Desafios urgentes para o Ministério da Defesa
Eugenio Diniz é professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas e diretor-executivo da Synopsis Inteligência Estratégia Diplomacia; Membro do International Institute for Strategic Studies de Londres. Especializado em assuntos de defesa
As Forças Armadas (FFAA) brasileiras estão largamente desequipadas e boa parte dos equipamentos que têm é muito antiga; mesmo se modernizados, seu desempenho tático tende a ser comparativamente baixo, e seu custo logístico comparativamente alto. Ao mesmo tempo, a realidade fiscal brasileira inviabiliza a solução aparentemente mais fácil (independentemente de ser ou não desejável), que seria a de aumentar significativamente o orçamento do Ministério da Defesa (MD).
Para se ter uma ideia, a proposta orçamentária de 2023 aloca ao MD o valor total de R$ 747.635.397.265,00, equivalente a 6,53% do Orçamento do Poder Executivo da União. Este valor só é superado pelo do Ministério do Trabalho e da Previdência Social (cujos valores são basicamente incompressíveis) e pelos Ministérios da Cidadania, da Saúde e da Educação (responsáveis pela maior parte das despesas sociais da União). A seguir, vêm os encargos financeiros da União, o Ministério da Economia e o Ministério da Justiça. Nenhum dos demais órgãos e agências do Poder Executivo responde por 1% ou mais das despesas do Poder Executivo, e todos estes somados (incluindo a Reserva de Contingência) equivalem a 6,01% das despesas do Poder Executivo. Como agravante, do valor total alocado ao MD, 78,16% são despesas diretas com pessoal; destas, aproximadamente 70% são com pessoal da ativa e, aproximadamente. 30% com inativos e demais pensões.
Com tudo isso em mente, duas implicações são patentes:
A primeira é que a Ação Estratégica de Defesa AED-14, tal como formulada na Estratégia Nacional de Defesa (END) de 2020[1], de “buscar a destinação de recursos orçamentários e financeiros capazes de atender às necessidades de articulação e equipamento para as Forças Armadas, por meio da Lei Orçamentária Anual, no patamar de 2% do PIB” é, no mínimo, irrealista para qualquer horizonte razoável de planejamento, mesmo supondo-se que seja desejável – o que é, em si, controverso;
A segunda é que a discussão sobre o reaparelhamento das FFAA passa necessariamente pela redução dos gastos com pessoal da ativa[2], de tal modo que, ao longo do tempo, também a despesa com inativos e demais pensões possa diminuir. Isso é imperativo por causa da necessidade de realocar recursos; mas, além disso, a relação total entre os principais recursos combatentes de cada FA e seus respectivos efetivos – relação que chamamos em outro texto (DINIZ, 2022) de densidade combatente – é comparativamente muito baixa; ou seja, as FFAA brasileiras, cada uma e também no total, têm excesso de efetivos. Essa necessidade de racionalização é, inclusive, reconhecida na Ação Estratégica de Defesa AED-28 e, bem mais enfaticamente, na Diretriz do Comandante do Exército (2017-2018), em que se afirma claramente, entre outros pontos, a necessidade de reduzir o efetivo do Exército Brasileiro (EB) em 10%.
Seria, entretanto, um erro fazer cortes lineares, na marra. O enfrentamento dessa necessidade exige uma abordagem em dupla perspectiva: uma reavaliação geral e profunda das Estratégias[3] e AEDs, desdobrando-se até o Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa (PAED); e um conjunto de mudanças que possam ser implementadas de modo a produzir resultados mais rapidamente.
