05 janeiro 2016

Custos do Risco Judicial (ou do “Jurisdicismo”): Jurisdição e Processo à Luz do Risco Brasil

Na realidade do mundo contemporâneo, cada vez mais se acentua a constatação acerca das várias conexões existentes entre direito e economia a partir de campos de visão relativos à necessária interdisciplinaridade na sociedade globalizada, complexa e recheada de várias nuances no tratamento das questões que rodeiam a prática e a teoria de economistas e juristas.

1. Conexões entre direito e economia
Na realidade do mundo contemporâneo, cada vez mais se acentua a constatação acerca das várias conexões existentes entre direito e economia a partir de campos de visão relativos à necessária interdisciplinaridade na sociedade globalizada, complexa e recheada de várias nuances no tratamento das questões que rodeiam a prática e a teoria de economistas e juristas. A visão segundo a qual a concepção da vida econômica é resultante automática das atividades dos sujeitos jurídicos (e econômicos), com efeito, se revelou insuficiente para o atendimento das necessidades e dos anseios das pessoas que convivem na sociedade civil do século XX (e, consequentemente, do século XXI) e, por isso, há vários estudos nacionais e estrangeiros envolvendo as diversas e cada vez maiores conexões entre os fenômenos jurídicos e econômicos.
O desenvolvimento de pesquisas a respeito destas correlações entre direito e economia não é recente, como demonstra, inclusive, a premiação do Nobel conferida a Ronald Coase em 1991, mas sem dúvida o assunto ainda se revela bastante atual. O movimento “Direito e Desenvolvimento” se revela uma das vertentes da relação entre direito e economia e tem como arcabouço teórico a doutrina da nova economia institucional. Referida doutrina sustenta que os custos de transação são diretamente afetados pelas regras vigentes em determinado país e pela maneira como as instituições atuam no ambiente onde as transações são efetivadas.
Consoante as bases teóricas da nova economia institucional, além das restrições tradicionalmente consideradas, as instituições também influem na atratividade e no interesse no desenvolvimento das atividades econômicas e, assim, formam uma base para guiar as decisões dos agentes. Desse modo, instituições eficazes propiciam o desenvolvimento econômico, eis que seu grau de funcionamento e maior (ou menor) eficácia dos mecanismos e concretização das decisões têm a aptidão de afetar positiva ou negativamente os “custos da transação” que, por sua vez, são determinantes críticos do desempenho econômico (CORRÊA, 2014, p. 136).
Um dos valores essenciais para o bom funcionamento do sistema social e econômico é a segurança jurídica, especialmente devido à complexidade da vida econômica contemporânea, notabilizada pela globalização, com milhões de negócios e transações realizadas em cada vez menor espaço de tempo, a exigir boas regras que regulem tais relações, sejam as simétricas (e paritárias), sejam as assimétricas (e não paritárias), envolvendo também poderosos e governantes (MONTORO FILHO, 2008, p. xi).
Segurança jurídica
O mercado não tem aptidão para fornecer a segurança jurídica à sociedade civil. De todo modo, a eficiência do sistema econômico exige a presença e a efetividade da segurança jurídica. Normalmente, são apontados como requisitos para o bom funcionamento de uma economia de mercado: i) o respeito e a garantia do direito de propriedade; ii) o cumprimento dos contratos; iii) a presença de mecanismos isentos de resolução das pendências (conflitos de interesses). A segurança jurídica é, há muito tempo, reputada como base e pilar do Estado Democrático de Direito, mas também recentemente passou a ser encarada fundamental para o bom funcionamento da economia de mercado (MONTORO FILHO, 2008, p. 8).
É certo que a aspiração pela segurança jurídica, na atualidade, decorre precisamente da existência de custos de transação. O direito precisa organizar a celebração e o desenvolvimento dos negócios de modo que seus efeitos sejam os mais claros e efetivos, prevenindo fracassos transacionais. Na visão puramente econômica, o papel do direito deve ser tal que permita estruturar e ordenar as transações de modo a minimizar os custos das transações. No caso brasileiro, considera-se que tais custos têm sido elevados, pois o país tanto perde na perspectiva da formalidade com uma máquina burocrática ineficiente, quanto perde no âmbito da informalidade devido à incerteza dos efeitos dela decorrentes. Assim, a insegurança jurídica atua nas duas vertentes e, por isso, repercute ao impedir o desenvolvimento econômico da nação.
A segurança jurídica é muito importante para o bom funcionamento da vida econômica, não apenas na dimensão relacionada à estabilidade dos efeitos das transações realizadas – de modo a prevenir modificações arbitrárias e inconsequentes acerca da sua eficácia –, mas também quanto aos projetos que ainda sequer se transformaram em atitudes concretas. A avaliação do agente econômico quanto ao maior grau de certeza dos efeitos concretos das negociações é também aspecto importante para identificar o maior grau de segurança jurídica existente em determinada sociedade. Nos países ocidentais, a maior eficiência dos tribunais, a maior previsibilidade quanto aos efeitos das normas legais, o funcionamento de um sistema de justiça imparcial, entre outros, são considerados fatores vitais para o desenvolvimento de uma sociedade caracterizada pela segurança jurídica e pela justiça nas suas relações. Ao revés, a insegurança jurídica gera a instabilidade e a falta de previsibilidade das relações jurídicas e econômicas, a influenciar decisivamente no aumento dos custos das transações.
Tradicionalmente, são feitas críticas ao Poder Judiciário e à magistratura brasileira, sob a expressão da existência do “risco judicial”, podendo ser sintetizadas nas seguintes: i) politização excessiva dos juízes e tribunais, o que denotaria ausência de imparcialidade (viés anticredor); ii) imprevisibilidade da decisão judicial; iii) morosidade do sistema de justiça (CORRÊA, 2014, p. 76).
Desse modo, os magistrados somente tendem a agravar as deficiências a pretexto de tentar resolvê-las através das decisões judiciais, como ocorreu no julgamento sobre a impenhorabilidade do bem residencial do fiador à luz da suposta inconstitucionalidade de regra da Lei nº 8.009/90, o que gerou pronta reação do mercado locatício, a ponto de poucos proprietários de imóveis se disporem a locar seus imóveis se não houvesse um fiador como proprietário de, ao menos, dois imóveis. Tal julgado gerou uma retração do mercado que, por sua vez, impôs uma revisão da interpretação jurídica de modo a reconhecer a penhorabilidade do bem residencial do fiador para regularizar o mercado quanto à oferta de imóveis para locação.
A respeito da primeira crítica – “politização excessiva” dos magistrados –, o que caracterizaria certo “paternalismo judicial”, é fundamental fazer o esclarecimento de que no mundo ocidental contemporâneo há um movimento voltado à concretização dos valores sociais e coletivos à luz do constitucionalismo pós-moderno (CORRÊA, 2014, p. 82).
Os textos de várias Constituições de países democráticos e republicanos incorporaram direitos de segunda, terceira e quarta gerações voltados às técnicas de proteção social no âmbito das relações de trabalho, das transações consumeristas, das questões ambientais e biotecnológicas relacionadas ao desenvolvimento sustentável.
A politização do Poder Judiciário é fenômeno mundial, e, portanto, não faz parte de uma realidade exclusivamente brasileira. Até em razão da maior complexidade das relações e transações contemporâneas, o magistrado e o Poder Judiciário não podem apenas considerar a norma escrita positivada na lei como única fonte de onde buscará a solução do caso concreto. A pluralidade de fontes normativas e a textura aberta dos textos se revelam características de uma normatividade sintonizada com as transformações operadas na sociedade, na economia, na política e na cultura.
