01 outubro 2021

Economia brasileira pós-pandemia: o que esperar

PhD em Economia e diretor da Rosenberg Partners pondera em seu artigo que partilha integralmente do sentimento de revolta da maioria da sociedade com o atual governo, mas observa também os avanços alcançados e que não devem ser desperdiçados. “Jamais imaginei que, 25 anos após termo-nos livrado do arbítrio do governo militar, estivéssemos debatendo tópicos sagrados como o equilíbrio dos Três Poderes, a inviolabilidade do mandato dos juízes do Supremo, a irrefutabilidade de suas decisões ou a lisura dos pleitos eletrônicos. Mas, por dever de ofício, somos obrigados a manter a objetividade na análise econômica e identificar os avanços na economia, por mais engulhos que nos provoque o cenário político.

Estamos despertando do pesadelo da pandemia. Para sempre carregaremos este lastro doloroso de 600 mil mortes. Felizmente, a mortalidade começa a despencar e está concentrada nos não vacinados. Daqui para frente, o impacto do vírus será limitado, de pouco efeito sobre a economia, apesar de ter modificado hábitos e criado novas necessidades e temores.

O Brasil entra neste novo momento em frangalhos. A sociedade bissectada pelo radicalismo do presidente, valores fundamentais agredidos recorrentemente, a natureza sendo violentada, a corrupção aflorando e o “dando é que se recebe” dominando, para desânimo generalizado.

O repertório de despautérios de Bolsonaro alarma a elite pensante do País e joga-nos todos na defensiva, pois sente-se uma ameaça à própria manutenção do regime democrático. Neste cenário, somos todos levados a rechaçar qualquer ato presidencial, seus auxiliares e suas propostas. Uma rápida excursão pelas colunas econômicas da mídia nacional revela uma unanimidade na contestação de tudo que vem deste Governo, bom ou mau.

Partilho integralmente deste sentimento de revolta: jamais imaginei que, 25 anos após termo-nos livrado do arbítrio do governo militar, estivéssemos debatendo tópicos sagrados como o equilíbrio dos Três Poderes, a inviolabilidade do mandato dos juízes do Supremo, a irrefutabilidade de suas decisões ou a lisura dos pleitos eletrônicos. Mas, por dever de ofício, somos obrigados a manter a objetividade na análise econômica e identificar os avanços na economia, por mais engulhos que nos provoque o cenário político.

É este o exercício que oferecemos neste texto: iniciando com uma descrição temporal do que já havíamos conquistado antes de Bolsonaro, avaliamos a inserção da atual política econômica nesta dinâmica e finalizamos com projeções para o futuro próximo.
É inegável que a partir do marco constitucional de 1988, estamos construindo uma sociedade mais justa, dinâmica e eficiente. Sem sermos exaustivos, é válido registrar os seguintes avanços estruturais na nossa organização econômica:
Formalização orçamentária: logo após o fim da ditadura, o fechamento de torneiras do gasto se inicia com o fim da Conta Movimento, que permitia ao Tesouro sacar ilimitadamente recursos de bancos estatais, o que fazia do Orçamento da União uma peça decorativa. Até então, alegar que haveria controle fiscal era apenas uma piada de mau gosto.

Mobilização contra a inflação: o amancebamento com a inflação criou o pacto mais deletério que já se estabeleceu no Brasil contra os desprovidos. Realmente, até o trêfego Plano Cruzado, a Direita não enfrentava o processo inflacionário ascendente para não incorrer no ônus político de uma batalha dolorosa. Mas, usava a criatividade tupiniquim para construir um sistema de ajustes automáticos de preços básicos, que permitia aos agentes econômicos continuarem a operar, a despeito de taxas inflacionárias inadmissíveis para o resto do mundo. Basta comparar o período em que tivemos inflação anual de 3 dígitos e, mesmo assim, víamos a economia brasileira crescer e estagnar, aumentar e reduzir seus saldos comerciais, expandir investimentos, enquanto nossos vizinhos do Sul se consumiam em hiperinflações sucessivas. Aqui, a credibilidade da moeda local foi preservada, as fugas para o dólar eram episódicas e reversíveis. Claro, o sistema de indexação nunca foi isonômico: no limite, tivemos correções diárias de juros e câmbio, mas mensais ou quinzenais para salários, engendrando o mecanismo mais perverso de transferência de renda da base para o topo da pirâmide e que explica por que nenhum outro país com o nosso nível de sofisticação econômica apresenta uma distribuição de renda tão injusta, das piores do mundo. Como chegamos a isto? Não há como negar: a esquerda sempre foi contra o combate efetivo à espiral inflacionária, alegando um falso conflito entre estabilidade e crescimento. É por isto que cabe um olhar de simpatia para com o malsinado Plano Cruzado: apesar da violência intelectual de tentar enfiar no mesmo saco congelamento de preços, elevação de salários e frouxidões fiscal e monetária, ele teve o condão de comprovar aos políticos o anseio da sociedade por estabilidade de preços. Depois do Cruzado, todos os governos tentaram, ainda que incompetentemente, enfrentar o mal, já sem a oposição das esquerdas. Até o lance de genialidade do Plano Real: ao perceber que o equilíbrio fiscal havia sido alcançado, a dívida externa havia sido renegociada e a economia operava em temperatura satisfatória, os economistas André Lara Resende e Pérsio Arida deram um golpe de judô sobre a remanescente indexação, não através da eliminação dela, mas sim da sua trivialização.

Abertura da economia: a liberação se iniciou com a eliminação da lista de proibição de importação de mais de 100 itens, redução de suas alíquotas e menor burocracia, permitindo ao povo sentir os benefícios das trocas internacionais, seja na incorporação de novas tecnologias, seja no consumo de bens de melhor qualidade e menor preço do que seus sucedâneos domésticos. O fim da Lei da Informática, que nos impedia de participar da revolução digital que se iniciava, é o ato emblemático mais notável deste processo. Em seguida, cresce a onda contra o protecionismo, que, em nome da defesa da produção doméstica, vem tributando os desfavorecidos para subsidiar a empresa aqui instalada, obrigando-nos a consumir máquinas, insumos, roupas, carroças e eletrônicos de qualidade sofrível.

Privatização selvagem: a venda de empresas estatais, transferindo ao setor privado a liderança do processo de expansão do investimento na infraestrutura, trouxe rápidos ganhos de produtividade e melhoria da qualidade dos serviços. Basta lembrar que linhas telefônicas tinham um mercado paralelo de compra e venda, cada uma valendo centenas de dólares.

Modernização trabalhista: a rigidez de normas da CLT protegia os empregados, mas encarecia a contratação. Flexibilizando o mercado de trabalho, criaram-se condições para aumentar o emprego e encolher a cunha salarial entre trabalhadores formais e informais. A reforma aprovada no governo anterior foi um grande avanço na liberalização do mercado de trabalho, com impactos benéficos que serão sentidos por muitos anos.

Redistribuição de renda: a expansão do Bolsa Família, uma variante eficaz do imposto de renda negativo de Milton Friedman, foi um marco importante, que permite mitigar a injusta distribuição de renda do País.

Austeridade fiscal: introdução da questão fiscal no debate político-econômico é conquista recente, pois gastar – sempre e muito – foi a norma usual dos poderosos do dia. No governo anterior, reduções recorrentes do déficit fiscal deram o tom da política econômica, com significativo impacto na credibilidade brasileira no exterior.
Ouso classificar o descaso com estes princípios como sendo os Sete Pecados Capitais da economia brasileira e que, em grau disperso de concretização, foram enfrentados ao longo das apelidadas “décadas perdidas”. Continuar avançando nestas frentes de modernização é o caminho para alcançarmos um crescimento sustentável. E é com este benchmark em mente, que a atual política econômica deve ser avaliada, para construção do mirante, donde tentaremos avistar o comportamento da economia em 2022 e além:

Formalização orçamentária: se o fim da Conta Movimento foi o primeiro passo na direção de termos um orçamento para valer, a aprovação e o respeito pela Emenda do Teto do Gasto é a sua consagração. Lamentável, é verdade, que se tenha tido que recorrer à medida tão extrema para garantir estabilidade fiscal. Mas, é uma mordaça eficaz ao descontrole fiscal e um compromisso com medidas duras e necessárias, o que jamais seria implementado por um governo populista.

Mobilização contra a inflação: o mundo está sendo açoitado por pressões de custos, decorrentes da ruptura produtiva imposta pela pandemia. Como grande provedor de matérias-primas, nossos índices de preço são afetados mais do que proporcionalmente pelo fenômeno. No nosso caso, tivemos ainda a falta de chuvas, encarecendo a energia elétrica e sacrificando a produção agrícola potencial, além da intranquilidade política que sobredesvaloriza a taxa cambial. Os manuais de economia nos ensinam que contra choques de oferta, pouco ajuda a política monetária. Na verdade, na ausência de repasse automático destes preços ao consumidor e sua renda, o processo é autocorretivo, pois o encarecimento de produtos básicos altera preços relativos, diminui a demanda por eles e, com o tempo, corrige a distorção, via perda do poder aquisitivo. A inação foi a atitude adotada, atualmente, por quase todos os países civilizados frente à alta das commodities: esperar passivamente que o mercado se reequilibre, sem subir juros. Ora, nosso Banco Central peca por excesso: em nome de defender a credibilidade da autoridade monetária e preservar a “ancoragem cambial”, está subindo juros de forma agressiva, sabendo que, além do efeito psicológico, só aprofundará o desaquecimento da economia. Outra vez, um governo populista, descompromissado da meta inflacionária, nunca elegeria esta opção, de grande custo político.

Abertura da economia: nenhum governo anterior enfrentou a ira do empresariado nacional com tanta amplidão como este. Da Zona Franca de Manaus ao protecionismo do Mercosul, do questionamento de cada rubrica de subsídio empresarial às verbas das federações das indústrias, todos os cartórios privados estão sob assédio governamental, no esforço de abrir nosso mercado à competição estrangeira. Esta é a missão mais eficaz dos defensores da economia de mercado, mas de mais alto custo político, por enfrentar o lobby empresarial. Esta bandeira jamais esteve em mãos mais aguerridas do que agora.

Privatização selvagem: depois de um interregno de décadas, o tema está sendo atacado novamente. Privatizações de Correios e Eletrobras eram anátemas que, com habilidade negocial, hoje ganham corpo no Congresso. A privatização da BR Distribuidora – julgada impossível há poucos anos – é realidade. Na linha de concessões, além das dos setores tradicionais como transportes, este governo aprovou a transferência do saneamento básico para o setor privado. Alegar que os resultados são pífios é obra da contaminação do nosso descontentamento político, não da omissão governamental.

Modernização trabalhista: O Governo implantou uma flexibilização adicional temporária da CLT para agilizar a recontratação de mão de obra. Sua luta pela carteira de trabalho verde-amarela vai na mesma direção. Assim como bastou ao trabalhador sentir o gosto da estabilidade de preços do Cruzado para passar a exigi-la, expor o desempregado à rapidez de recontratação de um mercado flexível será alavanca importante para acelerarmos a retomada.

Redistribuição de renda: um dos pecados imperdoáveis dos sociais-democratas que mandaram no País nas últimas décadas é a inexplicável relutância em tributar os ricos. Realmente, como justificar a isenção de imposto sobre dividendos, juros sobre capital próprio e a existência de alíquotas máximas menores do que em países com distribuição muito mais justa do que a do nosso? Coube a um direitista inflexível como Guedes declarar que o rei está nu e batalhar no Congresso por redução no imposto de renda sobre pessoas jurídicas, contrabalanceada por impostos crescentes sobre quem ganha muito.

  • Austeridade fiscal: a gestão das contas públicas em 2019 foi exemplar, reforçando a tendência de queda do déficit, iniciada no governo anterior. Em 2020, com a pandemia, em vez de se ater a tabus, Guedes seguiu o exemplo das economias maduras e mobilizou o gasto público para diminuir o sofrimento dos desprovidos e resgatar a solvabilidade empresarial. Em 2021, a austeridade está de volta, com ganhos de cerca de 50% no crescimento das receitas públicas e na contenção de gastos. Entretanto, os formadores de opinião insistem em acusar o Ministério de ser expansionista, uma crítica irreal contra a evidência dos dados.
  • Em suma: a atual política econômica avança consistentemente na modernização da economia brasileira. Guedes está batalhando continuamente na busca do equilíbrio fiscal; ele enfrenta o surto de custos que pressiona os índices de preços, privatiza os investimentos em infraestrutura, abre a economia brasileira aos benfazejos ventos da concorrência internacional e ataca a questão da concentração da renda. Melhor: Guedes é obstinado na sua missão e vai continuar lutando pela implantação do ideário liberal, imune às críticas e aos retrocessos.
  • Com este referencial, podemos projetar o que nos aguarda no ano que vem:
  • Crescimento econômico: após fecharmos este ano com um crescimento do PIB perto de 5%, ficaremos em 2022 entre 3,5% e 4,5%, dependendo da rapidez com que o Banco Central se dê conta de que seu objetivo secundário de manter o emprego está sendo cruelmente sacrificado e volte a reduzir juros. O setor primário e o de serviços serão a mola mestra do crescimento, substituindo a indústria na liderança do processo.
  • Inflação: em 2021, poderá bater entre 7,5% e 8%, mas inexoravelmente cairá em 2022, para bem próximo de 3,5%, permitindo um recuo da taxa básica de juros para algo abaixo de 5%.
  • Câmbio: ainda neste ano, a taxa deverá fechar abaixo de R$ 5,00/dólar, a menos que as presepadas de Bolsonaro continuem a desestabilizar a credibilidade econômica. Para o ano que vem, algo entre R$ 4,5 a 4,8/dólar é factível. Haja vista que nunca desfrutamos de uma situação mais sólida nas contas externas, com mais de US$ 350 bilhões de reservas, saldo comercial perto de US$ 80 bilhões, multinacionais investindo e mais: cerca de US$ 40 bilhões de exportações já formalizadas estão no exterior porque os exportadores aguardam o fim do ciclo altista do câmbio para internalizá-los; quando ocorrer, produzirá uma pressão baixista retroalimentadora.
  • E como seria o desempenho econômico no próximo governo?
  • Este é um terreno mais escorregadio, com variáveis não econômicas definindo o quadro macroeconômico. Mas, surpreendentemente, não há espaço para grandes diferenças, a menos que se cogite a eleição de um radical da esquerda. Sim, porque Lula eleito, deverá repetir o padrão de seu primeiro mandato, reforçando seu compromisso com a economia de mercado e focando nos gastos sociais; se ganhar Bolsonaro (uma hipótese cada vez mais remota), não há por que supor mudança da trajetória atual. E, se prevalecer a tão desejada terceira via, o substrato pró-mercado da atual política permaneceria. Não seria, portanto, temerário projetar um crescimento médio anual do PIB de 4,5%, inflação de 3%, com juros básicos de 4% e taxa de câmbio de R$ 4,5/dólar.

É PhD em Economia e diretor da Rosenberg Partners. Foi professor da FGV, UnB e ITA; visiting professor da Vanderbilt University; assessorou o ministro Delfim Netto e o presidente José Sarney

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