Promessas, promessas, promessas
Parar completamente o desmatamento da Amazônia será uma tarefa difícil, e pode determinar o legado do novo governo de Lula e mesmo o futuro do planeta. Para professor de estudos latino-americanos e geografia, plano do presidente para desenvolver a Amazônia pode criar uma redução artificial do desmatamento com projetos de infraestrutura que aumentarão a destruição no futuro
Parar completamente o desmatamento da Amazônia será uma tarefa difícil, e pode determinar o legado do novo governo de Lula e mesmo o futuro do planeta. Para professor de estudos latino-americanos e geografia, plano do presidente para desenvolver a Amazônia pode criar uma redução artificial do desmatamento com projetos de infraestrutura que aumentarão a destruição no futuro
Por Robert Toovey Walker*
Promessas são muito parecidas com jogos de azar. Quanto maior for a sua promessa, maior será o retorno, mas mais você terá a perder se as coisas derem errado.
A recente promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de acabar com o desmatamento da Amazônia até 2030 é grande. Se ele conseguir, a comunidade conservacionista saudará Lula como um grande presidente e fará com que seu legado receba o devido reconhecimento. Caso contrário, sua reputação política será abalada, uma vez que ele se definiu como o oposto de Jair Bolsonaro, empenhado em tirar a Amazônia da beira do abismo.
Infelizmente, há mais em jogo do que a reputação de um político. De fato, não é exagero dizer que o futuro do meio ambiente global depende de Lula cumprir ou não essa promessa. Assim, vale a pena considerar se o homem é bom de palavra.
Muitos têm certeza de que sim, como ficou óbvio no final do ano passado. Os conservacionistas ficaram eufóricos com a eleição de Lula, tendo sofrido com um governo que essencialmente abandonou a Amazônia para pessoas que pretendiam tirar tudo da região ao qual pudessem atribuir um preço.
O histórico de Lula em seus dois primeiros mandatos (2003-2007; 2007-2011) parece prova suficiente disso, dado que as taxas de desmatamento caíram drasticamente depois de 2005 e continuaram caindo durante todo o seu governo. Em 2012, um ano depois de deixar o cargo, apenas cerca de 4.000 km² de floresta haviam sido perdidos, o ponto mais baixo da história.
Assim, a promessa de Lula de acabar com o desmatamento até 2030 parece estar dentro do reino da possibilidade. Mas até que ponto dentro do reino da possibilidade? E se a promessa não for cumprida, quais são as consequências? Deixe-me começar com a primeira pergunta.
Negação plausível
Controlar o desmatamento da Amazônia não é fácil, dados os interesses econômicos investidos na exploração das riquezas minerais da região, na agricultura de soja e no potencial de pecuária.
Desde a Cúpula do Rio em 1992, formuladores de políticas e conservacionistas frequentemente deixaram de lado a questão, passando a agitar a bandeira do “desenvolvimento sustentável”, que até hoje continua sendo um conceito adorável, se não uma realidade econômica. Isso significa que a criação de empregos bem remunerados na região ainda depende do desmatamento, situação em que as promessas de Lula para a economia e para a floresta devem acabar entrando em conflito.
Como todo mundo, Lula não pode ter tudo o que quer, pelo menos até que uma forma genuína de desenvolvimento sustentável esteja disponível. Isso pode ser possível algum dia com a amplamente discutida bioeconomia. Mas esse algum dia permanece no futuro, certamente além de 2030.
“Mas espere aí! E os dois primeiros mandatos de Lula e a queda na taxa de desmatamento?”, você pode perguntar. Na verdade, isso parece contradizer o que acabei de argumentar. Parece sugerir que você pode melhorar uma economia regional com grandes projetos de infraestrutura e reduzir o desmatamento ao mesmo tempo.
Aliás, foi aí que Lula deu sorte na virada do milênio. Especificamente, ele escolheu liderar sua carga de desenvolvimento da Amazônia com projetos hidrelétricos, não com a construção de estradas, que havia sido a preferência do governo militar nas décadas de 1960 e 1970, quando foram tomadas as decisões iniciais para abrir a região. Os sistemas de transporte fornecem acesso direto à terra, por isso não deve surpreender que o desmatamento tenha seguido rapidamente a construção de estradas como a BR-230, BR-163 e BR-364.
Construir hidrelétricas é outra história. Elas também causam desmatamento, mas o fazem indiretamente em um processo que leva anos para se desenrolar. Um excelente exemplo disso é a hidrelétrica de Tucuruí, construída no rio Tocantins (1979-1984) pelo governo militar. Grande parte do desmatamento ocorrido no sudeste do estado do Pará pode ser interpretado como uma resposta tardia à construção da barragem de Tucuruí.
Portanto, não é muito difícil imaginar que a reversão na taxa de declínio do desmatamento, que ocorreu durante a presidência de Dilma Rousseff, seja simplesmente a consequência tardia do investimento agressivo de Lula nas hidrelétricas da Amazônia antes da posse dela. Afinal, ele acabou instalando 20 MW de capacidade nos rios Madeira e Xingu, a um custo de aproximadamente US$ 33 bilhões. Se nos servirem de uma repetição do desempenho de seus dois primeiros governos, a promessa de Lula de acabar com o desmatamento vem com a característica politicamente desejável de negação plausível.
Imagine que, em 2027, Lula decida após quatro anos no cargo se aposentar da política e descansar sobre os louros. Ele pode muito bem ter cumprido sua promessa de desmatamento cedo, ao mesmo tempo em que criou uma bonança de empregos na Amazônia usando o mesmo plano de investir em infraestrutura de seus dois primeiros mandatos como presidente. Saindo do cenário mundial sob estrondosos aplausos por ter acabado com o desmatamento três anos antes, Lula estaria deixando para seu sucessor uma bomba-relógio na forma de uma catástrofe ecológica que logo se seguiria, aquela que ele mesmo desencadeou.
Assim, é possível reduzir o desmatamento a zero em algum ano em um futuro não muito distante, 2030, por exemplo, especialmente se esse futuro estiver próximo antes que o desmatamento comece a ocorrer em resposta a processos de desenvolvimento de longo prazo. Infelizmente, em situação assim, a promessa de fazê-lo não tem sentido.
Catástrofe?
Catástrofe é uma palavra muito forte. É, no entanto, o caminho certo para abordar a segunda questão levantada sobre a promessa de Lula de acabar com o desmatamento até 2030.
Se ele não acabar com isso, ou se ele apenas criar a impressão de ter acabado com o desmatamento, mas na realidade não o alcançar por conta dos efeitos retardados como descrito acima, logo estaremos confrontados com a possibilidade muito real de uma catástrofe ecológica.
Por décadas, os conservacionistas soaram o alarme sobre o desmatamento da Amazônia, condenando seus impactos na biodiversidade e no sequestro de carbono. Por mais sérias que tenham sido as preocupações a esse respeito, uma nova surgiu na comunidade científica e ganhou força. Esta é a preocupação de que exista uma quantidade crítica de desmatamento capaz de minar o sistema climático da Amazônia baseado na reciclagem da chuva. Qualquer desmatamento adicional além desse valor, o ponto de inflexão, desencadeará uma extinção em massa da floresta, com conversão em arbustos e gramíneas adaptados ao fogo.
O ponto de inflexão não representa mais o pior cenário, mas o consenso emergente dos especialistas em clima da Amazônia, e está muito próximo. A estimativa mais recente coloca entre 20-25%. Isso significa que, se o desmatamento atingir 20% ou mais, os 80% restantes podem simplesmente desaparecer em alguns anos, tornando-se uma sombra pálida e seca do que era antes. Dado que a floresta já perdeu 17% de sua cobertura original, a margem do ponto de inflexão é pequena. Muito pequena para ser negligenciada.
Quão perto do ponto sem retorno?
Esta é minha primeira coluna na Interesse Nacional. Diante do tema em questão, decidi prestar um serviço público, mantendo-os informados sobre o perigo do ponto de inflexão para o continente sul-americano.
Tomando a extensão original da Floresta Amazônica em 5,5 milhões de km², a diferença entre onde estamos hoje e o ponto de inflexão é de apenas 3%, ou 165 mil km². Se o desmatamento voltasse a sua taxa dos anos 1990, em cerca de 15.000 km² ano-1, o ponto de inflexão chegaria a nós em pouco mais de dez anos.
Assim, a promessa de Lula representa não apenas uma plataforma política, mas uma necessidade urgente. Segundo a organização não governamental ambientalista Imazon, o desmatamento na Amazônia durante o primeiro trimestre (janeiro a março) de 2023 foi de 867 km2. Isso é consideravelmente mais do que o desmatamento ocorrido no mesmo período no último ano de Bolsonaro, que foi de 687 km2. De fato, olhando para a linha de tendência, seria difícil distinguir Lula de Bolsonaro. Embora seja muito cedo para tirar conclusões finais, não é muito cedo para notar que Lula começou mal, seja qual for a explicação. Na verdade, ele parece estar correndo na direção errada.
*Robert T. Walker é colunista da Interesse Nacional e professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Robert Toovey Walker é colunista da Interesse Nacional, geógrafo, tem doutorado em ciência regional pela University of Pennsylvania e é professor de estudos latino-americanos e geografia na University of Florida
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional