Corrupção Continuará como Principal Angústia dos Brasileiros?
Este artigo analisa as perspectivas após as eleições deste ano com a posse de um novo governo. A sociedade continuará a entender a corrupção como um dos males a serem controlados? Continuará considerando esta sua principal angústia?
Corrupção – angústia número um dos brasileiros
O Instituto Datafolha detectou pela primeira vez, em pesquisa divulgada em 2015, a corrupção como a principal angústia dos brasileiros, maior que o desemprego, maior que a criminalidade, a saúde, a moradia ou a educação.
Paralelamente, apesar de termos a nona economia do planeta, o índice de percepção da corrupção medido pela Transparência Internacional, que foi divulgado em fevereiro, coloca-nos na posição 96 entre 180 países avaliados – caímos 17 posições em relação ao ano anterior e fomos para a pior posição desde que o índice foi criado, na década de 1990. Segundo o Fórum Econômico Mundial, por outro lado, seríamos o quarto país mais corrupto do mundo (só estaríamos em situação melhor que a Bolívia, Venezuela e o Chade).
Mas, é bom lembrar que o índice é de percepção e, portanto, subjetivo. Com certeza, o do Fórum Econômico tem a mesma natureza. Não conhecemos nosso volume total de corrupção em razão da alta subnotificação (cifra negra), o que não nos permite saber quanto ela nos custa com exatidão.
Mas, sabemos que elegeremos em outubro um novo presidente da República. E, além dele, 27 governadores dos Estados, 54 senadores da República (2/3 do Senado), 513 deputados federais e 1059 deputados estaduais. O povo costuma atribuir historicamente mais importância às escolhas referentes ao Poder Executivo – presidente e governadores.
Talvez porque o Executivo administra e isto faça com que estas escolhas despertem mais interesse, afinal, são o presidente e os governadores que realizarão aquilo que é mais visível – as obras – escolas, hospitais, estradas, etc. Mas, é necessário que se tenha extrema consciência em relação à relevância das escolhas para o Legislativo.
Os temas cruciais são inexoravelmente discutidos no Poder Legislativo, especialmente o Federal. Foi lá, por exemplo, que se decidiram os impeachments de Collor e Dilma, assim como o não prosseguimento das duas denúncias criminais por corrupção contra o presidente Michel Temer. Lamentavelmente, no debate sobre a reforma política tivemos poucos avanços e a expectativa justa no sentido de se colocar nas mãos do povo a decisão sobre a renovação política foi frustrada.
As velhas raposas da política resistiram às mudanças, especialmente à ideia do voto distrital que existe na Inglaterra, por exemplo, desde o século XII, que reduziria custos e diminuiria o risco de corrupção eleitoral. Fizeram isto para que se mantivesse o atual sistema e para que fossem facilitadas ao máximo as reeleições dos atuais mandatários, numa busca desenfreada pela própria negação da essência da República, que é a alternância no poder.
Quem está no poder, infelizmente, luta sem pudor pela eternização. E desta forma, a proposta de se instituir o voto distrital foi totalmente desfigurada e deu lugar a uma teratologia do ponto de vista jurídico-político-eleitoral logo apelidada de “distritão”, só existente em quatro nações do planeta – Vanuatu, Afeganistão, Kwait e Emirados Árabes –, que, ao ser melhor compreendida, foi rechaçada.
Da ideia original dos pequenos distritos só se conservou o nome, de forma ardilosa, para dar a impressão de que se tratava de algo semelhante ao desenho anterior, mas o sufixo aumentativo desmascarava a verdadeira intenção de desconstruir a proposta original.
Não se assistiu ali a um debate, por exemplo, sobre a criação de limite a número de mandatos consecutivos no Legislativo já que há parlamentares que estão no sexto, oitavo, décimo mandato consecutivo e, se observarmos o perfil dos processados e condenados pela operação Lava Jato, perceberemos que não há novatos por ali.
O relator da reforma política, deputado federal Vicente Cândido, propôs que se aceitassem doações anônimas para campanhas eleitorais, o que legitimaria, se houvesse aprovação, por exemplo, aportes financeiros provenientes do PCC, do Comando Vermelho, da Família do Norte ou até mesmo da máfia russa ou chinesa. O Instituto Não Aceito Corrupção, o Movimento Transparência Partidária e outros organismos reagiram, dando publicidade ao tema, e então houve recuo diante da desaprovação da opinião pública e da mídia.
Na mesma linha, diversas outras proposições, como a emenda oportunista visando à autoblindagem, que especificamente pretendia proibir prisões de políticos oito meses antes das eleições, também foi rejeitada.
Apesar do fracasso da reforma política, diversos movimentos preocupados com a renovação surgiram e se fortalecem, como RAPS, RenovaBr, Agora e uma infinidade de outros, dedicando-se a forjar candidaturas baseadas em princípios e comprometidas com o bem comum.
Além disto, a sociedade vem participando e acompanhando, ainda que essencialmente no plano das redes sociais, o debate político, o que pode gerar algum impacto nas urnas, sendo difícil prever a exata magnitude. No entanto, é importante que se registre que ainda se compram votos em larga escala no Brasil, e a Justiça Eleitoral precisa se reinventar para reprimir estas práticas, assim como o caixa dois eleitoral, absolutamente naturalizado, usado também para a própria compra de votos, que desequilibra a competição pelo voto e sabota o sistema democrático.
O fato de muitos políticos transgredirem a lei, praticando reiteradamente o delito do caixa dois eleitoral, que é hoje punido criminalmente com extrema brandura pelo artigo 350 do Código Eleitoral, deve servir como incentivo para que sejam revisadas as regras do jogo, endurecendo severamente tais punições, para que se desestimule este crime contra o povo e contra nossa democracia.
A pauta da reforma política precisa ser retomada após a escolha da nossa nova representação política para que aconteça de verdade, de maneira efetiva e profunda, apesar da nítida sensação de que não há vontade política do parlamento de realizá-la, sendo imprescindível que seja objeto de pressão forte por parte da sociedade, exigindo-a.
Da mesma maneira, o novo pacote de medidas anticorrupção, construído de forma dialógica pela Transparência Internacional em parceria com a FGV, que apresentou para discussão 70 ótimas proposições organizadas em 12 eixos temáticos, construídas após longo processo de discussão com entidades e especialistas, precisará ser abraçado na plenitude pela sociedade.
Pois a lembrança da votação das Dez Medidas Contra a Corrupção, em 29/11/2016, é amarga e não se quer a repetição do fracasso nem da frustração social por ele gerada, que bem ilustra nossa crise de representatividade política. Inclui-se aqui a entrevista do presidente da Câmara logo após o término da sessão, avaliando-a como democrática. A sessão pode ter sido qualquer coisa, menos o retrato da expectativa do povo.
Além disto, verificando-se os 13 programas de governo dos candidatos à Presidência da República em relação às proposições referentes ao combate à corrupção, tema que é a angústia número um dos brasileiros, percebe-se no geral um mar de generalidades, salvo os de Ciro Gomes e de Marina Silva, que são melhores e mais detalhados, sendo que os candidatos Boulos e Daciolo sequer fazem proposições sobre o tema, como se não fosse relevante.
Eleitos os novos representantes em janeiro de 2019, é absolutamente imprescindível que a sociedade exija a retomada destas discussões, incluída a reforma política. Que sejam apresentadas as 70 novas medidas ao Congresso (o maior pacote já elaborado no mundo), construindo-se uma discussão adulta, madura, transparente, envolvendo parlamentares e sociedade, para que possamos aprimorar nosso sistema anticorrupção, sendo necessário ter claro que não basta a operação Lava Jato para um controle eficiente.
Ministério Público, Poder Judiciário e combate à corrupção. A tentativa de demonização da justiça pelos políticos. Reformas necessárias
No sistema de freios e contrapesos, é imprescindível que tenhamos Judiciário e Ministério Público independentes para fiscalização e controle dos Poderes Executivo e Legislativo, que por sua vez devem se controlar e fiscalizar um ao outro.
Temos assistido nos últimos anos a uma enxurrada de escândalos de corrupção envolvendo membros do Executivo e do Legislativo. E não foi o Ministério Público nem o Judiciário que deram causa aos fatos. Se não agirem, terão descumprido os papeis que lhes foram confiados pelo Constituinte de 1988 e terão violado a lei penal, cometendo o crime de prevaricação.
Os atingidos pelas investigações e processos, sintomaticamente reagem, acusando de abuso os membros do MP e da magistratura que cumprem seu dever nos termos da lei em todas as promotorias e varas deste país continental. A reação chega ao ponto de terem pretendido aprovar uma nova lei de abuso de autoridade como reação à Justiça. Tanto que ali não se vê crime algum de parlamentar. Chegou-se ao ponto de pretender criminalizar a hermenêutica da lei, criminalização abolida no mundo desde a Revolução Francesa.
Quem detém poder, indiscutivelmente deve ser controlado (inclusive o MP e a magistratura obviamente), sendo saudável atualizar uma lei que vigora desde 1965. No entanto, que isto se construa de forma correta, justa, equânime, e não se utilize o Poder Legislativo como arma ou instrumento de vingança institucional.
Por outro lado, entretanto, quando se fala de Justiça, há questionamentos profundos nos dias de hoje aos Tribunais Superiores e a várias de suas decisões, especialmente por serem os ministros escolhidos politicamente pelo presidente da República para o exercício de funções até a aposentadoria, sem um período de duração predeterminado (mandato).
Isto ocorreu, inclusive, no julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral, quando o presidente da República estava sendo julgado por abuso de poder econômico durante a campanha e poderia ser cassado. Dois dos sete ministros atuantes no caso tinham sido escolhidos pelo próprio réu poucos meses antes, havendo escandaloso conflito de interesses, além da abundância de provas no caso, que entrou para a história de nossa justiça como a inédita absolvição por excesso de provas, salvando-se no caso a digna atitude do ministro relator Herman Benjamin, que condenava o réu, acompanhado pelos ministros Rosa Weber e Luiz Fux. Mas, foram minoria vencida. É óbvio que este sistema do TSE precisa ser revisto.
Mas, não seria justo generalizar as críticas. Existem decisões importantes e muito bem fundamentadas provenientes dos nossos Tribunais Superiores. Mas, é fundamental sempre ter a lembrança que a Justiça de Primeira Instância, onde atuam Sergio Moro, Marcelo Bretas e tantos outros, funciona com magistrados escolhidos de forma meritocrática por concursos públicos de provas e títulos.
Nenhum juiz e nenhum membro do MP foi escolhido politicamente, como ocorre em relação à escolha dos ministros dos Tribunais Superiores. Há uma singela sabatina no Senado, mas jamais houve recusa pelo Congresso de um nome indicado pelo presidente. Este sistema de escolha precisa ser modificado. Inclusive, incluo aqui Tribunal de Contas da União e dos Estados. Defendo a ideia de ser instituído mandato. Na Alemanha, por exemplo, a duração é de 10 anos.
Além disto, outras instituições deveriam ser ouvidas nas escolhas do STF – o próprio STF (Judiciário), o Ministério Público, a OAB. Poderiam construir uma lista tríplice ou sêxtupla para, dali, o presidente indicar e o Congresso sabatinar. E estas reformas devem incluir o Ministério Público, a meu ver.
É inadmissível que não se tenha eleição formal para a escolha do procurador-geral da República, e o presidente escolha seu próprio fiscal a partir de uma votação informal feita pela associação de classe dos procuradores da República. Também em nível estadual deveria ser diferente.
Há eleições com lista tríplice, mas o governador nomeia quem ele quiser. Seria melhor um sistema com votação uninominal interno e depois submeter o nome mais votado à Assembleia Legislativa, que o ratificaria ou não (com voto de 2/3), o que daria transparência às propostas do procurador-geral de Justiça e desconcentraria o poder de escolha.
Imagine-se que há ainda quatro Estados do Brasil que mantêm reserva de poder para procuradores de Justiça – só eles podem ser procuradores-gerais de Justiça, o que é totalmente anacrônico e antidemocrático – São Paulo, Roraima, Tocantins e Minas Gerais. Em São Paulo e Tocantins, as assembleias estão discutindo o tema.
III. Uma nova Justiça Eleitoral para enfrentar a corrupção
As eleições de 2018 trouxeram novamente um quadro com pontos de interrogação que perdurou até o momento perigosamente próximo ao dia das eleições. Não podemos ter um quadro de candidaturas consolidado com uma antecedência minimamente decente em relação à data das eleições? Seria impossível oferecer aos eleitores a situação totalmente definida pelo menos três meses antes das eleições? Não é plausível que o eleitor brasileiro pretenda isto?
Penso que cada cidadão tem este direito. Não é razoável que menos de um mês de uma eleição seja definido como o momento final para se apontar quem serão os nomes dos candidatos.
Onde fica o respeito ao eleitor? E o dever de transparência? E o direito à informação? E apesar da decisão do TSE por 6×1, o partido tentou seguir com a farsa para tirar proveito da popularidade e do carisma do líder (pseudocandidato), já condenado a 12 anos e 1 mês de reclusão por corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes.
Lula não estaria na cédula eleitoral e isto sempre foi tão certo como a luz do sol, pois a Lei da Ficha Limpa veda expressamente sua candidatura e é sempre bom lembrar que esta lei nasceu de um projeto de iniciativa popular, tendo sido aprovado no Congresso e sancionado pelo próprio Lula, cuja aparição em programas eleitorais do partido acabou sendo proibida por ministro do TSE, sob pena de retirada do ar da propaganda.
A verdade, lamentavelmente, é que os partidos se comportam como se a Lei da Ficha Limpa simplesmente não estivesse em vigor e dão legenda a fichas imundas. Em 2014, o roteiro foi o mesmo com José Riva, no Mato Grosso, José Roberto Arruda, no DF, e Neudo Campos, em Roraima, todos candidatos ao governo dos estados e, hoje, presos por corrupção.
E todos indicaram as esposas como sucessoras. No caso de Lula, além de estar inelegível por ter sido condenado em segunda instância, está preso por determinação do STF, apesar dos esperneios seus e de seus companheiros de partido. E vale lembrar que a maior parte dos ministros do STF que determinaram que permanecesse preso foram nomeados por Lula ou por Dilma, sua sucessora política.
Estes problemas seriam resolvidos se o sistema de justiça eleitoral exigisse que tudo estivesse definido três meses antes das eleições, por exemplo. Isto dependeria de mudança constitucional e legal.
A falta de transparência e de segurança jurídica são duas das piores deficiências que um sistema pode apresentar. São vulnerabilidades gravíssimas, que precisam ser sanadas, pois lhe retiram parcelas significativas da legitimidade e fazem com que a sociedade deixe de acreditar nas eleições e na própria democracia.
E a questão não se restringe a este, da interpretação da lei, para verificar quem pode e quem não pode ser candidato, para proteger a comunidade de discussões intermináveis bem como da insegurança jurídica.
Os cabeças de chapa em eleições majoritárias e respectivos partidos precisam definir com antecedência quem será o vice. Não é aceitável que esta escolha fique em aberto até momento tão próximo às eleições. Isto igualmente desrespeita o direito do eleitor de enxergar com antecedência decente o quadro político todo, na sua inteireza, de refletir, inclusive à luz do pensamento popular “diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”.
Esta indefinição estimula o vale-tudo político, dá mais tempo para as negociatas sem limite nem qualquer coerência, em busca do poder, custe o que custar. O mesmo período de três meses de antecedência poderia ser utilizado aqui.
Dependerá de amplas discussões no Congresso Nacional, no Conselho Nacional de Justiça, no Conselho Nacional do Ministério Público, no campo acadêmico, junto à sociedade civil, mas é necessário que o processo se inicie, para que possamos vislumbrar uma nova justiça eleitoral, que garanta à sociedade ética e efetivo equilíbrio nas disputas pelo voto.
O papel de uma sociedade desencantada. A ruína dos partidos políticos
Não se tenha a ilusão de que a partir de 2019 teremos 513 novos próceres na Câmara dos Deputados e 54 novos próceres no Senado. Que teremos o total revigoramento do sistema de freios e contrapesos no desenho original de Montesquieu. Mas, acredito ser possível elegermos em 7 de outubro um expressivo grupo de parlamentares que assumam o poder com o compromisso firme de construir um novo paradigma de política em nosso país.