Massificação dos litígios
Outro fenômeno atual é a massificação dos litígios quando se identifica que os maiores litigantes nos processos judiciais, conforme listas periodicamente divulgadas pelos órgãos do Poder Judiciário e instituições de pesquisa, são pessoas jurídicas de direito público – tais como a União Federal, os Estados, os Municípios, suas autarquias e empresas públicas –, além de empresas fornecedoras e prestadoras de bens e serviços de consumo de massa – empresas de telefonia, operadoras de planos de saúde, empresas fornecedoras de serviços de utilidade pública, entre outras. Sob tal aspecto, é fundamental a identificação a respeito das práticas abusivas do Poder Público e de empresas que, valendo-se de imposições ou transações manifestamente abusivas, se valem de expedientes e ardis para “judicializar” milhares – em alguns casos até milhões – de demandas, na perspectiva de “valer a pena” agir em contrariedade ao sistema jurídico no cômputo final do “custo/benefício” de tais práticas. Na pesquisa intitulada “Perfil das maiores demandas judiciais no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro”, constatou-se que 16 empresas – maiores litigantes – figuraram como requeridas em processos judiciais relacionados aos segmentos bancário, de telefonia, de serviços públicos, de administração de cartões de crédito, totalizando 45% do total de processos no período de 2002 a 2004. De acordo com as conclusões da pesquisa, as estratégias negativas quanto ao cumprimento das obrigações de tais empresas se basearam na constatação de que os custos decorrentes do sistema de justiça eram mais vantajosos do que promoviam a alteração da política de tratamento ao consumidor, eis que pequena parcela deste grupo efetivamente reclamava seus direitos e, quando o fazia, o tempo de duração do processo e a resposta final eram benéficos a elas (LEAL, 2010, p. 55).
A segunda crítica – a respeito da imprevisibilidade (“incerteza jurisdicional”) das decisões judiciais – atribui aos magistrados certa responsabilidade pela ausência de um mercado de crédito de longo prazo no Brasil em razão da incerteza vinculada ao cumprimento “tardio” dos contratos na atividade jurisdicional. Contudo, tal incerteza não pode ser imputada exclusivamente à atividade jurisdicional, mas também a outros riscos inerentes à atuação dos outros poderes da República, tais como, por exemplo, a edição de pacotes econômicos “milagrosos”, alterando aspectos importantes como os critérios de atualização monetária, interferindo negativamente nas transações negociais nos períodos anterior e concomitante à execução negocial.
A terceira e a mais contundente crítica – vinculada à morosidade do sistema de justiça – vem normalmente associada à ideia de que a demora na solução do caso incentiva condutas abusivas e oportunistas de agentes econômicos que se aproveitam da pequena probabilidade de uma sanção imediata e adequada através do sistema de justiça, diminuem a liquidez das garantias contratualmente estabelecidas, permitem alterações das posições de mercado e fomentam o uso da máquina judiciária para que os devedores posterguem ao máximo o cumprimento de suas obrigações, em algumas vezes deixando de cumpri-las na prática por manobras jurídicas como no caso da prescrição. Das três, a morosidade é a crítica que mais envolve as causas ligadas à estrutura e ao funcionamento do sistema de justiça, a despeito de também se relacionar a fatores externos ao Poder Judiciário e à magistratura, tais como leis permissivas ao alongamento das demandas judiciais com inúmeros recursos judiciais, prazos longos para a prática de atos processuais pelos representantes judiciais dos entes da Federação, entre outros.
Todas as críticas se revelam importantes para, ao menos, admitir que há necessidade de maiores aprofundamentos e realização de debates e pesquisas sobre o tema e, assim, permitir a realização de diagnóstico mais preciso sobre o real funcionamento do sistema de justiça e, em seguida, ensejar a elaboração de planejamento adequado e efetivo para a busca do equacionamento dos problemas identificados.
2. Conselho Nacional de Justiça: dez anos de existência
O Poder Judiciário nacional e a magistratura brasileira, no período posterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, necessitavam de um órgão que pudesse centralizar a elaboração e o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao sistema de justiça e que não dependesse da interferência dos Poderes Executivo e Legislativo brasileiros, diante do quadro cada vez mais preocupante da massificação, da maior complexidade e da ampla diversidade de demandas levadas ao conhecimento dos órgãos do Poder Judiciário. Além de tais aspectos, no período anterior a 2004, houve certa “leniência” do Poder Judiciário com seus integrantes a ensejar a formação de uma “percepção da sociedade” de que os magistrados seriam “deuses inatingíveis”.
