iii-Brasil: Amazônia se projeta como uma mancha na imagem internacional do país
Tradicionalmente vista como um ativo positivo da percepção externa do Brasil, a Amazônia tem aparecido cada vez mais em reportagens da mídia estrangeira que abordam problemas sérios na região, como a destruição ambiental, a criminalidade e o desrespeito aos direitos humanos
Tradicionalmente vista como um ativo positivo da percepção externa do Brasil, a Amazônia tem aparecido cada vez mais em reportagens da mídia estrangeira que abordam problemas sérios na região, como a destruição ambiental, a criminalidade e o desrespeito aos direitos humanos
Por Daniel Buarque e Fabiana Mariutti*
iii-Brasil – 4 a 10 de julho de 2022
Visibilidade: 44 textos
Classificação das notícias:
61% Neutras
37% Negativas
2% Positivas
Um mês após o assassinato do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira no Vale do Javari, a Amazônia se consolida como uma das principais associações negativas da marca Brasil e, consequentemente, da imagem do Brasil projetada na imprensa internacional. Para além do impacto imediato da cobertura do desaparecimento e morte dos dois, que elevou a visibilidade do país no exterior e piorou a percepção externa nas semanas anteriores, mais notícias prejudiciais à reputação do Brasil são destacadas na mídia internacional; principalmente, notícias factuais sobre desmatamento, destruição da floresta, crimes, desrespeito aos direitos humanos e devastação ambiental continuam a ganhar destaque e a mostrar um perfil desfavorável do país. Reforça a preocupação global e a relevância jornalística da maior floresta do planeta.
A coleta de dados do Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil) encontrou na segunda semana de julho 44 artigos com menções de destaque ao Brasil nos sete veículos de imprensa estrangeiros analisados. Esse volume revela uma estabilidade quantitativa, em termos de total de textos, das referências sobre o país em um patamar mais baixo do que durante o período em que o jornalista e o indigenista estavam desaparecidos e foram encontrados mortos.
Além dessa continuidade no levantamento do iii-Brasil, a cobertura também está estabilizada com um tom em sua maioria neutro pela terceira semana consecutiva, atingindo, agora, a maior proporção já registrada de notícias sem impacto sobre a imagem do país (61%).
Ainda que o volume de notícias de tom negativo tenha sido mais baixo do que as neutras e bem menor do que no período em que o assassinato foi revelado, é fácil perceber que a Amazônia se destaca entre os assuntos abordados de caráter desfavorável com potencial associativo para piorar a imagem do Brasil. Quase um terço de todas as reportagens coletadas pelo iii-Brasil entre 4 e 10 de julho tratavam da questão Amazônica com tom negativo e de característica preocupante. Apenas 4 das 16 notícias prejudiciais à imagem do país no período abordaram outros assuntos.
Muitos dos artigos analisados ainda abordam a morte de Phillips e Pereira. O jornal britânico The Guardian, para quem o jornalista escrevia com frequência, publicou um obituário falando sobre o indigenista brasileiro e um artigo acusando o governo Bolsonaro de incentivar a violência na região. Mas outros temas também tiveram muito destaque. Os jornais argentino Clarín e português Público, por exemplo, trataram do aumento do desmatamento da floresta. O espanhol El País publicou um alerta do cientista brasileiro Carlos Nobre dizendo que a Amazônia mostra sintomas de morte, e uma reportagem alegando que a possibilidade de mudança de governo no país por conta das eleições deste ano estão ampliando a depredação da região.
A segunda semana de julho também revelou o registro da menor proporção de notícias positivas desde o início da coleta de dados do iii-Brasil, em abril deste ano. Apenas uma das notícias analisadas no período tinha tom elogioso e poderiam ser impacto para melhorar a imagem internacional do Brasil, o equivalente a 2% do total. Curiosamente, a única reportagem positiva também tratava de questões ambientais. Publicado pelo jornal Guardian, o texto abordava a recuperação da população de uma ave amazônica que estava em risco de extinção, mas que foi resgatada por um projeto internacional e voltou a povoar a região Nordeste.
No total, entretanto, é perceptível que a Amazônia foi o tema que teve mais visibilidade na cobertura da imprensa estrangeira sobre o Brasil, e adotou um tom majoritariamente negativo. Essa análise comparativa é importante porque a região da floresta sem dúvida é um dos mais fortes ícones da percepção internacional sobre o Brasil. A natureza, como dimensão associada à Amazônia, é um clichê sócio-ambiental do Brasil, como o futebol e o carnaval vistos como clichês culturais. Esses “clichês” costumavam ser historicamente caracterizados como positivos perante a visibilidade nacional no exterior.
Por mais que haja uma preocupação global com a proteção da floresta e que sejam comuns as críticas à política de proteção adotada pelo país (especialmente desde a chegada de Bolsonaro ao poder), a Amazônia sempre foi um ativo vantajoso, perceptualmente, para a marca Brasil no mundo. A notoriedade desse compêndio de notícias negativas não é apenas o risco de uma mudança drástica no prestígio de como o país é visto, alterando de uma associação favorável com a natureza para uma reputação desfavorável como a falta de proteção e cuidado com a floresta em seu próprio território — mas também as reais implicações da destruição ambiental, a criminalidade e o desrespeito aos direitos humanos.
*Daniel Buarque é editor-executivo do Interesse Nacional, doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).
Fabiana Mariutti atua como professora universitária, pesquisadora e consultora; obteve pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração e bacharel em Comunicação Social. Estuda a marca Brasil desde 2010. Autora dos livros: “Country Reputation: The Case of Brazil in the United Kingdom: Four Stakeholders’ Perspectives on Brazil’s Brand Image” (2017) e “Country Brand Identity: Communication of the Brazil Brand in the United States of America” (2013).
O Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil) é uma análise da imagem do país realizada a partir de um levantamento sistemático de dados sobre notícias que mencionam o Brasil a cada semana em sete publicações internacionais, selecionadas como representativas da imprensa internacional por serem reconhecidas internacionalmente como “newspapers of record”. São elas: The Guardian (Reino Unido), The New York Times (Estados Unidos), El País (Espanha), Le Monde (França), Clarín (Argentina), Público (Portugal) e China Daily (China). O iii-Brasil é produzido semanalmente pela equipe do portal Interesse Nacional e pela pesquisadora Fabiana Mariutti. Professora universitária e consultora; obteve pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração e bacharel em Comunicação Social. Estuda a imagem, reputação e marca Brasil desde 2010. Interesse nas áreas de Place Branding e Public Diplomacy. Nomeada Place Brand Expert pelo The Place Brand Observer, na Suíça. Autora do recente artigo: “When place brand and place logo matches: VRIO applied to Place Branding”, de dois livros e sete capítulos de livros.
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