Acredito que este novo grupo pode agir proativamente para o restauro da representatividade política, gerando um reposicionamento da atitude parlamentar em geral. Algumas dezenas de parlamentares podem criar uma frente da nova política, baseada na transparência, na lealdade com o povo, no profissionalismo, no compromisso com o bem comum, na integridade, na austeridade, com gabinetes mais enxutos e na eficiência.
Precisamos construir uma nova cultura parlamentar e esta construção cultural não ocorrerá em um dia, em um ano, em um mandato. É uma construção que precisa ser iniciada e ter prosseguimento. Uma nova cultura institui-se ao longo de novas gerações, desde que este seja o pensamento e o desejo prevalente da sociedade. Este movimento poderá construir novas leis, conquistar respeito no Congresso, mudar cabeças, arrebatar corações e influenciar decisivamente o Poder Executivo.
Em junho de 2013, emitiram-se alguns aparentes e fugazes sinais de vitalidade da nossa cidadania. Mas, não nos iludamos porque não houve nada parecido com o que aconteceu na França na Tomada da Bastilha em julho de 1789.
Havia um clima de insatisfação generalizada relacionada à nossa aguda e já duradoura crise de representatividade política, amplificada pela frustação com a situação econômica e isto levou as pessoas às ruas, mas o povo brasileiro não tem perfil histórico de lutar convicto por causas, por ideais.
Indignamo-nos episodicamente, circunstancialmente. Exemplo recente foi o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Ao lado disto, temos o fenômeno da militância na rede social, que faz com que muitos afirmem que cumpriram sua missão, que exerceram sua cidadania pelos cliques e compartilhamentos permitidos pela internet.
O grande problema é que se indagarmos às pessoas se são contra a corrupção, dirão unanimemente que sim. Se perguntarmos a elas acerca de sua percepção sobre os políticos – dirão que é péssima, tanto que a pesquisa Latinobarômetro 2017 detectou que para 97% dos brasileiros, os políticos exercem o poder em autobenefício.
Destaque-se que a Latinobarômetro é a mais prestigiada e importante pesquisa sob as óticas social, política e econômica, realizada já há décadas na América Latina e, pela primeira vez em todas as suas edições, detectou-se em uma nação da região a corrupção como principal angústia – Brasil (para 31% dos brasileiros).
Mas, se lhes for oferecida alguma vantagem, muitas destas mesmas pessoas aceitarão, o que significa que, na verdade, não aceitam a corrupção dos outros, mas não hesitam em aceitar oportunidades para obter vantagens para si, pouco importando se são indevidas e se todos da comunidade terão de pagar esta conta. Ou seja, na verdade, no fundo, as pessoas são favoráveis à corrupção, mas dizem que são contrárias.
Não podemos jamais perder as referências históricas. No início do século XIX, não tínhamos sequer uma escola no Brasil e apenas 2% da população era alfabetizada. Tudo começa a se transformar em 1808, com a chegada ao país da família real, fugindo do Império Napoleônico.
A República foi proclamada há 129 anos, mas durante décadas só votavam aqui os homens ricos. Tínhamos uma verdadeira aristocracia. Aliás, de certa forma devemos reconhecer que ainda temos porque vários candidatos ricos literalmente compram a vaga na disputa, pois bancam o custo da própria candidatura e o sistema legal não proíbe isto e os partidos aplaudem, para, em função desta circunstância, poderem repassar recursos do fundão eleitoral a apaniguados.
É elementar que uma candidatura, num sistema democrático, deve ter seu custo suportado por todos, deve ser pulverizado, e não apenas pelo próprio postulante, apenas com o cuidado de não se estabelecer um toma-lá-dá-cá.
As mulheres, por outro lado, conquistaram o direito ao voto apenas na década de 40 do século XX, mas não é uma realidade ainda consolidada sua participação na política, nem com a introdução do mecanismo das cotas de 30%, vez que há registro de um número gigantesco de mulheres candidatas que contabilizam zero voto.
