Número 68

Ano 18 / janeiro - março 2025

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Eleições municipais de 2024 contam uma história que se inclina à direita

Será que eleições contam uma história? As eleições presidenciais e as municipais? A eleição de 2018, que deu a vitória para Jair Bolsonaro, tem um enredo e ainda se faz presente na realidade política brasileira. Em 2020, o país foi às urnas para eleger prefeitos e vereadores no bojo de uma pandemia. E as eleições municipais de 2024, com 5.570 prefeitos e cerca de 57.930 vereadores, tem sua história?

Cabe rememorar que as eleições municipais, em 2024, transcorreram após pouco mais de um ano dos ataques às sedes dos Três Poderes, em Brasília, atacadas por bolsonaristas que não reconheciam a derrota de Bolsonaro e a vitória de Lula no pleito de 2022. Mais ainda, eles traziam à tona anos de ressentimento e ódio e o mais completo cultivo às fake news, ao negacionismo, à pós-verdade e às teorias da conspiração em relação às urnas eletrônicas e ao próprio funcionamento do Estado Democrático de Direito.

Existem, certamente, muitos aspectos que podem ser discutidos ao fim e ao cabo de uma eleição municipal. Impossível — importante destacar — que se possa tratar de todos os elementos constitutivos de um pleito municipal que abarque todo o país. Todavia, a proposta aqui é deslindar, ainda que panoramicamente, fatos e temas atinentes ao ecossistema político nacional. O Brasil tem ido às urnas a cada dois anos. Isso, sem dúvida, prova que, mesmo combalida, a democracia apresenta resiliência.

Este artigo se propõe — de forma panorâmica, vale ressaltar — fazer um breve balanço dos resultados eleitorais e realizar alguns apontamentos para reflexões dos leitores. Tratar-se-á de um quadro eleitoral levando-se em conta os partidos que mais “fizeram” prefeitos; os padrinhos políticos (Lula e Bolsonaro); a força das emendas parlamentares e da taxa de reeleição; e a eleição municipal da cidade de São Paulo, que chamou a atenção do país, especialmente, por conta da presença disruptiva de Pablo Marçal. Foi, em síntese, uma eleição que apresentou a força da direita e da centro-direita, com os partidos do Centrão.

Cenário nacional: balanço dos partidos

Este artigo não objetiva uma análise dos dados quantitativos, que são abundantes, da eleição municipal de 2024. Contudo, merece atenção um quadro com os partidos políticos que fizeram o maior número de prefeitos e, ainda, a comparação com a eleição de 2020.

O Quadro 1 apresenta os números absolutos de prefeituras ganhas em 2024, ao lado das ganhas em 2020, e o saldo positivo ou negativo de casa um dos partidos. Há notas de rodapé indicando quando partidos sofreram fusões com outros ou mudança no nome da sigla.

O Partido Social Democrático (PSD) é o primeiro colocado em prefeituras conquistadas, com 887 em 2024 e 657 em 2020, tendo saldo positivo de 230 prefeitos eleitos. O PSD — relativamente recente, de 2011 — tem na sua presidência Gilberto Kassab, que é conhecido como excelente articulador político, com trânsito em governos de distintas colorações ideológicas. Kassab foi convincente e trouxe inúmeros políticos que eram quadros de outros partidos para o PSD.

Em segundo lugar está o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), com 854 prefeituras. O partido já é consolidado no cenário nacional e sempre apresentou força nos munícipios brasileiros, com lideranças regionais robustas. O Progressistas (PP) ocupa a terceira posição, com 747 prefeituras, seguido pelo União, com 583 municípios, e pelo Republicanos, com 433 prefeituras. As cinco primeiras posições do quadro apresentam, de forma indubitável, a força dos partidos de centro-direita e direita.

Logo abaixo, dois partidos de centro-esquerda, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Social da Democracia Brasileira (PSDB), apresentam bons números, com 308 e 372 prefeituras conquistadas, respectivamente. Contudo, cabe enfatizar que o PSDB — partido que teve Fernando Henrique Cardoso por duas vezes na Presidência da República e que governou São Paulo por décadas — teve um desempenho comparativo muito ruim, pois perdeu 251 prefeituras em relação a 2020. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o candidato do PSDB, José Luiz Datena, teve votação inexpressiva. Na Câmara dos Vereadores não houve um único eleito. Depois do PSB e do PSDB, temos o Partido dos Trabalhadores (PT), com 252 prefeituras conquistadas e uma melhora em relação a 2020, com um saldo positivo de 70 prefeitos eleitos. Ainda na centro-esquerda, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) conquistou em 2024 150 prefeituras, com saldo negativo de 165 —tinha, em 2020, 315 prefeituras. O CIDADANIA também teve saldo negativo, de 107 prefeituras perdidas, indo de 140, em 2020, para as atuais 33.

O PL está na quinta posição, com 516 prefeituras. Todavia, o discurso extremista bolsonarista de ataques ao sistema eleitoral e à democracia não foram predominantes neste pleito municipal. Partidos políticos mais pragmáticos e, não raro, fisiologistas, apresentaram um desempenho e um vigor evidentes nas disputas municipais. E isto, por certo, indica a força do bloco do Centrão[1].

E a força dos padrinhos políticos, Lula e Bolsonaro?

Lula e Bolsonaro, presidente e ex-presidente do Brasil, respectivamente, estiveram presentes nas eleições de 2024. No entanto, a força que apresentaram como padrinhos políticos não foi o que muitos esperavam.

Com a derrota de Bolsonaro para Lula, em 2022, e, logo após, sua inelegibilidade decretada pela Justiça Eleitoral, ficava no ar uma questão: o ex-presidente ainda tem força para eleger seus aliados? Ou, noutros termos: estando inelegível, quem seriam aqueles que poderiam herdar seu espólio político-eleitoral?

O PL de Bolsonaro foi a legenda que mais conquistou prefeituras dentre os 103 municípios com mais de 200 mil eleitores. Ganhou em 16 cidades e venceu quatro capitais: Maceió, Rio Branco, Cuiabá e Aracaju. Tais fatos poderiam indicar a força de Bolsonaro? Obviamente que a presença do ex-presidente no PL é importante. Como foi, também, para o PSL (Partido Social Liberal) na ocasião da eleição de 2018 — rememorando que este era um partido nanico que ganhou força e tração com a vitória de Bolsonaro.

Nomes que estão mais ideologicamente ligados ao ex-presidente foram testados nas urnas e não se saíram tão bem. Marcelo Queiroga, ex-ministro da Saúde, perdeu em João Pessoa. Gilson Machado, ex-ministro do Turismo, perdeu no Recife. E Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin, foi derrotado no Rio de Janeiro. Há, ainda, a disputa direta com o governador Ronaldo Caiado, na qual o candidato de Bolsonaro — Fred Rodrigues (PL) — foi derrotado em Goiânia por Sandro Mabel, candidato apoiado por Caiado. Em que pese que a direita e a centro-direita tenham “colorido”, hegemonicamente, o mapa político do Brasil, o extremismo bolsonarista e o próprio Bolsonaro saíram enfraquecidos.

Já Lula, por sua vez, foi mais comedido em relação a sua participação. Fatores como a agenda internacional, a idade e os planos para a tentativa de reeleição em 2026 fizeram com que o presidente não se empenhasse tanto — e, também, que não tivesse o desgaste de derrotas diretas de aliados.

Em análise sempre arguta de Cláudio Couto[2]: “Nem sempre o eleitorado vota no município com a cabeça na política nacional, nem os pleitos municipais antecipam o resultado da subsequente disputa presidencial […]. Apenas no caso da eleição para a Câmara dos Deputados, a conquista de prefeituras e cadeiras nas Câmaras Municipais importa nacionalmente, pois constrói uma rede de articulação político-eleitoral relevante para candidatos cuja votação (apesar da regra proporcional do pleito) é primordialmente de natureza local, numa distritalização informal. Eleições majoritárias de base territorial ampla — governador, senador e presidente — têm outra dinâmica”. Ele completa, asseverando que “por isso mesmo, em sentido oposto, o patrocínio de grandes padrinhos nacionais tem efeito marginal nas disputas locais”.

Em 2024, Lula decidiu resguardar-se. Não teve fatores positivos a seu favor no resultado e não colheu derrotas. Bolsonaro, por sua vez, inelegível e indiciado pela PF, teve — e terá — que manter sua militância eletrizada seguindo uma narrativa que conjuga ataques às instituições e perseguição política.

A força vem das emendas e da taxa de reeleição

Há muito, no país, discute-se a força das emendas parlamentares, mormente aqueles que saem de Brasília e irrigam o poder político local, mas que não apresentam elementos que permitem sua rastreabilidade.

Desta forma, o volume de emendas parlamentares enviadas aos municípios é um fator importante para explicar o porquê de uma taxa tão alta de reeleição. Em 2020, a taxa de reeleição ficou acima de 60% e, em 2024, acima de 80%. Dados coligidos pelo jornal Folha de S. Paulo[3], tendo como base o primeiro turno, indicaram que os 116 prefeitos que mais receberam recursos de emendas parlamentares durante o mandato foram reeleitos. Ademais, o valor pago pelo governo em emendas saltou de R$ 3,43 bilhões, em 2015, para R$ 35,3 bilhões em 2023.

Destes prefeitos reeleitos, nove em cada dez são de partidos de direita e centro. Neste espectro ideológico, o União Brasil teve 28 prefeitos (24,6% de todos os reeleitos), seguido por PP (15,8%), Republicanos (14,9%), PSD (13,2%) e MDB (10,5%)[4]. As emendas parlamentares, em que pese não serem ilegais, mostram-se muito mais eficazes do que a retórica política.

Prefeitos — do centro e da direita — com a máquina nas mãos, dotados de boas avaliações de seus mandatos, com coligações, candidatos a vereadores nas ruas lutando por votos e, mais importante, turbinados pelos recursos oriundos das emendas parlamentares foram os grandes vencedores em 2024.

A cidade de São Paulo: Pablo Marçal e projeções futuras

Ainda que de forma panorâmica, é importante trazer à tona a disputa na cidade de São Paulo. O prefeito Ricardo Nunes (MDB), apoiado enfaticamente pelo governador Tarcísio de Freitas e timidamente por Bolsonaro; Guilherme Boulos (PSOL), apoiado por Lula; e Pablo Marçal (PRT), candidato antissistema, ficaram, até a véspera do primeiro turno, segundo as pesquisas, em empate triplo. Abaixo destes estavam Tábata Amaral (PSB) e Datena (PSDB).

O noticiário nacional deu destaque à figura de Marçal, com sua retórica de grosserias, fake news, falsas acusações, projetos irrealizáveis e uma capacidade, pouco vista em eleições anteriores, de abalar psicologicamente os demais candidatos e até os experimentados jornalistas e mediadores dos debates. Não bastassem as falas ofensivas em muitos debates, o ponto mais baixo deu-se quando, num acesso de fúria, Datena desferiu contra Marçal, ao vivo em um debate, uma cadeirada.

Marçal demonstrou que Bolsonaro não é dono dos votos bolsonaristas e que sua presença no cenário político traz medo à família Bolsonaro.

Considerações finais

Ao fim e ao cabo, parece que, sim, as eleições contam uma história. Muito em voga nos dias que correm, o termo “narrativa” aqui poderia ser mal interpretado. Então, a realidade política, com seus fatos e dados (quantitativos e qualitativos), fornece uma história eleitoral.

Se, com as eleições de 2018, Jairo Nicolau[5] asseverou que o Brasil dobrou à direita, levando em conta a eleição de Bolsonaro, neste momento podemos dizer que não apenas virou, mas lá estacionou, com a força dos partidos de centro e de direita nas eleições municipais e as enormes dificuldades dos partidos de esquerda ou do campo progressista.

Carlos Alberto Almeida e Tiago Garrido, em sua obra “A mão e a luva: o que elege um presidente”[6], aduzem que, se os eleitores se encontram satisfeitos com o ambiente nacional, o candidato governista será o favorito e a opinião pública ficará com o status quo. Todavia, se o cenário é ruim e prevalece a insatisfação, aquele que representar a mudança tenderá à vitória. O fator mais relevante, segundo os autores, é a percepção de como está o desempenho da economia.

As eleições municipais de 2024 mostram-se com um índice de reeleição dos incumbentes acima de 80%, com prefeitos turbinados pelas emendas parlamentares, com a força política e eleitoral dos partidos de centro e de direita. Haverá a permanência da polarização/calcificação[7]em 2026? Essa será, por certo, outra história eleitoral.


[1].
Os partidos integrantes do Centrão são: Progressistas, Republicanos, Partido Liberal, Partido Trabalhista Brasileiro e Patriota (que se fundiram), Movimento Democrático Brasileiro, União Brasil, Podemos e Partido Social Democrático. (Testa, G. G.; Mesquita, L.; Bolognesi, B. Do fisiologismo ao centro do poder: as reformas eleitorais e o centrão 2.0. Caderno CRH, v. 37, p. 22, 2024).

[2].
Couto, C. Nacionalização não ocorreu, mas ainda pode vir. Folha de S. Paulo, Opinião, Tendências/Debates, p. A4, 28/10/2024.

[3].
Santos, Natalia et al. 98% dos prefeitos mais turbinados com emendas se reelegem. Folha de S. Paulo, 8/10/2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/10/98-dos-prefeitos-mais-turbinados-com-emendas-se-reelegem.shtml. Acesso em: 08/12/2024.

[4].
Santos, Natalia; Lima, Ana Gabriela Oliveira. Direita e centro dominam reeleição de prefeitos turbinados com emendas. Folha de S. Paulo, 11/10/2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/10/direita-e-centro-dominam-reeleicao-de-prefeitos-turbinados-com-emendas.shtml. Acesso em: 08/12/2024.

[5].
Nicolau, J. O Brasil dobrou à direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

[6].
Almeida, A.C.; Garrido, T. A mão e a luva: o que elege um presidente. Rio de Janeiro: Record, 2022.

[7].
Sobre o conceito de calcificação, recomendamos: Nunes, F.; Traumann, T. Biografia do abismo: como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2023.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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