Entre as ondas do direito processual relacionadas ao acesso à justiça alcançou-se o momento da busca de atingimento da maior eficiência da atividade jurisdicional e, simultaneamente, do caminho da efetividade dos direitos fundamentais e dos direitos humanos na perspectiva de sua concretização na realidade dos fatos. Entre as alternativas para buscar soluções aos problemas identificados na realidade do sistema de justiça, o Poder Constituinte Derivado brasileiro optou pela criação de um órgão central que pudesse desenvolver políticas públicas voltadas ao aperfeiçoamento do funcionamento da máquina judiciária e do sistema de justiça como um todo, e o fez através da previsão do Conselho Nacional de Justiça instituído pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que introduziu novas normas na Constituição Federal de 1988. O Conselho Nacional de Justiça passou a ser um órgão de controle e fiscalização do Poder Judiciário brasileiro, instituído no âmbito da denominada reforma do Judiciário, sendo que o rol de suas atribuições encontra-se previsto no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.
A criação do Conselho Nacional de Justiça veio no bojo do movimento ligado à nova economia institucional, porquanto vinculado à noção de aperfeiçoamento das instituições ligadas ao Poder Judiciário brasileiro e à carreira da magistratura nacional.
Após o decurso de dez anos do início de seu funcionamento, o Conselho Nacional de Justiça se consolidou como órgão fundamental e necessário na estrutura do Poder Judiciário brasileiro e no funcionamento do sistema de justiça, sendo várias as conquistas obtidas durante o período de tempo assinalado, como se constata, por exemplo, nos temas relacionados à concretização dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública (CF, art. 37), aplicáveis ao Poder Judiciário e aos magistrados como ocupantes de cargos públicos, à realização de concursos para preenchimento das vagas dos Cartórios de Registros e de Notas em todos os Estados da Federação brasileira, ao monitoramento e fiscalização do sistema de execução penal e do sistema das medidas socioeducativas dos adolescentes em conflito com a lei, à modernização do processo com a implantação do processo judicial eletrônico e outros instrumentos tecnológicos para imprimir maior celeridade à solução dos litígios ou à sua prevenção, à melhoria do funcionamento do sistema de precatórios, ao estímulo aos métodos e técnicas consensuais de solução de conflitos, entre outros assuntos já tratados e desenvolvidos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça.
A fase inicial de questionamento sobre a constitucionalidade das normas introduzidas pela Emenda à Constituição nº 45/04, a respeito da criação do Conselho Nacional de Justiça – debatida e decidida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.367-1/DF – foi superada. Do mesmo modo, a atuação do CNJ no âmbito do controle administrativo, financeiro e disciplinar do Poder Judiciário e da magistratura hoje não é mais questionada. Também não mais se debate que o Supremo Tribunal Federal não é instância revisora das deliberações do CNJ, especialmente quando não altera ou revê os atos administrativos praticados pelos órgãos do Poder Judiciário. Reconhece-se, atualmente, que o CNJ pode editar atos normativos primários e, por isso, tais atos são suscetíveis de controle de constitucionalidade em Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo STF. Certo é que a atuação do Conselho Nacional de Justiça tem servido para cada vez mais implementar os princípios constitucionais que regem a administração pública brasileira no âmbito do Poder Judiciário e, ao mesmo tempo, revelar-se órgão centralizador de movimento de reforma das instituições judiciárias com o maior profissionalismo e eficiência no exercício da atividade jurisdicional.
Missão do CNJ
Com base na Constituição Federal, são várias as atribuições do Conselho Nacional de Justiça, sendo que sua principal missão é garantir a independência do Poder Judiciário. Nos termos do art. 103-B, § 4o, da Constituição Federal, compete ao CNJ exercer o controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário e o controle do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, tendo atribuições de planejamento, de controle administrativo, de ouvidoria, correcionais, disciplinares e sancionatórias e de informação e proposição. O CNJ atua sob a perspectiva de “macroprocessos”, em consideração às suas linhas de atuação e, assim: a) julga processos disciplinares e realiza o controle dos atos administrativos do Poder Judiciário; b) expede atos normativos que implementam os princípios da Administração Pública no Poder Judiciário; c) promove estudos e diagnósticos sobre o sistema de justiça; d) promove a comunicação institucional e a interlocução entre os órgãos do Poder Judiciário; e) contribui para o aperfeiçoamento dos recursos humanos do Poder Judiciário; f) gere a estratégia nacional do Poder Judiciário; g) promove iniciativas de modernização do Poder Judiciário; h) promove ações de acesso à justiça e à cidadania; i) realiza controle orçamentário, financeiro e de pessoal do Poder Judiciário; j) realiza correições, inspeções e sindicâncias em órgãos do Poder Judiciário; k) acompanha e fiscaliza o sistema carcerário e de execução de penas alternativas.
Há comando constitucional no sentido de o CNJ adotar medidas destinadas a zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura. O CNJ foi concebido para reformular o quadro do Poder Judiciário e da magistratura brasileira, especialmente no que tange ao controle e à transparência administrativa e processual. Devido à busca de efetivação de garantir a autonomia do Poder Judiciário, o CNJ deve atuar como gestor estratégico dos recursos administrativos, humanos, logísticos e financeiros do Poder Judiciário e, assim, desenvolver o planejamento estratégico com identificação dos planos de metas e medidas para incrementar a eficiência, racionalizar rotinas e práticas, aumentar a produtividade do sistema de justiça e efetivar o maior acesso à justiça.
De modo a cumprir suas atribuições, o CNJ promove estudos e pesquisas para reunir e consolidar informações e dados sobre os diferentes ramos do Poder Judiciário, as diversas instâncias da jurisdição e, assim, consegue identificar deficiências gerais e/ou específicas dos órgãos do Poder Judiciário, os pontos de maior estrangulamento, as sobrecargas e os desperdícios de tempo, recursos humanos e disponibilidades materiais. Nesse mister, o CNJ deve utilizar os mecanismos necessários para impedir qualquer tipo de ingerência indevida ou cooptação neutralizante do exercício da atividade jurisdicional quanto à atuação imparcial dos magistrados para tutelar direitos e promover garantias aos jurisdicionados.
O poder regulamentar do CNJ envolve a disciplina interna do funcionamento de suas atividades (art. 5º, § 2º, da EC nº 45/04) – inclusive quanto à aprovação e alteração de seu Regimento Interno – e o detalhamento da execução das normas constantes do Estatuto da Magistratura, não podendo, contudo, inovar na ordem jurídica. A fonte do poder regulamentar do CNJ é a Constituição Federal, sendo que é possível norma infraconstitucional também assim atuar, como no exemplo da Lei nº 12.106/09, que criou o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas e que prevê a fiscalização do cumprimento das resoluções e recomendações do CNJ quanto às prisões provisórias e definitivas, medidas de segurança e medidas de internação de adolescentes (art. 1º § 1º, I).
O CNJ atua “além do poder regulamentar”, pois consoante julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 12, tal órgão tem a competência implícita de elaborar e impor atos normativos com os atributos da generalidade, impessoalidade e abstratividade, relativamente às matérias de sua competência expressamente prevista constitucionalmente. Reconheceu-se ao CNJ o poder de editar normas abstratas que podem até prevalecer sobre normas anteriormente editadas pelo Poder Legislativo.
No campo das “atribuições mandamentais”, cabe ao CNJ recomendar providências aos tribunais e demais órgãos jurisdicionais e, assim, ordenar medidas de ordem administrativa para os integrantes do Poder Judiciário, podendo estabelecer sanções cabíveis para a eventualidade do descumprimento de tais ordens por parte da autoridade judiciária competente. No seu âmbito interno, o CNJ exerce sua própria administração e gestão e, desse modo, tem o poder de elaborar seu regimento interno, editar suas portarias e ordens de serviço, prover os cargos necessários à sua administração, realizar as promoções funcionais, entre outras providências inerentes à “economia interna”.
No segmento das atribuições de controle administrativo e financeiro, o CNJ deve zelar para que os órgãos do Poder Judiciário e os serviços registrais e notariais observem os princípios insculpidos no art. 37, da Constituição Federal. O CNJ é instância de controle da jurisdicidade dos atos administrativos realizados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, desde que o faça dentro do prazo de cinco anos e, assim, poderá desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que sejam adotadas as medidas e providências necessárias ao exato cumprimento do ordenamento jurídico a respeito de tais atos administrativos.
O CNJ também desenvolve atribuições de Ouvidoria do Poder Judiciário e, assim, qualquer pessoa ou autoridade pública pode representar ao CNJ contra os magistrados, servidores, registradores, notários ou órgãos do Poder Judiciário, em razão de atos ou atividades que eles praticaram ou desenvolveram e que não se encaixam no perfil das ações e atividades que tais pessoas ou órgãos deveriam realizar. Dentre as atribuições correcionais e disciplinares, o CNJ pode realizar inspeções, correições e visitas institucionais a tribunais, órgãos do Poder Judiciário de qualquer instância (ressalvado o STF) e, em constatando possível falta funcional de qualquer magistrado poderá instaurar sindicâncias e processos administrativos disciplinares para o fim de apuração dos fatos e, se for o caso, aplicação das sanções cabíveis.
Finalmente, no âmbito das atribuições informativa e propositiva, cabe ao CNJ elaborar e apresentar dois tipos de relatórios: a) semestral, que reúne os dados estatísticos sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes ramos e órgãos do Poder Judiciário; b) anual, que congrega a situação do Poder Judiciário brasileiro e as atividades desenvolvidas pelo CNJ, que deverá integrar a mensagem do presidente do STF e ser remetida ao Congresso Nacional. Em razão dos dados estatísticos revelarem números muito significativos, é importante o emprego de metodologia uniforme para todos os tribunais e juízos brasileiros, inclusive quanto à identificação das várias espécies de demandas judiciais e aos atos processuais decisórios.
A principal missão do CNJ é a de contribuir para que a atividade jurisdicional seja desenvolvida com moralidade, transparência, eficiência e efetividade, em prol da sociedade civil e do Estado brasileiro. As diretrizes traçadas para atuação do CNJ envolvem o planejamento estratégico e a proposição de políticas judiciárias, a modernização tecnológica do Poder Judiciário, a ampliação do acesso à justiça, da pacificação e da responsabilidade social, a garantia do efetivo respeito às liberdades públicas e às garantias penais e processuais penais. E, porque não, o CNJ tem importante atuação na construção de um sistema de justiça mais transparente, ágil e eficiente, o que certamente contribui decisivamente para a redução dos custos da transação.

3. Renovação do Direito Processual e o advento do novo Código de Processo Civil

No mundo, em geral, há alguns anos, vem se realizando debate a respeito da necessária renovação do processo e da jurisdição, eis que uma justiça fechada, isolada ou corporativa não se coaduna com os postulados de uma sociedade pluralista, na qual os cidadãos participam efetivamente e escolhem os rumos do regime democrático. O tema do acesso à justiça vem recebendo contornos mais seguros e concretos de modo a ser tratado como “o mais básico dos direitos humanos”, na busca de se alcançar um sistema judicial moderno, ágil, transparente, eficiente e igualitário que busque dar concretude e efetividade, e não apenas proclame os direitos das pessoas físicas e jurídicas.
A demora na solução efetiva do litígio gera um aumento dos custos para as partes litigantes. E, normalmente, acaba por pressionar e constranger as pessoas mais vulneráveis sob a perspectiva social e econômica a “aceitarem” acordos bastante distantes do real bem jurídico que teriam direito a receber como resposta jurisdicional. Em outra dimensão, a morosidade contribui e estimula o aproveitamento da demora pelo devedor quanto ao alongamento do pagamento efetivo de sua dívida, à redução das garantias patrimoniais e pessoais, entre outros efeitos perversos. Conforme sustentou o jurista Mauro Cappelletti, entre as ondas de acesso à justiça, a terceira é aquela que não receia o novo e provoca modificações estruturais no Poder Judiciário, no processo e no procedimento de modo a rumarem em direção à celeridade, eficiência e, por via de consequência, à melhor prestação jurisdicional.
O Direito Processual Civil já passou por algumas fases no seu desenvolvimento como segmento da Ciência do Direito, tendo atingido a fase instrumentalista, cuja finalidade é descobrir meios e mecanismos de melhoria do exercício da prestação jurisdicional para torná-la mais segura e, se possível, mais célere, eficiente e próxima da concepção ideal de justiça. Assim, o processo não pode ser encarado como um fim em si mesmo, mas como meio de atuação da vontade concreta do Direito Objetivo. E há a perspectiva do movimento utilitarista do Direito Processual, que considera que o processo civil deve ser útil em seus resultados sob a ótica dos jurisdicionados, daí a razão pela qual se busca a racionalização, a simplificação e a efetividade do processo.