Ou seja, candidaturas fraudulentas para que se cumpra a lei, mas sequer a própria candidata vota nela mesma, o que deixa rastro do ardil cometido, numa sociedade ainda em grande medida machista, que acredita na superioridade do gênero masculino sobre o feminino.
Chega-se ao ponto extremo de termos o Partido da Mulher Brasileira, que em seus quadros até muito pouco tempo havia somente parlamentares homens.
E não é só isso, o Partido Ecológico Nacional foi presidido por um indivíduo processado por crime ecológico e assim por diante, porque obviamente não existem 35 ideologias. Montam-se estatutos como peças de marketing e eles poderão ser modificados se for conveniente e útil.
Ao lado deste processo, os partidos políticos, que deveriam cumprir papel de mediação social, literalmente apodreceram e há muitas décadas não são capazes de forjar grandes líderes nacionais incontestáveis.
Ao contrário, os esquemas corruptos de seu submundo, que hoje dá as cartas e dita as regras fez com que eles se transformassem, via de regra, em aglomerações de pessoas que visam ao poder pelo poder (e a fatia do fundão eleitoral), na mais bruta dimensão de Maquiavel.
Observem-se os exemplos de Aécio Neves e Antônio Carlos Rodrigues, dois presidentes nacionais de partidos políticos, PSDB e PR, processados por corrupção. Em qualquer nação em que o partido político fosse instituição com seriedade e integridade mínimas, imediatamente a executiva do partido exigiria a renúncia do dirigente. Além do que o próprio dirigente renunciaria. No Japão, o suspeito muitas vezes se suicida.
Os dois casos são bastante ilustrativos porque nenhum dos dois abriu mão do poder para preservar o partido como instituição. Antônio Carlos Rodrigues, inclusive, chegou a ser preso e não renunciou à presidência, levando o partido ao cárcere junto consigo.
Sintomaticamente, há mais de uma década, muitos partidos simplesmente eliminaram a denominação partido de seus nomes, talvez para que momentaneamente as pessoas se esqueçam que são partidos políticos.
E isto não é, certamente, obra do acaso. Vejam-se os exemplos do DEM, PROS, Solidariedade, Podemos, Rede Sustentabilidade, Novo e o próprio MDB, entre outros. Eles não querem ostentar em seus nomes a palavra partido, porque para o povo ela se tornou maldita. É puro marketing.
Lamentavelmente, os partidos políticos no Brasil, de um modo geral, não se têm submetido ao império da lei. Isto é sistemático. Além da já mencionada concessão de legenda a fichas imundas, afrontando a lei da ficha limpa, não explicitam com transparência os critérios que serão utilizados para a distribuição dos recursos do fundão eleitoral (dinheiro público).
São geridos por verdadeiros donos, de forma coronelista, sem qualquer accountability ou compliance. Não prestam contas como deveriam. Não há democracia intrapartidária. Comportam-se como se fossem entes acima das leis.
Aliás, sobre destinação de recursos do fundão, os partidos que explicitam critérios de destinação, sem qualquer pudor deixam claro que serão investidos nas candidaturas dos que já detêm mandato, tratando com desrespeito total os postulantes sem mandato, sabotando frontalmente a renovação política com o uso de dinheiro público.
Aliás, a pesquisa Lapop, da Vanderbilt University, de 2017, apontou que os partidos políticos no Brasil atingiram o ponto mais crítico em matéria de credibilidade como instituição, comparando-se todas as edições da pesquisa. Atingiram o fundo do poço.
Em função disto, tem ganhado força de forma compreensível e legítima o debate sobre candidaturas independentes, que são respaldadas legalmente pelo Pacto de San José, que não exige filiação partidária para o exercício de direitos políticos.
O STF iniciou este debate e adiou para as eleições de 2020 esta decisão. Registre-se que hoje o Brasil integra um pequeno grupo de 20 países que não permitem candidaturas independentes, como Suriname, Camboja, Nigéria, Angola, Tanzânia, Aruba, Nicarágua e Guatemala.
Neste ambiente de partidos apodrecidos e sem qualquer credibilidade ou principiologia, via de regra, salvo honrosas e poucas exceções, é dificílimo florescer candidatura saudável e viável para gerir o País. Para ter tempo no horário eleitoral de TV, é necessário fazer pactos diabólicos, pois sem alianças e nem tempo no horário de TV é dificílimo, para não dizer impossível, vencer as eleições.
Isto talvez nos permita compreender porque a sociedade se mostrou tão desencantada e desarvorada ao longo da campanha eleitoral, com grandes percentuais de eleitores que declaravam que sequer pretendiam votar, além dos que diziam pensar em votar em branco ou anular o voto.
O papel do Instituto Não Aceito Corrupção e de outros organismos semelhantes no Brasil. A importância da mobilização da sociedade na luta anticorrupção
A colaboração premiada foi instrumento crucial para o desmantelamento de esquemas de corrupção envolvendo camadas detentoras de grande poder tanto na esfera política como na esfera econômica. É disciplinada em detalhes pela Lei 12850, que foi sancionada pela ex-presidente Dilma, logo após as jornadas de junho de 2013, como uma espécie de satisfação ao povo.
Penso que o universo político não tinha a dimensão do que eclodiria a partir de 2014 na Operação Lava Jato. Este instituto é utilizado há décadas em todo o mundo como instrumento fundamental para o combate à corrupção. No Brasil, está presente em nossa legislação, no Código Penal, nas leis 7492/86, 8072/90, 8137/90 e no plano internacional, por exemplo, nas Convenções de Mérida e de Palermo, entre tantos outros diplomas nacionais e internacionais.
Como dito, há iniciativas que visam desestruturar o combate à corrupção em geral e à colaboração premiada em especial, com nítida pretensão de restringi-lo, bloqueá-lo. Mas, penso que a mobilização da sociedade pode e vai impedir o sucesso destas tramas que acontecem entre os pares que querem ver o Brasil impune e que legislam em causa própria.
A tentativa de anistiar ilícitos cometidos com recursos provenientes do caixa dois eleitoral, uma semana antes do destroçamento das Dez Medidas Contra a Corrupção, em novembro de 2016, em votação anônima, foi descoberta e a sociedade se mobilizou, reagiu, tornou o fato público, assim como o indulto “black friday” natalino, que o presidente da República havia concedido e que liquidaria 80% das penas de corruptos. A reação da sociedade contribuiu para que houvesse iniciativa por parte da PGR e o STF suspendeu os efeitos do Decreto.
Na Itália, por ocasião da operação Mãos Limpas, que atingiu de forma certeira os políticos em grande escala, houve da parte deles reação com uso do poder, elaborando leis para impedir a Justiça de agir.
Lá, a sociedade não se mobilizou e as conquistas da operação Mani Pulite foram água baixo, devendo o fato servir para nós como lição, sendo a letargia social o ambiente ideal para a profusão da corrupção. É essencial que organismos como o Instituto Não Aceito Corrupção e outros trabalhem pela permanente conscientização e mobilização da sociedade na luta contra a corrupção.
Os brasileiros deverão continuar a apoiar a Lava Jato?
Para sermos justos, o divisor de águas no Brasil em relação à impunidade é anterior à Lava Jato. Foi o processo do mensalão, que tramitou no STF sob a presidência dos ministros Joaquim Barbosa e Ayres Britto.
Ali, pela primeira vez, os detentores do poder político foram alcançados pela Justiça. Na Lava Jato, o espectro se amplificou e, além do poder político, conseguiu-se atingir também o andar de cima em relação ao poder econômico. A sociedade se sentiu animada porque pela primeira vez o princípio da igualdade de todos perante a lei foi tangibilizado. Antes, o tema parecia muito utópico.
Esta nova geração demonstrou coragem e disposição para construir um novo paradigma de justiça, apesar das resistências gigantescas das velhas raposas da política, que se articulam para impedir o êxito da empreitada, com iniciativas legislativas com nítido propósito de sabotagem, tentando repetir o roteiro italiano da Mãos Limpas, em diversos e eloquentes exemplos.
