01 janeiro 2011

Em Defesa da Ficha Limpa

Ao longo dos últimos anos, a atividade política acabou sendo vista pela população como uma atividade praticada por pessoas sem nenhum compromisso com os mínimos princípios morais, por “verdadeiros bandidos”, na linguagem popular, única e exclusivamente interessados em assaltar os cofres públicos em proveito próprio, Interesse afirma Grajew. A população dá notas “baixíssimas” de credibilidade às câmaras municipais, assembleias legislativas e ao Congresso Nacional. É um sinal altamente preocupante para o Brasil quando pessoas de bem rejeitam a ideia de entrar na política. Foi esta enorme preocupação que levou tanta gente a apoiar a Lei da Ficha Limpa.

Uma mobilização fantástica da sociedade civil brasileira resultou na promulgação da denominada Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de políticos com antecedentes incompatíveis com o exercício de um cargo público. O projeto de lei foi apresentado na forma de uma proposta de iniciativa popular, apoiada por inúmeras organizações e lideranças sociais e subscrita por aproximadamente 1,5 milhão de cidadãos brasileiros; mais de quatro milhões de pessoas manifestaram seu apoio através da internet. 

Esta iniciativa foi motivada pela indignação de uma parte significativa da sociedade brasileira com a sucessão de escândalos envolvendo integrantes dos Poderes Executivo, Legislativo (e Judiciário) em nível federal, estadual e municipal. Escândalos que há muitos anos permeiam o nosso mundo político e que terminam na sua quase totalidade em pizza, sem que haja nenhuma sinalização por parte dos nossos congressistas de mudar a legislação que permite a entrada e a permanência, na vida pública, de políticos envolvidos em atividades incompatíveis com a postura ética que deveria nortear os representantes eleitos pela população.


Ao longo dos últimos anos, a atividade política acabou sendo vista pela população como uma atividade praticada por pessoas sem nenhum compromisso com os mínimos princípios morais, por “verdadeiros bandidos”, na linguagem popular, única e exclusivamente interessados em assaltar os cofres públicos em proveito próprio. Em todas as pesquisas de percepção da população, os políticos em geral, bem como as câmaras municipais, assembleias legislativas e o Congresso Nacional aparecem com notas baixíssimas de credibilidade. É muito raro encontrar pais de famílias honradas que desejam que seus filhos sigam a carreira política.


Tenho feito palestras em universidades e, quando pergunto se algum dos jovens presentes pretende filiar-se a um partido político e candidatar-se a algum cargo, dificilmente alguém levanta a mão e, pior, uma boa parte da plateia começa a rir como se eu estivesse contando alguma piada. É um sinal altamente preocupante para o Brasil quando pessoas de bem rejeitam a ideia de entrar na política. Foi esta enorme preocupação que levou tanta gente a apoiar a Lei da Ficha Limpa. A Lei da Ficha Limpa impede a candidatura de pessoas acusadas de crimes:


1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;
2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;
3. contra o meio ambiente e a saúde pública;
4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;
5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;
6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
8. de redução à condição análoga à de escravo;
9. contra a vida e a dignidade sexual; e
10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.


O candidato não poderia renunciar ao mandato para fugir da cassação. Para evitar cometer alguma injustiça, o projeto original foi modificado, determinando que por algum destes crimes o candidato deveria ter sido condenado por um órgão judicial colegiado em segunda instância. No mesmo sentido, ao candidato barrado é dado o direito de recorrer e ser julgado por um órgão colegiado da justiça eleitoral com absoluta prioridade, para assegurar uma apreciação rápida do recurso. Alguns juízes e até um ex-juiz do Supremo Tribunal Federal argumentam que a Lei da Ficha Limpa é inconstitucional, uma vez que as pessoas devem ser consideradas inocentes até o julgamento final.


Em primeiro lugar, pergunto qual é a moral destas pessoas em se opor a esta lei, já que são responsáveis pela crença generalizada em nosso país da impunidade de políticos que cometem os mais diversos crimes. Esta crença tem total fundamento. Pelas regras atuais, os políticos têm o foro privilegiado e só podem ser julgados pelo STF. Em mais de 50 anos, apenas um político foi condenado pelo STF e a condenação demorou tanto que os crimes já estavam prescritos! Se o STF tivesse cumprido o seu papel de punir os políticos que cometem crimes, possivelmente não teríamos a necessidade da Lei da Ficha Limpa.


Em segundo lugar, a Lei da Ficha Limpa não condena e não julga as pessoas pelos crimes de que são acusadas. Apenas impede que se candidatem a cargos públicos pela forte suspeita que paira sobre eles. As penas pelos crimes cometidos são muito maiores (prisão e pena pecuniária). É norma impedir pessoas com currículos criminais suspeitos de ocupar empregos nas áreas públicas e privadas (duvido que algum empresário desse emprego a vários políticos, olhando seu currículo criminal), de obter crédito, de viajar e entrar em países, de celebrar contratos. Em todos esses casos, é exigida a certidão de antecedentes criminais. Seria razoável e ético barrar uma pessoa de ser faxineira, professor, médico ou qualquer outra função na administração pública e não exigir o mesmo dos políticos que exercem uma função pública e são pagos pela população brasileira?


Se estas normas fossem inconstitucionais, qualquer pessoa poderia recorrer quando fosse impedida de concorrer a um emprego público ou privado, por estar sendo processada por diversos crimes contra pessoas e/ou o patrimônio público ou privado. Inúmeras pessoas (quase todas pobres, com algumas exceções, como, por exemplo, o goleiro Bruno e seus amigos) estão presas aguardando julgamento pelos fortes indícios que tenham cometido algum tipo de crime. Se valesse a tese de que todos são inocentes até o julgamento final, todos deveriam estar soltos. Aliás, no Brasil dificilmente pes¬soas ricas e poderosas são presas ou ficam muito tempo presas. Para isto acontecer deveria haver um julgamento final, aquele que, segundo a Constituição, a pessoa é julgada definitivamente culpada ou inocente.
Para evitar ou tardar ao máximo este julgamento final (até o momento da prescrição do crime), basta ter dinheiro para pagar bons advogados que conheçam profundamente como utilizar a burocracia e a lentidão da justiça brasileira (aí incluindo o STF, onde tudo desemboca) a favor dos seus clientes. Não é por acaso que a credibilidade do poder judiciário é tão baixa e que a população brasileira não acredita em punições para políticos e pessoas poderosas e ricas. Aliás, a desmoralização dos conselhos de ética do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e das câmaras dos vereadores apenas reforçam a convicção generalizada da impunidade dos nossos políticos. O país onde a população não acredita nos políticos e na justiça é um país com graves riscos à paz social.


Mesmo com a aprovação da Lei da Ficha Limpa, ainda há muito a fazer para moralizar a atividade política. Neste sentido, a Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (Abracci), com o apoio do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), entidades que se mobilizaram para aprovar a Lei da Ficha Limpa, lançaram o site www.fichalimpa.org.br, um instrumento suprapartidário da sociedade civil, que busca estimular o exercício da cidadania e do controle social.


O site apresenta um cadastro voluntário e positivo de candidatos que atendem à Lei da Ficha Limpa e se comprometem com a transparência de sua campanha eleitoral. Dos 77 candidatos cadastrados, elegeram-se os seguintes, para deputado federal: Alessandro Molon e Chico Alencar (RJ); Carlos Sampaio, Junji Abe, Ivan Valente, Vicente Paulo da Silva (SP); José Reguffe (DF); Geraldo Resende (MS); Paulo Ruben (PE) e Vieira da Cunha (RS). Para o Senado, elegeu-se Rodrigo Rollemberg (DF). Esses parlamentares recém-eleitos prestaram contas semanais de suas campanhas e cumpriram todos os requisitos da Lei da Ficha Limpa. Tomara que a atuação deles ajude a mudar a ideia que fazemos de políticos. Eles precisam fazer a diferença também durante o mandato.

É empresário, é presidente do Instituto

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