A discussão específica da reavaliação estratégica geral terá que ser feita em outra ocasião, por razões de espaço; entretanto, é importante ter em mente, de saída, que, estabelecer objetivos estratégicos muito ambiciosos (mesmo que o tamanho da ambição se revele apenas nas AEDs) implica a aquisição de determinados meios – e, com eles, o suprimento, a manutenção, o municiamento, a guarnição ou tripulação, o treinamento e as instalações relacionadas a todo o ciclo logístico e de pessoal, e mais os custos financeiros associados. Não atentar para isso desde o começo da formulação ou revisão de estratégias pode levar a um aumento gigantesco dos custos, com várias consequências negativas possíveis, mas duas delas particularmente nocivas para a defesa nacional: a possibilidade de que as aquisições sejam interrompidas por razões estritamente orçamentárias, comprometendo a capacidade sustentada de atender a objetivos estratégicos, principalmente os prioritários; e a possibilidade de que aquisições sejam feitas, mas as providências e necessidades para sua operação e, eventualmente, emprego não sejam atendidas, tornando-as, na prática, despesas gigantescas inúteis, “elefantes brancos”, tendo eventualmente aumentado gastos com pessoal, que poderão impactar a FA, as FFAA e o país por décadas. Tanto uma quanto a outra engendram o descrédito e consequente enfraquecimento da capacidade dissuasória do país. Essa revisão estratégica exigirá renovação metodológica, pois os procedimentos mais conhecidos, inclusive o chamado “planejamento baseado em capacidades”, estabelecido na AED-18, não levam em conta o problema da viabilidade financeira das estratégias[4]. Não se trata, evidentemente, de antecipar propostas orçamentárias, mas de uma noção aproximada do tamanho das necessidades e da dimensão das despesas associadas, de modo a estabelecer prioridades e viabilizar a formulação de estratégias realistas.
Criação de carreira civil de Defesa
Por outro lado, toda e qualquer medida de redução de gastos com pessoal é difícil, sensível, tanto internamente a cada FA, quanto para as interações entre elas, quanto ainda para suas relações com a sociedade em geral. Portanto, a tendência será sempre, e compreensivelmente, resistir a mudanças. Se as lideranças políticas quiserem efetivamente reduzir custos, alguma imposição provavelmente será necessária. Essa imposição não pode ser arbitrária, linear, sem critério. Propor esses critérios e auxiliar o Ministro da Defesa e o Presidente nessas decisões é tarefa para o quadro de servidores do MD. Contudo, se esses servidores não forem de uma carreira específica, e sim provenientes das FFAA – para as quais, se forem da ativa, deverão retornar, e é lá que suas carreiras avançam ou não –, mesmo os de extrema boa vontade terão suas percepções moldadas pelas perspectivas da FA específica em que se formaram, e cujas necessidades e prioridades estarão, natural, compreensível e justamente, mais sensíveis. Por conseguinte, é simplesmente razoável atribuir prioridade e urgência máximas à criação da carreira civil de defesa, conforme, aliás, a AED-30 da EDN-2020.
No restante do texto, explorar-se-ão algumas possíveis medidas mais imediatas, que não dependeriam de uma ampla revisão estratégica; poderiam ser consideradas um tipo de ajuste, ou algo parecido. Antes disso, porém, é importante reiterar que essas possíveis medidas são sugestões a explorar, e não estritamente “recomendações”. São ideias plausíveis, cujas factibilidade, oportunidade e utilidade precisam ser determinadas. Naturalmente, o retorno das FFAA a respeito delas é crucial. Mas, ao mesmo tempo, uma expectativa razoável de sucesso na redução de gastos com pessoal provavelmente dependerá de ter-se em mente que isso é indispensável e que, na falta de uma solução concertada, outras medidas drásticas terão que ser, infelizmente, impostas.
Uma possibilidade óbvia é dar início ao retorno dos oficiais da ativa que se encontram exercendo outras atividades, com a correspondente redução no recrutamento. Arroubos retóricos à parte, isso não é tão simples quanto talvez pareça, pois é possível que, pelo menos em alguns casos, trate-se de situações efetivamente emergenciais, transitórias, para as quais não haja necessidade de provimento duradouro de substitutos; ou cujas substituições podem exigir medidas com trâmites burocráticos mais demorados – neste último caso, o razoável seria dar início imediatamente ao processo de provimento definitivo de pessoal. Em todos os demais casos, entretanto, o retorno pode ter início sem muita demora. Afinal, se essas pessoas estão exercendo duradouramente outras funções, é porque ou elas não são necessárias às respectivas FFAA; ou suas funções estão sendo exercidas por outras pessoas, o que significa que ou outras funções estão deixando de ser exercidas, ou pessoas estão sendo recrutadas, talvez permanentemente, para exercê-las[5]. Essa medida não só evitaria uma duplicação de despesas por parte das FFAA, mas também uma economia maior para a União, já que, por vários motivos, a remuneração e os benefícios do pessoal militar são diferenciados.
Outra possibilidade a considerar seria a redução do número de escolas, naturalmente sem extinguir cursos da carreira. Mas, por exemplo, se os cursos da Escola de Comando e Maior do Exército (ECEME) fossem realizados em outra escola – digamos, na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), ainda que mudando-se lhe o nome –, reduzir-se-iam, em número considerável, as necessidades de pessoal alocado às seções de ensino, bibliotecas, secretarias, recepcionistas, cozinhas, bem como uma parcela considerável dos custos de manutenção e, novamente, simplificação das compras, transporte, entregas, armazenamento etc. Também aqui, trata-se apenas de uma ilustração da possibilidade, e não, necessariamente, de que ela esteja restrita à ECEME. A Marinha do Brasil (MB), por sua vez, tem 9 escolas, e a FAB tem 5; deve ser possível reduzir esses números. Cada redução desse tipo traria economias significativas com pessoal de apoio, além de simplificação e racionalização logísticas.
Pode-se também reavaliar quais funções precisam necessariamente ser realizadas por pessoal militar. Também a título de ilustração, a Secretaria de Economia e Finanças (SEF) do EB é atualmente ocupada por um General de Exército, sendo subsecretário um General de Divisão; uma diretoria também por um General de Divisão; e três outras instâncias de Diretoria ou equivalentes ocupadas por General de Brigada. Presumivelmente, outros oficiais superiores, em escalões subordinados, auxiliam-nos nessas tarefas. Vale a pena explorar a possibilidade de que as atividades da SEF sejam exercidas por membros civis da administração pública federal. Sem dúvida, pode haver outras instâncias, como a IMBEL ou a Fundação Habitacional do Exército, em que isso pode ser avaliado. O exemplo foi do EB, mas essa possibilidade pode ser explorada para todas as FFAA.
Fusão e consolidação de unidades
No caso específico do EB, uma outra possibilidade é a fusão e consolidação de unidades. Começando pelos escalões mais altos, observe-se o Comando Militar (CM) do Sul, sediado em Porto Alegre: as três Divisões do Exército (DE) que lhe são subordinadas (a 3a, a 5a e a 6a DEs), possuem, somadas, 4 Brigadas de Cavalaria (Blindada e Mecanizada); 4 de Infantaria (Blindada, Mecanizada e Motorizada); e 3 unidades, em nível de brigada, de Artilharia, além de 1 Grupamento Logístico e 1 Grupo de Engenharia, ambos em nível de regimento. Já o CM da Amazônia, sediado em Manaus, subordina diretamente 4 Brigadas de Infantaria de Selva e 1 Grupo de Engenharia; e o CM do Norte subordina diretamente 2 Brigadas de Infantaria de Selva e 1 Grupamento Logístico. Não me parece óbvio que haveria perdas significativas, em termos de comando e controle, se esses dois últimos comandos fossem reunidos num só. Na verdade, parece exatamente o contrário: não só o Grupamento Logístico e o Grupo de Engenharia estariam reunidos no mesmo Comando, como também outras unidades de apoio: 1 Batalhão de Comunicação Selva, 1 Batalhão de Aviação do Exército, 1 Grupo de Artilharia Antiaérea de Selva, 1 Cia. de Forças Especiais e 1 Centro de Embarcações, atualmente disponíveis apenas ao CM da Amazônia. Com isso, talvez se pudessem eliminar 1 Cia. de Comando, 1 de Polícia do Exército (PE) e 1 de Inteligência. Resultados semelhantes poderiam ser obtidos reunindo-se o CM do Leste e o do Sudeste num único CM, que conteria 6 Brigadas de Infantaria (Motorizada, Leve, Aeromóvel, Montanha e Paraquedista), 1 Brigada de Artilharia Antiaérea, 1 unidade em nível de brigada de Artilharia Divisionária, 1 Comando de Aviação do Exército (nível de brigada) e 1 Grupo de Engenharia. Aqui também haveria ganhos de simplificação em outros tipos de apoio. Em ambos os casos, a simplificação da estrutura organizacional parece produzir ganhos em termos de comando, e não de perdas. Isso também poderia facilitar a gestão da prontidão das unidades, na medida em que, com uma quantidade maior de brigadas, seria mais fácil assegurar que sempre houvesse pelo menos uma pronta para emprego imediato ou em curtíssimo prazo.