Uma das perspectivas mais contemporâneas relacionada ao processo é a busca da efetividade da solução jurisdicional não apenas com a prolação de decisões justas em tempo razoável, mas também sua efetivação: o sistema de justiça que não cumpre suas funções e finalidades dentro de um prazo razoável é um sistema hermético, inacessível, porque o tempo e a falta de efetividade são entraves que todo magistrado deve enfrentar. A duração razoável do processo – atualmente alçada a direito fundamental instrumental na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LXXVIII) – exige uma conduta estatal positiva para sua implementação e, nesse contexto, reconhece-se a existência do direito ao acesso efetivo à justiça como de importância capital entre os novos direitos fundamentais de caráter social e econômico.
Por efetividade da jurisdição, entende-se não a tutela jurisdicional célere, baseada em cognição sumária não exauriente da lide, mas sim a tutela que permita a concretização segura e sem instabilidade dos direitos, em cognição exauriente em perfeita sintonia com a duração razoável do processo. Desse modo, a duração razoável, traduzindo-se em efetividade das decisões judiciais, é meta a ser buscada pelo Poder Judiciário, que se desincumbirá de sua missão com o aperfeiçoamento dos seus integrantes – magistrados e servidores –, a padronização de procedimentos e rotinas, o amplo acesso à tecnologia que permita maior celeridade na comunicação dos atos processuais e na sua realização, bem como a efetivação de modificações estruturais no Poder Judiciário, no processo e no procedimento.
A Lei nº 13.105, de 16.03.2015 – denominado Novo Código de Processo Civil –, foi editada no bojo dos movimentos de maior acesso à ordem jurídica justa e, assim, buscou apreender alguns fenômenos que se desenvolvem no âmbito do Direito Processual Civil brasileiro, entre os quais a busca de efetividade do processo e da jurisdição em consonância com a implementação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais através da aplicação das normas processuais.

4. Nota conclusiva

Passados dez anos da criação do Conselho Nacional de Justiça, com o grande objetivo de realizar a reforma do sistema de justiça, pode-se afirmar que o novo Código de Processo Civil reconhece e prestigia sua atuação para o fim de acabar com as velhas e enfadonhas práticas referentes ao exercício da função jurisdicional, tão criticada pela sociedade em virtude de seu anacronismo e de sua ineficácia.
As várias atribuições do Conselho Nacional de Justiça foram sumamente prestigiadas no NCPC, sendo merecedora de destaque a missão do CNJ de criar e desenvolver políticas públicas voltadas ao sistema de justiça, tais como se verifica nos segmentos dos métodos adequados de solução consensual de conflitos, do emprego do suporte eletrônico para o processo e para os atos processuais, entre outras expressamente encampadas nos dispositivos do Novo Código de Processo Civil.
Há claro tratamento acerca do controle institucional desenvolvido pelo CNJ quanto ao cumprimento dos prazos para a prática dos atos judiciais pelos magistrados, o que exigirá dos conselheiros e da própria estrutura do CNJ condições humanas, materiais e logísticas próprias para que tal controle não se transforme em medida legal inócua no modelo previsto no novo Código de Processo Civil.
O Conselho Nacional de Justiça, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/04, não apenas rapidamente se consolidou dentro do Poder Judiciário e da sociedade brasileira, como efetivamente se transformou em uma espécie de “sentinela do Poder Judiciário” e da magistratura. E, nesta missão, o novo Código de Processo Civil se apresenta totalmente compatível com as normas constitucionais que tratam do CNJ – em especial quanto às atribuições principais e secundárias –, visando ao aumento da eficiência através da uniformização e sistematização de procedimentos nas áreas da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário que se refletem nas rotinas procedimentais referidas em vários dispositivos do novo Código de Processo Civil.
É certo que a edição de uma lei ordinária por si só – como é o novo Código de Processo Civil – não tem o condão de modificar o cenário de estagnação, demora e déficit de efetividade da jurisdição e do processo. Contudo, a partir dos inúmeros avanços conquistados desde o início da atuação do Conselho Nacional de Justiça no cenário do Poder Judiciário e da magistratura brasileira, é de se louvar a previsão do conjunto de atribuições estabelecidas pelo novo Código de Processo Civil em relação ao CNJ. E, na realidade, tal tratamento normativo tem como alvo a busca da efetividade da jurisdição e do processo e, simultaneamente, o objetivo de dar concretude à terceira onda do movimento de acesso à justiça, com a efetivação das normas de direitos humanos e de direitos fundamentais nas relações processuais e, simultaneamente, a redução dos custos de transações na vida econômica do país.
O incremento da atuação do magistrado no mundo contemporâneo deve ser vinculado à sua responsabilidade quanto ao dever de prestar contas – espécie de accountability – e à possibilidade dele ser sancionado para os casos de abusos ou de negligência, como já destacou Mauro Cappelletti. O ideal é justamente alcançar o equilíbrio entre a independência jurídica do magistrado, a responsabilidade de controle social e a responsabilidade-sanção dos juízes que atuam com abuso ou negligência.
Oxalá seja possível que o novo Código de Processo Civil obtenha o mesmo grau de êxito que o CNJ tem conseguido na sua atuação e, portanto, que a jurisdição e o processo sirvam cada vez mais à pessoa na realização de seus direitos fundamentais e, simultaneamente, permitam o desenvolvimento nacional sustentável em perfeita sintonia com os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, entre os quais a legalidade, a transparência, a impessoalidade, a moralidade, a efetividade e a eficiência. O acesso à justiça, assim, deve ser concebido como novo método de pensamento na perspectiva dos consumidores “da justiça”, no qual a análise deve ser feita sobre os jurisdicionados como destinatários dos serviços judiciários e, assim, os órgãos do Poder Judiciário passam a ser encarados como instrumentos a serviço dos cidadãos e de suas necessidades, e não vice-versa.
O ótimo social somente pode ser identificado na noção do meio-termo: um sistema de justiça que não represente um obstáculo da atividade econômica no país, mas que simultaneamente não transmita a ideia da ausência de mecanismos adequados e efetivos de controle dos atos dos governantes e dos sujeitos privados, valendo-se de métodos e técnicas contemporâneas de planejamento estratégico e de gestão dos processos. “Que os tribunais, em vez de dificultarem, facilitem um gozo socialmente responsável da propriedade privada, que eles propiciem um desenvolvimento urbano sustentável em vez de o onerarem com um canga burocrática, são objetivos que emergem transparentes de uma sindicância à eficiência do Poder Judiciário” (ARAÚJO, Fernando, 2010, p. 13).
O Conselho Nacional de Justiça tem desenvolvido políticas públicas e ações efetivas voltadas ao aperfeiçoamento do sistema de justiça como um todo e, neste trabalho vem contando com a contribuição de outros órgãos e instituições, numa perspectiva necessariamente multidisciplinar e plural. É fundamental a convergência entre direito e economia, direito e psicologia, direito e sociologia, direito e política que, assim, deve ser pautada por valores, diretrizes e atividades que estão na base das relações sociais de um determinado país. A ordem econômica e social exige o aprimoramento do sistema de justiça de modo a combater os “gargalos”, os desvios e as irregularidades no processo voltado à pacificação social e, para tanto, o Conselho Nacional de Justiça tem se revelado de imensa valia, como se buscou demonstrar no curso deste texto.
Daí resulta a conclusão da necessidade de se construir e desenvolver um bom judiciário brasileiro que, a exemplo dos outros poderes, órgãos e instituições, está vinculado ao cumprimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (Constituição Federal, art. 3º), dentre eles a busca do desenvolvimento nacional (econômico-social). Revela-se fundamental a mudança de mentalidade e de paradigma, sob pena de descumprimento do comando constitucional vinculado à efetivação da dignidade da pessoa humana que, por sua vez, contém claramente elementos voltados à melhoria das condições sociais e econômicas de todos os brasileiros.


REFERÊNCIAS:

ARAÚJO, Fernando. Prefácio. In: LEAL, Rogério Gesta. Impactos econômicos e sociais das decisões judiciais. Brasília: ENFAM, 2010.
CORRÊA, Priscila Pereira Costa. Direito e Desenvolvimento. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2014.
LEAL, Rogério Gesta. Impactos econômicos e sociais das decisões judiciais. Brasília: ENFAM, 2010.
MONTORO FILHO, André Franco; MOSCOGLIATO, Marcelo. Direito e Economia. São Paulo: Saraiva, 2008.


GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA é ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (2013-2015), desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro), diretor-geral do Centro Cultural da Justiça Federal.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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