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Interesse Nacional
11 outubro 2023

Mercado de carbono tem vasto potencial no Brasil

O advogado Fernando Albino explica que, para maior facilidade de exposição, fala-se em “negociar carbono”, “créditos de carbono” ou simplesmente “carbono”, o que pode confundir conceitos. Para ele, o mercado negocia títulos que representam carbono e títulos que representam créditos de carbono. Os títulos de carbono representam o elemento químico carbono, bem encontrado na natureza e que pode ser comprovado, aferido e quantificado. Os títulos de créditos de carbono são referenciados ao carbono, mas representam o montante de dióxido de carbono evitado pelos seus titulares nas suas atividades econômicas. Trata-se de um mercado que se expande no país

O advogado Fernando Albino explica que, para maior facilidade de exposição, fala-se em “negociar carbono”, “créditos de carbono” ou simplesmente “carbono”, o que pode confundir conceitos. Para ele, o mercado negocia títulos que representam carbono e títulos que representam créditos de carbono. Os títulos de carbono representam o elemento químico carbono, bem encontrado na natureza e que pode ser comprovado, aferido e quantificado. Os títulos de créditos de carbono são referenciados ao carbono, mas representam o montante de dióxido de carbono evitado pelos seus titulares nas suas atividades econômicas. Trata-se de um mercado que se expande no país

Por Fernando Albino*

O Brasil detém uma riqueza hídrica sem equiparação no mundo, sendo reservatório de 12% de água potável disponível. Além disso, a rica costa marítima brasileira se estende por 8.500 mil quilômetros, com baías e manguezais que abrigam incrível e única biodiversidade, para não dizer em toda a sua plataforma continental.

Este texto foi publicado na edição 63 da revista Interesse Nacional. Clique aqui para ver a edição completa

O país abriga a maior floresta tropical do planeta, responsável por “rios voadores”, a manutenção de temperaturas mais amenas e dotada de notável número de espécies animais e exuberante flora.

A matriz energética brasileira advém 85% de fontes limpas, o que é único no mundo desenvolvido e em desenvolvimento, além de nossa capacidade de produzir insumos verdes para viabilizar certos processos produtivos que precisam ser descarbonizados.

Não bastasse tudo isso o Brasil é um dos líderes mundiais na produção de alimentos com tecnologia de ponta, que nos dá enorme eficiência.

Ou seja, sem sombra de dúvida o Brasil é uma potência ambiental.

Diante desses fatos o país precisa ter marcante protagonismo internacional e definir standards nos organismos dedicados ao clima, tais como, de quantificação do carbono florestal, dos melhores projetos para a fixação de população na floresta, do aproveitamento adequado dos manguezais e assim por diante. Longe de ser guiado, o Brasil, nesse particular, deve guiar, ditar regras, propor soluções, liderar debates.

Claro que nem tudo é um mar de rosas! Existem o desmatamento e o garimpo ilegal e, mais recentemente, o tráfico de drogas. Contra essas atividades não deve haver nenhuma complacência, mas a aplicação incansável da severidade da lei.

Regularização fundiária

A par disso, chegou o momento de se resolver, de uma vez por todas, a regularização fundiária. Com a moderna tecnologia e o implemento da legislação existente torna-se plenamente possível a regularização total das terras, tanto privadas quanto públicas e as indígenas.

Essas providências dariam credibilidade aos ativos ambientais brasileiros, indispensável à sua negociação em mercado.

Nesse contexto fático, foi surgindo um arcabouço legislativo de razoável envergadura a ponto de se poder dizer que o Brasil hoje detém um conjunto de leis que asseguram o direito ao meio ambiente compatível com o direito de propriedade, como emana da nossa Constituição.

O Novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25/05/2012) contém a definição de crédito de carbono (“título de direito sobre bem intangível e incorpóreo transacionável” – art. 3º, XXVIII).

Além de definir o crédito de carbono, o Código cria as Áreas de Preservação Permanente, as Reservas Legais, o manejo sustentável e todo o sistema de registro das terras. Trata-se de diploma bastante rigoroso e protetor da preservação dos biomas.

O artigo 41 cria o conceito do pagamento por serviços ambientais da mais alta importância para estimular a manutenção da floresta em pé. Por serviços ambientais entende-se os que preservam a biodiversidade, protegem a fauna e a flora, asseguram os fluxos hídricos, estocam carbono, restauram biomas devastados e quaisquer outros que representem uma ação humana positiva para a manutenção do meio ambiente.

Note-se que o mesmo artigo 41, em seu parágrafo quarto, admite o pagamento de serviços ambientais também para Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente, a desmentir afirmativa muito encontrada em palestras e artigos de que em tais áreas, como a sua manutenção já está prevista em lei, qualquer crédito de carbono não seria previsto ou permitido. Dando-se uma extensão significante ampla para crédito de carbono, ele também pode ser emitido nas chamadas “áreas protegidas”.

A Lei nº 12.187, de 29/12/2009, que regula a Política Nacional do Clima, cria o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE (art. 9º) em linha com os compromissos brasileiros no âmbito internacional.

Dois recentes Decretos regulamentaram essa lei, os de números 11.548 e 11.550, ambos de 05/06/2023, quando foram instituídos o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima e a Comissão Nacional para Redução de Emissões, estabelecendo as bases para um aparato administrativo que viabilize a transição para uma economia verde inserido em um ambiente de mercado.

A regulamentação da Lei nº 12.187 por meio dos dois Decretos mencionados cria as ferramentas para adequar o mercado brasileiro de emissões e redução de emissões aos padrões internacionais que, sobre esse assunto, devem continuar prevalecendo.

Por esse mecanismo quem reduz emissões deve ter o prêmio de emitir e alienar cotas de redução de emissões, e quem não reduz deve ser apenado com a obrigatoriedade de adquiri-las.

Ou seja, cria-se um “mercado de emissões e reduções” a permitir um constante estímulo a quem investe em tecnologia e recursos financeiros para alcançar métodos produtivos descarbonizados.

Registro nacional de emissões

No Senado Federal pende de votação o Projeto de Lei nº 412 de 2022, que regula o mercado de carbono no Brasil, e que se pretende que seja remetido à Câmara dos Deputados ainda neste mês de setembro.

Nesse projeto de lei estabelece-se um registro nacional de emissões, em que cada entidade que emite além de um determinado montante deve informar esse valor e comprová-lo por meio de certificadora aceita pela autoridade encarregada dos registros. A partir daí, essa entidade se obriga a, paulatinamente, reduzir suas emissões e, em assim fazendo, ganha o direito de emitir títulos equivalentes às suas reduções e colocá-los no mercado.

De outra parte, as entidades que não alcançarem os percentuais de redução a que se propuserem ficam obrigadas a adquirir esses títulos, criando-se um mercado de “vasos comunicantes”, no qual redutores de emissões são premiados e não redutores de emissões são penalizados.

Esse sistema é bastante semelhante à legislação da Comunidade Europeia, inserindo o Brasil no que vai ser um mercado internacional de emissões e reduções de emissões.

Com isso, estarão estabelecidos definidamente os parâmetros legais de um mercado brasileiro de carbono que proporcione segurança jurídica aos seus participantes.

Da mesma forma que o Estado, o mercado financeiro e de capitais tem gradativamente se estruturado para a negociação dos ativos ambientais.

A Lei nº 14.421, de 20/07/2022, previu a Cédula de Produtor Rural – CPR para serviços ambientais, título já conhecido do mercado e que vem sendo objeto de um início de negociação em bolsa.

A par da legislação acima referida, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM editou a Resolução 175, dispondo “sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, bem como sobre a prestação de serviços para os fundos”, que entrará em vigor no dia 2 de outubro de 2023.

A referida norma admite que fundos de investimento detenham em carteira “crédito de carbono”, desde que tais ativos sejam registados, no Brasil ou no exterior, por autoridades governamentais, no sentido de órgãos encarregados de registro na respectiva jurisdição (conforme Ofício-Circular nº 2/2023/CVM/SIN).

O Banco do Brasil, recentemente, efetuou leilão de imóveis aceitando créditos de carbono em pagamento. O BNDES abriu linha para aquisição de ativos ambientais, ambas iniciativas pioneiras que incentivam a criação de liquidez e credibilidade.

A Petrobras, em outro movimento importante, também recentemente, adquiriu créditos de carbono para compensar suas emissões.

O Governo do Estado do Rio de Janeiro anunciou protocolo com a Nasdaq americana para trazer a sua plataforma tecnológica de negociação de ativos ambientais para o Rio, criando, assim, o que pode ser um mercado de carbono brasileiro, conectado a outros mercados internacionais.

Todos esses eventos constituem fatos concretos no sentido de se criar um mercado de carbono brasileiro que seja compatível com a potencialidade do país nesse novo universo. Não tenhamos dúvidas sobre isso.

Carbono e créditos de carbono

Finalmente, há de se ressaltar um aspecto da mais alta importância, qual seja o da taxinomia. Sem uma linguagem correta e conceitos objetivos não se pode construir negócios jurídicos, sobretudo em mercados nascentes.

O carbono é um elemento químico de número atômico (Z) igual a 6, ou seja, possui seis prótons em seu núcleo, que podem se combinar com elétrons, formando inúmeros compostos diferentes, entre eles o dióxido de carbono (CO2).

O dióxido de carbono (CO2), liberado pela queima de combustíveis fósseis, causa o efeito estufa que envolve a atmosfera e aumenta o aquecimento solar e a temperatura média do planeta, provocando fenômenos climáticos como secas, enchentes, grandes precipitações pluviométricas etc.

Portanto, o que se quer evitar é o dióxido de carbono (CO2), um composto do carbono e não o carbono, que está presente na natureza e dentro de nós e que é fundamental para a vida.

O carbono pode ser representado por um título e este pode ser negociado em mercado.

O crédito de carbono, ainda que referenciado ao carbono, constitui uma ficção jurídica. Os proprietários de atividades econômicas que nelas promovem a redução do dióxido de carbono (CO2) têm o direito de emitir títulos representativos de tais reduções a elas equivalentes, podendo negociá-los em mercado e, com isso, levantar recursos que ajudam a pagar os investimentos feitos para a redução realizada.

Trata-se de um mecanismo de mercado para estimular a chamada transição energética, de uma economia baseada em elementos poluentes para uma economia “limpa”.

Para maior facilidade de exposição e simplicidade de terminologia, fala-se em “negociar carbono”, “créditos de carbono” ou “carbono” simplesmente, o que por vezes tem o efeito contrário, de confundir conceitos.

O mercado negocia títulos que representam carbono e títulos que representam créditos de carbono.

Os títulos de carbono representam o elemento químico carbono, bem encontrado na natureza e que pode ser comprovado, aferido e quantificado. Os títulos de créditos de carbono são referenciados ao carbono, mas representam o montante de dióxido de carbono evitado pelos seus titulares nas suas atividades econômicas.   


Fernando Albino é advogado pela USP, especialista em Mercado de Capitais pela FGV/SP, mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, doutor em Direito Econômico pela USP e sócio fundador do Albino Advogados Associados. É conselheiro da FIESP e foi diretor da Comissão de Valores Mobiliários

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/edicao-63-da-revista-interesse-nacional-e-publicada/

O portal Interesse Nacional é uma publicação que busca juntar o aprofundamento acadêmico com uma linguagem acessível mais próxima do jornalismo. Ele tem direção editorial do embaixador Rubens Barbosa e coordenação acadêmica do jornalista e pesquisador Daniel Buarque. Um dos focos da publicação é levantar discussões sobre as relações do Brasil com o resto do mundo e o posicionamento do país nas relações internacionais.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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