Mais complexa seria a possibilidade de reunião de unidades de escalões inferiores, mas, nem por isso, deve-se deixar de investigar a possibilidade. Tome-se, por exemplo, a composição típica de um Batalhão de Infantaria de Selva (BIS): 2 Cias. de Fuzileiros de Selva; 1 Cia. Especial de Fronteira; e 1 Cia. de Comando e Apoio. Não é impensável reunirem-se num único Batalhão 2 BIS, como atualmente compostos – por exemplo, fundirem-se os atuais 50o e 51o BIS. A cada fusão desse tipo, poder-se-ia dispensar 1 Cia. de Comando e Apoio. Idealmente, isso permitiria reduzir a quantidade de instalações administrativas e racionalizar ao menos parte do esforço logístico – manutenção das instalações; compra, preparo, armazenamento e transporte de alimentos; viagens entre instalações etc. – e, eventualmente, permitindo obter algum retorno do desinvestimento. Por exemplo, se o procedimento sugerido acima fosse adotado também para o 52o e o 52o BIS, a 23a Brigada de Infantaria de Selva teria apenas 2 BIS, sem diminuir a quantidade de Cias de Fuzileiros de Selva disponíveis. O passo lógico seguinte seria exatamente fundir brigadas – p. ex., a 22a e a 23a –, o que faria delas mais completas em termos de apoio e permitiria dispensar, para cada fusão, pelo menos 1 Batalhão Logístico, além das reduções efetuadas nos Batalhões, com benefícios logísticos semelhantes aos que decorreriam da fusão de Batalhões. É possível que isso implicasse a ampliação das instalações remanescentes, mas é razoável esperar que essas despesas circunstanciais sejam mais que compensadas pelas reduções permanentes de gastos com pessoal. Claramente, esta foi apenas uma ilustração das possibilidades daí decorrentes, e não se implica aqui que esse exercício deva ser restrito às unidades de Infantaria de Selva.
As possibilidades acima são apenas sugestões para explorar, e não são necessariamente as únicas. Contudo, o fato é que, pelo menos segundo as várias edições do Military Balance, em 2002, o EB contava com um total de 189.000 efetivos, sendo 40.000 conscritos e 149.000 profissionais; a partir de 2009[6], esse número passou para 190.000, sendo 70.000 conscritos e 120.000 profissionais; em 2016, o total de conscritos permaneceu em 70.000, mas o de profissionais subiu para 128.000, totalizando 198.000; e, desde 2020, o total de profissionais caiu para 102.000, mas o de conscritos subiu para 112.000, com um total de 214.000 pessoas. Salvo melhor juízo, não parece haver motivo para essa súbita expansão – a chegada de novos equipamentos como os Guaranis, por exemplo, exigiria aumento de pessoal profissional, e não de conscritos. Desse modo, não parece implausível uma redução, no prazo máximo de dois anos, do total de conscritos para 70.000 pessoas ou menos, mantendo-se o de oficiais em 102.000. As sugestões acima podem ser exploradas para outras reduções – basicamente, nos quadros profissionais do EB. Além das despesas diretas, isso produziria outras reduções: alimentação, saúde, transporte e, no caso de pessoal permanente, pensões e benefícios previdenciários futuros.
No caso da MB, a situação é diferente. Ao contrário do EB, em que há uma ampla variação na composição de unidades em função das características das armas e das concepções incorporadas no desdobramento das unidades, na MB – particularmente se não forem considerados os Fuzileiros Navais (FN) e a Aviação Naval (AN) –, afora algumas iniciativas como o Programa Nuclear da Marinha, as necessidades se dão em função das tripulações dos meios navais e do apoio a elas. Sem FN e AN (contabilizados separadamente), os anuários do Military Balance registravam para a MB, entre 2002 e 2007, aproximadamente 33.000 pessoas; em 2009 e 2010, esse número subiu para 67.000[7]; em 2011, o total caiu para 59.000, que se manteve até 2016, quando, então, voltou a subir, para 69.000; a partir de 2020, esse número aumentou de novo, desta vez para 85.000, mantido até a edição de 2022.
Considere-se, entretanto, o quadro abaixo:
Quadro 1 – Meios navais por categorias selecionadas(a) (2002 e 2022)
Categoria | 2002 | 2022 |
Navios-Aeródromos Ligeiros | 1 | 0 |
Navios-Aeródromos Multipropósitos | 0 | 1 |
Submarinos a Propulsão Diesel-Elétrica | 4 | 6 |
Fragatas | 14 | 6 |
Corvetas(b) | 11 | 3 |
Navios-Patrulha Oceânicos | 19 | 16 |
Navios-Patrulha Costeira(c) | 10 | 9 |
Navios-Patrulha Fluvial | 5 | 5 |
Navios-Patrulha | 16 | 3 |
Contraminagem e Varredura | 6 | 3 |
Anfíbios | 3 | 4 |
Total | 89 | 56 |
Fontes: Military Balance 2002; Marinha do Brasil (acesso em 9 de dezembro de 2022).
Obs.:
(a) Meios com maior valor combatente. Excluem-se os navios de pesquisa, hidroceanográficos, de apoio oceânico, de apoio logístico, escola, veleiro, balizadores, monitores, navios-transporte fluviais e polar.
(b) Inclui os navios das classes Inhaúma e Imperial Marinheiro, que frequentemente são classificados de outro modo.
(c) Classes Piratini e Bracuí
A situação não parece boa: o total de navios de maior valor combatente caiu de 89 para 56; mas o total da MB, sem contar AN e FN, aumentou de 33.000 para 85.000 pessoas. Ou seja, de aproximadamente 371 pessoas por navio em 2002, passou-se para aproximadamente 1.518, ou seja, em termos de pessoal, a cauda logística multiplicou-se por 4 em 20 anos, tendo havido uma redução dos meios. Não foi possível a este autor identificar qualquer explicação razoável para tanto. Outras atividades, como o Programa Nuclear da Marinha, já existiam em 2002. À primeira vista, por absurdo que possa parecer, se a MB se reduzir em 50.000 pessoas, ela ainda terá mais pessoas por navio que em 2002: 625 por navio. Esse fenômeno é tão espantoso que faz com que este autor imagine ter deixado escapar algo, e anseie por algum esclarecimento ou explicação.
Contudo, uma vez que a participação de conscritos na MB é bem menor que no EB, essa redução é mais difícil de se produzir. Será necessário um exame detalhado para descobrir o que produziu esse inchaço, e onde ocorreu esse aumento significativo de pessoal, de modo a formular uma estratégia de mudança desse quadro gravíssimo. Para uma ação mais imediata, a possibilidade mais óbvia a explorar seria a fusão e a consolidação de unidades. Talvez não haja uma necessidade imperiosa de haver um Distrito Naval no Rio de Janeiro e outro em São Paulo, por exemplo. Uma outra possibilidade a investigar seria a fusão de algumas Agências Fluviais e/ou Capitanias Fluviais, com a possibilidade de redução de pessoal de apoio.
Quanto à Força Aérea Brasileira, é difícil identificar, de imediato, uma oportunidade óbvia para redução de efetivos. Segundo o Military Balance, os caças e caças-bombardeiros em 2002 somavam 98 aeronaves, e as aeronaves de asa fixa de transporte somavam 173; em 2022, esses números eram, respectivamente, 73 e 187. Seu pessoal, em 2002, era de 50.000 pessoas; foi subindo até atingir 70.710 em 2010; baixou para aproximadamente 69.500 em 2011, mantendo-se nesse patamar até 2015; a partir de 2016, esse total caiu para 67.500, que permanece até 2022. Assim, de 184,5 pessoas para as principais aeronaves, passou-se para aproximadamente 260; ou seja, um aumento de 40%. A situação é, portanto, menos grave que na MB, mas é também preocupante; e, como na MB, são poucos os conscritos. Reduzir bases aéreas não parece praticável, em função das condições logísticas da operação de aeronaves. As possibilidades mais óbvias pareceriam ser: a fusão de Comandos Aéreos Regionais – por exemplo, São Paulo passaria a integrar o III COMAR, e Mato Grosso do Sul passaria ao VI COMAR.
Em suma, as necessidades de reaparelhamento das FFAA não parecem realisticamente viáveis sem uma redução significativa do pessoal militar. Reitere-se: além da economia proveniente diretamente da diminuição de despesas com pessoal, essa redução implicaria também a redução de gastos com alimentação, saúde e transporte de pessoal militar; e, no longo prazo, ajudaria a conter a expansão de gastos com pessoal inativo e benefícios relacionados. Algumas possibilidades não dependem de decisões estratégicas de maior vulto, e podem ser consideradas imediatamente – após as decisões, sua implementação dependerá de planejamento adequado. Outras, porém, dependerão de discussões estratégicas de fôlego, que exigirão ampla participação pública. Tudo o que foi dito aqui são possibilidades a explorar e nada tem de definitivo nem de exaustivo; mas são algumas possibilidades que podem ser exploradas, entre outras.
De qualquer modo, o presidente e o ministro da defesa (e, também, presumivelmente, a sociedade brasileira) beneficiar-se-ão imensamente do aporte que poderá ser dado pelos quadros permanentes de servidores do Ministério da Defesa. Em assuntos de defesa, a criação desse quadro de servidores é o desafio mais urgente e importante na pauta política atual.
Referências:
• Anuários
Military Balance. London, International Institute for Strategic Studies. Edições 2002/2003 a 2022.
• Páginas Oficiais (último acesso em 9/12/2022)
Marinha do Brasil: https://www.marinha.mil.br
Exército Brasileiro: https://www.eb.mil.br
Força Aérea Brasileira: https://www.fab.mil.br
• Outros
DAVIS, Paul K. 2002. Analytic Architecture for Capabilities-Based Planning, Mission-System Analysis, and Transformation. Santa Monica (CA), Rand Corporation.
DAVIS, Paul K.; GOMPERT, David; KUGLER, Richard L. 1997. “Adaptiveness in Defense Planning: The basis of a new framework”. In: Khalilzad, Zalmay M.; Ochmanek, David A. Strategy and Defense Planning for the 21st Century. Santa Monica (CA), Rand Corporation, 1997. pp. 69-94.
DAVIS, Paul K.; SHAVER, Russell D.; BECK, Justin. 2009. Portfolio-Analysis Methods for Assessing Capability Options. Santa Monica (CA), Rand Corporation.
DINIZ, Eugenio. 2009. “Defesa, Orçamento e Projeto de Força: O Brasil em Perspectiva Comparada”. In: Marco Aurélio Chaves Cepik. (Org.). Segurança Internacional: Práticas, Tendências e Conceitos. São Paulo: Hucitec, 2009. p. 148-166.
DINIZ, Eugenio. 2022. Decisões difíceis na política de defesa brasileira. Disponível em: https://synopsisint.com/decisoes-dificeis-na-politica-de-defesa-brasileira. Acesso em 9 de dezembro de 2022.
DINIZ, Eugenio; ROCHA, Antônio. 2021. “Ir além da PEC Pazuello”. Valor Econômico, 21-23 de agosto de 2021. p. A16. Disponível em < https://valor.globo.com/opiniao/coluna/ir-alem-da-pec-pazuello.ghtml> Acesso em 9 de dezembro de 2022.
GOMPERT, David C. et al. 2008. Analysis of Strategy and Strategies of Analysis. Santa Monica (CA), Rand Corporation.
JOHNSON, Stuart E. et al. 2012. A Strategy-Based Framework for Accommodating Reductions in the Defense Budget. Santa Monica (CA), Rand Corporation.
JUNGMANN, Raul. 2020. “Propostas para a defesa nacional e as forças armadas.” In: PESTANA, Marcos (org.). O Brasil pós-pandemia: Uma proposta para a reconstrução do futuro. Brasília, Instituto Teotônio Vilela, 2020. pp. 60-71.
McGINN, John G. et al. 2002. A Framework for Strategy Development. Santa Monica (CA), Rand Corporation.
Quadro 1 – Meios navais por categorias selecionadas(a) (2002 e 2022)
Categoria | 2002 | 2022 |
Navios-Aeródromos Ligeiros | 1 | 0 |
Navios-Aeródromos Multipropósitos | 0 | 1 |
Submarinos a Propulsão Diesel-Elétrica | 4 | 6 |
Fragatas | 14 | 6 |
Corvetas(b) | 11 | 3 |
Navios-Patrulha Oceânicos | 19 | 16 |
Navios-Patrulha Costeira(c) | 10 | 9 |
Navios-Patrulha Fluvial | 5 | 5 |
Navios-Patrulha | 16 | 3 |
Contraminagem e Varredura | 6 | 3 |
Anfíbios | 3 | 4 |
Total | 89 | 56 |
Fontes: Military Balance 2002; Marinha do Brasil (acesso em 9 de dezembro de 2022).
[1]. Salvo menção explícita em contrário, todas as AEDs mencionadas no texto se referirão à END-2020.
[2]. A importância dessa questão já foi mencionada por Jungmann (2020).
[3]. O termo “estratégia” está sendo empregado aqui porque é o adotado na END e em outros documentos e formulações oficiais. Pessoalmente, prefiro que “estratégia” seja empregado no sentido estabelecido por Clausewitz, relacionado ao emprego dos enfrentamentos para obtenção dos propósitos da guerra.
[4]. Alguns bons pontos de partida para a discussão são: Davis (2002); McGinn et al. (2002); Davis, Shaver & Beck (2009); Davis, Gompert & Kugler (1997); Gompert et al. (2008); Johnson et al. (2012).
[5]. Outros aspectos dessa questão foram tratados em Diniz & Rocha (2021).
[6]. O Military Balance de 2007 registra 238.200 pessoas, sendo 89.000 conscritos. Esse total contrasta fortemente com os das edições de 2007 e de 2009, como mencionado acima, e parecem um outlier (ou até um erro na compilação do anuário). Isso levou, inclusive, este autor a uma análise imprecisa, baseada, por coincidência, num texto publicado em 2009 (DINIZ, 2009), baseado no anuário de 2008; e uma outra, mais recente (DINIZ, 2006), que buscava comparar, após 15 anos, a situação atual com a examinada em artigo anterior. Algumas das conclusões terão que ser refeitas, a partir da constatação dessa anomalia, que, até há pouco, não fora identificada.
[7]. Também no caso da MB, parece haver alguma dificuldade com os números do Military Balance de 2008.
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