe­receu ao governo brasileiro a possibilidade de o Brasil sediar a Copa do Mundo de 1986.

“Você conhece uma favela do Rio de Janei­ro? Você já viu a seca do Nordeste? E você acha que eu vou gastar dinheiro com estádio de futebol?” Essa teria sido a res­posta do presidente da República, general João Baptista Figueiredo, ao presidente da Fifa, João Havelange, quando este, em março de 1983, ofe­receu ao governo brasileiro a possibilidade de o Brasil sediar a Copa do Mundo de 1986.
Aquela Copa seria na Colômbia, mas, poucos meses depois de empossado na presidência do país, Belisário Betancur tornou pública sua deci­são: “Por preservarmos o bem público, por saber­mos que o desperdício é imperdoável, anuncio aos meus compatriotas que o mundial de futebol de 1986 não se realizará na Colômbia.Temos outras coisas a fazer, e não há tempo para atender às ex­travagâncias da Fifa e de seus sócios”.
É muito provável que esses não tenham sido exatamente dois gestos heroicos. Figueiredo es­tava às voltas com um país quebrado e sem qual­quer crédito no exterior. Ali começava a crise da dívida externa que abalou praticamente todos os países em desenvolvimento e marcou a década perdida dos anos 1980. E Betancur acabava de assumir o comando de um país conflagrado. O governo colombiano tentava negociar com os movimentos extremistas (as Farc e o M-19) e in­gressava em uma etapa mais dura da guerra con­tra o narcotráfico. As exigências da Fifa eram exorbitantes, e os gastos seriam incompatíveis com a situação de ambos os países.
A Copa do Mundo de 1986 foi realizada no México, que também estava em dificuldades após ter decretado moratória da dívida externa, em 1982, que deu início à crise da dívida externa, e ainda foi abalado por um grande terremoto um ano antes do megaevento. O México já havia se­diado os jogos em 1970, contava com uma infra­estrutura, e a Fifa atenuou as exigências iniciais.
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Sil­va, em 30 de outubro de 2007, discursou na ceri­mônia de anúncio do Brasil como sede da Copa de 2014, em Zurique (Suíça), o país vivia uma fase de euforia e exuberância. “No fundo, nós es­tamos aqui assumindo uma responsabilidade en­quanto nação, enquanto Estado brasileiro, para provar ao mundo que nós temos uma economia crescente, estável, que nós somos um dos países que está com a sua estabilidade conquistada. So­mos um país que tem muitos problemas, sim, mas somos um país com homens determinados a resolver esses problemas.”
Entre aquele ano e hoje, às vésperas da Copa do Mundo – que começa no dia 12 de junho e termina no dia 13 de julho –, os ânimos no Bra­sil mudaram e muito. No país do futebol, as pesquisas de opinião revelam um impensável ceticismo com que os brasileiros veem a reali­zação dos jogos.
Em novembro de 2008, segundo o Datafolha, 79% dos pesquisados eram totalmente a favor. Em fevereiro de 2014, apenas 52% manifestaram apoio. Do total de entrevistados, 38% disseram que são contra a realização da Copa no Brasil. Esse percentual era de 10% em novembro de 2008 e de 26% em junho do ano passado.
A pesquisa CNT/MDA apontou que 75,8% dos entrevistados consideraram “desnecessá­rios” os investimentos realizados pelo governo para o campeonato. Outros 80,2% discordaram dos gastos com construção e reforma de estádios e preferiam que os recursos fossem aplicados em outras áreas.
Garantir a segurança é um desafio
Em junho de 2013, um outro Brasil mostrou sua face. As manifestações de protesto leva­ram às ruas das maiores cidades do país um povo cansado de promessas e indignado com a péssi­ma qualidade dos serviços públicos que recebe, a despeito da alta carga de impostos que paga.
O inesperado movimento surgiu como reação ao aumento das tarifas de transportes urbanos, mas trouxe à tona vários outros temas: a saúde, a educação, a corrupção, entre outros. Os manifes­tantes se colocaram contra os altos custos da or­ganização do torneio e elegeram a Fifa como um dos alvos dos protestos que chegaram, inclusive, à beira dos estádios em dias de jogos. Hoje, po­de-se dizer sem medo de errar que garantir a se­gurança durante os jogos da Copa é um desafio, uma grande preocupação do governo, que, além de montar um centro de operações para identifi­car possíveis atos de terrorismo ou vandalismo, está disposto a usar as forças do Exército para assegurar o bom andamento do evento.
Das ruas surgiu o movimento “Não vai ter Copa”. No noticiário, a exposição da exorbitân­cia dos gastos com os estádios. Em Brasília, o estádio Mané Garrincha, para 68 mil lugares, custou aos cofres públicos cerca de R$ 1,5 bi­lhão, tornando-se um símbolo do desnecessário, do inútil. Das obras de mobilidade urbana, anun­ciadas como a melhor herança dos investimentos da Copa, muitas não frutificaram. E fica claro que o mesmo cimento, o mesmo ferro e o empe­nho usados na construção de enormes estádios de futebol poderiam ter sido usados na construção de hospitais e metrôs.
A presidente Dilma Rousseff sofreu um ba­que na sua popularidade na esteira dos protestos de rua. A aprovação do governo, que antes de ju­nho de 2013 era de 54,2%, despencou para 31,3% entre julho e setembro do ano passado, subiu para 39% em novembro e, em fevereiro deste ano, caiu para 36,4%. Na mesma pesquisa, a perspectiva de melhora nos serviços de saúde recuou de 35% para 26%, apesar da implantação do programa “Mais Médicos”, de contratação de profissionais no exterior, sobretudo de Cuba.
Em 2007, quando o país firmou-se como sede dos jogos de 2014, o Brasil estava em franca ex­pansão. A economia crescia 6,1%, a inflação de 4,31% estava abaixo da meta de 4,5%, a política de reajuste do salário mínimo começou a agregar substanciais ganhos reais e o governo Lula lan­çava o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O PAC era a promessa de recuperação dos investimentos públicos em infraestrutura e logística para modernizar o país e reduzir custos de escoamento da produção. Alimentava-se, ali, a ilusão de que o Estado brasileiro poderia ala­vancar os investimentos e dar impulso à infraes­trutura básica que data dos governos militares. Os funcionários públicos foram agraciados com novos planos de carreira e aumentos salariais.
Com as condições externas extremamente fa­voráveis, o governo começava a acumular reser­vas internacionais para mitigar o risco de crise cambial que sempre rondou o país.
Mercado de trabalho em expansão, “boom” de commodities e consequente valorização da taxa de câmbio, aumento da renda, combate à pobreza e uma agressiva expansão do crédito le­varam o povo brasileiro a uma sensação de bem­-estar raramente vista.
As políticas de transferência de renda aos mais pobres retirou dezenas de milhões de brasileiros da linha da pobreza. Em poucos anos, de 2005 a 2008, o crédito como proporção do PIB pratica­mente dobrou, abrindo uma porta de financiamen­to do consumo das famílias como jamais ocorrera.
Lula animava a plateia: “Eu quero dizer a vo­cês: estejam certos de que o Brasil saberá, orgu­lhosamente, fazer a sua lição de casa, realizar uma Copa do Mundo para argentino nenhum co­locar defeito”.
Em 2008, o mundo sofre um abalo até então inimaginável. Muito se falava das bolhas de crédi­to nos Estados Unidos. Economistas alertaram para o risco de uma crise no momento em que es­sas bolhas furassem. Em 15 de setembro de 2008, enquanto o Banco Central do Brasil elevava a taxa básica de juros (Selic) para conter a inflação do­méstica, o mercado financeiro do planeta parou com a quebra do banco de investimento america­no Lehman Brothers. Em meio ao pânico, o Brasil e o mundo foram arrastados para o que ficou co­nhecido como a maior crise financeira desde o “crash” de 1929. O crédito externo para o país sofreu abrupta interrupção, a taxa de câmbio teve forte depreciação, os índices de confiança das em­presas na economia despencaram, assim como o crescimento do consumo doméstico, e o país en­trou em recessão. O governo reagiu com um pode­roso arsenal de medidas monetárias e fiscais e o Brasil foi um dos primeiros países a retomar o crescimento em meados de 2009.
2010: Projetos para a Copa
No ano de 2010, durante a campanha pela eleição de Dilma Rousseff para suceder Lula, o Brasil já surfava em uma onda de cresci­mento e prosperidade só comparável aos velhos tempos do “milagre econômico”.
Juntamente a um Produto Interno Bruto (PIB) que crescia à insustentável taxa de 7,5%, o país se preparava para a Copa do Mundo de 2014 com um cronograma de obras que, dizia-se à época, mudaria as condições de vida nas principais ca­pitais do país.
No início daquele ano, o governo federal, os prefeitos e os governadores das 12 cidades-sede da Copa – e não apenas oito cidades como era o costume – definiram as obras prioritárias de transporte público para a realização do mundial, mediante o PAC da Mobilidade Urbana, progra­ma que investiria bilhões de reais em dezenas de projetos destinados a viabilizar o trânsito nas ca­pitais. Selecionaram-se as obras que pudessem estar prontas antes do evento e que já estivessem com os projetos finalizados ou com as licenças ambientais aprovadas.
Delas constavam os projetos de veículos leves sobre trilhos (VLTs) de Brasília e Fortaleza, os monotrilhos de São Paulo e Manaus, 20 sistemas de “bus rapid transit” (BRT) e dez corredores ex­pressos de ônibus. O Rio de Janeiro receberia R$ 1,19 bilhão para a linha de BRT, ligando o Aero­porto Tom Jobim aos bairros da Penha e da Barra da Tijuca; São Paulo, R$ 1,08 bilhão para a linha de monotrilho entre o Aeroporto de Congonhas e o estádio do Morumbi. Belo Horizonte usaria R$ 1,02 bilhão alocado para o governo de Minas Ge­rais para construir seis BRTs, entre outras obras; Amazonas teria R$ 800 milhões, sendo que boa parte da verba seria para custear o monotrilho Norte-Centro. Outras capitais definidas como sede do Mundial são Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Natal, Porto Alegre, Recife e Salvador. E o polê­mico “trem-bala”, ligando São Paulo ao Rio, coro­aria todo esse esforço de transformação.
Eleita, Dilma Rousseff assumiu a presidência da República em janeiro de 2011 com uma tarefa pesada: desacelerar a economia que Lula havia anabolizado para embalar a campanha eleitoral e enquadrar a inflação, que descarrilhava, na meta de 4,5% ao ano. Lula deixou a inflação em 5,91%, decorrente da expansão do consumo em um ritmo maior do que o crescimento da oferta.
O Banco Central iniciou o ano de 2011 elevando a taxa básica de juros, a Selic. Em agosto, porém, deu um “cavalo de pau” na política monetária, antecipando o agravamento da crise na zona do euro – o repique da crise de 2008/2009 que levou parte das economias europeias à recessão.
Principal mercado importador da China, a cri­se na zona do Euro implicou uma necessária revi­são do modelo de crescimento do gigante asiático – de forte exportador para o fortalecimento do mercado interno. Com essa transição de modelo, o “boom” das commodities que irrigava a economia do Brasil se esvaiu. A desaceleração do cresci­mento da China afetou as exportações das com­modities agrícolas e metálicas brasileiras.
Desde o agravamento da situação na Europa, em 2011, com as consequências sobre a econo­mia chinesa e a lenta recuperação dos Estados Unidos, Dilma, ao contrário de seu antecessor, teve pouca ajuda do “front” externo para oxige­nar a economia.