Foi este o objetivo com o projeto de nova lei de abuso de autoridade, para, especificamente, criminalizar juízes e promotores; o destroçamento das dez medidas contra a corrupção; o projeto que propõe proibir delações premiadas de presos e outras propostas; para esvaziar a Lei 12850, que regulou a colaboração premiada; a PEC 89, que propôs criar juizados de instrução presididos por delegados, quebrando o princípio constitucional da separação de poderes.
Além de tudo isto, agora temos o anteprojeto de novo CPP (Código de Processo Penal), que tenta ressuscitar a famigerada PEC 37, voltando a falar em proibir o MP de investigar crimes, e o mais novo jabuti que se tenta inserir na lei das estatais para permitir nomeações de apadrinhados políticos, dentro da velha cultura do compadrio.
E se mostra imprescindível falar da grande barreira que é para o combate à corrupção o foro privilegiado, usado como indevido escudo. O STF reinterpretou o ordenamento jurídico, passando a entender que os parlamentares só terão direito ao foro quando o crime for cometido no exercício da função, mas o fato é que, no Brasil, mais de 58.000 autoridades têm direito ao privilégio, cuja extinção é objeto da PEC 333/16, aprovada no Senado, aguardando deliberação na Câmara.
O projeto STF em números verificou que de 2011 a 2016 entraram na corte 404 ações penais e destas apenas 0,74% resultou em condenação, porque obviamente tribunais não têm estrutura para colher provas.
Tribunais revisam casos já decididos ou julgam ações diretas de inconstitucionalidade, mas o organismo que colhe provas é o juízo de primeiro grau, sendo certo que o foro privilegiado acaba obstruindo o STF e impedindo-o de cumprir seu papel de ser guardião da Constituição, além da supressão do duplo grau de jurisdição e o desrespeito à ideia fulcral da isonomia.
O STF provavelmente pautará novamente a questão da prisão após condenação em segundo grau, sendo crucial que a interpretação atual seja mantida para o enfrentamento da impunidade da corrupção. Desde 2016, vigora entendimento do próprio Tribunal neste sentido, quando foi relator o saudoso ministro Teori Zavascki, mas decisões individuais de ministros e de turma têm divergido.
Além destas questões, é vital destacar que desde 2014 temos uma Lei anticorrupção empresarial (12846), que instituiu o compliance no Brasil e apesar das poucas punições aplicadas com base nela, gerou reposicionamento das empresas no sentido de se adequar à lei, organizando suas áreas de compliance, que aos poucos vão deixando de ser meras placas na parede como eram na Odebrecht e na Petrobras, como a Lava Jato demonstrou.
A partir disto, vem-se disseminando a ideia da autorregulamentação empresarial como um caminho importante para a concretização dos ditames da lei, através de pactos ou grandes diálogos dos setores envolvidos, maiores interessados na construção de ambientes previsíveis, éticos e corretos no mundo dos negócios.
E começa a ganhar peso um novo debate acerca da hipótese da pena de perda do controle acionário da empresa como forma de punir os gestores criminosos, preservando-se a empresa, os empregos e respeitando sua função social.
Nosso prognóstico vai depender do grau de mobilização que conseguirmos ter para resistir a estes ataques ao sistema de controle anticorrupção e do apoio que conseguirmos todos dar à Lava Jato, para que prossiga sua jornada.
Mas, apenas isto não basta. Precisamos de uma nova representação política que tenha sensibilidade em relação a estas necessidades dos brasileiros, com a retomada do diálogo, fazendo os ajustes necessários nas leis, especialmente a reforma política e o pacote de 70 novas medidas anticorrupção, com a premissa elementar de todos se submeterem ao império da lei.
Está sendo testado o grau de consistência das instituições de nossa ainda jovem república democrática. A consciência em relação à gravidade de nossos problemas cresce e se sensibiliza especialmente em função da conjuntura econômica, mas padecemos muito pela falta de educação. A Coreia do Sul, que há 30 anos tinha cenário semelhante ao nosso em matéria de corrupção, fez uma revolução pela educação em tempo integral. Há muito a construir, há muito a caminhar, mas estamos percebendo cada vez mais a seriedade e a complexidade deste quadro,
É procurador de Justiça no Ministério Público de São Paulo, doutor em Direito pela USP, escritor, professor, membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção
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