05 outubro 2015

Explicando a Previdência

Em 1993, eu era funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, trabalhava com a Venezuela e estava com alguns colegas em uma missão de assessoramento técnico visando à adoção do Imposto Sobre o Valor Adicionado (IVA). Estava com os colegas da missão conversando em um táxi acerca das dificuldades de aprovar algo que, na maioria dos países relevantes do mundo, já existia há décadas, mas esquecemos um pequeno detalhe: o motorista.

Em 1993, eu era funcionário do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, trabalhava com a Venezuela e estava com alguns colegas em uma missão de assessoramento técnico visando à adoção do Imposto Sobre o Valor Adicionado (IVA). Estava com os colegas da missão conversando em um táxi acerca das dificuldades de aprovar algo que, na maioria dos países relevantes do mundo, já existia há décadas, mas esquecemos um pequeno detalhe: o motorista. Ele começou a nos contestar e a reclamar aos berros contra “esses modelos que pretendem nos impingir, que podem dar certo em outros países, mas não aqui”. A conversa acabou mal e tivemos que descer antes do destino. Não tenho a menor dúvida de que tínhamos razão, tecnicamente – a maioria dos venezuelanos, porém, pensava como o motorista. Aprendi humildemente que a idiossincrasia nacional é um elemento chave na hora de definir as políticas públicas.
Lembro sempre essa história ao tratar da Previdência Social no Brasil. Esse nunca é um assunto fácil em nenhum país no mundo, mas em poucos países o “emocionalismo” contamina tanto o debate sobre o tema como no Brasil. O brasileiro médio tem uma incompreensão acerca da questão que se assemelha à que os venezuelanos têm com os impostos. Na maioria dos países, as pessoas sabem que pagar impostos é parte da vida. Na Venezuela, onde a PDVSA (a Petrobras local) sempre foi responsável por mais de 80% dos recursos fiscais do país, aquilo que é aceito normalmente no resto do mundo é simplesmente inconcebível para a maioria dos impostos. “Pagar impostos? Por quê?” Já o Brasil tem regras de aposentadoria e pensões que estão certamente entre as mais generosas do mundo, e há uma enorme dificuldade política de aprovar coisas que, em outros países, são inteiramente corriqueiras, como uma idade mínima razoável para as pessoas se aposentarem. “Não se mexe em direitos, nem que a vaca tussa”, dizem muitos políticos – e políticas.
Apesar disso, quase 25 anos de debates sobre o tema me ensinaram uma coisa: há poucas coisas tão fortes como a força de um bom argumento. O melhor elogio profissional que recebi na vida foi dito por um sindicalista da CUT, que depois de ouvir minha apresentação no Fórum da Previdência, organizado por Lula em 2007, pediu a palavra e, depois de prestar reverência à tradicional necessidade de estabelecer o confronto – suas primeiras palavras foram: “Estou impressionado com a crueldade do professor Giambiagi”, frisando a palavra “crueldade” –, reconheceu com franqueza que “o que me deixou mais preocupado foi que ele foi convincente”, o que me deixou o consolo de suspeitar que talvez eu não tenha sido tão cruel…
Este artigo se destina a explicar as razões da necessidade de mudar o contrato social que rege as regras de aposentadoria e de concessão de pensões. Certa vez, conversando com outro sindicalista, ele me acusou, dizendo que eu não tinha entendido que “a Previdência é um pacto social”. Minha resposta foi que ele estava completamente enganado, porque eu reconhecia e sabia que isso é verdade, mas que, como qualquer pacto, está sujeito a uma revisão. É esta a questão: precisamos repactuar as regras.
O texto está dividido em três seções, depois desta pequena introdução. Na primeira, faz-se um breve diagnóstico da situação da Previdência Social brasileira. Na segunda, definem-se as premissas e a estratégia de uma reforma. Por fim, são apresentadas as propostas.1
Diagnóstico
Um sistema previdenciário de um país pode ser considerado “bom” se ele atender, simultânea e principalmente, a três requisitos:
i)
respeitar certas noções de justiça em função da relação existente entre o valor das contribuições feitas pelo indivíduo na sua fase ativa e o valor da sua aposentadoria;
ii)
permitir aos indivíduos que chegam à terceira idade ter uma vida digna após sair da vida ativa, o que inclui ter um componente assistencial que possibilite, mediante algum sistema de subsídio cruzado, o apoio àqueles que ao longo da vida não tiverem alcançado as condições de elegibilidade necessárias para a aposentadoria; e
iii)
ser consistente com o equilíbrio e a sustentabilidade fiscal.
O sistema previdenciário brasileiro, de um modo geral, ressalvadas por um lado certas situações específicas de privilégio que não há espaço aqui para desenvolver e, por outro, situações também específicas como a daqueles que no passado foram prejudicados por terem feito aportes para o sistema por um teto que foi posteriormente rebaixado, atende razoavelmente ao primeiro requisito.
Ao mesmo tempo, os diversos estudos comparativos sugerem que em termos internacionais o sistema também pode ser aprovado no que tange ao segundo item, uma vez que temos um índice de cobertura previdenciária bastante elevado para a população idosa e um piso previdenciário que aumentou mais de 150%, em termos reais, nos últimos 20 anos.
Onde o sistema falha clamorosamente é na sua aderência às boas práticas fiscais. Nossa Previdência Social, além de profundamente desequilibrada, aponta para um cenário de projeções que poderá comprometer mais ainda a saúde das contas públicas, no limite colocando em risco, no longo prazo, a própria solvência da dívida pública. É importante, portanto, resolver os desafios que se colocam, para que o Brasil não venha um dia a enfrentar o tipo de problemas que a protelação sistemática das soluções teve em outros países, com destaque para o caso dramático da Grécia, onde as aposentadorias chegaram a ser diminuídas para o país não ficar insolvente.
O Brasil gasta aproximadamente 7,5% do PIB com despesas do INSS, além de quase 2% do PIB com benefícios pagos aos servidores inativos da administração pública federal e outro tanto nos níveis subnacionais. Em consequência, o país gasta entre 11% e 12% do seu PIB com benefícios previdenciários, o que nos coloca no mesmo patamar que a Alemanha, com a diferença de que lá a razão de dependência demográfica – ou seja, a relação entre o número de idosos e a população ativa – é simplesmente de mais de três vezes o coeficiente brasileiro. Sempre que exponho tal fato em uma apresentação, costumo destacar para a plateia que “há algo errado nisso – e não é o gráfico”. São as regras de concessão de benefícios.
Se adotarmos para 2015 a hipótese de uma queda do PIB de 2,5% e para os benefícios previdenciários a premissa de que eles tenham uma expansão igual à de 2014, nos 35 anos entre 1980 e o ano em curso teremos tido, nesse período, uma expansão média da economia de 2,4% a.a. e um crescimento médio do número de benefícios previdenciários ativos do INSS de 4,3% a.a. Nesse contexto, especificamente entre 1988 – ano importante para o país, no qual foi sancionada a, na época, “Nova Constituição”, com impacto importante sobre a despesa previdenciária – e 2015, a despesa do INSS terá passado dos 2,5% do PIB observados naquele ano, aos aproximadamente 7,5% atuais.
Houve três fatores que explicam esse crescimento relativo do gasto do INSS. O primeiro foi o baixo crescimento da economia, ou seja, o que os economistas chamamos de “efeito denominador”: se o PIB tivesse exibido um dinamismo maior, teríamos por definição um denominador maior e provavelmente a relação entre o INSS e o PIB não teria aumentado tanto. O segundo fator foi o aumento real do salário mínimo, que corresponde ao piso previdenciário e cujo valor, deflacionado pela inflação oficial, teve um incremento real de quase 160% desde 1994, quando a economia se estabilizou com o Plano Real, impactando 2 de cada 3 benefícios e atualmente mais de 40% da folha do INSS. O terceiro fator foi a generosidade de regras da Previdência, objeto justamente deste artigo.
Para ter uma dimensão do que isso significa, tome-se o caso das mulheres. Na modalidade por tempo de contribuição, elas se aposentam, em média, à inacreditável idade de 52 anos, quando estatisticamente a esperança de sobrevida a essa idade vai até os 82 anos. Ora, não é preciso ser especialista em ciências atuariais para perceber que uma contribuição de 31% do salário – 11% do empregado e 20% do empregador – durante 30 anos não pode ser suficiente para “bancar” a aposentadoria por outros 30. O detalhe relevante é que o estoque de aposentadorias femininas por tempo de contribuição era de pouco menos de 310 mil mulheres em 1994 e deve alcançar quase 1,65 milhão em 2015 – um crescimento médio físico de estonteantes 8,3% a.a. durante 21 anos. É por esse tipo de coisas que eu tenho dito que o Brasil passa por uma espécie de tragédia grega em slow motion. Se continuarmos sem mudar, ainda chegaremos à situação da Grécia.
Antes de continuar, um pequeno esclarecimento: as alegações de que, “ao contrário do que se diz, a Previdência não é deficitária, e sim superavitária” devem ser consideradas com o mesmo grau de seriedade que se destina àquelas pessoas que dizem que Elvis Presley não morreu. Trata-se de uma afirmação que nenhum ator relevante e considerado sério do debate econômico sequer leva em conta. Para entender as razões, basta dizer que o déficit público é de mais de 8% do PIB e que o número de pessoas de 65 anos ou mais no Brasil, entre 2015 e 2050, pelas projeções do IBGE, crescerá a uma média de 3,4% a.a., enquanto que a população entre 15 e 64 anos permanecerá a mesma, basicamente. Se na conta do INSS a receita computar o item B além do item A, na hora de consolidar INSS e Tesouro, o déficit será o mesmo: 8%. Quem faz afirmação como a citada simplesmente não entendeu que o que estamos discutindo é um problema físico e não um problema contábil: haverá cada vez mais idosos a sustentar. Ou o Brasil se prepara para essa situação, fazendo com que as pessoas prolonguem o período de permanência no mercado de trabalho, ou o Estado brasileiro caminhará para uma situação de insolvência.
Premissas e estratégia
Qualquer proposta que vier a ser feita no campo previdenciário tem que considerar um conjunto de premissas. As mais importantes entre elas são listadas a seguir:
i)
a fragmentação partidária continuará sendo muito grande, o que significa que uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) terá que ser exaustivamente negociada com um conjunto grande de partidos para que ela tenha chances de ser aprovada no Congresso Nacional;
ii)
isto posto, as mudanças a serem propostas deveriam ser apresentadas como uma política de Estado – e não de Governo – e, portanto, idealmente, não deveriam ser encaradas como parte do conflito entre Governo e oposição próprio de qualquer democracia, ou seja, preferencialmente, as mudanças deveriam ser parte de um amplo acordo político;
iii)
a Previdência Social envolve desafios de longo prazo, portanto não está sujeita ao tipo de urgências fiscais que envolvem as discussões conjunturais de curto prazo, podendo demandar mais tempo de ajustamento que outras medidas fiscais convencionais; e
iv)
para que uma proposta de reforma previdenciária tenha chances de ser aceita, ela deveria envolver cinco requisitos por parte das autoridades, quais sejam: um diagnóstico que permita definir claramente por que a reforma está sendo proposta e aonde se pretende chegar; uma firme convicção das autoridades de que a reforma é necessária, essencial para o convencimento da população; a energia e dispêndio de capital político para que questões controversas possam ser encaradas de frente; uma enorme capacidade de persuasão para explicar exaustivamente as propostas para a população; e o indispensável poder de articulação para que medidas nada simples possam transitar pelo Congresso sem serem obstruídas ou completamente paralisadas.
A estratégia para enfrentar com êxito esse desafio deveria contemplar os seguintes pilares:
• Carência – Situações limítrofes com a aposentadoria podem envolver sérios problemas em caso de mudança de regras. Quem está trabalhando há apenas 10 anos pode não se importar muito em dilatar a sua permanência no mercado de trabalho em relação às regras originalmente vigentes, mas quem está prestes a se aposentar se sentirá praticamente ultrajado se houver uma mudança de regras na iminência desse ato. Independentemente de outras considerações acerca da justiça disso, uma regra elementar de prudência política recomenda que qualquer mudança de regras mais drástica – como, por exemplo, a adoção de uma idade mínima – passe por certa carência de, por exemplo, três anos, ao longo dos quais as regras de aposentadoria seriam mantidas.
• Transição – A base do sucesso das experiências de reforma bem sucedidas consistiu em tratar desigualmente os casos desiguais. Podemos dividir a sociedade em três grandes grupos: o de aposentados e pensionistas não será afetado pela reforma, por ter direitos adquiridos, que são sagrados; o de crianças, adolescentes e jovens não é um fator relevante de pressão, porque na primeira etapa da vida, obviamente, ninguém pensa nessas questões. Todo o segredo do tema consiste em saber como lidar com o grupo do meio, ou seja, dos adultos ativos que já formam parte do mercado de trabalho. E, nesse sentido, não se pode dar o mesmo tratamento a um jovem que começou a trabalhar há um mês que a um senhor de 58 anos com 34 anos e 10 meses de contribuição que esteja a 60 dias de se aposentar por tempo de contribuição. Entre esses dois casos extremos, deve haver uma regra de transição que contemple a diversidade de situações intermediárias.
• Conceituação – Propostas de reforma da Previdência fracassam muitas vezes por serem vistas pela população como manifestações de “maldade” e serem encaradas como algo “contra” os aposentados. Se isso ocorrer, as chances de fracasso são grandes. A abordagem deve ser exatamente a oposta. A reforma deve ser encarada como uma forma de garantir o pagamento das aposentadorias e pensões no longo prazo, que ficariam comprometidas se não houver uma modificação das regras na fase de transição.
• Modelo – É importante destacar que não haverá qualquer privatização da Previdência. O modelo continuará a ser o mesmo, de repartição, pelo qual a geração ativa financia as aposentadorias de quem está na inativa e não haverá um sistema de capitalização universal “a la” modelo vigente no Chile, por exemplo. O que acontecerá é que os parâmetros que configuram o conjunto de regras que normatizam o funcionamento do sistema terá que ser adaptado à realidade fiscal e demográfica do país. Ou seja, haverá uma reforma paramétrica, e não a adoção de um novo modelo de Previdência.
• Didática – As autoridades devem ser extremamente pacientes e persuasivas ao tratar do tema. Será essencial mostrar o agravamento do problema, exibir todos os números relevantes sobre o tema e comparar as regras vigentes no Brasil com as que se observam nos demais países. A paciência, a boa educação, a calma e a capacidade explicativa das principais autoridades responsáveis por defender as propostas serão elementos- chave para que estas possam ser aceitas pela população e tenham trânsito no Parlamento.
• Propaganda – Uma reforma previdenciária relevante terá, provavelmente, que se basear numa massiva campanha institucional, com apoio de personalidades relevantes do país. Uma pessoa como, por exemplo, o dr. Dráuzio Varela, rosto conhecido de todos os telespectadores e figura com uma imagem pública exemplar, além de ser integrante da chamada “terceira idade”, seria o tipo de defensor ideal, em propagandas institucionais, de uma proposta do gênero, para convencer uma população cuja primeira reação, em geral, sobre o tema, tende a ser negativa.
Vejamos agora quais deveriam ser os ingredientes fundamentais de uma proposta de reforma.
Propostas
Antes de entrar no detalhe das propostas aqui listadas, é importante complementar o que foi dito na seção anterior enfatizando três características do conjunto de proposições. A primeira é que elas se baseiam na noção de que um sistema justo deveria ter condicionalidades cruzadas, ou seja, da mesma forma que o indivíduo que se aposenta por idade deve respeitar certo número mínimo de anos de contribuição, a condicionalidade oposta deveria valer para quem se aposenta por tempo de contribuição, respeitando então uma certa idade mínima.
A segunda característica é o gradualismo, que tem como base a noção de transição entre regimes. No regime atual, há um conjunto de regras e no regime futuro, aplicado a quem ingressa no mercado de trabalho a partir da reforma, haverá outras. Entre o regime atual e a plena vigência do novo, é preciso estabelecer regras de transição, que tenham como princípio balizador o critério de ajustar suavemente as exigências da legislação.
A terceira característica das propostas aqui sintetizadas é a hierarquia. Faz-se um listado de propostas, mas sabendo das limitações políticas de qualquer Governo, há propostas que serão mais relevantes do que outras, razão pela qual será feito certo ordenamento de prioridades.
Isto posto, passaremos a listar as propostas:
i)
Regra para os novos entrantes. Aumento severo das exigências requeridas, com elevação da idade de aposentadoria dos atuais 65 para 68 anos para os homens e dos atuais 60 para 67 anos para as mulheres, com elevação complementar do requisito de anos de contribuição para quem se aposenta por essa modalidade, dos atuais 35 para 40 anos de contribuição para os homens e dos atuais 30 para 39 anos para as mulheres, além de elevar o número mínimo de anos de contribuição de quem se aposenta por idade, dos atuais 15 para 35 anos para ambos os gêneros e de estabelecer uma idade mínima de 65 anos para quem se aposenta por tempo de contribuição, no caso dos homens.
ii)
Regra de transição para a aposentadoria por idade de quem está na ativa. Elevação da exigência de idade para aposentadoria, dos atuais 65 anos para 66 anos em 2020 e 67 anos em 2025 para os homens, com ajuste da exigência para as mulheres conforme a proposta de redução da diferença entre gêneros, a ser explicada pouco depois.
iii)
Regra de transição para a aposentadoria por tempo de contribuição de quem está na ativa. Elevação da exigência de tempo contributivo, dos atuais 35 anos para até 39 anos no caso dos homens, com ajuste da exigência para as mulheres conforme a proposta de redução da diferença entre gêneros, a ser explicada pouco depois, e regra de transição conforme a qual a exigência adicional em relação à regra atual seja inversamente proporcional ao período de tempo contributivo transcorrido em relação à regra presente de 35 anos.2
iv)
Regra de transição para o requisito contributivo de número de anos necessários para se aposentar por idade para quem está na ativa. Elevação da exigência dos atuais 15 anos de contribuição, na proporção de mais 6 meses por ano, ao longo de uma transição de 30 anos, completando a transição quando a exigência contributiva mínima for de 30 anos.
v)
Regra de transição para adoção de idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição para quem está na ativa. Adoção de idade mínima para quem se aposenta por tempo de contribuição, hoje inexistente, sendo de 60 anos para os homens, com elevação gradual de 1 ano a cada 5 anos até 63 anos para os homens.
vi)
Regra de transição para a diferença entre gêneros para quem está na ativa. Redução gradual da diferença entre homens e mulheres, dos atuais 5 anos para 2 anos no final de um longo período de transição, a ser negociado politicamente.
vii)
Mudança da regra de concessão de futuras pensões. Respeitado o direito adquirido dos indivíduos já pensionistas – a maioria dos quais, do gênero feminino – redução das futuras pensões, dos 100% do benefício original da legislação atual, para 50% + 25% por filho menor até o limite de dois filhos.
viii)
Desvinculação do salário mínimo em relação ao piso previdenciário e ao piso assistencial. Neste caso específico, porém, para facilitar a transição, pode-se deixar esta regra para ser aprovada na próxima década, mitigando os efeitos fiscais do salário mínimo mediante a concessão de aumentos reais de 0,5% a.a. ao salário mínimo ainda por um período de 4 ou 5 anos, o que politicamente implicaria a vantagem disto poder ser aprovado apenas através de alteração da legislação ordinária, sem necessidade de alterar a Constituição.
As propostas de (i) a (vi) podem ser sintetizadas no Quadro 1 exposto na página seguinte.
Além dessas medidas, que deveriam ser parte integrante do “cardápio” de propostas a serem implementadas ao longo dos anos que sucederem à adoção de uma reforma, há duas outras regras específicas que seria conveniente mudar em algum momento futuro. São elas:
• a extinção gradual do benefício específico para os empregados do meio rural, que contam com uma redução de 5 anos para a aposentadoria por idade e que poderia ser imediata para os novos entrantes, sendo de 1 ano a cada 5 anos para os atuais participantes do mercado de trabalho, completando a transição quando a diferença caísse para 1 ano; e
• adoção do mesmo princípio de extinção gradual do benefício específico dos professores do ensino fundamental e médio, que também contam com uma redução de 5 anos para a aposentadoria por idade e que poderia ser imediata para os novos entrantes, sendo de 1 ano a cada 5 anos para os atuais participantes do mercado de trabalho, completando a transição quando a diferença caísse para 1 ano.
Evidentemente, trata-se de um conjunto de regras, devidamente fundamentadas, que como é da índole de um processo de negociação em qualquer democracia, poderá sofrer alterações no processo de tramitação legislativa. A maior ou menor aderência da proposta finalmente aprovada a estes parâmetros aqui defendidos dependerá da força política do Governo que propuser essa agenda de reformas. O importante é que a sociedade compreenda as razões das mudanças propostas, bem como os riscos de mitigar esses ajustes e/ou de protelar o enfrentamento dos problemas.
(GRAFICO)
No final da década de 1930, Winston Churchill, em oposição a Chamberlain, então primeiro-ministro do Reino Unido, criticando duramente a posição que ele jugava tímida diante da ameaça nazista, antes da Segunda Guerra Mundial, manifestou-se numa passagem célebre da sua vida, com palavras que ficaram para a posteridade, quando disse que “França e Inglaterra tiveram a oportunidade de escolher entre a indignidade e a guerra. Escolheram a indignidade. Terão a guerra”. No Brasil de 2015, em circunstâncias felizmente pacíficas e lidando com outro tipo de problemas, mas também tendo pela frente uma séria ameaça que muitas pessoas não estão dimensionando adequadamente, parodiando Churchill, poderíamos dizer, se propostas na linha aqui defendida não forem adotadas nos próximos anos, que “o Brasil teve a oportunidade de escolher entre a preservação do status quo das regras de aposentadoria ou a reforma. Escolheu preservar o status quo. Terá que reduzir as aposentadorias”. Se, em nome da onipresente oposição à suposta “perda de direitos”, nada mudar no campo previdenciário, chegará o dia em que, no futuro, estaremos como a Grécia de 2015. E, nessas circunstâncias, em outras experiências históricas no resto do mundo, o default social por vezes acabou sendo imposto pelos acontecimentos. Esperemos que o Brasil nunca chegue a essa situação. Para isso, porém, será preciso ter uma maior dose de sabedoria de nossas lideranças políticas. Esse é talvez o principal desafio do país, no longo prazo.


1
Não vou, em um artigo com as características deste, relativamente curto, cansar o leitor com uma lista grande das mais diversas referências bibliográficas sobre o tema. Quem tiver interesse poderá se aprofundar sobre as questões aqui tratadas, lendo a coletânea de Tafner et alii (2015), que condensa de certa forma o que há de melhor produzido recentemente sobre o debate previdenciário.
2
Dessa forma, jovens que tiverem ingressado há relativamente pouco tempo no mercado de trabalho teriam que contribuir quase 39 anos, ao passo que aqueles que estiverem próximos da aposentadoria teriam que trabalhar apenas alguns meses além dos 35 anos da exigência atual.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Taf
ner, Paulo; Botelho, Carolina e Erbisti, Rafael; “Reforma da Previdência – A visita da velha senhora”; Editora Gestão Pública, 2015.


É funcionário de carreira do BNDES, ex-membro do staff do BID, colunista regular do jornal O Globo e autor ou coorganizador de mais de 25 livros sobre economia brasileira.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter