11 julho 2019

Ganhos de Produtividade com Abertura Comercial

Os últimos meses do governo Temer foram marcados pelo início dos debates sobre abertura comercial no Brasil. A forte desaceleração da economia e o encolhimento da produtividade nacional trouxeram argumentos de que a elevada proteção comercial, em especial nos Bens de Capital (BK) e Bens de Informática e Telecomunicação (BIT), estava conduzindo o país a esta situação.

Introdução
Os últimos meses do governo Temer foram marcados pelo início dos debates sobre abertura comercial no Brasil. A forte desaceleração da economia e o encolhimento da produtividade nacional trouxeram argumentos de que a elevada proteção comercial, em especial nos Bens de Capital (BK) e Bens de Informática e Telecomunicação (BIT), estava conduzindo o país a esta situação.
De fato, na literatura sobre o tema abertura comercial, que é extensa, há um forte debate sobre os impactos do livre comércio na produtividade econômica de um país. No entanto, as evidências identificadas ainda são inconclusivas, ou seja, não se observaram isoladamente elos entre políticas comerciais adotadas e produtividade.
Por outro lado, ainda que a maior abertura comercial não traga os ganhos de produtividade almejados, se o Brasil deseja tornar-se membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e ele já tem se posicionado firmemente favorável a isso, algumas correções são necessárias para a sua adequação aos critérios estabelecidos, dentre eles, a diminuição de barreiras comerciais.
Neste cenário, o que se propõe neste artigo é trazer ao debate o entendimento do setor produtivo sobre os fatores que levariam o país aos ganhos de produtividade necessários ao crescimento sustentado da economia e como que uma agenda de abertura comercial poderia contribuir para este objetivo.
Para tanto, o artigo foi estruturado em cinco seções além desta introdução e da conclusão. A primeira apresentará o setor de Bens de Capital (BK) brasileiro, sua estrutura, tamanho e sua importância na difusão de tecnologia, inovação e ganhos de produtividade dos setores econômicos. A segunda destacará alguns fatores de produtividade, a terceira trará informações sobre o Brasil no cenário internacional, a quarta colocará em debate os princípios de um modelo de abertura comercial e a última apresentará uma proposta de agenda de competitividade.
A indústria de bens de capital
A indústria de bens de capital está presente em todas as cadeias produtivas da economia e se destaca pelo seu importante papel estratégico tanto do ponto de vista da geração quanto da difusão de progresso tecnológico e inovação.
Mudanças nos últimos anos fizeram com que todos os bens de capital passassem a incorporar novas tecnologias, o que tornou o setor ainda mais intensivo em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e principalmente em mão de obra qualificada, o que se reflete no seu elevado nível salarial médio quando comparado com os demais setores da economia brasileira. No Brasil, o salário médio da indústria de bens de capital é 86% superior àquele pago em média no país e 37% superior aos pagos nos demais setores da indústria de transformação.
Segundo dados da United Nations Development Organization (Unido), os cinco maiores produtores de BK no mundo são China, Japão, Estados Unidos, Alemanha e Itália. O setor de BK nacional, no início do processo de industrialização do Brasil, galgou posições de destaque no cenário internacional. Mas, após período recente de contratação dos investimentos, caiu algumas posições; hoje, apesar do seu forte encolhimento, ainda ocupa a 10ª posição no mundo e a segunda posição como maior produtor de BK entre os países emergentes.
Segundo o Sistema de Contas Nacionais (SCN) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os bens de capital representam 33% da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), ou investimentos do país, o equivalente a 5% do Produto Interno Bruto (PIB).
Os dados da última Pesquisa Industrial Anual (PIA) divulgada pelo IBGE em 2016, permite um detalhamento maior da dimensão deste segmento e dos seus impactos na economia brasileira. Segundo este estudo, a indústria de BK, excluindo veículos automotores, conta com mais de 51 mil empresas, quase 30% dos estabelecimentos da indústria nacional, e está distribuída predominantemente nas regiões Sul e Sudeste.
Com altíssimo valor adicionado na sua produção, este setor contribui ainda com valores consideráveis de tributos e gera milhões de empregos diretos e indiretos. As receitas líquidas de vendas destas empresas somaram R$ 606 bilhões em 2016 – 22% da receita da indústria. O grau de ocupação registrado foi de 1,8 milhão de pessoas – 24% do pessoal ocupado da indústria geral. Deste montante de trabalhadores do setor, 75% são assalariados ligados à produção, cuja remuneração (salários e outros ganhos) somou R$ 50,6 bilhões.
Em 2016, no gasto de pessoal da indústria de bens de capital constou a contribuição de R$ 13,4 bilhões para a previdência social e R$ 1,1 bilhão para a previdência privada, o que representa, respectivamente, 27% e 21% da contribuição previdenciária da indústria nacional.
O setor também é grande consumidor de insumos, componentes e matérias-primas. É o segundo maior consumidor de aço do país. Consome 24% do valor demandado de matérias-primas, materiais auxiliares e componentes da indústria total. Além disso, responde por 23% da compra de energia elétrica e combustíveis, bem como consome 27% de peças, acessórios e pequenas ferramentas. Isto é, máquinas e equipamentos corroboram fortemente na atividade econômica dos demais segmentos e insumos da economia brasileira.
Atualmente, a economia mundial está diante de um novo processo evolutivo, que promete modificar, mais uma vez, a forma de atender às demandas, com maior produtividade, eficiência, poder de customização e melhoria de processos, conhecido como a 4ª revolução industrial.
O que está por trás desta revolução é a transformação das atuais estruturas produtivas em “fábricas inteligentes” capazes de utilizar a tecnologia a seu favor. Neste processo, a característica da indústria de bens de capital como difusora de tecnologia será ainda mais reforçada.
Os bens de capital são os portadores desse futuro. Como máquinas que se comunicam, integradas e conectadas entre si, com sofisticados softwares e sensores, difundirão as tecnologias da manufatura avançada para os demais setores industriais. A atividade agrícola é um exemplo prático do quão fundamental é o setor de bens de capital neste processo de desenvolvimento, hoje este segmento é padrão internacional em ganhos de produtividade em função dos seus investimentos em tecnologias.
Fica claro que a capacidade de integrar tecnologias das empresas que constituem a sua cadeia faz com que o setor de BK contribua não apenas para uma indústria de bens de capital sofisticada e complexa, mas também estimule o desenvolvimento de bens e serviços de qualidade. Essa característica corrobora para que a cadeia como um todo ganhe importância e busque seu próprio caminho dentro dessa nova fase do processo industrial.
Todavia, o aprimoramento dos produtos e processos de forma eficiente só é possível por meio de uma relação próxima entre os fabricantes de bens de capital e sua rede de fornecedores, pois, poucas vezes, soluções importadas se adequam perfeitamente ao modelo industrial brasileiro. A ausência de fornecedores disponíveis e contíguos ao processo industrial põe em risco o estabelecimento de uma indústria moderna.
A proximidade com a rede de clientes também é de suma importância, como bem ressaltou a consultoria Roland Berger (2019) recentemente, pois permite a assimilação das necessidades das indústrias-clientes e a tradução dessas demandas em produtos específicos, direcionados e de alta performance.
Fatores de produtividade
A discussão atual em torno dos níveis de produtividade da indústria brasileira tem sido construída sobre uma base de premissas econômicas clássicas, dentre elas: a existência de condições isonômicas de competição entre os agentes econômicos, a exploração das vantagens comparativas como motor da eficiência econômica e o efeito positivo gerado pela presença de uma competição efetiva nos mercados para o bem-estar de uma sociedade.
Ainda que nada possa ser dito sobre a solidez de tais premissas dentro dos seus respectivos arcabouços teóricos, a relação de causalidade proposta por aqueles que defendem a abertura unilateral do mercado brasileiro como forma de aumentar a produtividade por meio da especialização de nossa economia em setores detentores de maiores vantagens comparativas precisa ter suas premissas avaliadas frente às condições encontradas no ambiente econômico brasileiro real.
O conceito de vantagens comparativas em sua criação já contempla a distinção entre vantagens comparativas naturais e aquelas criadas pela ação do homem por meio de suas construções sociais, legais e físicas (infraestrutura). Esta dicotomia é essencial para entender a transformação que vem redefinindo o cenário econômico nos últimos 30 anos.
Como demonstrado empiricamente, o reposicionamento destes países dentro das cadeias globais de valor só foi possível por meio da melhora gradual do seu nível de vantagem comparativa de natureza social, jurídica e física. Casos bem-sucedidos de países que optaram por realizar uma especialização intensa de sua matriz econômica sobre suas vantagens comparativas naturais são raros e aqueles existentes encontram-se sob permanente risco das flutuações mundiais do preço de produtos comoditizados, não sendo possível encontrar entre as grandes economias mundiais qualquer uma que tenha optado por assegurar seu futuro em suas vantagens de ordem natural somente. O que se verifica no mundo real é uma contínua busca para a manutenção e incremento das vantagens comparativas relacionadas ao desenvolvimento de produtos e serviços de maior valor agregado, com investimentos massivos em educação, pesquisa e infraestrutura produtiva, além, claro, da melhoria da eficiência regulatória e tributária.
O pensamento de que a concorrência entre os agentes produz bem-estar social por sua vez está enraizada na crença de que as melhores práticas e ideias sempre prevalecerão. Tal pensamento não deve ser tomado de modo ingênuo como uma regra de ouro. Na economia real ele deve ser ponderado por uma série de restrições presentes na tomada de decisão dos agentes econômicos, na qual se destacam a restrição de acesso ao capital e o seu custo no mercado financeiro. O processo de decisão de compra não se dá num vácuo. Ele é contaminado por uma série de elementos alheios ao controle do produtor de um bem. Ninguém em sã consciência acusaria um boxeador que perdeu um confronto após lutar com as mãos amarradas contra um oponente desimpedido. O resultado deste tipo de competição desigual não diz absolutamente nada sobre a eficiência ou produtividade dos agentes envolvidos e comumente se desenvolve em um ambiente de competição rarefeita oligopolista.
A ausência de condições isonômicas de competição responsáveis por corromper o papel salutar da competição capitalista no ambiente econômico brasileiro é tão notória que recebeu a alcunha de “custo Brasil”. As principais facetas desta estrutura perversa serão analisadas em detalhe na seção 4.
O Brasil no cenário internacional
Apesar de o Brasil figurar entre as dez principais economias do mundo, a sua participação no comércio internacional é modesta, com apenas 1,23% de representatividade nas exportações mundiais, segundo dados de 2017 da Organização Mundial de Comércio (OMC). No ranking mundial de comércio, o País ocupa a 26ª e 29ª posições, respectivamente, entre os maiores exportadores e importadores.
Os países desenvolvidos e emergentes tiveram um crescimento importante em sua participação no comércio mundial, segundo dados da OMC. De 1995 a 2017, essas economias aumentaram a sua participação de 27,6% para 47,8%, no entanto, esse ganho ficou concentrado em países asiáticos, restando às Américas Central e do Sul o crescimento de 0,4 p.p. Quando avaliamos a participação das economias no comércio de bens manufaturados, a China é o grande destaque, com um crescimento de 3,4% para 17,5%, enquanto o Brasil tem uma participação em 2017 de 0,6%.
Algumas das hipóteses da baixa participação brasileira no comércio global são atribuídas a: i) um reduzido número de acordos comerciais firmados pelo Brasil nos últimos anos, alguns, inclusive, com pouca expressividade de ganhos comerciais devido aos parceiros selecionados ou pela composição da oferta dos bens negociados e ii) uma estratégia canalizada por governos anteriores nas negociações de âmbito multilateral, que, sem entrar no debate se estava correta ou não, poderia, sim, resultar ao Brasil acesso aos mercados agrícolas de players importantes da economia internacional, como, por exemplo, os Estados Unidos e a União Europeia.
No entanto, quando observamos o crescimento de participação no comércio internacional do Sudeste asiático no setor de manufaturados fica evidente a importância da melhoria contínua do ambiente de negócios nacional: o combate a uma estrutura tributária corrosiva, o desenvolvimento de uma política agressiva de financiamentos e garantias seguro de crédito às exportações, a perseguição de níveis mundiais de eficiência logística-burocrática em suas alfândegas e portos. Esta é uma agenda que o Estado brasileiro permanece temeroso de atacar de forma determinada e contínua até sua realização. É trabalho? Certamente. Mas, caso o Brasil queira dar um salto quantitativo e qualitativo em sua participação no comércio exterior, é uma agenda que não pode ser mais uma vez colocada de lado em detrimento de “atalhos” ou panaceias.
Em uma breve avaliação de alguns rankings, é possível chegar à conclusão de que não se trata de uma pauta sem fundamentação por parte do setor produtivo brasileiro. O ambiente de negócios brasileiro é hostil ao capital produtivo. Recentemente, o International Institute Management Development (IMD) de 2019 divulgou seu ranking global de competitividade e divulgou que o Brasil está na 59ª posição em uma lista de 63 países. Segundo o IMD, o país é uma das economias mais caras para as empresas tomarem empréstimo para realizarem os seus investimentos.
Nos últimos anos, houve uma redução da taxa básica de juros, a Selic, que hoje está em 6,5% a.a. Contudo, esta queda foi pouco sentida pelo tomador de crédito final. Em setores intensivos em capital de giro, como é o caso da indústria de BK, essa anomalia impacta diretamente em sua competitividade. Dados divulgados pelo Banco Central do Brasil revelam que os juros médios reais para recursos livres praticados no país atingiram, em média, cerca de 15 pontos percentuais acima daqueles praticados nos Estados Unidos em 2018. O Brasil tem as maiores taxas de juros do mundo.
No Relatório de Competitividade Global 2018, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, a posição da economia brasileira era a 72ª colocação, ficando atrás de países como Rússia, Peru, Armênia, em um total de 140 países. Quando se observa o indicador infraestrutura, o Brasil está na 80º posição, em ranking liderado por Cingapura.
No relatório de 2019 do Doing Business, publicado pelo Banco Mundial, que busca proporcionar uma medida objetiva dos regulamentos para fazer negócios e sua implementação em 190 países, o Brasil ocupa a 106ª posição. Há que se destacar que houve uma melhoria do posicionamento da economia brasileira – estávamos na 136ª colocação no ranking, atribuída aos esforços do governo federal na agenda de facilitação de comércio com a implantação do Portal Único do Comércio Exterior, na utilização do certificado digital e na melhoria dos tempos e custos das operações comerciais.
Por fim, mas de longe não menos importante, o nosso sistema tributário, que é altamente complexo, resultando em elevados custos para o setor produtivo e a sociedade brasileira. Em 2017, segundo a Receita Federal do Brasil, a carga tributária aumentou pelo terceiro ano consecutivo, atingindo o patamar de 32,43% do Produto Interno Bruto (PIB). Quando comparada a tributação por base de incidência, observa-se que para a base de bens e serviços o Brasil tributou, em média, 11,2% a mais do que os países da OCDE em 2016. E mesmo aparecendo entre os países de maior carga tributária, o Brasil está na 79ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), medida da qualidade de vida e bem-estar da população relativo ao ano de 2018.
Não há dúvidas de que a economia brasileira é fechada ao comércio internacional. Se a avaliarmos pelo critério – talvez o não mais adequado, mas o mais usual – da participação da corrente de comércio em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) de forma agregada, chegamos ao resultado de 24%, enquanto outras economias apresentam resultados melhores que o Brasil, como exemplo, o México (78%), Chile (56%), Estados Unidos (27%) e a Argentina (25%).
No entanto, ao se analisar a corrente de comércio avaliando os setores nacionais, evidencia-se que a indústria de transformação brasileira não é fechada (141%), muito menos o setor de BK (161%). O setor que contribui para que o país seja fechado neste tipo de análise é o de serviços (8%) e, neste ponto, cabe a observação de que, no mundo todo, é este setor que está no centro do debate sobre ganhos de produtividade e competitividade.
Para uma abertura comercial é necessária uma política coordenada, na qual as assimetrias de mercado sejam combatidas, como forma de assegurar a isonomia produtiva e a competitividade. Seria um erro supor que uma simples redução das tarifas de importação traria aumento da produtividade e competitividade brasileira sem a correção das irracionalidades enfrentadas pelo setor produtivo na economia brasileira.
É preciso ter em mente que uma abertura comercial malconduzida pode impactar severamente os fatores trabalho e capital no país. Essa política pode causar desemprego com impacto negativo nas regiões onde está concentrada a produção industrial, levando a migrações de famílias entre municípios ou estados, causando efeitos sociais de difícil ajuste. Em relação ao capital investido, o desajuste nessa ação pode levar ao fechamento de empresas trazendo gaps na produção industrial; e até mesmo deslocando o investimento para outros países.
Um modelo para abertura comercial
É legítimo que se reflita sobre um modelo de maior abertura comercial. Sobretudo em um momento em que a indústria nacional apresenta perda crescente de competitividade internacional e que o mundo passa por mudanças de estratégias de negócios.
A visão do setor é de que uma abertura negociada realizada em um ambiente de isonomia concorrencial seria benéfica para a economia brasileira ao permitir concomitantemente o acesso de bens brasileiros a mercados protegidos e dinamizar o ambiente empresarial por meio de uma competição saudável em que os melhores modelos de negócios prosperariam.
Como em todo problema de natureza complexa e causas interrelacionadas, a execução deste processo de abertura exigiria em sua implementação grande habilidade de coordenação para que medidas de melhoria do ambiente de negócios fossem intercaladas de modo racional a avanços no grau de abertura do mercado brasileiro. Isso criaria o espaço de manobra para que o setor privado reagisse às mudanças e evitaria a concentração dos benefícios obtidos em uma pequena parcela da população.
O que o setor vê com irrealismo é a crença por parte de alguns núcleos de decisão de que ao se aumentar a pressão por competição, o empresariado brasileiro será motivado a inovar e achará uma “solução”. Como se tal “solução” pudesse se manifestar por criação espontânea apenas se o empresariado nacional decidisse se “esforçar mais” e as mazelas do ambiente econômico brasileiro fossem fatores os quais o setor privado devesse, fatalisticamente, aceitar como imutáveis.
A agenda de competitividade
Diversos itens podem ser incorporados à agenda de competitividade, mas, ainda que exista uma enormidade de fatores impactantes na competitividade da indústria nacional, se propõe neste artigo o direcionamento de todos os esforços somente àqueles fatores considerados de maior abrangência, a fim de atingir positivamente a maior quantidade de setores e empresas. Portanto, medidas que tenham extensos impactos comuns e que sejam capazes de eliminar grande parte das assimetrias presentes na economia.
A seguir serão detalhadas aquelas que atendem a estes critérios.

  1. a) Redução do spread bancário

Há consenso por parte do setor produtivo e demais agentes econômicos brasileiros de que os spreads bancários no país precisam ter seus níveis reduzidos ao patamar da concorrência internacional. Nos últimos anos, houve uma queda da taxa básica de juros, a Selic, que hoje está em 6,5% a.a., contudo essa queda foi pouco sentida pelo tomador de crédito final. Em setores intensivos em capital de giro, como é o caso da indústria de BK, essa anomalia brasileira impacta diretamente em sua competitividade.
Dados divulgados pelo Banco Central do Brasil revelam que os juros médios reais para recursos livres praticados no país atingiram, em média, cerca de 15 pontos percentuais acima daqueles praticados nos Estados Unidos em 2018. Nesta direção, o estudo sobre o Custo Brasil da Abimaq (2018) aponta que o custo do capital de giro subtrai quase 11% da competitividade da indústria nacional – é o fator de maior relevância nas assimetrias sistêmicas do país.
Essa disparidade afeta o custo dos investimentos de uma máquina ao ser embutida no seu preço. Portanto, a disponibilidade de financiamentos em prazos adequados à amortização do equipamento e com juros compatíveis com o retorno do investimento é essencial para tornar possíveis e aumentar os investimentos produtivos.
Afeta também as exportações nacionais. O setor de bens de capital exporta 15% do total de bens manufaturados nacionais, participação que poderia ser muito maior se houvesse linha de financiamento com taxas e condições equivalentes àquelas existentes internacionalmente. É necessário ainda a expansão da abrangência dos mecanismos de seguro de crédito.
O Brasil precisa ainda de linha de financiamentos para aquisição de máquinas com juros menores que o retorno dos investimentos. Hoje, ela não existe. A melhor linha é a do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cujo custo total ultrapassa 12% a.a.
Ficou claro aqui que, o problema dos elevados spreads atinge todas as fontes de financiamento internas e, portanto, a sociedade brasileira de forma geral. Atacar o spread bancário deverá ser foco de um país que almeja se tornar produtivo e competitivo em âmbito internacional.

  1. b) Reestruturação das tarifárias alfandegárias

A reestruturação das tarifas alfandegárias não deve ser motivada apenas pela falta de padrão ou pelas elevadas tarifas em relação a outros países. Sua alteração deve considerar o seu papel como instrumento de realocação de recursos entre os diferentes setores da economia.
Faz-se necessário, portanto, a racionalização da estrutura tarifária brasileira de modo a permitir o acesso a matérias-primas a preços competitivos internacionalmente. Na atualidade, diversos setores produtivos se encontram fortemente pressionados pelos aumentos constantes dos preços das suas principais matérias-primas. As matérias-primas, além de possuírem tarifa modal muito próxima à aplicada ao bem final, muitas delas, em especial as advindas do setor siderúrgico, se beneficiam da aplicação de um grande número de medidas de defesa comercial contra os principais países fornecedores.
A reestruturação tarifária deve incentivar a produção de bens localizados a jusante do processo produtivo, aqueles que possuem maior valor agregado. Desta forma, a medida permitiria a estes setores concorrer em condições de isonomia perante seus concorrentes estrangeiros. Além disso, a alteração levaria em conta o dinamismo tecnológico dos setores, o mercado de trabalho, a qualidade da mão de obra e a estrutura regional.

  1. c) Mudança de base de cálculo dos impostos sobre a folha de pagamento

Entre os diversos custos operacionais de uma indústria, o dispêndio com mão de obra (fator trabalho) é um dos elementos que influenciam na competitividade nacional. O valor do salário pago ao trabalhador brasileiro é menor na comparação com as economias desenvolvidas. Isto, em princípio, traria uma vantagem competitiva, porém, nessa análise é necessária a inclusão dos encargos trabalhistas (impostos) que sobrecarregam a folha de pagamentos das empresas sem melhorar a renda do trabalhador. Em média, no setor de Bens de Capital, cada R$ 100 pagos ao trabalhador representa um custo de R$ 171 para o empregador.
A oneração do trabalho no Brasil é ocasionada por expressivas obrigações distintas e, por isso, faz-se necessário que o processo de desoneração da folha de pagamentos preserve a destinação de recursos mais eficientes e logre atingir patamares de contribuição capazes de manter um regime de seguridade social sadio sem onerar demasiadamente a produção.

  1. d) Reestruturação do sistema tributário

A competitividade do setor produtivo é altamente impactada por uma elevada carga tributária que não proporciona seu retorno em bens e serviços adequados prestados à sociedade. O sistema é altamente complexo, o que provoca altos custos tanto para o setor produtivo, como para a sociedade brasileira. Em 2017, segundo a Receita Federal do Brasil, a carga tributária aumentou pelo terceiro ano consecutivo, atingindo o patamar de 32,43% do PIB (RECEITA, 2017).
Quando comparada a tributação por base de incidência, observa-se que, para a base de Bens e Serviços, o Brasil tributou, em média, 11,2% a mais do que os países da OCDE em 2016. E mesmo aparecendo entre os países de maior carga tributária, o Brasil está na 79ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), medida da qualidade de vida e bem-estar da população relativo ao ano de 2018 (ONU, 2018).
Como vimos, a alta carga tributária brasileira por si já é uma desvantagem competitiva, mas parte dela representa um problema ainda maior ao ficar embutida nos insumos e serviços utilizados no processo industrial. Soma-se este elemento ao sistema tributário cumulativo que acaba onerando investimentos, exportações e gerando custo financeiro pelo recolhimento antecipado de impostos sobre insumos em relação ao recolhimento do valor dos bens vendidos.
Somente os tributos não recuperáveis, aqueles que se referem à parte não aproveitada como crédito no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e demais impostos, taxas e contribuições incidentes sobre vendas e serviços, comprometem cerca de 4 pontos percentuais da competitividade da indústria.
Em relação à cumulatividade, nas exportações, a demora de reaver os créditos acumulados gera inicialmente custo financeiro.  Mas, são comuns os casos onde, por falha do sistema jurídico que rege o sistema tributário brasileiro, os créditos acabam por se acumular constantemente, transformando-se em custo efetivo ao exportador e piorando ainda mais as condições de competitividade.
O sistema tributário tira a competitividade do setor produtivo por meio do estabelecimento de prazos de recolhimento dos impostos que colocam os interesses arrecadatórios na frente da eficiência produtiva. No setor de BK, observa-se que os prazos de recolhimento dos tributos em vigor obrigam as empresas desse setor a recolherem os impostos e contribuições incidentes sobre suas notas fiscais de insumos antes mesmo da conclusão da máquina encomendada, gerando elevado custo financeiro. Como visto, o insumo mais caro do setor produtivo é o capital de giro.
Resultado esperado
A correção dos quatro fatores citados acima possibilitará a eliminação de mais de 80% das assimetrias sistêmicas do país. O ganho de competitividade que a indústria nacional teria com estas correções permitiria ao setor produtivo de BK um ganho de competitividade suficiente para fazer frente a uma abertura comercial ao redor de 8 p.p., ou seja, a uma queda da atual alíquota de imposto de importação de 14% para cerca de 6%.
Paralelamente a esta agenda, outras ações deverão ser mantidas no intuito de eliminar ainda mais a burocracia, melhorar a infraestrutura logística e o custo de energia elétrica, fatores essenciais para a garantia da isonomia competitiva das indústrias nacionais.
Conclusão
Ao tratar de uma economia com as dimensões do Brasil, é essencial ter em mente que não apenas as regiões têm comportamentos distintos, como também os diversos setores e subsetores que a compõem. Assim, ao planejar a abertura comercial é necessário levar estes fatores em consideração e lidar com as reais causas da baixa competitividade.
A perfeita mobilidade de capital e mão de obra, premissas dos modelos clássicos usualmente utilizadas em cálculos de impactos de abertura comercial, minimizam os efeitos negativos a ela relacionados, mas precisa ser tratada com muita atenção, porque na prática, não há como esta realocação ocorrer de maneira instantânea e sem custos entre setores e regiões.
A mobilidade do capital pode implicar inicialmente um sucateamento de ativos, em função dos processos de falências, ações trabalhistas etc., e somente num segundo momento poderia haver a efetivação de um novo investimento, ainda assim depois de se considerar riscos envolvidos no negócio como disponibilidade de recursos, licenças, entre outros.
A existência de mobilidade de mão de obra exige a perfeita alocação de recursos produtivos, o que de fato não ocorre. Seriam necessárias ações que passam ao largo das respostas que são dadas pelos modelos, como serviços públicos, habitações, entre outras. Segundo o World Economic Forum, o Brasil ocupa a 138º posição no ranking de mobilidade da mão de obra. Utilizando esse fator na sensibilização, o modelo sugere um resultado do PIB oposto, ou seja, de queda no lugar do crescimento esperado.
Nos últimos anos já passamos por uma forte onda de encolhimento do PIB e principalmente dos investimentos no país, mais fortemente nos setores de infraestrutura e industrial, que como sabemos piorou a produtividade relativa brasileira e aumentou a vulnerabilidade de sua economia frente ao mercado internacional. Sob este prisma, a intenção do governo de melhorar a produtividade do país é louvável e desejada.
No entanto, uma agenda de competitividade deverá ir além da redução das alíquotas de imposto de importação de BK. É essencial que tal política de recuperação de produtividade priorize ações com impactos positivos em todos os elos das cadeias produtivas e estimule ao máximo possível a geração de empregos no país, prevendo que uma maior participação do Brasil no comércio internacional demandará uma mão de obra qualificada e, para isso, o país precisará elevar o grau de educação ofertada à população, a fim de que essa força de trabalho reforce a elevação da produtividade.
Por outro lado, se essa agenda de qualificação não for executada adequadamente, a abertura comercial significará graves problemas estruturais, com perda de postos de trabalhos, desemprego, informalidade e a perda de elos produtivos de alto valor agregado de modo permanente.
Em outras palavras, a abertura comercial faz parte de uma estratégia ampla que depende de outros fatores igualmente ou mais relevantes.  Junto a ela, torna-se essencial uma agenda de competitividade nacional de longo prazo com políticas horizontais transparentes em favor de toda a indústria e implementada de modo ordenado pelo Estado brasileiro em um horizonte temporal exequível.
A estratégia de inserção comercial do Brasil no comércio global deverá considerar o contexto mundial, o qual atualmente está sob ameaças crescentes de protecionismo, mudanças tecnológicas e produtivas advindas da Indústria 4.0. Engajar-se em uma reforma ampla que não seja construída de maneira estratégica, de acordo com os elementos elencados até́ aqui, poderá contribuir para a perda de dinamismo das atividades industriais no país. Se realizada de forma abrupta e isoladamente, poderá causar danos irreversíveis em diversos elos da cadeia produtiva.


É presidente executivo da Abimaq/Sindimaq desde 2013; membro do Conselho Deliberativo da ABNT desde 2018; diretor eleito da Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – desde 2010; membro do Conselho Deliberativo da Investe SP – Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade desde 2010; membro do Conselho Deliberativo da Onip – Organização Nacional da Indústria do Petróleo – desde 1998; 3º vice-presidente da Abimaq/Sindimaq de1998 a 2007 e 1º vice-presidente da Abimaq/Sindimaq de 2007 a 2013; diretor da Empresa PTI – Power Transmissores Industriais do Brasil S/A – de 1992 a 2013; executivo da Empresa Voith S/A Máquinas e Equipamentos de 1984 a 1992; engenheiro mecânico pela Faap – Fundação Armando Alvares Penteado – em 1985 e administrador de empresas pela FGV – Fundação Getúlio Vargas –, com MBA em Finanças e Marketing, 1989.

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