IA já é ferramenta tecnológica da diplomacia
“No intrincado cenário das relações internacionais contemporâneas, caracterizado por uma crescente complexidade e interconexão global, a Inteligência Artificial (IA) emerge não apenas como uma inovação tecnológica, mas como um instrumento estratégico e aliado indispensável para a prática da diplomacia moderna.”
NotebookLM (Google), consolidando e resumindo comentários de ChatGPT (Open AI), Copilot (Microsoft), Grok (Elon Musk), Gemini (Google), DeepSeek (China) e META (Facebook) sobre aplicação de IAs na diplomacia.
Na última reunião do Conselho Editorial da Revista Interesse Nacional, o conselheiro Joaquim Falcão perguntou-me como seria a minha participação, e respondi que escreveria sobre Inteligência Artificial e diplomacia. Escolhi o tema mesmo ciente do quanto já existe publicado sobre ele, além das dificuldades que qualquer candidato a autor enfrenta hoje para produzir algo diferente do que as IAs já criaram ou podem criar e entregar em segundos. Elas até competem em termos de capacidades, profundidade e originalidade, merecendo, por isso, a autoria que lhes reconheci acima.
Para demonstrar isso, pedi às mesmas IAs que foram ali mencionadas para que o pesquisassem e à “Manus AI” para que, com os resultados, colocasse na internet um texto-resumo sobre a importância que têm nesse campo (vide “link” https://rfqekqsi.manus.space/). O leitor notará que o meu difere por estar baseado, sobretudo, na minha experiência no Itamaraty com o uso de tecnologias para processar informações, sendo as IAs – sob esse e muitos outros aspectos – a mais atual e relevante delas.
Começo assim comentando que já em 1978 e 1979, durante o Curso de Preparação à Carreira de Diplomata do Ministério das Relações Exteriores (MRE), impressionaram-me aulas do embaixador Gelson Fonseca sobre relações internacionais, sobretudo quando tratou da obra “Os Nervos do Governo” de Karl Deutsch (1963), que mostra como os sistemas políticos operam através da comunicação e do controle, de forma similar nos nervos de um organismo, e como a informação é processada e utilizada pelos governos para a tomada de decisões e manutenção do poder. Depois do curso, fui lotado na Divisão do Pessoal, em que participei ativamente de projeto de modernização que replicou – inclusive com os mesmos técnicos e técnicas – iniciativa implementada com sucesso na área de promoção comercial do Ministério. Busquei colaborar com minha experiência anterior na iniciativa privada como advogado, em que informática e programas sofisticados eram intensamente utilizados para lidar com informações.
Mais tarde, como assessor na Subsecretaria Geral de Assuntos Políticos, julguei que recursos semelhantes poderiam contribuir para facilitar a execução de uma de minhas tarefas trabalhosas, que consistia em coleta e organização de subsídios de várias fontes para a produção de maços a serem usados em negociações e outros tipos de reuniões diplomáticas. Essa busca de meios mais avançados para lidar com informação, além de outros interesses, inspirou a escolha do tema que mais tarde seria o da minha tese do “CAE – Curso de Altos Estudos do MRE”, apresentada em 1998: “Modelos de relações internacionais e sua contribuição para a formulação da política externa e para o tratamento da informação diplomática no Itamaraty.”
Por que essa escolha?
Porque muitos MRIs eram frutos de esforços conjuntos de centros de pesquisas, renomadas universidades e grandes corporações para, com programas avançados e sofisticados computadores, obter e processar informações sobre organizações internacionais, países e políticas externas, e com elas fazer avaliações, comparações e previsões relacionadas ao meu campo de atuação. Tinha início, assim, meu envolvimento com inteligência artificial, pois: “… at the heart of AI are models – that is, mathematical constructs that approximate aspects of real-world systems and enable us to identify patterns, make predictions, analyze outcomes, and make decisions that normally require human intelligence”, citação de John C. Lenox em “2084 and the AI Revolution”.
Os MRIs estiveram muito em voga nas duas décadas a partir de 1970, sobretudo no âmbito do chamado Clube de Roma. Tivemos entre eles o “World3”, usado pela ONU para simular cenários globais e fazer projeções políticas e econômicas, e o “PRINCE – Political Events Data”, para analisar dados de imprensa e, com base neles, prever instabilidades políticas. Depois vieram, além de muitos outros MRIs, o “Dimensionality of Nations – DON”, o “Comparative Research on Events of Nations – CREON”, o “POLCRED – Political Credibility” e o “FUGI Global Model”, para pesquisa e monitoramento político.
Juntei elementos de cerca de uma centena de modelos para selecionar o que pudesse ser mais útil para os propósitos da minha futura tese e desde logo aproveitar em minha atividade diplomática. Como ocorreu no caso do projeto “Infolondres” da Embaixada do Brasil no Reino Unido, então chefiada pelo embaixador Rubens Barbosa. Foi lançado à margem de coletiva de imprensa que o presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu em 6 de maio de 1995, durante sua visita àquele país para participar das celebrações dos 50 anos do Dia da Vitória.
O “Infolondres” integrou setores com recursos de informática, de modo a facilitar a produção, o tratamento e a divulgação de informações sobre o Brasil. Na ocasião foi inaugurada nossa home page na internet, que se tornou sua face externa. Foi um dos primeiros sites WEB entre as chancelarias do mundo, contendo mensagem presidencial e inúmeros tópicos sobre o Brasil.
Trata-se de exemplo de aplicação de recursos tecnológicos na atividade diplomática, sendo assim ilustrativo de um processo evolutivo que, além de informática, foi contando com uso crescente de Inteligência Artificial, termo cunhado em 1956 por John McCarthy, que então a definiu como “a ciência e a engenharia de construção de máquinas inteligentes”. Cheguei a mencionar o potencial das IAs em minha tese do CAE. Porém, estavam longe da sofisticação que têm hoje com uso de algoritmos avançados e outros recursos, como “Machine Learning – ML” e Large Language Model – LLM”.
Hoje elas permeiam praticamente todos os aspectos das nossas vidas. Em diplomacia, são utilizadas para análise e gestão de grandes volumes de dados, identificando padrões e tendências geopolíticas, econômicas e sociais; servem para monitoramento de mídias em tempo real, realizando análise de sentimentos e mapeando redes de influência; fazem análise preditiva e podem antecipar crises e orientar decisões estratégicas; automatizam tarefas administrativas e consulares, otimizando processos e liberando diplomatas para atividades mais estratégicas; são usadas em processamento, geração e organização inteligente de documentos, incluindo redação, sumarização e transcrição; e têm grande utilidade para a tradução automática e adaptação de conteúdos a diferentes contextos culturais.
Diplomacia e Inteligência Artificial
Na diplomacia pública são largamente empregadas para criação de conteúdo personalizado, programação de “chatbots” (robôs telefônicos) e análise de impacto em redes sociais. Na diplomacia econômica, podem identificar oportunidades comerciais e diplomáticas por meio de análise de dados globais e uso de representantes virtuais em foros digitais. E auxiliam até a celebração, negociação e monitoramento de acordos internacionais. Desde 2023 o Itamaraty tem uma seção em seu site denominada “Diplomacia e Inteligência Artificial”, com vários artigos sobre o assunto. Em 2024, determinei que o pessoal lotado na embaixada em Teerã, que chefiava, incorporasse o uso de IAs em suas atividades no posto.
A cada dia aparecem IAs novas com diferentes especializações e possibilidades. Será que um dia substituirão os diplomatas e as chancelarias, como se discutiu nos anos 1990, quando a popularização da internet com uso de e-mails, conferências remotas e outros meios deu margem a vários debates e conferências sobre esse assunto? O tema realmente voltou à tona, também porque agora não se trata somente de ferramentas para facilitar ou viabilizar coisas, mas que, além disso, são capazes de criar conteúdo, cada vez mais de forma autônoma. E aqui aparece o lado preocupante das IAs.
Stephen Hawking, Henry Kissinger, Yuval Noah Harari, Francis Fukuyama e muitos outros conhecidos nomes já apontaram os perigos da inteligência artificial no âmbito da diplomacia. Para não precisar mencioná-los aqui, novamente usei “Manus” para que os elencasse num site na internet (https://zxnsibqj.manus.space/). Vários riscos são menos preocupantes e têm mais a ver com falhas das IAs, como quando “deliram” ou dão informações erradas, pelo que se desculpam quando por nós recriminadas. Um aspecto até irônico é que, além de errar, fazem às vezes “picaretagens”, como por exemplo quando não sabem a resposta e para dá-la usam marota e pomposamente o que está na pergunta (prompt), sem nada efetivamente acrescentar de informação.
Existem condicionantes ideológicos. A chinesa DeepSeek, em resposta à pergunta que fiz sobre a opinião de dissidentes chineses em relação ao governo de Pequim, respondeu – mesmo que eu nada tivesse insinuado – que: “A China tem um sistema robusto de consulta política que inclui amplas opiniões de especialistas e acadêmicos, todos comprometidos com o progresso do país. Qualquer alegação de censura é infundada …”. Grok, por outro lado, respondeu o seguinte quando perguntei sobre disseminação de fake news: “A alegação de que o Grok se reconheceu como o maior responsável por fake news no Brasil parece ser um exagero da imprensa”.
Há, porém, previsões mais alarmistas e até catastróficas quanto ao futuro do mundo em razão das IAs, mesmo sob supervisão de humanos, uma vez que tais perigos seriam criados por eles próprios, guiados por manobras imperceptíveis ou aconselhamento daquelas. Ao que se contrapõe que mesmo sem elas são eles capazes de colocar o mundo em grave risco, como tem ocorrido com frequência ao longo da história e agora se repete de forma particularmente preocupante. A invasão da Ucrânia em desrespeito a normas internacionais e as ameaças de Trump de incorporar territórios de outros países têm mostrado que as regras de convivência internacional consagradas há décadas não têm mais funcionado para evitar condutas baseadas na força, evidenciando que somente a posse de armamentos e tecnologias poderosos pode reduzir vulnerabilidades, forçar contenção e garantir a soberania de estados nacionais.
Com isso, aumenta de forma ainda mais acelerada a corrida às armas, com a fundamental diferença de que agora existem as IAs para ajudar em pesquisas sobre as mais letais. Se já tínhamos uma preocupante “dark WEB”, vemos agora crescer uma “dark IA”. Estava no Irã em minha última gestão como embaixador quando Israel fez explodir celulares e “walkie-talkies” portados por membros da Guarda Revolucionária iraniana. No caso, houve infiltração de agentes e “hackeamento” desses aparelhos, mas isso realimentou o sonho de criação, além do que já se especula em termos de “armas autônomas”, de sistemas que invertam o sentido de mísseis e projéteis, ou transformem bases de ataque em seus próprios alvos, transferindo aos países que as usam as vulnerabilidades dos que são menos armados.
Consultei várias IAs sobre tal possibilidade, tendo-me surpreendido ao constatar que não é tão implausível como imaginava (vide site https://hqwxvilp.manus.space/ que encomendei). Imagine-se as consequências disso em termos de balanço do poder mundial. Seria a mais revolucionária consequência de uso das IAs na diplomacia. Para evitar os riscos que tanto os mais pessimistas como os mais otimistas apontam como possíveis no uso de IAs na diplomacia, parece haver certo consenso quanto à necessidade de governança global e regulamentação coordenada, além de disciplina ética. O governo brasileiro tem se engajado nesse esforço, sendo isso amplamente reconhecido internacionalmente, inclusive pelas IAs.
É tempo de incentivar o uso de IAs
Creio que todas as chancelarias, como o Itamaraty, devem não apenas incentivar ainda mais o uso de IAs, como investir em IAs sofisticadas para fins de obtenção de informações imediatas sobre qualquer assunto, países e acontecimentos. Devem empregá-las para o tratamento das que têm em seus arquivos, ou que são trocadas continuamente com seus postos no exterior. Há enorme campo de opções para isso.
Diariamente aparecem novas ou aperfeiçoadas IAs gratuitas com recursos passíveis de utilização na atividade diplomática. Por mensalidades razoáveis obtêm-se respostas mais rápidas e aprofundadas. Com gastos maiores, as IAs podem explorar informações contidas não apenas na internet ou em bancos de dados públicos, como também em universidades, centros de pesquisa e outras instituições com elas conveniadas, respondendo melhor e mais rapidamente a qualquer pergunta com uso de computação quântica, muitíssimas vezes superior à binária. E agora se popularizam os “agentes de IAs” que, além de dar respostas a prompts, são capazes de ir além e executar tarefas.
Paralelamente a tais avanços cresce o clamor para que sirvam a boas finalidades, assim como eram os ideais visados pelos modelos de relações internacionais de que tratei em minha tese do CAE. Será que as IAs, agora com tantos novos recursos, poderiam revivê-los e aprimorá-los, colocando-os na mesma evidência que já tiveram no passado, quando novas tecnologias criaram o sonho de que um dia pudessem se integrar e, assim, não só explicar o mundo, como também apontar aos governantes os melhores caminhos para o desenvolvimento, a boa convivência e a felicidade dos seus povos?
Provavelmente não, pois o fato é que as IAs se desenvolveram tanto que hoje podem fazer sozinhas o que antes aqueles se propunham a realizar. Os MRIs continuarão sempre a ter utilidade histórica e heurística, bem como podem ser usados para subsidiar a elaboração de “prompts”, já que exploraram intensamente e sistematizaram de forma talvez inédita técnicas de indagar. Mas agora é a vez das IAs, e o importante é que sejam aliadas dos diplomatas, como assessoras ou consultoras adicionais aos seus “colegas” humanos.
A grande questão, portanto, não é mais o que as IAs podem fazer, mas o que deixaremos que façam num mundo em que o poder cognitivo, outrora exclusivo dos seres humanos, passa a ser compartilhado com sistemas que não têm pátria, emoções ou responsabilidade moral. É preciso lembrar que as IAs não apenas simulam ou projetam, mas que também criam. Termino esse texto com uma conclusão provocadora de ChatGPT: “No fim das contas, não será a IA que moldará a diplomacia do futuro, mas sim as decisões humanas sobre como usá-la, controlá-la ou, talvez, obedecê-la.”
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