Entre meados de 2011 e 2012, o governo bra­sileiro arriscou uma série de experiências no es­copo do que seria “uma nova matriz macroeco­nômica” – juros baixos (7,25% ao ano), a moeda depreciada, política fiscal expansionista e infla­ção próxima a 6% – para injetar fontes de expan­são na atividade doméstica. A nova matriz teve vida curta. O experimentalismo e o intervencio­nismo que caracterizaram a gestão do governo foram gradativamente minando a confiança do setor privado na administração da presidente.
O embate com o sistema bancário para a redu­ção do “spread”, a forte expansão do crédito dos bancos públicos, o programa de concessões com previsão de taxas de retorno baixas (da ordem de 5%), o pacote do setor elétrico, formaram um am­biente de desconfiança. Esse clima prossegue em 2013 e compromete a expansão dos investimentos privados – que deveriam embalar a economia dada a exaustão do crescimento do consumo e o elevado padrão de endividamento das famílias.
Crescimento econômico é igual a confiança. Para aumentar o investimento na economia é preciso confiar nas regras em vigor e no aumento da demanda futura. Os resultados foram magros: o PIB cresceu 2,7% em 2011, 1% em 2012 e 2,3% em 2013. As previsões para 2014 apontam expansão abaixo de 2%, reforçando a sensação de que o país perdeu o seu dinamismo e, logo, essa situação poderá comprometer o mercado de trabalho, hoje com taxas ainda próximas ao ple­no emprego.
Em duas capas dedicadas ao Brasil, a revista “The Economist” expôs a visão bipolar do país. Em fins de 2009, quando sai da recessão para um acelerado crescimento, à figura do Cristo Reden­tor como um foguete rumo ao céu seguia-se o tí­tulo “O Brasil Decola”. No editorial, a revista dizia que o país parecia ter feito sua entrada no cenário mundial, marcada simbolicamente pela escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos em 2016.
A revista mencionava que a inclusão do Bra­sil no grupo dos emergentes Bric (Brasil, Rússia, Índia e China ao qual se juntou, mais tarde, a África do Sul), em 2003, foi acertada, pois o país estava apresentando um desempenho econômico notável. E estabelecia as diferenças do Brasil: “Ao contrário da China, é uma democracia, ao contrário da Índia, não possui insurgentes, con­flitos étnicos, religiosos ou vizinhos hostis. Ao contrário da Rússia, exporta mais do que petró­leo e armas e trata os investidores estrangeiros com respeito”.
Em uma abordagem quase premonitória, a revista fazia, também, ressalvas sobre o país ter problemas que não deviam ser subestimados, da corrupção à falta de investimentos na educação e na infraestrutura, “evidenciados pelo apagão (de energia) desta semana”.
Processo de conquista de credibilidade
Em 2013, a capa era a expressão da decepção: o mesmo Cristo Redentor como um foguete des­governado rumo ao chão. O título questionava: “O Brasil estragou tudo?”. A revista assinalava: “Na década de 2000, o Brasil decolou e, mesmo com a crise econômica mundial, o país cresceu 7,5% em 2010. No entanto, tem parado recentemente. Desde 2011, o Brasil conseguiu apenas um cresci­mento anual de 2%. Seus cidadãos estão descon­tentes – em julho, eles foram às ruas para protestar contra o alto custo de vida, serviços públicos defi­cientes e a corrupção dos políticos”.
E concluía: “até agora, os eleitores brasilei­ros têm poucas razões para dar a Dilma um se­gundo mandato”.
Em uma importante mudança de rota, o go­verno cedeu aos fatos e, no segundo semestre de 2012, preparou um grande programa de conces­são de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Na sua concepção, porém, o pacote de conces­sões com regras duras previa taxas de retorno insuficientes para os investidores, o que afastou o leque de empresas potencialmente interessadas na exploração dos serviços. Durante o ano se­guinte, as regras foram sendo paulatinamente revistas em intermináveis mesas de negociação com o governo para atrair a participação das em­presas privadas. O pacote de concessões está em curso, e as obras envolvidas nos projetos devem começar no próximo ano. Isso vai ajudar na ex­pansão da atividade a partir de 2015.
Até agora foram realizados cinco leilões de rodovias e transferidos mais de 4 mil quilôme­tros para a gestão privada; seis leilões de aero­portos para consórcios liderados por grandes operadoras internacionais; e três licitações de petróleo e gás, sendo que o leilão do Campo de Libra foi o maior nessa área. Há um novo marco regulatório para o sistema portuário e para a con­cessão de ferrovias.
As privatizações por regime de concessão são, a rigor, o reconhecimento de que o Estado não está capacitado a conduzir os investimentos em infraestrutura e que o PAC, elaborado em 2007 para ser o grande mobilizador de recursos e projetos, mesmo com todo o empenho do gover­no, não conseguiu cumprir sua função e deman­dava um sucedâneo.
Quando esteve no Forum Econômico Mundial de Davos (Suiça), em janeiro – como parte de uma ofensiva do governo para se aproximar dos inves­tidores internacionais –, a presidente Dilma Rous­seff falou da profunda transformação social em curso no país. “Estamos nos tornando, por meio de um processo acelerado de ascensão social, uma nação dominantemente de classe média.” Ela des­fiou números: o Brasil é hoje um dos maiores mer­cados para automóveis, computadores, celulares, refrigeradores, fármacos e cosméticos. Mas, ape­nas 47% dos domicílios têm computador; 55% apenas possuem máquinas de lavar roupa automá­tica; 17%, freezer; 8%, TV plana. Ou seja, há uma imensa demanda a ser atendida e inúmeras possi­bilidades de negócios. “Criamos um imenso con­tingente de cidadãos com melhores condições de vida, maior acesso à informação e mais consciên­cia de seus direitos.” Parte dessa população esteve nos protestos de rua em junho do ano passado, lembrou a presidente, para quem “essas manifes­tações são partes indissociáveis do nosso processo de construção da democracia e do processo de mudança social”.
Para a plateia de Davos, Dilma firmou com­promissos e procurou mostrar que seu governo estava em processo de conquista de credibilida­de. Após 12 anos da Carta aos Brasileiros, assi­nada por Lula, em que, antes de ser eleito presi­dente da República, ele assegurou o respeito a contratos e à estabilidade, a presidente teve que renovar sua fé na estabilidade. “O controle da in­flação e o equilíbrio das contas públicas são re­quisitos essenciais para assegurar a estabilidade, base sólida para a expansão econômica e para o progresso social”, declarou Dilma. “A estabilida­de da moeda é, hoje, um valor central do nosso país, da nossa nação. A responsabilidade fiscal, por sua vez, é um princípio basilar da nossa visão de desenvolvimento econômico e social.”
Muitos problemas a resolver
O Brasil, na realidade, não estava tão bem quanto se imaginava no fim do segundo mandato de Lula nem está dramaticamente ruim na gestão Dilma, principalmente se se considerar que o desemprego continua em queda (embora o emprego também esteja começando a cair) e a massa salarial ainda registra aumento real.
Um olhar desapaixonado poderá constatar que Lula, além de ser mais afeito ao diálogo e à negociação, fez distribuição de renda mediante programas sociais ao mesmo tempo em que concedeu benefícios aos empresários, levou ao limite a expansão do crédito ao consumo e teve a inestimável ajuda dos bons ventos externos. Já o governo Dilma enfrentou desde o início do seu mandato um cenário internacional adverso. Só agora as economias desenvolvidas começam a sair, lentamente e mais competitivas, da crise. A recuperação mundial, que é uma boa notícia no médio e longo prazos, de imediato, traz im­pactos ruins para os países emergentes. Somou­-se a isso o seu estilo centralizador, a política econômica intervencionista e a disseminação da crença de que a presidente não gosta do merca­do, não gosta do lucro e não confia no sistema de preços. O resultado foi o mau humor com que investidores estrangeiros e nacionais passa­ram a lidar com o país, a resistência das empre­sas em aumentar seus investimentos e o surgi­mento, originalmente dentro do próprio PT, do coro “Volta Lula”.
É visível o esforço de mudança do governo do ano passado para cá para vencer a crise de confiança. O programa de concessões foi um marco dessa inflexão, assim como a política de aperto monetário iniciada pelo Banco Central em abril de 2013, a redução no ritmo de crescimento do crédito e a política fiscal anunciada para este ano, em que o governo se comprometeu a perse­guir um superávit primário de 1,9% do PIB para estabilizar a dívida como proporção do PIB. O risco de um rebaixamento do grau de investi­mento do país pelas agências de rating, por cau­sa, principalmente, da deterioração fiscal, fun­cionou, ao lado da falta de bons resultados, como um incentivo para a mudança. Houve também uma tomada de consciência, após as manifesta­ções de protestos, de que a sociedade brasileira não quer mais governos lenientes com a inflação nem com o desperdício do dinheiro público.
Há muitos problemas a enfrentar, uma elei­ção no meio do caminho e acumula-se uma gor­da agenda para 2015, quando assumirá o gover­no que for eleito em outubro próximo.
No momento, um se sobressai e assombra o país: a escassez da oferta de energia. A falta de chuvas colocou na mesa o risco de racionamen­to. O governo esforça-se para banir essa palavra do vocabulário e usa as usinas térmicas a pleno vapor para abastecer a demanda, em um sistema concebido para ser utilizado de forma conjuntu­ral e não estrutural.
População está dividida
As térmicas, porém, custam caro e dificil­mente o sistema resistirá sem um repasse de preços para os consumidores, por mais que o Tesouro Nacional financie o consumo dessa energia. Também está no radar dos economistas a descompressão dos preços dos combustíveis – cujo represamento tem produzido efeitos da­nosos sobre a Petrobras. Ambos os preços têm forte impacto sobre a inflação, e o governo tenta administrar esses problemas com os olhos na re­eleição de Dilma.
A cena econômica do país, portanto, não é a mesma de quando o governo Lula comemorava a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo. Isso pode não explicar as razões pelas quais o povo brasileiro se dividiu no apoio à realização dos jogos nem por que foi às ruas para mostrar sua insatisfação. É, porém, uma importante peça a compor o mosaico em que se misturam toda a sorte de frustrações com o país no qual o simples fato de sair de casa para o trabalho e voltar para casa tornou-se uma tarefa hercúlea e de alto ris­co. Seja pelas péssimas condições de transportes e de trafegabilidade, pela falta de segurança, pela violência e pelo medo.
Há os atos de vandalismo promovidos por uma minoria que assustam e há as práticas de vandalismo político que deprimem.
Por 30 dias, durante os jogos, o Brasil vai es­tar exposto ao mundo com todos os seus encan­tos e suas mazelas. O impacto econômico, tão aclamado pelas autoridades como um benefício para o país é, segundo estudos de economistas internacionais, mais neutro do que positivo. Os gastos estimados na construção e na reforma dos 12 estádios saltaram de R$ 5 bilhões em 2010 para mais de R$ 7 bilhões agora. Cálculos da consultoria KPMG indicam que aqui se ergue­ram os estádios mais caros do mundo.
Mas, este pode ser um momento exitoso para o país. Se bem-sucedido, o evento vai gerar um ganho de imagem importante para ajudar a tirar de cena o mau humor do mundo com o Brasil – hoje visto como um dos “cinco frágeis”, as cinco economias emergentes mais vulneráveis ao pro­cesso de normalização das condições monetárias nos Estados Unidos, ao lado da Turquia, Indoné­sia, Índia e África do Sul.
Afinal, dizem os estudiosos, é no futebol que a nação sintetiza o que é ser brasileiro.
Baixo percentual de execução das obras
Dos 229 projetos de mobilidade urbana em grandes e médias cidades, financiados pelo go­verno federal, apenas 47 têm alguma obra em andamento e seis foram concluídos, conforme o último balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de fevereiro de 2014.
O baixo percentual de execução – menos de 20% – confirma a imensa dificuldade do setor público em executar projetos e atender às de­mandas por melhores condições de transporte urbano, reinvindicação que esteve na base das manifestações de junho do ano passado.
A questão urbana está no centro das preo­cupações da sociedade. As grandes cidades brasileiras precisam com urgência de investi­mentos em transporte público, saneamento, habitação e segurança.
Por inércia, ineficácia e exigências infin­dáveis dos órgãos de controle, uma longa lis­ta de obras anunciadas nos últimos anos se­quer saiu do papel. Ainda estão em fase de elaboração de estudos de viabilidade econô­mica ou de engenharia.
O sistema “U” dificulta a transformação dos projetos em realidade com a presteza de que a população precisa. A indevida superpo­sição de poderes do MPU (Ministério Público da União), TCU (Tribunal de Contas da União) e CGU (Controladoria Geral da União) criou, junto com a intenção de fiscali­zar e coibir atos de corrupção, uma rede de protelação difícil de ser transposta.
Dos 155 projetos de mobilidade urbana sob a responsabilidade de estados e municípios e que contam com algum apoio financeiro da União, apenas 14 estão em execução – dentre eles o mo­notrilho da Linha 17-Ouro do Metrô (São Pau­lo), o BRT Transcarioca (Rio de Janeiro), o BRT Expresso Sul (Distrito Federal) e o VLT de Cuia­bá – e sete obras foram concluídas, a exemplo da linha oeste do metrô de Fortaleza e o aeromóvel de Porto Alegre.

A maioria dos projetos é financiada, princi­palmente, por recursos estaduais e municipais, mas tem verbas a fundo perdido do Orçamento Geral da União (OGU) e financiamentos a taxas subsidiadas da Caixa Econômica Federal (CEF). Por isso, entram no balanço do PAC.

Em junho do ano passado, em resposta às manifestações populares, a presidente Dilma Rousseff anunciou um investimento adicional de R$ 50 bilhões em mobilidade urbana. Já havia outros programas, como o PAC Mobilidade Grandes Cidades e o PAC Mobilidade Médias Cidades, em andamento. O balanço, porém, não separa a execução dos programas que já esta­vam em curso e os que fazem parte dos R$ 50 bilhões, dificultando uma visão sobre o que de fato foi feito após os protestos de 2013.

Grande parte dos projetos está em “ação preparatória”, segundo o balanço do PAC, sem indicações do estágio em que se encontram os estudos de viabilidade e de engenharia. Há uma vasta lista nessa situação. Corredores de ônibus em Piracicaba e Rio Preto (SP), o VLT de Ma­ceió (AL), a ampliação do metrô de Brasília (DF), o monotrilho de Manaus (AM) e o BRT de Vila Velha (ES) são exemplos.


claudia safatle é diretora-adjunta de Redação, colunista e diretora da sucursal do Valor Econômico em Brasília. Come- çou a cobertura da política econômica em 1976, quando Má- rio Henrique Simonsen era Ministro da Fazenda. Participou de todas as coberturas dos sucessivos planos econômicos, dos diversos acordos com o Fundo Monetário Internacional e das renegociações da dívida externa. Em 2010, ganhou o prêmio de Jornalista Econômica da Ordem dos Economistas do Brasil e, em 2012, o Prêmio Esso. Formou-se em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou na Gazeta Mercantil por 18 anos. Foi repórter especial da Folha de S. Paulo nos anos 1980, diretora do Jornal do Brasil e assessora do Banco Central (BC), na gestão Armínio Fraga (1999). Saiu do BC para montar a sucursal do Valor Econômico em Brasília.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter