01 outubro 2010

Direito à Informação e Interesse Nacional

Diante de uma cultura que aceita pacificamente tanto a censura judicial para proteger a alegada privacidade de homens poderosos, como a instrumentalização da informação de interesse público para fazer propaganda partidária (o governismo é uma forma privilegiada de partidarismo) com recursos do Estado, convém examinar um pouco mais de perto o lugar da liberdade de imprensa e do real direito à informação nas nossas práticas políticas. A censura judicial e o incremento incessante da publicidade governamental revelam o mesmo caldo de intolerância e autoritarismo que ainda constitui um déficit na nossa democracia. Tratar desse tema com mais cuidado, com mais profundidade, é uma questão de interesse nacional, argumenta o professor da eca-usp

Na base mediana da nossa cultura política, a liberdade de imprensa é vista com certa reserva, como se fosse um muxo-xo liberal ou um direito humano de segunda grandeza. Como bandeira, serviria apenas para dar salvo-conduto à indústria da injúria, numa prerrogativa conveniente para os que lucram com o sensacionalismo. Há mesmo os seus críticos abertos, que se dizem, eles também, democratas, a demandar restrições à liberdade de expressão, afirmando que ela termina onde começam outros direitos, como a privacidade. Convém começarmos por aqui esta breve reflexão.
Comecemos por frisar que a privacidade de que falam é, invariavelmente, a privacidade dos poderosos.
Embora a democracia no Brasil venha se fortalecendo e existam cada vez mais canais para a livre manifestação do pensamento, vivemos num país em que a mentalidade autoritária encontra caminhos sinuosos para sobreviver. Ela sabe ocultar-se, tem a habilidade de hibernar quando necessário, e, na hora oportuna, prevalece. Quase sempre, em nome da proteção da privacidade de homens públicos que se declaram vítimas, injustiçados pelo fluxo regular da informação jornalística. Entre nós, o autoritarismo se camufla no discurso de que os poderosos são vítimas indefesas da curiosidade alheia.

Não deveria haver nada de espantoso, portanto, no fato de que somos uma sociedade que ainda convive com a censura judicial, essa figura tão pitoresca quanto de mau gosto. Dezenas de veículos, de pequenos blogs a grandes diários, já sofreram ou sofrem essa modalidade de violência . O pretexto das medidas censórias por via judicial tem sido, evidentemente, a preservação da intimidade pessoal ou familiar de políticos às voltas com negócios que o interesse público tem o direito de conhecer com mais detalhes. Convivemos com isso como se fosse um dado da natureza, e não uma aberração. Convivemos com isso como quem tolera excentricidades atípicas de um aqui e outro ali. No substrato dessa convivência, no entanto, reside mais do que um exercício de paciência com aqueles que, sem se dar conta, ainda não aprenderam a viver em democracia: reside uma identidade profunda. A atitude que censura é irmã da frouxidão que a acolhe sem se incomodar com ela.

E é irmã, igualmente, da postura das autoridades que não vacilam em usar recursos públicos para fazer propaganda da autoridade. A máquina de propaganda estatal para fins partidários – e, portanto, privados – é a outra face da moeda da censura insidiosa, disfarçada de mil legalidades, que se impõe pela via judicial. A unificar todas elas está o desprezo pelo direito à informação e pela liberdade de expressão.

Não por acaso, somos também uma sociedade que aprendeu a conviver com o aumento vertiginoso do volume de dinheiro público destinado à compra de espaços publicitários em veículos comerciais. Chamam a isso “comunicação pública” e deixamos passar batido.

“Comunicação política”

Diante dessa cultura que aceita pacificamente tanto a censura judicial para proteger a alegada privacidade de homens poderosos quanto a instrumentalização da informação de interesse público para fazer propaganda partidária (o governismo é uma forma privilegiada de partidarismo) com recursos do Estado, convém examinar um pouco mais de perto o lugar da liberdade de imprensa e do real direito à informação nas nossas práticas políticas. A censura por via judicial não é apenas uma esquisitice do mundo jurídico, mas uma base de valores e condutas que convivem mal não apenas com a crítica, mas também com a liberdade de pensamento e de opinião. O uso do erário, em altas somas (são bilhões de reais por ano), para convencer a sociedade de que os governantes são “gente do bem” e devem ser reeleitos, em campanhas que vão ao ar ao longo de toda a duração do mandato, e não somente durante o período eleitoral, não é meramente uma forma técnica e neutra que o Poder Executivo encontrou de “prestar contas” à sociedade – é, isto sim, um sintoma da mesma base de valores e condutas que enxerga a informação não como um direito, mas como arma para direcionar o debate público, às expensas do dinheiro que deveria servir a todos, não apenas aos que governam. No limite, essa forma abastada de “comunicação política”, nós veremos, concorre para combater ou inibir a informação jornalística independente.

Em suma, a figura da censura judicial e o incremento incessante da publicidade governamental nesses moldes revelam o mesmo caldo de intolerância e autoritarismo que ainda constitui um déficit na nossa democracia. Tratar desse tema com mais cuidado, com mais profundidade, é uma questão de interesse nacional. Aos que esperam deste artigo uma proposta de lei, ou uma medida de Estado, convém prevenir: a solução para tal déficit democrático não virá de normatizações, mas, antes, da tematização do assunto. Por hora, cumpre apenas falar mais, e mais abertamente, desse atraso cultural que acomete todo o espectro ideológico das forças que atuam no debate político brasileiro.

Em um ano eleitoral, este ano de 2010, esse assunto tem aparecido apenas de viés, graças a atos desastrados ou tristemente cômicos. Exemplo 1: Nas suas primeiras versões, o programa de governo da candidata Dilma Rousseff fazia restrições à chamada “mídia”. Exemplo 2: José Serra, de seu lado, mantém o hábito de, em coletivas, perguntar de onde é o repórter que lhe faz uma pergunta e, então, dependendo do lugar onde trabalha o jornalista, tecer comentários negativos sobre os interesses editoriais por trás da pergunta .

Dilma não saiu candidata a ombudsman de jornal e, nesse sentido, não deveria ocupar-se do media criticism em sua plataforma de governo. Por sorte, o assunto foi eliminado de seu programa nas versões posteriores. Quanto a José Serra, não é candidato a fiscal da imprensa. Em vez de examinar a procedência dos repórteres que o abordam, deveria expor a sua própria história para exame dos jornalistas.
Para além das trapalhadas de uma e de outro, a cultura de fundo quase nunca é tematizada pelos que entendem com espírito crítico os caminhos políticos que temos trilhado – e as direções que eles nos indicam. Deveríamos cuidar de falar mais sobre isso. É crucial, para o desenvolvimento democrático, que esses valores sejam debatidos, esclarecidos e superados.

Por óbvio que seja, vale assinalar que não se negam, aqui, os progressos políticos da sociedade brasileira, mas, no momento em que nos encontramos, é necessário dedicar mais atenção a esse traço ancestral – e suprapartidário – que perpassa horizontalmente o espectro ideológico brasileiro, como um grande denominador comum.

A censura que convém

A informação, segundo essa mentalidade, não é propriamente um direito inegociá-vel; é, antes, uma arma partidária. Por isso, assim como a liberdade de imprensa é vista não como garantia fundamental que precede as demais, mas como uma licença que se concede, desde que sob rédeas sempre ao alcance da autoridade (como temos visto no caso da censura judicial), o direito à informação também precisa de limites para proteger não o cidadão, mas a autoridade.

A Constituiç&at
ilde;o Federal assegura que é “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (artigo 5o, inciso IX) e veda “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (artigo 220, § 2o). Não obstante, setores do Poder Judiciário vêm desferindo decisões em várias instâncias contra órgãos de imprensa, com a finalidade de impedi-los de publicar reportagens sobre temas considerados indevidos pelos juízes. Desse modo, magistrados substituem jornalistas para decidir o que deve e o que não deve ser publicado, vetando previamente alguns assuntos do noticiário. Embora esse desvio não seja generalizado, ele carrega imensa força simbólica e deveria merecer muito mais atenção do que tem merecido.

O jornal O Estado de S. Paulo se tornou a vítima de maior visibilidade da censura prévia judicial. Corrija-se: a vítima não é o diário paulistano, mas todos os seus leitores. Vários outros, como o Diário do Grande ABC, foram alcançados pela mesma truculência. Mas, para efeitos deste artigo, fiquemos com o caso do Estadão. Vale recuperar aqui alguns de seus detalhes; a história é, por si, bastante reveladora da aversão que ainda se cultiva, na política nacional, contra a ideia de que a imprensa, a expressão do pensamento e o direito à informação só são verdadeiros quando se acham fora do alcance dos tentáculos do poder político. Recapitulemos, então, os fatos.

A partir do início de 2009, o jornal publicou uma sequência de reportagens -assinadas por Rosa Costa, Leandro Colon e Rodrigo Rangel – que revelou, entre outras práticas mal explicadas, indícios de nepotismo e sinais de irregularidades no Senado Federal. Em junho do mesmo ano, as reportagens descortinaram em primeira mão o escândalo dos atos secretos: centenas de medidas administrativas adotadas pela direção do Senado não apareciam, como manda a lei, no Diário Oficial e, mesmo assim, geravam efeitos jurídicos, como contratações e aumentos salariais. Pouco adiante, no dia 22 de julho, o Estado trouxe um furo jornalístico assinado pelo repórter Rodrigo Rangel, com transcrições de conversas telefônicas em que o empresário Fernando Sarney, ou terceiros, em nome dele ou de sua família, negociavam acordos com o poder público. Os diálogos tinham sido gravados durante uma investigação da Polícia Federal (Operação Boi Barrica), com autorização judicial. O objetivo da investigação era apurar relações entre órgãos estatais e particulares, que obteriam vantagens indevidas.

Tão logo foi publicada, a reportagem acendeu uma onda gigantesca de indignação que tomou conta das redes sociais e de diversos sites na internet, sem falar na grande repercussão que alcançou nos meios convencionais da imprensa e no próprio Congresso Nacional. Protestos eclodiam por toda a parte. Diante da mobilização da opinião pública, o presidente do Senado reagiu. Em mais de uma ocasião, ele tentou acuar os jornais. Começou com admoestações menos agressivas, até que um dia proclamou algo de perturbador: do alto de seu cargo, afirmou que “a mídia” se convertera em “inimiga das instituições representativas” . Ele não disse “o Estado sou eu”, mas quase disse “Eu e minha família somos a encarnação das instituições representativas”. Passemos adiante.

Reportagem premiada, censura imprecisa

O texto da decisão do desembargador oscila entre a ambiguidade e a imprecisão, sempre para vantagem do empresário investigado. Vejamos os termos em que ele fez publicar sua determinação:
Nesse quadro, em juízo de summaria cognitio, a refletir, prima facie, a relevância dos fundamentos expendidos no presente recurso, evidenciando-se a possibilidade de ocorrência de lesão grave de difícil reparação, cumpre conceder a medida liminarmente visada, consistente em obrigação de não fazer, até o pronunciamento definitivo da Colenda Turma, para determinar ao agravado, em antecipação da tutela recursal, que se abstenha quanto à utilização – de qualquer forma, direta ou indireta – ou publicação dos dados relativos ao agravante, eis que obtidos em sede de investigação criminal sob sigilo judicial.
Note bem o leitor: o desembargador proibiu “a publicação dos dados relativos ao agravante”. A redação se turva em termos tão volteados que resulta difícil saber com clareza de quais “dados” quis tratar a autoridade judicial. Seriam apenas aqueles que constam da investigação policial? Seriam outros, a esses relacionados? Seriam estritamente os diálogos gravados no telefone? Pouco importa: o fato é que, desde então, o Estado se acha efetivamente sob censura. De outro lado, a investigação a que se referiam as reportagens, esta avançou muito pouco, ou mesmo nada, conforme documentou de modo irrefutável o caderno especial encartado na edição de 31 de julho de 2010 do diário paulistano, quando a vigência da censura completou um ano exato.

Note-se, ainda, que o desembargador se escudou na alegação de proteger o agravante de “lesão grave de difícil reparação”. Uma vez mais, a ideia de que a privacidade dos envolvidos em negócios com o poder público é barreira forte o suficiente para estancar o exercício da liberdade de imprensa. Com base nisso, impôs o veto preventivo, por meio do qual a decisão de um magistrado passa a editar a pauta da imprensa.

É verdade que esse erro do Poder Judiciário não causou danos irreparáveis ao direito à informação, pois outros diversos veículos puderam noticiar o andamento do caso. Mesmo assim, vale insistir, a força simbólica desse episódio é imensa. E, se generalizada, o raciocínio do desembargador nos levaria a um absurdo institucional que inviabilizaria a prática do jornalismo. Fossem milhares as determinações desse tipo, seriam milhares os assuntos previamente excluídos da pauta dos repórteres, o que reeditaria no Brasil as velhas listas de temas proibidos que vigoraram em tempos de ditadura.

Ora, se uma conduta judicial não pode ser transformada em regra, sob pena de estrangular de maneira crônica a instituição da imprensa, ela só pode ser vista como conduta de exceção – e se é uma conduta de exceção, resulta bastante difícil entendê-la como conduta condizente com o Estado de Direito.
Da mentalidade intolerante à vontade de aparecer
D
e um lado e de outro, à esquerda e à direita, a nossa cultura política média parece admitir que homens públicos patrocinem ou protejam aqueles que lançam obstáculos, a partir do Estado, contra direitos fundamenta
is do cidadão em matéria de liberdade de imprensa. Essa permissividade, por sua vez, não é conflitante, mas perfeitamente afinada com o modo de administração da informação no âmbito do Estado.
Tanto no âmbito do governo federal – que, nas eleições de 2010, tem sua candidata na figura de sua principal ministra, Dilma Rousseff – como no âmbito do governo estadual de São Paulo, moldado à imagem do ex-governador José Serra e de seu partido, o PSDB, a gestão da comunicação pública se revela partidária, interessada e propagandística. De resto, o quadro é o mesmo em todo o país, mas, levando-se em conta que os dois principais presidenciáveis compartilham da mesma visão, ou seja, para os modelos que ambos representam, a informação é passível de ser instrumentalizada segundo os interesses partidários do governo, as perspectivas de que essa cultura venha a sofrer alterações no curto prazo são exíguas.

Façamos aqui uma interrupção para esclarecer, rapidamente, o significado dessa expressão, comunicação pública. Nos discursos mais correntes, ela costuma designar uma extensa franja de interação entre o poder público e a sociedade. Essa franja começa com as assessorias de imprensa oficiais, as relações públicas e a publicidade de órgãos diretamente vinculados ao Poder Executivo em seus três níveis: União, Estado e Município, passa pela comunicação institucional do Poder Legislativo e do Poder Judiciário e chega às chamadas emissoras públicas de rádio e televisão, que não raro guardam vínculos apenas indiretos com o Estado. Em todas essas faces da comunicação pública, a mentalidade é a mesma: a proteção da imagem da autoridade é a palavra de ordem. Também aqui, a informação e a comunicação não entram em cena como direitos incondicionais, direitos cuja validade se situa num plano mais alto que os interesses partidários ou familiares instalados no Estado, mas como ferramentas subordinadas a esses interesses. Ou seja: nós chamamos de comunicação pública uma comunicação paga com verba pública, mas orientada por ambições ou metas privadas (familiares, partidárias e, às vezes, até religiosas). Chamamos de comunicação pública uma comunicação que deveria ser, mas não é de fato, pública.

TV Câmara, TV Senado, TV Justiça

Em segundo lugar, há a propaganda de governo, que vem sendo cada vez mais praticada nos moldes da publicidade comercial ordinária, com investimentos que crescem aceleradamente. É publicidade banal, como a de um sabonete, um automóvel, uma marca de cigarro – mas a chamamos de pública apenas porque ela é financiada pelo erário. Dessa segunda área, a publicidade governamental, devemos nos ocupar com alguma profundidade. Aqui, a mesma mentalidade autoritária, que não hesita em instrumentalizar a informação, e isso em nome do interesse público, manifesta-se de modo mais dramático.
Comecemos pelas verbas que são empregadas, aos bilhões, em veículos comerciais para promover governos e, subliminarmente, a pessoa do governante.

O caríssimo esporte público da autopromoção

Tira-gosto. O telespectador de São Paulo viu, na passagem do ano, uma espécie de trailer da campanha eleitoral. Revezam-se no horário nobre um comercial do governo Serra sobre realizações nos transportes e outro do Banco do Brasil sobre conquistas recentes do país que, na prática, funciona como propaganda do governo federal.
A nota tem lógica. Há um sinal de igual entre propaganda de um banco público (o Banco do Brasil, no caso) e publicidade de governo. Do mesmo modo, há outro sinal de igual entre propaganda de governo (o ex-governo Serra, no caso) e campanha eleitoral.

Desde muito, a comunicação de Estado funciona como prolongamento dos filmes partidários da campanha eleitoral (aqueles exibidos no horário eleitoral). Tanto é assim que não apenas a estética – a linguagem – é a mesma, como as equipes responsáveis pelas peças publicitárias dos governos e pelos filmes do horário eleitoral costumam ser mais ou menos as mesmas também.
Assim, com o suceder dos governos que vieram depois da ditadura militar, a publicidade paga se transformou na forma preferencial de comunicação dos governantes com a sociedade. No mesmo ritmo, o dinheiro público virou um anunciante de porte gigantesco. O mercado publicitário brasileiro está parcialmente estatizado. Aos números:

Segundo a Mídia Dados, editado pelo Grupo de Mídia São Paulo (www.gm.org.br), o investimento publicitário no Brasil mais que dobrou de 2001 a 2008: passou de R$ 10,7 bilhões a R$ 23,8 bilhões. Era de R$ 21,1 bilhões em 2007. (O levantamento leva em conta a tabela cheia dos veículos, ou seja, a tabela sem descontos. O volume de dinheiro que circula nesse mercado é necessariamente menor.)
Em 2008, a empresa Casas Bahia foi o maior anunciante, com inserções avaliadas em R$ 3,075 bilhões. Em segundo lugar, veio a Unilever, com R$ 1,8 bi.

Os chamados Serviços Públicos e Sociais (onde figuram, normalmente, os anúncios de governos) subiram de R$ 2,26 bilhões em 2007 para R$ 2,77 bilhões em 2008, saltando da nona para a oitava posição.

O governo do Estado de São Paulo foi de R$ 59,3 milhões em 2007 para R$ 158,3 milhões em 2008. É terceiro colocado no ranking dos Serviços Públicos e Sociais. Fica atrás apenas do Ministério da Saúde e do MEC.

Se somados, os anúncios do Governo Federal (aí considerados apenas aqueles diretamente vinculados à Presidência da República), com R$ 149 milhões, o MEC, com R$ 180 milhões, o Ministério do Turismo, com R$ 47 milhões, e o Ministério da Saúde (R$ 252 milhões), bateriam na casa dos R$ 628 milhões. Sem falar nos ministérios da Defesa, na Marinha etc.

Para comparar: em 2007, o Governo Federal totalizava R$ 83,6 milhões. Foi para R$ 149 milhões em 2008. O Ministério da Saúde foi de R$ 129,6 milhões a R$ 252 milhões. Também aqui é preciso lembrar que nem todas as inserções de governo são pagas: algumas são veiculadas graças a acordos de cortesia entre as emissoras e o Estado brasileiro.

A Petrobras, com R$ 446 milhões em 2008, foi a 16a maior anunciante do mercado. A Caixa Federal, a oitava, com R$ 675 milhões. O Banco do Brasil ficou na 17ª posição, com R$ 435 milhões.
Se somássemos as estatais federais aos maiores ministérios e à Presidência da República, veríamos que o total ultrapassaria com folga a Unilever.

No Brasil, o mercado publicitário gerou um filhote, um ramo autônomo: a propaganda política. Trata-se de um novo campo, baseado em um novo modelo de negócio, cuja sustentabilidade vem de contratos com governos e partidos políticos, às vezes simultaneamente. É uma indústria bilionária.

Outro dado fundamental é que todos os governos, indistintamente, qualquer que seja o partido de cada um deles, adotam as mesmas fórmulas – e contratam basicamente os mesmos fornecedores. Há aqui, nessa prática unânime que congrega todos os políticos, sem exceção, um desvio de finalidade: o emprego de dinheiro público – dinheiro, portanto, de todos, independentemente da opinião política ou da orientação ideológica de cada um – para promover as teses de uns poucos sobre os demais, as teses dos que ocasionalmente governam.

Não é preciso ser especialista em análise do discurso para verificar, sem margem de dúvida, que, em todas as peças de propaganda oficial do Executivo – e em boa parte das campanhas de estatais – o objetivo é enaltecer a figura de quem está no poder. Mesmo em caso de campanhas que alertam as mães para a data da vacinação de seus filhos, ou naqueles filmetes de prevenção da aids, o que está em jogo é a assinatura que faz referência indireta à imagem de um governo específico, que geralmente adota uma logomarca . É tudo proselitismo com dinheiro público.
Graças a esse truque, todos os governantes fazem campanha eleitoral fora do período eleitoral.

Há ainda outro aspecto a ser sublinhado. Com tamanho investimento em publicidade, o poder público termina por desequilibrar o mercado. A consequência maléfica desse desequilíbrio tem sido o aumento da dependência de milhares de emissoras e jornais de pequeno ou médio porte em relação às verbas públicas. Para muitos desses órgãos de imprensa, o anunciante oficial – da prefeitura, do governo do estado ou da União – acabou se tornando indispensável. Na falta dele, correm o risco de não conseguir pagar a folha no final do mês e de não fechar as contas no final do ano.

Os representantes do poder público se especializaram em tirar proveito dessa vulnerabilidade e pressionam os veículos mais expostos. Uns fazem ameaças abertas, outros tentam seduzi-los e cooptá-los pela oferta de favores. No fundo, todos buscam tratamento privilegiado da imprensa – e corroem a liberdade de imprensa. Expliquemos: num ambiente eivado de chantagens e tentativas de captura, a imprensa perde seus espaços de independência. O sistema das verbas públicas na publicidade, que vem se fortalecendo em uma simbiose francamente apoiada por milhares de veículos, editoras e emissoras, que estão de olho no ganho de curto prazo, virou um fator de constrangimento da liberdade de imprensa.

Na defesa mal intencionada desse modelo, um dos argumentos mais desleais que têm aparecido é o do estímulo à “pluralidade da mídia” com verba de publicidade governamental. Algumas autoridades, do alto de toneladas de reais que afluem para a receita publicitária de rádios, jornais e revistas comerciais, posam de salvadora de publicações regionais, uma vez que, segundo dizem, distribuem e “capilarizam” a verba. Nada mais falso. Eles não estimulam diversidade nenhuma. Fazem exatamente o oposto.

Se o poder público tem o projeto de favorecer as condições de crescimento de mais veí-culos, reforçando com isso a pluralidade no debate social, que crie linhas de financiamento a ser disputadas democraticamente, mediante critérios impessoais, por publicações que se enquadrem nos termos do edital. Verba publicitária distribuída pela discricionariedade da burocracia não realiza nenhuma política pública, apenas inibe a independência editorial.

Como já advertido, o propósito deste texto não é sugerir projetos de lei – mas que uma lei que vetasse dinheiro público na publicidade seria bem-vinda, isso seria. No mais, não há sinais de que os favoritos na eleição que está em curso, Dilma Rousseff e José Serra, sejam receptivos a esse tipo de discussão. Isso complica um pouco mais o cenário.

EUGÊNIO BUCCI é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP.


Eugênio Bucci é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e da ESPM.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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