Evolução do Marxismo e Involução da Democracia
As mudanças políticas recentes nos EUA, na Europa e na América Latina têm colocado em cheque os sistemas representativos e as relações exteriores, forçando algumas revisões para o século 21. Quais fatores influenciarão o diálogo político nesse início de século? Ressalto dois fatores importantes que afetarão a base da nossa discussão política: a evolução do marxismo e a involução da democracia.
Evolução do marxismo: cultural e global
Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, julgava-se que o marxismo e a esquerda radical estavam terminados. Do ponto de vista político europeu isso ocorreu. A esquerda revolucionária se retraiu politicamente em todos países do ocidente. Nos países do Leste Europeu, que protagonizou ditaduras comunistas ferozes, a deterioração foi mais dramática. Alguns países do Leste Europeu chegaram a banir a ideologia marxista e agremiações comunistas no início dos anos 1990, como foi o caso da Ucrânia, Bielorússia, Romênia, Látvia, Lituânia e Moldávia.
Na Europa ocidental, os partidos comunistas não foram banidos, mas a legitimidade de seu pleito pelo poder político caiu por terra e nunca mais voltou. Desde a queda do Muro de Berlim, o marxismo na Europa se limitou à cultura e à educação, sendo que nessas áreas as democracias liberais não criavam restrições ou objeções.
Somente hoje, no entanto, no início do século 21, notamos como a cultura e a educação foram uma plataforma ampla e poderosa para a política. O “marxismo cultural” originário da Escola de Frankfurt nasceu como uma crítica a todos os pilares da civilização ocidental: religião, indivíduo, família, propriedade, constituição, nação-estado, etc. O marxismo cultural é utilizado desde o pós-Segunda Guerra Mundial como braço auxiliar do marxismo político, mas somente com a queda do Muro de Berlim é que ele se torna a ferramenta central.
No marxismo cultural, crianças e jovens são o alvo e os que mais sofrem seus efeitos de maneira mais direta e intensa. Nasce com o intuito de mudar a sociedade pela raiz, propagando uma versão alternativa de valores e narrativas históricas, sociais, políticas e econômicas. Todos os partidos da esquerda se beneficiam do marxismo cultural. Os partidos de esquerda, que promovem o socialismo via incremento gradativo da burocracia, notadamente os propagadores da social-democracia, é que têm sido os maiores beneficiários, exatamente por serem pragmáticos e não revolucionários.
No período seguinte à queda do Muro de Berlim, foi a burocracia, e não a revolução, que se tornou o único caminho viável para implementar o socialismo. Na retórica social-democrata a função da burocracia é atacar as “injustiças sociais” criadas pelas narrativas do marxismo cultural. Dentro da lógica social-democrata, a regulamentação de todos aspectos da vida do ser humano é a maneira certa para reduzir essas diferenças sociais. O método socializante dos sociais-democratas tem sido tributar “excessos”, regulamentar comportamentos e controlar escolhas. Esse processo reforça o controle central.
Mas, essa lógica não se limitou ao controle de um país e de uma sociedade. A lógica do marxismo cultural tem um paralelo que se aplica na esfera internacional.
Na esfera internacional não há poderes efetivos capazes de aplicar leis em todos países. Nunca houve e esperamos que isso nunca se materialize. No entanto, é necessário compreender a existência de forças internas e externas dos países que trabalham para tal objetivo. Segue.
A diversidade de interesses das nações-estados do mundo, cerca de 200 países relevantes, é mais ampla do que a diversidade contida em um só país. Nações têm interesses díspares, pois vivem momentos evolutivos singulares. Muitas dessas diferenças são visíveis. Dessas desigualdades surge toda sorte de teorias para “pacificar” e “homogeneizar” as nações.
Uma dessas teorias foi a “teoria de dependência”, que influenciou países emergentes e do terceiro mundo a adotarem políticas restritivas aos interesses dos países desenvolvidos. O intuito desse conjunto de ideias era mais para limitar a expansão do capitalismo do que para criar mercados internos competitivos nos países emergentes.
Várias outras teorias e pautas globais surgiram e se agregaram a esta desde então. Nos dias de hoje, muitos de nós nos deparamos com algumas desses pautas globais diariamente na mídia, por exemplo: aquecimento global, migração, direitos humanos, pobreza, etc. Pois bem, o que não percebemos é que a solução proposta pelos globalistas para erradicar esses “problemas globais” é similar à solução para erradicar as diferenças sociais de um país propostas pelos sociais-democratas: tributação, burocracia e regulamentação e, é claro, a fortificação de um poder global central capaz de implementar tudo isso.
Quando observamos o contexto global através da lógica marxista da “luta entre classes”, verificamos um universo paralelo fértil para a existência de sua cara-metade global: “luta entre nações”. E sim, vale notar que vários intelectuais marxistas agem no contexto global desde a criação da ONU, no final de 1945.
Similar à forma como o marxismo cultural funciona indiretamente na política, através da mudança cultural e do conteúdo acadêmico, o “marxismo global” das agremiações supranacionais age indiretamente pela influência política. Ou seja, a maioria dessas entidades supranacionais não possui vínculos explícitos com partidos políticos, mas preferem usar ONGs (organizações não governamentais) para criar legislação, sugerir e financiar sua aprovação em parlamentos de diversos países. Não é coincidência que por afinidade ideológica os partidos sociais-democratas são os mais alinhados às demandas dos globalistas nos países do ocidente.
As leis sugeridas por esses partidos afetam mudanças que alinham cada vez mais os países sob um só comando e influência. Em alguns casos essas mudanças abrem o país para a interferência mais direta em questão de politicas públicas de toda espécie. Isso é o que chamam de globalismo ou, pela coerência desse texto, “marxismo global”.
Em resumo, verificamos no início do século 21 como o marxismo político revolucionário deixará de existir como partido e método político efetivo, dando lugar a duas outras ramificações que ganharão cada vez mais força: o marxismo cultural e o marxismo global. Estes agirão indiretamente na política e mais diretamente na sociedade.
Quanto mais os cidadãos se preocupam com políticas nacionais de desigualdade social e com questões globais, maior será o poder central no país e a interferência externa.
A involução da democracia: era da democracia de massa
O segundo fator que cria a base para a dinâmica política no século 21 será o fenômeno da democracia de massa. São sistemas nos quais a população majoritariamente reage como uma horda amorfa aos estímulos de seus líderes políticos. Esse fenômeno é caracterizado pelo distanciamento entre eleitor e eleito, dependência em serviços públicos e baixa participação da comunidade local na resolução de problemas que afetam a comunidade.
Nesse modelo, o eleitor é desmotivado a agir como agente político para a resolução de problemas locais. Sua atenção fica voltada para problemas distantes, nacionais ou até mesmo globais, os quais ele é totalmente incapaz de resolver. O eleitor passa a formar parte de uma massa, ou horda, e fica dependente de representantes eleitos.
O eleito, por sua vez, faz campanha direcionada para essa massa de eleitores inertes. O eleito desenvolve campanhas eleitorais cada vez mais dirigidas por marqueteiros profissionais, utiliza a estrutura da grande mídia e grandes partidos organizados com inúmeros cabos eleitorais e recursos para trabalharem a imagem de seus candidatos.
Na democracia de massa prevalece o discurso de pautas sociais, pautas de classe ou problemas globais, como por exemplo: fim da fome e da pobreza, combate ao aquecimento global, estabelecimento da igualdade de gênero, paz mundial, etc. Todas as suas pautas são genéricas, ideológicas, com o efeito de eliminar a percepção de fronteira de uma comunidade ou nação-estado. Implícita na dialética dessas pautas está a quebra da percepção regional e a imputação da incapacidade de ação da comunidade local ou nação em resolvê-las.
No minuto em que o eleitor passa a crer que pautas de natureza ideológica e de âmbito supracomunitário são mais importantes que pautas que afetam a melhoria de qualidade de vida de sua comunidade local, ele tenderá a eleger candidatos que se propõem a atacar esses “grandes problemas”. Nesse momento, seu poder político fica diminuído, e o poder do político, o representante eleito, aumenta.
Esse mecanismo gera ainda mais centralização de poder e, por isso, passou a ser a característica política nos países com sistemas políticos centralizados. Considerando que o sistema central fará sempre de tudo para se manter como força governante relevante, o mesmo é incapaz de ver o benefício de ter sua força diminuída. Via de regra, se o poder central não mitigar a vida política das comunidades locais, o centro político adquire rivais políticos locais. Mitigando as forças políticas locais o centro adquire dependentes.
Outro aspecto da democracia de massa é o presidencialismo. Poder executivo concentrado em uma só pessoa é mais forte e tende a criar centralização ao longo do tempo. A maioria dos países presidencialistas têm centralizado sistematicamente a tomada de decisões. A função do presidente concentra, por natureza, o lado de representante do Estado e de governador do povo, e por experiência, salvo raras exceções, presidentes se comportam mais como governadores e menos como protetor das instituições.
Na América Latina, presidentes à frente de um poder centralizado têm gerado democracias de massa. Esse é o modelo padrão do qual surgiram as ditaduras no Brasil e nos demais países da região.
Qual seria a alternativa? A real democracia, aquela construída nos municípios, nas comunidades e nos distritos. É o modelo distrital de exercer participação política, que sempre deu legitimidade aos poderes públicos e permitiu à sociedade civil participar mais diretamente. A proximidade entre eleito e eleitor, a transparência, a cobrança e a responsabilidade compartilhada são as chaves para a constante validação e legitimação dos representantes. Somente com o modelo descentralizado, distritalizado, de representatividade política, é que se pode pensar em estabelecer um dia a real democracia. Qualquer outro arranjo leva ao predomínio da democracia de massa.
A realidade progressista: Brasil de 1995 a 2018
A Era Progressista no Brasil nasce com Fernando Henrique Cardoso em 1995 e termina com o fim do governo Temer em dezembro de 2018. O modelo progressista brasileiro seguiu o tom e a batuta dos progressistas ocidentais. O que caracteriza o viés político do progressista? A defesa do marxismo cultural e do marxismo global (globalismo como descrito acima) e a adoção de uma política social-democrata de patrimonialização gradual dos meios de produção, regulamentação de comportamentos e centralização de políticas sociais.
As eleições de 2018 marcarão o fim da hegemonia progressista na representatividade política. Uma nova voz política foi reintroduzida no poder executivo e no Congresso Nacional: a dos conservadores e liberais. Extinta do diálogo político desde o Brasil Império, a sociedade e os políticos se acostumaram a evitar se denominar publicamente como conservadores ou liberais. Não mais, pois nas eleições de 2018 vários políticos foram eleitos exatamente por se posicionarem em uma dessas duas matrizes de pensamento econômico e político.
A partir de 2019, o diálogo político terá que considerar esses aspectos que se tornaram majoritário nas redes sociais e na sociedade civil. Apesar da representatividade política desses segmentos, num primeiro momento, não estar bem organizada, a profundidade e amplitude da onda conservadora e liberal vão forçar instituições públicas, mídia, jornalistas, filósofos, professores, partidos e políticos da oposição a aprenderem a dialogar com esse novo segmento.
O debate e o embate no século 21
Vemos, portanto, que o debate esquerda vs. direita no Brasil, no século 21, será diferente. No lado da esquerda, veremos os partidos adeptos ao marxismo cultural, ao marxismo global sobrepostos num contexto de democracia de massa que sempre alimentou ambos.
A direita que surge carrega consigo os novos discursos dos conservadores e liberais, que são opostos integralmente à realidade progressista existente. Ambos prezam uma economia de mercado como força motriz do desenvolvimento, pouca intervenção de Estado em aspectos sociais e um governo local, não global, descentralizado, e próximo à realidade das famílias e das comunidades. Não há nada na organização política do Brasil de hoje em linha com essa propositura.
O embate é garantido. Eventualmente, a esquerda e a direita acharão o caminho do bom senso, menos ideológico, e reduzirão o debate a duas questões práticas fundamentais:
1-
Qual o dever do Estado e qual o dever da sociedade? A esquerda favorecerá o Estado, enquanto a direita julgará em favor da sociedade.
2-
Caso seja do dever do Estado, qual é a competência (federal, estadual ou municipal) responsável? A esquerda favorecerá o governo federal e a direita os governos municipais.
Seria esperar demais que o debate atinja essa objetividade nesse primeiro momento. A esquerda ainda predomina nas escolas, na mídia, nos partidos políticos, nas autarquias de Estado, no funcionalismo público e até na mentalidade de muitos que se julgam conservadores ou liberais, e, por isso, irá resistir irracionalmente. No entanto, o movimento que elegeu Jair Bolsonaro e vários deputados, senadores, governadores em todo Brasil é real e surge para afetar mudança em todos os aspectos políticos, sociais e econômicos do Brasil.
Para os incomodados com essa nova realidade e para os esperançosos com esse novo movimento cabe a seguinte reflexão: o jogo político é feito de fluxo e refluxo. Considerando que a esquerda progressista é dona da realidade atual, é de se esperar que a entrada dessa nova visão conservadora e liberal se dê por ondas graduais de introdução de políticas de direita.
Essa reflexão frustra quem é de esquerda, pois eles terão que inevitavelmente aprender a conviver com uma realidade crescente de direita, e frustra também quem é de direita, pois terão que ter paciência e perseverança a cada ciclo eleitoral para garantir a criação de uma nova realidade.
Luiz Philippe de Orleans e Bragança é empreendedor, ativista político e deputado federal pelo PSL/SP.
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