E o Vietnã, hein?
De um país à beira do colapso econômico, o Vietnã agora está a caminho da prosperidade e é apontado como uma das onze nações com potencial para figurar entre as maiores economias neste século. Para embaixador que serviu no país, a imagem que se tem do Vietnã é equivocada, e reformas ajudaram a ampliar a sua presença no cenário internacional com participação expressiva em várias instituições regionais
De um país à beira do colapso econômico, o Vietnã agora está a caminho da prosperidade e é apontado como uma das onze nações com potencial para figurar entre as maiores economias neste século. Para embaixador que serviu no país, a imagem que se tem do Vietnã é equivocada, e reformas ajudaram a ampliar a sua presença no cenário internacional com participação expressiva em várias instituições regionais
Por Fausto Godoy*
Pouco tenho lido a respeito do Vietnã nos nossos meios de comunicação. Escolhi tratar dele quando li o artigo de The Diplomat deste mês intitulado Remembering Vietnam´s Great Famine, de autoria da analista franco-vietnamita Christelle Nguyen.
Contextualizando: O Banco de Investimentos Goldman Sach – o mesmo que num estudo de 2001 do seu então economista-chefe, Jim O´Neil, intitulado Building Better Global Economic BRICs, formulou o conceito das economias emergentes que sucederiam as avançadas no protagonismo da globalização – lançou em 2005 o conceito dos Next Eleven, o conjunto de onze países com potencial para figurar juntamente com os BRICS entre as maiores economias neste século.
Os critérios adotados foram fatores como estabilidade macroeconômica, maturidade política, políticas de abertura de comércio e investimentos, e qualidade da educação. Seguindo estes critérios foram elencados Bangladesh, Coreia do Sul, Egito, Filipinas, Indonésia, Irã, México, Nigéria, Paquistão, Turquia e Vietnã.
Surpresa para muitos, pois a imagem de vários deles perante a opinião pública não se coaduna com a análise do banco. Por quê? Estaria a sociedade internacional em descompasso com os critérios – e a seleção – técnicos e políticos que os especialistas utilizam? Para onde se encaminha a globalização nestes tempos em que ela é tão contestada?
E entre esses países “eleitos”, por que o Vietnã?
Tive a oportunidade de servir na nossa embaixada em Hanói em duas ocasiões durante a minha carreira diplomática. A convivência com os vietnamitas e a realidade que vivenciei confrontaram-me com vários preconceitos que eu tinha, muito em razão da percepção distorcida que a sociedade internacional tem do Vietnã. No nosso caso, então, esta distorção é ainda mais flagrante em razão do distanciamento da opinião pública brasileira das realidades internacionais que não sejam as “ocidentocêntricas”.
Entre eles, a imagem “miserabilista” que eu tinha em razão da história recente do país, sobretudo do processo de colonização francesa, da ocupação japonesa e da guerra com os americanos, que marcaram e forjaram o Vietnã contemporâneo.
Assim foi que quando cheguei em Hanói pus-me a indagar as pessoas com quem tinha maior intimidade sobre a percepção delas a respeito da colonização e sobretudo da tragédia que foi a Guerra do Vietnã tal como nos apresenta o clichê. As respostas me surpreenderam sempre: não notei nenhum rancor indelével com relação ao passado e ao conflito bélico, para a minha enorme surpresa! Claro que este passado está registrado: há em Hanói, pelo menos dois museus que recapitulam o episódio: o enorme Museu de História Militar do Vietnã, situado no centro, perto do Mausoléu de Ho Chi Minh, e o B52 Victory Museum, que me impressionou muito. Mas pouco – ou nada – escutei em termos de ódio ou ressentimento aos ex-colonizadores, ou aos americanos.
Mas, vamos ao artigo…
Nguyen afirma que “é quase inacreditável que as cenas horríveis da fome de 1945, retratadas pelo renomado escritor Tô Hoài (1920-2014), tenham ocorrido há apenas algumas décadas na movimentada capital do Vietnã”. A Grande Fome de 1945, também conhecida como Nạn đói Ất Dậu em vietnamita, ocorreu em Tonkin e Annam sob a ocupação francesa e durante a presença militar japonesa. De acordo com estatísticas do governo, ela foi responsável por dois milhões de mortes no norte do Vietnã, aproximadamente 8% da população.
Segundo os analistas, a memória desta tragédia é elemento fundamental para entender a história moderna do país: contrasta com a realidade de que o Vietnã é atualmente uma das economias que mais crescem no mundo. Qual foi o caminho trilhado que, de um período tão convulsionado, o país tornou-se um candidato a next eleven?
Vamos aos fatos: até a colonização francesa, em meados do século XIX, a sua economia era majoritariamente agrária de subsistência e centrada nas aldeias. A presença dos franceses consolidou-se com a rendição da dinastia Nguyễn, então no poder, inaugurando uma era de subordinação aos colonizadores, que durou até 1954. Os franceses dividiram a economia entre o sul agrícola e o norte em crescente industrialização para atender aos seus interesses. Em setembro de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, as tropas japonesas invadiram o Vietnã e ali permaneceram até agosto de 1945, “compartilhando” o poder com os franceses até a derrota do Japão, em 2 de setembro daquele ano.
O processo de resistência e de independência do jugo colonial na esteira da Guerra da Indochina, que durou de 1946 a 1954, levou os comunistas de Ho Chi Minh ao poder, amparados pelos soviéticos e pelos chineses, cindindo o país entre o sul capitalista, sediado em Saigon, e os comunistas estabelecidos em Hanói, no norte.
A entrada dos americanos no conflito, em novembro de 1955, atendendo ao apelo do governo de Saigon para resistir às pressões das tropas de Ho Chi Minh e dos rebeldes vietcongues locais, foi palco de um dos momentos mais traumáticos da história americana contemporânea. Recordo-me, a propósito, de dois filmes pungentes sobre este tema: Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola, e Nascido em 4 de Julho, de Oliver Stone.
Com a partida melancólica dos americanos em agosto de 1973 – que trouxe severas consequências para o governo de Washington, como sabemos – e a derrota dos sulistas para os comunistas, em abril de 1975, teve início uma nova era na história do país.
A partir de meados da década de 1980, através do processo de reformas intitulado Đổi Mới – traduzido literalmente como “restauração” –, o Vietnã promoveu a mudança do perfil de sua economia, de altamente centralizada para uma economia mista. Este processo é devido à mudança de ênfase na direção da política econômica, de agrícola para os setores de manufatura e serviços e de maior integração com os países e economias da vizinhança, sobretudo. O país ganhou igualmente o impulso dos investimentos privados, do aumento do turismo, de salários mais altos e da crescente urbanização.
O Dói Mói lançou mão do planejamento dirigido, através de planos quinquenais que se apoiam numa economia crescentemente aberta para o mercado. Esta combinação acarretou, de acordo com os analistas, mudanças profundas: de um país à beira do colapso econômico, segundo os índices macroeconômicos, o Vietnã agora está a caminho da prosperidade. Tal status quo está propiciando uma crescente presença no cenário internacional e participação expressiva em várias instituições regionais e internacionais.
Seriam, então, as previsões do Goldman Sachs acertadas? Polêmico? Exemplar? To be continued…
*Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
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